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sábado, 22 de julho de 2017

A Altice não é flor que se cheire



por estatuadesal
(Nicolau Santos, in Expresso, 22/07/2017)
nicolau

A preocupação do primeiro-ministro e dos partidos de esquerda com o destino da PT vem tarde. Com efeito, a Altice comprou a PT Portugal por €5,7 mil milhões aos brasileiros da Oi em 2015. Foi um negócio entre empresas estrangeiras. Sim, a operação teve a bênção do Governo de então, mas o Estado português não pode vir agora colocá-la em causa. E quando a Altice avança para a compra da TVI, detida pela Prisa, é de um negócio entre duas empresas europeias que se trata.
A preocupação com a PT vem tarde. A compra foi em 2015. E o nome vai mudar para Altice. A PT, como a conhecemos, já não existe
Dito isto, há ou não razões de preocupação? Há e são muitas. Desde logo pelo perfil do fundador e presidente da Altice, Patrick Drahi, que tem nacionalidade israelita, francesa e portuguesa. Quando comprou a Cabovisão em 2015, a sua primeira aquisição em Portugal, disse: “Não gosto de pagar salários. Pago o menos possível.”
E um excelente trabalho publicado esta semana na revista “Visão” diz que ele “trata as pessoas com desprezo desde o primeiro dia”. Poderiam ser só palavras do próprio ou de quem não gosta dele. Mas não são. Na Cabovisão, na ONI e depois na PT, as empresas que já comprou em Portugal, a Altice tem-se comportado como um típico raider financeiro: lança de imediato um ultimato aos fornecedores, impondo-lhes uma descida drástica no preço dos serviços que fornecem (no caso da PT, o corte foi de 30%); e faz despedimentos coletivos ou cria situações de enorme desconforto aos trabalhadores (retirada de benefícios sociais e de fringe benefits, cortes de parte dos salários, eliminação de postos de chefia, colocação noutras empresas do grupo ou associadas) que levam muitos deles a demitir-se. A estratégia tem um único objetivo: obter rapidamente cash pelo corte dos custos para fazer face à montanha de endividamento do grupo, que ascende a €82,1 mil milhões (!). É que Drahi faz aquisições atrás de aquisições, mas com base no dinheiro dos bancos (a quem deve perto de €50 mil milhões), uma corrida que tem tanto de embriagadora como de perigosa. Drahi discorda, claro: “Se parar com o meu desenvolvimento ‘bulímico’, por assim dizer, dentro de cinco anos não terei dívidas. E depois? Isso seria idiota porque durante cinco anos não teria registado crescimento”, disse na Assembleia Nacional francesa.
O que Drahi pretende é desenvolver um grupo multinacional de telecomunicações e media, para combater gigantes como a Google, Facebook, Amazon, WhatsApp e Yahoo, que utilizam sem pagar os suportes digitais construídos e pagos pelas telecoms e os conteúdos produzidos pelos media. Só que esta estratégia de integração já foi tentada e correu mal em todo o mundo. Com Drahi vai correr bem? Logo veremos. Mas quando se começa a pagar mais pelo que se compra do que aquilo que vale (caso da TVI), isso é sinal senão de desespero, pelo menos de fuga para a frente, que costuma acabar sempre mal.


Aeroporto de Lisboa: o preço de uma não decisão e da demagogia política
O aeroporto de Lisboa recusou no primeiro trimestre deste ano voos equivalentes a 400 mil passageiros, um valor que deve atingir os dois milhões de viajantes (vou repetir: dois milhões de viajantes) em 2017. Por outras palavras, voos transportando dois milhões de passageiros para Lisboa vão ser impedidos de aterrar na capital portuguesa no ano corrente. A revelação foi feita pelo presidente executivo da ANA, Carlos Lacerda, numa conferência que decorreu na Assembleia da República. Mas Lacerda disse mais: reconheceu que os quatro indicadores previstos no contrato de concessão assinado entre o Estado português e os franceses da Vinci que deveriam levar ao desenvolvimento de um novo aeroporto foram ultrapassados. Contudo, a solução que está em cima da mesa, defendida pela Vinci, passa por encerrar uma das pistas da Portela para ganhar espaço para mais aeronaves terem acesso às mangas; passa por tentar que a ANA deixe que as horas de proibição de voos noturnos sobre Lisboa sejam significativamente reduzidas; passa igualmente pela opção pelo Montijo, cuja pista única está a ser melhorada; e passa ainda, no futuro, pela construção de uma nova pista no Montijo, se tal se mostrar necessário. Não é preciso ser muito inteligente para perceber que isto não é uma solução que sirva o país, mas uma manta de retalhos em que se colocam adesivos e pensos rápidos para tratar uma ferida cada vez maior. Isto não é um projeto coerente, é, à boa maneira portuguesa, um mau “desenrascanço”.
Mas a situação a que chegámos tem antecedentes. O primeiro foi ter sido ignorado por sucessivos governos, que desde 1969, ainda no anterior regime, se começou a estudar a localização de um novo aeroporto para servir Lisboa. O segundo foi as duas maiores forças políticas nacionais, PS e PSD, terem transformado o aeroporto de Lisboa em arma de arremesso político, durante o consulado de José Sócrates., inviabilizando o início da sua construção. E o terceiro foi o facto de quem estava contra o novo aeroporto se ter municiado de vários estudos, elaborados por empresas de consultoria e universidades, onde se dava por adquirido que a evolução do volume de passageiros na Portela permitiria que o aeroporto só esgotasse a sua capacidade lá para 2050 ou mesmo depois. O problema é que os estudos dizem o que quem os paga quer que digam. E assim a Portela, que nunca mais chegaria aos 22 milhões de passageiros, passou esse valor no ano passado (22,4 milhões) e este ano vai chegar aos 27 milhões. O recorde de 651 voos num dia, batido a 25 de maio de 2016, aquando da final da Liga dos Campeões em Lisboa, vai ser batido este ano durante dois meses. Como disse o ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, “o novo aeroporto deixou de ser uma urgência e passou a ser uma emergência”.
Ora, se isso é assim — e tudo prova que é — então todos os partidos portugueses têm de chegar a um entendimento que esteja ao abrigo de ciclos políticos sobre a necessidade de arrancar desde já com a construção de um novo aeroporto (que demora 17 anos a concretizar) em vez desta solução manhosa, que só está pronta dentro de três anos e que se vai esgotar, obrigando, como diz o ex-bastonário da Ordem dos Engenheiros, Matias Ramos, nesta edição, a uma solução Portela+2, recorrendo a outro aeroporto além do Montijo.
A construção de um novo aeroporto internacional é uma questão estratégica para o país, que não pode ficar refém da Vinci, que defende os seus interesses e não o que é decisivo para Portugal. É tempo de dar um murro na mesa e chegar a um acordo de regime: o país precisa de um novo grande aeroporto internacional. E é urgente arrancar já com ele.

Esquece-te de mim, Amor,
das delícias que vivemos
na penumbra daquela casa,
Esquece-te.
Faz por esquecer
o momento em que chegámos,
assim como eu esqueço
que partiste,
mal chegámos,
para te esqueceres de mim,
esquecido já
de alguma vez
termos chegado.

(António Mega Ferreira, in ‘Esquece-te de mim, amor’, in “Os Princípios do Fim”, Quetzal, 1992)

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