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quarta-feira, 27 de maio de 2020

Governo alemão resgata Lufthansa

De  euronews  •  Últimas notícias: 26/05/2020 - 10:09

Governo alemão resgata Lufthansa

Direitos de autor Michael Probst/Copyright 2020 The Associated Press. All rights reserved

A Lufthansa e o governo alemão chegaram a acordo para uma operação de resgate no valor de 9 mil milhões de euros, para impulsionar o setor de aviação. Com este pacote de resgate o governo terá dois assentos no conselho de administração e uma participação de 20% no grupo - proprietário de companhias aéreas na Alemanha, Áustria, Suíça e Bélgica.

A empresa vai encerrar a operadora de baixo custo Germanwings e planeia eliminar 10 mil postos de trabalho.

Segundo o ministro das Finanças da Alemanha, Olaf Scholz, o compromisso preparado tem em conta o momento atual e quando a empresa voltar a funcionar normalmente, o estado venderá as suas ações. Disse ainda ser esta a sua esperança enquanto ministro e que a pequena margem de lucro vai permitir o financiar os pedidos de apoio de várias outras empresas, não apenas da Lufthansa.

Trata-se da maior operação de resgate desde a crise do novo coronavírus. As autoridades de Berlim criaram um fundo de 100 mil milhões de euros para dar apoio a empresas atingidas pela crise sanitária.

O empréstimo do Estado francês no valor de 7 mil milhões de euros concedido à Air France-KLM no mês passado incluiu um compromisso para reduzir as emissões de carbono para metade até 2024.

As transportadoras aéreas norte-americanas American Airlines, United Airlines e Delta Air Lines também pediram ajuda ao estado.

terça-feira, 26 de maio de 2020

Os EUA declaram guerra ao mundo através das vacinas

por estatuadesal

( Prabir Purkayastha, in Resistir, 26/05/2020)

Donald Trump lançou uma nova guerra de vacinas, mas não contra o vírus. Foi contra o mundo. Na Assembleia Mundial da Saúde, os EUA e o Reino Unido foram os dois únicos países a se manifestarem contra a declaração de que as vacinas e os medicamentos para o Covid-19 deveriam estar disponíveis como bem público, e não através de direitos exclusivos de patente.

Tendo falhado na sua resposta ao Covid-19, Trump tenta recuperar as suas hipóteses eleitorais para as eleições de Novembro deste ano, prometendo uma vacina precoce. O seu lema "Fazer a América grande outra vez" (Make America Great Again) consiste agora em vacinas para "US" ( (nós ou Estados Unidos), mas o resto do mundo terá que fazer fila, esperar e pagar o que as grandes empresas farmacêuticas peçam, pois são elas que irão deter as patentes.

Em contraste, todos os outros países concordaram com a proposta da Costa Rica na Assembleia Mundial da Saúde, de que deveria haver uma fusão das patentes para todas as vacinas e medicamentos Covid-19. O presidente Xi disse que as vacinas chinesas estariam disponíveis como bem público, visão compartilhada também pelos líderes da UE. Entre as oito vacinas na Fase 1 e 2 dos ensaios clínicos, os chineses têm quatro, os EUA duas, o Reino Unido e a Alemanha uma cada um.

Trump apresentou um ultimato à OMS com a retirada permanente de fundos se a organização não alterar as suas orientações no prazo de 30 dias. Em nítido contraste, quase todos os países na Assembleia apoiaram a OMS, incluindo aliados próximos dos EUA. O fracasso dos CDC (Centers for Disease Control and Prevention) contra o Covid-19, com quatro vezes o orçamento anual da OMS, é bem visível. O CDC falhou em fornecer um teste bem-sucedido para o SARS-CoV-2, mesmo dois meses depois de a OMS ter distribuido kits de teste bem-sucedidos para um grande número de países. Trump ainda tem que responsabilizar a sua administração e o CDC por esse erro criminoso. Isso, mais do que qualquer outra falha, é a razão pela qual os números dos EUA para o Covid-19 são agora mais de 1,5 milhões (em 16 de Maio) e cerca de um terço de todas as infecções globais. Compare-se com a China, a primeira a enfrentar uma epidemia desconhecida, parando-a nos 82 mil infectados e aquilo que países como o Vietname e Coreia do Sul fizeram.

