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sexta-feira, 14 de junho de 2019

A palavra e o Estado de Direito

Novo artigo em Aventar


por Bruno Santos

Aquilo que transforma o habitante da cidade num Cidadão não é a Geografia, mas o Direito. Cidade e Cidadão são institutos jurídicos através dos quais se materializa a Cidadania e, assim, os pilares fundamentais do Estado de Direito Democrático. Não existe, obviamente, Cidadão sem Cidadania e esta apenas pode subsistir num contexto onde impere o primado da Lei, a independência dos poderes e a liberdade de escolha.

É o Estado de Direito Democrático, enquanto estrutura jurídico-administrativa, que confere ao Cidadão a prerrogativa de exercer e materializar a Cidadania. A maioria dos instrumentos constituintes dessa estrutura jurídico-administrativa não está, porém, ao alcance do Cidadão comum, por um conjunto de motivos, conhecidos ou desconhecidos, todos eles ilegítimos, que não importa aqui indagar. A Cidadania acaba por exercer-se, quando se exerce, com recurso a um repertório mínimo de instrumentos - é o Estado de Direito Democrático Mínimo. O mais universal, democrático e acessível desses instrumentos é a Palavra. É por isso que só em Estados Totalitários, que não são, portanto, compostos por Cidadãos, se limita, condiciona ou suprime, por acção ou omissão, o direito ao seu uso legítimo.

Algo ou algo mais

Opinião

Miguel Guedes

Hoje às 00:01

ÚLTIMAS DESTE AUTOR

Fazer-nos acreditar em algo, seja a preto e branco ou em tons de fúchsia, é o desígnio que a classe política é convidada a adoptar e percorrer de lés a lés, da Direita à Esquerda, pelo convidado presidencial do 10 de Junho, mestre-de-cerimónias João Miguel Tavares (JMT).

Galardoado com um discurso transversal a todo o espectro político, nesse lugar de comunhão que o senso comum interioriza por altura das celebrações em que se sopram velas. Se retirarmos a política do discurso, sobeja um belíssimo manual de instruções para o bom comportamento moral e cívico. Haja princípios.

Mesmo que da sua política não reze a História, o "karma moral" de JMT é o discurso mais interessante e memorável das últimas celebrações do 10 de Junho. Dir-me-ão que 10 anos de discursos foram ocupados por Cavaco. É verdade. Mas isso só aporta maior grandeza ao discurso do cavaquista JMT, defensor do homem das quatro maiorias enquanto primeiro-ministro. Nem a nota de alienação ao povo do "dêem-nos alguma coisa em que acreditar" mancha um bom pedaço de pacífica portugalidade em dia da raça. Não será por acaso que Portugal aparece em 3.º lugar no mais recente ranking dos países mais pacíficos do Mundo (só atrás da Islândia e Nova Zelândia) ou assiste ao crescimento exponencial do PAN: há um país que se revê benignamente em palavras fofas recortadas com avisos à navegação. JMT capturou esse país adiado, plantado à beira-mar como se o dia 10 de Junho ainda fosse mesmo o dia da nossa raça.

Não sei se será necessário nascer duas vezes mas, por cada português que se abate, há logo outro que se levanta. No momento em que o "The New York Times" resolve banir cobardemente, à boleia de um português, qualquer cartoon da sua edição internacional (após as acusações de antissemitismo pela publicação de um cartoon de António Antunes que retratava Donald Trump com um "kipá" e óculos escuros a ser conduzido por um cão-guia com a cara de Benjamin Netanyahu), há um outro português que faz a capa da revista "Time", António Guterres. O secretário-geral das Nações Unidas é fotografado em estado de emergência na Polinésia, fato banhado pelos joelhos nas águas de Tuvalu, alertando para a urgência do combate às alterações climáticas num dos países na orla da submersa devastação pela subida do nível da água nos oceanos. "Alguma coisa em que acreditar". É preciso acreditar que não somos melhores nem piores que ninguém mas que ainda é possível fazer diferente. E aí, confesso, teremos que entrar no império da memória. No momento em que se debate se Vítor Constâncio, ex-governador do Banco de Portugal, autorizou ou não Joe Berardo a levantar 350 milhões da CGD para comprar acções do BCP, é possível olhar para as alterações climáticas como uma oportunidade para povoar áreas inóspitas da Sibéria até ao fim do século XXI. É também por isso que na portugalidade ou no Mundo, uma questão de perspectiva não se resolve com "algo".

