(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 17/07/2017)
Caro Nicolau
Dois reparos: 1) Essa de que António Costa não devia ter criticado a Altice, é um tiro no teu próprio texto e nos argumentos que avanças. Perante um desenlace que será - segundo tudo indica, e até pelos dados que apresentas - contrário ao interesse nacional, deve um primeiro ministro calar-se e agir de acordo com o "politicamente correcto"? Penso que não. Para primeiro ministro castrador do interesse nacional já nos bastou Passos Coelho, de triste memória. 2) E se, de facto, tudo isto começou "várias jogadas atrás", a última jogada, aquela que faz transbordar o copo, é sempre a mais decisiva. E essa foi da autoria de Passos quando entregou, a troco de nada, a golden share que o Estado detinha na PT. Se a golden share hoje existisse, o Estado tinha um mecanismo directo de intervenção na empresa, em termos de decisões estratégicas, e nada disto estaria a acontecer.
Estátua de Sal, 17/07/2017
A compra da TVI pela Altice era um negócio há muito anunciado. A espanhola Prisa, dona da TVI, estava há muito pressionadrása para vender um dos seus melhores activos, sobretudo após ter falhado a alienação da editora Santillana; e a Altice, com uma dívida brutal às costas, estava desejosa de comprar a televisão líder de audiências no mercado português. Para fazer o quê, eis a questão.
A estratégia da Altice é uma fuga em frente, típica dos jogadores compulsivos e esperando que a estratégia resulte: compra, compra, compra com base numa montanha de dívida que se vai acumulando de ano para ano, ultrapassando já os €50 mil milhões. E depois, como está fortemente pressionada pelos credores e pelos accionistas para apresentar resultados, entra a matar em tudo o que compra, intimidando fornecedores, clientes e trabalhadores.
Em Portugal, foi exatamente isso que a Altice fez na Cabovisão e na PT, em que impôs de imediato uma redução de 30% nos preços dos fornecedores – e quem não quis ficou sem o cliente; e criou de imediato o desconforto no limite da legalidade para obrigar os trabalhadores a aceitarem a rescisão dos contratos de trabalho, a diminuição dos “fringe benefict” e a passagem para outras empresas da Altice ou de accionistas da PT, sob o argumento da “agilização” das relações laborais.
A Altice, como todos os operadores nas áreas das telecomunicações, está a ter rendimentos decrescentes no seu negócio central – e definiu a integração vertical no setor dos media como a forma de compensar essa quebra. Acontece que já houve várias tentativas de integração das telcos com os media em anos não muito distantes e as coisas não correram bem, tendo regredido a esmagadora maioria das experiências. Aconteceu nos Estados Unidos, mas também na Europa. Em Espanha, a Telefonica avançou para a Endemol e não correu bem. A própria PT lançou um canal de televisão, o Canal Lisboa, e acabou por vendê-lo ao Grupo Impresa, tornando-se o embrião da SIC Notícias; e também comprou o Grupo Lusomundo e igualmente não correu bem.
Assim como a Cimpor foi destruída, a PT está na mesma senda, a começar pela mudança de nome. E ninguém vai travar esse caminho, que foi traçado várias jogadas atrás.
É claro que pode sempre acontecer que resulte. E é verdade que tanto as telcos como os media estão a perder dinheiro para os grandes agregadores de conteúdos, como o Google, Facebook, Whatsapp, Instagram ou Apple, que andam em cima das redes que outros construíram e pagaram sem ter de despender nada por isso ou que utilizam conteúdos que outros produzem sem também nada pagar.
Logo, alguma coisa tem de ser feita. Mas a estratégia da Altice é não só muito arriscada (a integração vertical de telcos e conteúdos não deu bons resultados anteriormente) como híper-agressiva, porque precisa de fazer muito dinheiro rapidamente. Daí a forma abrasiva como trata fornecedores, clientes e trabalhadores.
Na compra da TVI, as coisas não começam bem. O preço anunciado (€440 milhões) é claramente acima do que os analistas consideram que o canal de televisão vale. Há uns anos, a Ongoing pagou 27 milhões pelo Semanário e Diário Económico. Queria fazer jornalismo? Não, queria utilizá-los para ter influência e alavancar outros negócios. Acabou como se sabe: num valente estoiro. A Altice não é a Ongoing mas a compra da TVI não é porque Patrick Drahi, o multimilionário francês que fundou o grupo, queira desenvolver o jornalismo independente. Mas a estratégia de integração vertical do grupo de comunicações e de empresas de conteúdos, assente numa enorme alavancagem, é tão arriscada que um pequeno solavanco pode deitá-la por terra.
É neste quadro que se pode entender as críticas de António Costa à Altice, embora seja completamente despropositado fazê-las em público e ainda por cima na Assembleia da República. Além do mais, as preocupações do primeiro-ministro não chegarão para travar o negócio. Se alguém o pode fazer é a ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social), a Autoridade da Concorrência ou a Comissão Europeia. Uma coisa é certa: a PT, tal como era, já não existe, depois de ter saído do mercado brasileiro na sequência da compra da Vivo pela Telefonica e do colapso do investimento que fez na Oi. Mas mesmo a PT que ainda existe vai desaparecer, sendo substituída pelo nome Altice (o que também vai acontecer a outra marca que os portugueses bem conhecem, a Meo). Ah, e porque a PT e a Meo vão ser obrigadas a mudar de nome para Altice, vão ter de pagar a essa mesmíssima Altice entre 50 a 70 milhões de euros anuais para usarem o novo nome (que o acionista as obriga a usar). Ou seja, mais uma maneira de desnatar e tirar rapidamente todo o dinheiro que for possível da PT.
Sim, assim como a Cimpor foi destruída, a PT está na mesma senda, a começar pela mudança de nome. E ninguém vai travar esse caminho, que foi traçado várias jogadas atrás.