Escrevemos anteriormente que, se não abordarmos a questão dos direitos de propriedade intelectual nesta pandemia, provavelmente veremos uma repetição da tragédia da HIV. Durante 10 anos morreram pessoas, porque o medicamento patenteado contra o HIV custava entre 10 e 15 mil dólares para o fornecimento para um ano, muito além das possibilidades das pessoas. Finalmente, foram as leis de patentes indianas que até 2004 não permitiam tais patentes, que ajudaram as pessoas a receber remédios contra o HIV a menos de um dólar por dia, ou 350 dólares pelo fornecimento para um ano. Hoje, 80% dos remédios contra o HIV no mundo vêm da Índia. Para as grandes empresas farmacêuticas, os lucros estavam acima das vidas e continuarão a estar, a menos que mudemos o mundo.

A maioria dos países possui disposições de licenciamento obrigatórias [NT] que lhes permitem interromper direitos de patentes ("quebra de patentes") em caso de epidemias ou emergências de saúde. Até a OMC depois de dura discussão aceitou na sua Declaração de Doha (2001) que países com uma emergência de saúde, têm o direito de permitir que qualquer empresa fabrique um medicamento patenteado ou importá-lo de terceiros países.

Por quê, então, os países são incapazes de quebrar direitos de patentes, mesmo que haja disposições nas suas leis e no Acordo TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights)? Trata-se da intimidação dos EUA. Sob a lei de comércio interno, os EUA emitem Relatórios Especiais – USTR 301 – ameaçando com sanções comerciais qualquer país que tente emitir licenças obrigatórias para qualquer produto. A Índia figura com destaque a cada ano, por ousar emitir uma licença obrigatória em 2012 para a Natco Pharma (empresa farmacêutica indiana) para o Nexavar, um medicamento contra o cancro que a Bayer vendia por US$65 mil para o tratamento durante um ano. Marijn Dekkers, CEO da Bayer, foi amplamente citado dizendo tratar-se de "roubo" e "Não desenvolvemos este medicamento para indianos... Desenvolvemos para pacientes ocidentais que podem pagar".

Isto deixa sem resposta quantas pessoas, mesmo no ocidente, podem pagar 65 mil dólares por um tratamento. Mas não há dúvida de que isso seria uma sentença de morte para qualquer pessoa, excepto os super-ricos em países como a Índia. Embora na época vários outros medicamentos também estivessem a ser considerados para o licenciamento obrigatório, a Índia não voltou a exercer essa disposição após ameaças dos EUA.

Foi o medo de que os países pudessem quebrar patentes usando as suas disposições de licenciamento obrigatório que levou a propostas de fusão de patentes. O argumento era que, como muitas dessas doenças não afectam os países ricos, as grandes empresas farmacêuticas deveriam abandonar as suas patentes nessas fusões ou o capital filantrópico deveria fornecer fundos adicionais para o desenvolvimento de novos medicamentos nessa fusão. É esta ideia do agrupamento ou fusão de patentes que tem sido apoiada por todos os países da OMS, excepto os EUA e o seu fiel seguidor, o Reino Unido.

Embora a fusão de patentes (pooling) seja bem-vinda se nenhuma outra medida estiver disponível, também faz parecer que os países não têm outro recurso além da caridade do grande capital. O que isso oculta, como a caridade sempre faz, é que pessoas e países têm direitos legítimos, mesmo sob o TRIPS, de ultrapassar patentes.

Os EUA, que gritam assassinato se a licença obrigatória for emitida por qualquer país, não têm tal escrúpulo quando seus próprios interesses são ameaçados. Durante o susto com o antraz em 2001, o secretário da Saúde dos EUA emitiu uma ameaça à Bayer sob "domínio eminente de patentes", por licenciar ciprofloxacina a outros fabricantes. A Bayer vergou-se e concordou em fornecer a quantidade requerida a um preço exigido pelo governo dos EUA. E sem um gemido. Sim, a mesma Bayer, que considerou a Índia um ladrão por emitir uma licença obrigatória.