*Músico e jurista

Não há comboios? Queixem-se ao Ronaldo

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 14/06/2019)

Daniel Oliveira

Como se esperava, as transportadoras da zona de Lisboa registaram um grande aumento do número de passageiros após a entrada em vigor dos novos passes. A procura na Fertagus (comboio da Ponte 25 de Abril) cresceu 19,2%, a Transtejo/Soflusa (ligações fluviais) 8,3%, o Metro 4,4%, a Carris 5,6%. O crescimento foi tal que Fertagus e Metropolitano de Lisboa decidiram retirar bancos para caberem mais pessoas. A Fertagus está a adaptar o seu horário e estuda a possibilidade técnica de acrescentar uma carruagem, mudança que deverá demorar dois anos. Os Transportes a Sul do Tejo (TST), Metro e Carris estão a aumentar a oferta. A Transtejo/Soflusa diz que “os atuais constrangimentos operacionais e de recursos humanos inviabilizam o reforço da oferta”.

Os últimos meses têm sido marcados por protestos de autarcas e passageiros contra as supressões de comboios e barcos. Há pessoas a dormir no cais por não conseguirem regressar a casa, na margem sul. Na linha de Sintra, foram suprimidos, desde o dia 8 de maio, 117 comboios. E as coisas ainda vão piorar mais, com supressão de dois comboios na hora de ponta na linha de Sintra e encerramento de bilheteiras na linha de Sintra e Azambuja. Assistimos a um momento de pré-colapso dos transportes suburbanos em Lisboa e imagino que a situação no Porto não será melhor. Se a situação era má antes de abril, com a redução drástica dos passes sociais a pressão aumento muito mais.

Escrevi, quando foi aprovada a redução e unificação do preço dos passes sociais, que isso iria aumentar a pressão popular sobre a qualidade dos transportes, com a chegada de novos utentes. Que os transportes públicos iriam ter mais procura e iriam ser vistos como um serviço público. Um direito. Isso é excelente e, perante a crise ambiental que vivemos, indispensável. Falta saber a quem se bate à porta para que as coisas se resolvam. A visibilidade dos protestos tem de ser maior. Até chegarmos ao ponto que quem mantém os investimentos parados seja obrigado a dar resposta.

Assistimos a uma injustiça política. O ministro das Finanças é o mais popular deste governo. Até lhe chamaram “Ronaldo das Finanças”. Tem a medalha das “contas certas”, do défice zero, do bom aluno europeu. Enquanto isso, o ministro da Saúde e o dos Transportes, primeiro Adalberto Campos Fernandes e Pedro Marques, agora Marta Temido e Pedro Nuno Santos, para além de Matos Fernandes (que tem os transportes urbanos), são responsabilizados pelo colapso dos serviços públicos.

Esta divisão de tarefas, em que um fica com as vantagens políticas da poupança e os outros com o prejuízo político da falta de investimento, não é apenas injusta. É perversa. Porque afasta a pressão política de quem tem a chave do cofre e, por isso, a solução do problema. A António Costa até dá jeito. Queima ministros e mantém-se, ele próprio, a leste de tudo. Sabendo que nenhum ministro virá a terreiro responsabilizar Centeno ou o próprio primeiro-ministro pela catastrófica situação de Transportes e Saúde.

Só que as coisas estão a chegar a um ponto em que vão mudar. A excelente medida de reduzir os passes sociais, aumentando a procura, criará a uma pressão política a que felizmente Costa não poderá continuar a fugir. E quando a culpa deixar de cair sobre os ministros que se sucedem sem dinheiro para resolver os problemas, garanto-vos que Centeno receberá finalmente um telefonema. É preciso pressionar mais. Os autarcas, os passageiros, a comunicação social, a oposição e os partidos aliados, até o PS. Transformar a questão dos transportes e da saúde em assunto político diário. Cada caso. Obrigar o Ronaldo a largar a bola. Perguntar: de que serve baixarem os preços dos passes sociais se nos transportam como gado? A luta pela qualidade dos serviços públicos é a mais relevante destes meses. Se começar a fazer estragos políticos Costa vai finalmente perceber que tem escolhas a fazer. E se Costa perceber Centeno também percebe. É neles que tem de estar a pressão.

