(Francisco Louçã, in Público, 22/07/2017)
A propósito das declarações homofóbicas de Gentil Martins, médico, ou das declarações xenófobas de André Ventura, dirigente e candidato do PSD em Loures, houve quem ensaiasse uma fuga indiscreta com um protesto contra o “politicamente correcto”, uma espécie de censura que intimidaria a liberdade de expressão dos coitadinhos. Aceitar essa discussão admitiria que se trate de um simples problema de linguagem, quando é uma questão de atitude social e de discriminação que fere porque pretende ferir. Lastimo esse nevoeiro, tanto mais que se conhece bem como os termos mobilizam os significados: se hoje ninguém usa a sério uma expressão do tipo “fazer judiarias”, é simplesmente porque sabemos o que foi a perseguição a judeus ao longo de séculos e que culminou nos tempos da nossa perigosa civilização.
A linguagem deste caso só é interessante porque o dirigente do PSD, tendo provocado uma tempestade política, veio reafirmar a sua posição, amparado pelo apoio de Passos Coelho e da chefatura laranja. Ou seja, fez questão de manter as suas palavras e de as realçar com mais boçalidades (desejar que o primeiro-ministro vá de férias para sempre, o que é que isso quer dizer?). Ele, doutorado em Direito e professor universitário, quer fazer-se notar por ser boçal. É o estilo que faz a sua candidatura, é aí que joga o seu destino. Ele quer ser conhecido no país pelo modo Trump.
A sua defesa pelo PSD é um risco político. O CDS, que agradece esta possibilidade de se apresentar mais o centro, foge da aliança. Mas até se poderia explicar que, na dúvida, os partidos tendem a defender-se: o autarca socialista de Loures, antes da eleição de Bernardino Soares do PCP, já tinha dado alguns passos no mesmo caminho, e o presidente de junta de Cabeço Gordo, do PCP, impediu o funeral de um cigano na sua terra usando qualquer pretexto (e foi defendido pelo partido).
No entanto, o caso de Ventura é de outra dimensão. Fazer-se amado pela extrema-direita (“é um dos nossos”, diz com orgulho o PNR) é um sinal político, aliás prejudicial do ponto de vista eleitoral, mas acho que há muito mais nesta história.
Ventura é um produto de outra escola: do partido, certamente, admito que até dessas juventudes onde se aprende a matreirice e o carreirismo, mas o que determina a sua pose é a televisão e o comentário desportivo onde iniciou a sua carreira pública. É na pesporrência, na ligeireza, no fanatismo que determina os lugares da normalidade no comentário desportivo (há excepções), que Ventura aprendeu a lançar achas para a fogueira.
Como os dirigentes dos clubes, Ventura percebeu que, para ser notícia, é preciso saber ser detestável. O facínora é quem vence na comunicação clubística. E o futebol é um bom caminho para a política (esta semana abri a televisão e vi um debate entre apoiantes dos três maiores clubes, dois deles eram dirigentes do CDS, que sabem por onde vai a sua carreira).
Que a grande maioria dos ciganos trabalhe e não depende de prestações sociais (vd. o gráfico), que importa isso para Ventura? Ele já se colocou no mapa nacional, graças à sua exibição xenófoba. Sairá depressa, é certo, a sua derrota nas eleições em Loures é inexorável, mas ele pensa em outros voos. Para isso, só precisa de ficar agarrado a um clube de futebol numa televisão perto de si e ir proferindo uns dislates ofensivos, para que alguém vá reagindo e se fale dele.
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