As vacinas para o Covid-19 podem precisar ser repetidas cada ano, pois ainda não sabemos a duração de sua protecção. É improvável que proporcione uma imunidade vitalícia como a vacina contra varíola. Ao contrário do HIV, onde os números de pacientes eram menores e poderiam ser estigmatizados de maneiras diferentes, o Covid-19 é uma ameaça visível para todos. Qualquer tentativa de convencer as pessoas e governos a ficarem reféns de vacinas ou medicamentos Covid-19 verá o colapso de todo o edifício de patentes do TRIPS, criado pelas grandes empresas farmacêuticas apoiadas pelos EUA e pelos principais países da UE. É por isso que os mais inteligentes do mundo capitalista alteraram a sua posição para uma fusão de patentes nos medicamentos e vacinas para o Covid-19.

Diferentemente do capital inteligente, a resposta de Trump à vacina Covid-19 é simplesmente a intimidação. Ele acredita que com dinheiro ilimitado que está disposto a colocar nos esforços de criar uma vacina, os EUA derrotariam todo mundo na posição de vencedores ou comprariam a empresa que obtivesse sucesso. Se for bem-sucedido, poderá usar a "sua" vacina Covid-19 como um novo instrumento de poder global. Serão os EUA que decidirão quais os países que recebem a vacina e quais os que não recebem.

Trump não acredita numa ordem global baseada em regras, mesmo que as regras sejam a favor dos ricos. Ele está a abandonar vários acordos de controlo de armas e prejudicou a OMC. Ele acredita que os EUA, sendo a maior economia e o poder militar mais poderoso do mundo, têm o direito de dar ordens a todos os países. Ameaças de bombardeios e invasões podem ser combinadas com sanções unilaterais e, no seu mais recente arsenal imaginário, negando vacinas.

O seu problema é que os dias de uma hegemonia global única já terminaram. Os EUA mostram-se um gigante em ruínas e a resposta à epidemia foi simbólica. Foi incapaz de fornecer testes de vírus ao seu povo a tempo e interromper a epidemia, como vários outros países fizeram.

A China e a UE já concordaram que qualquer vacina desenvolvida por eles será considerada como bem público. Mesmo sem isso, uma vez que um medicamento ou vacina seja bem-sucedido, qualquer país com uma infraestrutura científica razoável pode replicar o medicamento ou a vacina e fabricá-lo localmente. Na Índia, como em muitos outros países, existe a capacidade científica. Também existe uma das maiores capacidades de fabricação de medicamentos genéricos e vacinas do mundo. O que nos impede, ou qualquer país, de fabricar vacinas ou medicamentos depois de desenvolvidos? Apenas a ameaça vazia de uma hegemonia falhada em patentes? Ou a crença de que, na guerra das vacinas EUA-China, têm de se estar do lado dos EUA?
24/Maio/2020[NT] A licença compulsória ou obrigatória de patentes ( compulsory licensing provisions ), conhecida como "quebra de patente" significa uma suspensão temporária do direito de exclusividade do titular de uma patente, permitindo a produção, uso, venda ou importação do produto ou processo patenteado. Esse instrumento é accionado pelo governo do país que concede a patente, intervindo sobre o monopólio da sua exploração, constituindo um mecanismo de defesa contra possíveis abusos cometidos pelo detentor de uma patente ou para os casos de "interesse público".

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2020/0524_pd/us-declares-vaccine-war-world.

Hamilton ainda não se avista

por estatuadesal

(Viriato Soromenho Marques, in Diário de Notícias, 23/05/2020)

A nossa insaciável necessidade de boas notícias, perante o espetáculo de uma União Europeia (UE) que se arrasta à beira de uma crise em aceleração, levou algumas boas almas por essa Europa fora a saudar o projeto de um fundo de recuperação, apresentado em videoconferência pela chanceler Angela Merkel e pelo presidente Emmanuel Macron, a 18 de maio, como sendo um "momento Hamilton" europeu, uma quebra por Merkel do seu tabu contra uma "união de transferência".