Bolsonaro não é ultradireitista, soberanista, fascista. Ele é demente

OPINIÃO

Mino Carta

MINO CARTA

10 DE JUNHO DE 2019

Não há como definir a ideologia bolsonarista, somente cabe dizer que com o eleito em 2018 pela maioria a demência tornou-se forma de governo

Tenho a dolorosa certeza de que os analistas da monstruosa crise provocada pelo golpe de 2016, impulsionado desde 2014 pela Lava Jato e obrado pelos próprios poderes da República, e finalmente coroado pela eleição de Jair Bolsonaro, nada sabem a respeito do seu país. Para citar um exemplo recente, leio no Estadão de sábado 1º de junho que, em visita a Goiás, o capitão defendeu a “agenda conservadora”. Conservadora? Salvo raras exceções, jornalistas, colunistas, pensadores dos mais diversos matizes imaginam viver em outro lugar que não o Brasil.

Uma terminologia viável até hoje em países democráticos e civilizados não se adapta às nossas circunstâncias: conservadores e progressistas não medram por aqui. Esquerda e direita são termos inaceitáveis quando a casa-grande e a senzala continuam de pé. Não há como definir a ideologia bolsonarista, somente cabe dizer que com o eleito em 2018 pela maioria a demência tornou-se forma de governo. Bolsonaro não é ultradireitista, soberanista, fascista. Ele é demente. A irreparável enfermidade que o acomete, e aos filhos, e ao governo em peso, a sua incapacidade política, a sua ignorância abissal, a sua visão primitiva do mundo, o seu temperamento atrabiliário o impossibilitam definitivamente a cumprir a tarefa que os eleitores lhe entregaram e que os generais garantem. Temos razões de sobra para temer, entretanto que o Brasil o mereça, imerso cada vez mais em uma Idade Média dos tempos mais obscuros.

Cabem no cenário a jactância cômica dos privilegiados que já sonharam com Paris e hoje com Miami, o ódio social e de classe insopitável e de inaudita ferocidade, enquanto os desvalidos, a maioria sofredora e resignada, sem consciência da cidadania, não percebem o destino que lhe reservou uma distribuição de renda iníqua e a incompetência de uma pretensa esquerda.

Sérgio Moro é corrupto?

14/06/2019 by João Mendes

JBSM

Fotografia via Deutsche Welle

CORRUPÇÃO

cor.rup.ção
kuʀuˈpsɐ̃w̃
nome feminino
1. DIREITO aliciamento de uma ou mais pessoas, geralmente através dão oferta de bens ou de dinheiro, para a prática de actos ilegais em benefício próprio ou de outrem; suborno
2. DIREITO prática de ato lícito, ilícito ou de omissão contrária à lei ou aos deveres de determinado cargo, por parte de alguém que, no cumprimento das suas funções, aceita receber uma vantagem indevida em troca da prestação de um serviço
3. decomposição de matéria orgânica; putrefacção
4. modificação das características originais de algo; adulteração
5. figurado degradação de costumes, de valores morais, etc.; perversão

(via Infopédia/Porto Editora)

Em 2016, quando Sérgio Moro levantou o sigilo das escutas feitas a Lula da Silva e Dilma Rousseff, afirmou que o povo devia saber o que fazem os seus governantes. Agora é ele o governante e o povo descobriu umas mensagens que o colocam em cheque e revelam uma conspiração e viciação do julgamento de Lula da Silva – independentemente das nossas opiniões sobre o seu desfecho – que parecem indicar que Moro violou a lei para aplicar a sua lei. E que o ministério que hoje dirige foi uma compensação por importantes e decisivos serviços prestados. Em princípio, será corrupção. Será possível? O impoluto Sérgio Moro?

Hoje, promovido a ministro da Justiça, colhe os louros da militância justicialista e integra um governo cujo líder beneficiou, mais do que ninguém, das manobras de Moro à margem da lei. Já não é um simples juiz a negociar maroscas pelo Whatsapp. É um dos homens mais poderosos do Brasil. E o povo, como afirmou um dia, merece saber o que fazem os seus governantes. Resta saber se, por trás da militância, estava algum “incentivo”. A julgar pelo cargo que agora ocupa, e pela defesa apaixonada e aguerrida que faz do fascista que governa o país, é possível que alguém lhe tenha colocado uma cenoura à frente dos olhos. E ele não se fez de rogado. Afinal de contas, falamos do mesmo Sérgio Moro que, em 2017, aqui mesmo em Portugal, afirmou que nunca iria para a política.