(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 04/07/2017)
No início, a oposição manteve algum pudor perante a tragédia de Pedrógão. Sabia-se, e era legitimo que isso sucedesse, que as coisas acabariam por aquecer. Perante tantas mortes e tantas perdas, teriam de ser exigidas responsabilidades. E a ministra da Administração Interna estaria sob escrutínio rigoroso. Do meu lado, espero por factos. Para perceber se se confirma a única coisa pela qual esta ministra pode ser diretamente responsabilizada – a descoordenação no terreno de organismos e serviços que tutela. Se se confirmar isso levará à sua demissão.
Só que a impaciência com o diabo que nunca mais vem é grande. E o caso de Tancos fez PSD e CDS perderem a cabeça. A bebedeira demagógica está ao rubro. Assunção Cristas exigiu que António Costa regressasse de férias – até o facto do primeiro-ministro ir de férias está a ser usado como sinal de desnorte no governo – para demitir dois ministros. Carlos Abreu Amorim, que tem a característica de nunca saber muito bem onde fica a fronteira do ridículo, acrescentou à lista a ministra da Justiça. Ao que parece, não chegar a acordo com organizações sindicais é razão para demissão.
A ver se o debate ganha algum tino. Para demitir um ministro é preciso haver responsabilidades políticas num qualquer acontecimento. No caso da ministra da Administração Interna poderá haver, caso se prove a descoordenação no terreno, razões para a sua demissão. Constança Urbano de Sousa tem, como ministra, funções operacionais, já que o seu ministério é a cúpula de vários serviços. A coordenação no combate aos incêndios é, por isso, antes de tudo, responsabilidade sua. Já os problemas mais profundos, relacionados com a política florestal, não se devem nem a ela nem especialmente a este governo.
O ministro da Defesa não tem funções operacionais. Não é à sua guarda que estão os quartéis ou as armas. Ou há alguma prova de que ele falhou perante exigências das Forças Armadas e isso resultou neste assalto, ou a responsabilidade é de quem tem essa função: do chefe do Estado Maior do Exército, que não é um diretor geral do ministro. No dia em que decidirmos que os ministros da Defesa são responsabilizados por questões operacionais como esta teremos de lhes dar o poder para alterarem decisões operacionais da hierarquia militar. E isso seria, como qualquer pessoa percebe, um absurdo.
Claro que podemos decidir, como alguns já decidiram, que Pedrógão Grande e Tancos correspondem a um mesmo problema, construído em torno desta ideia uma narrativa sobre os cortes no Estado. É uma ideia interessante que tem duas consequências. A primeira é que ou se prova que este governo cortou naquilo que o anterior não cortava ou a oposição não tem grande coisa a dizer. Um exemplo: se a videovigilância não funciona há dois anos com que legitimidade Cristas, uma ministra do governo anterior, que estava em exercício quando essa falha começou, pede a demissão de seja quem for? A segunda é que se a questão for essa são o primeiro-ministro e o ministro das Finanças que ficam debaixo de fogo, não os ministros que foram vítimas dos cortes.
Se não for esta a razão dos pedidos de demissão, não há como tratar Pedrógão Grande e Tancos assuntos semelhantes e Constança Urbano de Sousa e Azeredo Lopes como ministros em situações comparáveis.
É natural que, perante os bons números da economia, a oposição tente criar uma narrativa unificadora de cada caso. Mas uma coisa é assumir que, com a soma de vários factos negativos para o governo, terminou o seu estado de graça, outra, bem diferente, é criar uma amálgama política que pretende levar na enxurrada do ambiente que se vive tudo o que apareça pela frente. Se exigimos rigor, temos de ser rigorosos na forma como o exigimos.
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