Infelizmente, este novo projeto franco-alemão é apenas uma versão desmaiada da Declaração de Meseberg, assinada pelos mesmos dois protagonistas a 19 de junho de 2018, e que terminou em nada. Em 2018, ainda se falava de um "orçamento para a zona euro" (uma proposta de Macron que Merkel demorou nove meses a aceitar de modo timorato). Um orçamento comum da zona euro iria obrigar à reforma dos tratados, podendo aí falar-se da eventual constituição do embrião de um orçamento federal, vinculando fiscalmente cidadãos e empresas na formação do Tesouro europeu.

Neste caso, o que é proposto, sempre numa linguagem muito ambígua, é um reforço do orçamento da UE, a partir de um empréstimo contraído pela Comissão Europeia tendo por base os recursos próprios da União. Embora não seja indicada nenhuma alteração das fontes de financiamento do orçamento europeu, que persistem há décadas, suspeito que o simples inevitável aumento das contribuições dos Estados quando for necessário saldar o empréstimo no próximo quadro plurianual irá levantar desde já obstáculos intransponíveis no Conselho Europeu de junho (como a Holanda e a Áustria já anunciaram). Acresce que só o Conselho Europeu, e não o dueto do Reno, decidirá sobre qual a modalidade que assumirá a transferência das verbas para as regiões e os setores mais atingidos pela pandemia. A questão do equilíbrio entre subsídios a fundo perdido e empréstimos permanece em aberto.

O plano que Alexander Hamilton (1755-1804), o primeiro e genial secretário do Tesouro dos EUA, lançou em 1790 e 1791 não tem qualquer semelhança com estes jogos florais da pequena política europeia. Hamilton falava em nome de um governo cuja Constituição tinha sido estabelecida dois anos antes, com legitimidade eleitoral e capacidade fiscal.

O seu plano era económico e transformacional, contendo três medidas fundamentais, duramente discutidas: a) mutualização de toda a dívida estadual (contraída durante a Guerra de Independência), transformada em dívida federal (trocando os títulos antigos por novos), restaurando a confiança dos mercados com o pagamento de juros e a promessa futura de vencimento; b) criação do banco nacional, com a missão de ser o credor de última instância para o frágil e desorganizado sistema bancário da época, e fonte de recurso para o financiamento público; c) criação de um plano de fomento industrial para o emprego e a revitalização económica. Na UE de 2020, a única coisa certa é que até 5 de agosto o relógio da contagem decrescente do ultimato do Tribunal Constitucional alemão, ameaçando paralisar a ação crucial do BCE, continua a fazer tiquetaque.

Professor universitário

Uma vaga de palavras vagas

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João Cândido da Silva

João Cândido da Silva

Coordenador do Expresso Online

26 MAIO 2020

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Bom dia,
Uma taxa de crescimento dos novos casos de infecção de 0,5% e um aumento de 1% no número de vítimas mortais, com uma subida para 4,32% da relação entre os portadores do novo coronavírus que desencadeia a covid-19 e os óbitos. Estes são, em resumo, os dados mais recentes da direcção-geral da Saúde sobre a evolução da pandemia em Portugal, onde os doentes que recuperaram totalizam, agora, perto de 18 mil. Aparentemente, o surto permanece sob controlo em território português e o facto de esta segunda-feira apenas se terem identificado novas situações de infeção nas regiões do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo dá um sinal de que a progressiva reabertura da economia e o regresso da sociedade à nova normalidade comportam riscos que podem ser controlados. Mas será assim tão fácil?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) está a transmitir perspectivas difíceis de compatibilizar. Em causa está a possibilidade de eclosão de uma segunda vaga, com um novo pico que forçaria a novas restricções. Uma dose de bom senso, ainda que esquálida, permite constatar que o vírus não desapareceu, tem uma forte capacidade de propagação, não existe vacina e não se conhecem fármacos plenamente eficazes, realidades que aconselham prudência e cumprimento das regras de distanciamento e de protecção. Neste cenário, uma segunda vaga não pode ser um mero tema de especulação e debate fútil entre peritos que apreciem discordar.
Michael Ryan, que tem a responsabilidade de liderar o programa de Emergências Sanitárias da OMS, foi claro durante a conferência de imprensa que deu nesta segunda-feira. É preciso "estar ciente de que a doença pode disparar a qualquer altura", afirmou Ryan: "não podemos supor [que os números de novas infecções] vão continuar a descer e que teremos alguns meses para nos preparar para uma segunda vaga. Pode acontecer um segundo pico, como aconteceu noutras pandemias, como na da gripe pneumónica".
Maria Van Kerkhove, principal responsável técnica da OMS no combate à covid-19, alertou que os estudos de seroprevalência já efetuados são poucos. "Se encontrar uma oportunidade, este vírus provocará surtos. Uma característica única deste coronavírus é a capacidade de se amplificar em certos ambientes fechados, com uma super-propagação, como temos visto em lares de idosos ou hospitais", acrescentou. Até aqui, parecia reinar o consenso no interior da organização, mas María Neira desfez as ilusões.
Durante uma entrevista à rádio catalã RAC1, a diretora do Departamento de Saúde Pública da OMS afirmou ser "cada vez mais" improvável a ocorrência de uma segunda grande vaga, embora tenha recomendado muita prudência. E adiantou que os modelos de previsão com que a organização trabalha "avançam muitas possibilidades, desde novos surtos pontuais a uma nova vaga importante, mas esta última possibilidade é cada vez mais de descartar". Com estas palavras de natureza potencialmente tranquilizadora, María Neira acabou por deixar as coisas um pouco confusas. E preocupantes.
Para representantes dos médicos, enfermeiros e psicólogos portugueses, as mensagens divergentes transmitidas por altos responsáveis da OMS não trazem nada de positivo. Exigem uma comunicação feita com clareza, sublinham que é necessário evitar a "ansiedade" e o "afrouxamento" resultantes da "incerteza" e avisam para os perigos do "futurismo". “É arriscado falar-se à volta de probabilidades sem que exista já um grau de certeza minimamente consensualizado. Quando se está a comunicar à frente de um organismo destes [OMS], aquilo que se diz tem um elevadíssimo impacto nas pessoas e no que elas sentem”, afirma Francisco Miranda Rodrigues, bastonário da Ordem dos Psicólogos.
A segunda vaga de covid-19 é uma possibilidade, mas as palavras vagas que chegam da OMS são uma certeza. Em qualquer dos casos, não são coisas que se desejem.

Saiam da bolha

posted: 25 May 2020 02:36 AM PDT

«Há cerca de dois meses o país tinha acabado de entrar em confinamento e todos nos lembramos de ouvir discursos a romantizar a pandemia e as possibilidades de aprendizagem que ela nos traria.

Era o tempo em família, a redução da nossa gigantesca pegada ambiental, o travão num modelo económico assente em consumo e lucro imediato, o nascimento de iniciativas de solidariedade capazes de vencer a solidão.

À distância, percebemos que as afirmações de que nada seria como dantes terão sido manifestamente exageradas e é bastante provável que, à semelhança do que nos mostrou a história em crises anteriores, nos esqueçamos rapidamente das lições que era suposto o universo revelar-nos em forma de minúsculo vírus. Só mesmo alguém com a gigantesca fé do Papa Francisco acreditará que este declarado "ano especial" sirva para refletir sobre sustentabilidade e meio ambiente, numa louvável iniciativa que coloca a Igreja no meio do Mundo e dos seus mais pobres.

Quase um mês depois de se iniciar o desconfinamento, no geral há dois extremos comportamentais - simplificando, claro, porque a realidade nunca se descreve em meia dúzia de palavras. Há quem continue sem contactos sociais, evitando a todo o custo lojas, praias e parques. E quem se exponha a transportes públicos, às ruas, a locais de trabalho cheios de gente.

Os indicadores já recolhidos em sucessivos estudos mostram que o isolamento é um privilégio não acessível a todos, que aumenta à medida que sobe a escolaridade e o rendimento. A pandemia acentuou desigualdades e os níveis de desemprego e pobreza vão continuar a aumentar quando se clarificar a situação de empresas hoje em lay-off que poderão a médio prazo não ser viáveis.

E quando começarem a apertar os compromissos adiados com moratórias em créditos e outros benefícios a prazo. O isolamento é uma opção legítima, mas não pode ser sinónimo de alheamento. A nova normalidade não é só a ausência de beijos e abraços. A nova normalidade é um país com mais gente desprotegida e a passar dificuldades. E esta é uma lição à qual ninguém pode fechar os olhos.»

Inês Cardoso