por estatuadesal |
(Nicolau Santos, in Expresso, 19/08/2017)
O crescimento da economia portuguesa no primeiro semestre do ano está a surpreender tudo e todos. A catadupa de projeções apontando para um muito maior crescimento em relação ao inicialmente estimado (Banco de Portugal, OCDE, Unidade Técnica de Apoio Orçamental, ISEG, Universidade Católica, Barclays) tem o seu ponto mais alto nos considerados infalíveis técnicos do Fundo Monetário Internacional, que em outubro de 2016 previam que a economia portuguesa crescesse apenas 1,1% este ano; em 18 de abril de 2017, reviram essa projeção para 1,7%; e somente dois meses e meio depois, em 30 de junho, passaram a previsão para 2,5%, mais do dobro do inicial. Convenhamos que é uma margem de erro demasiado elevada para que possamos confiar cegamente nas previsões e nas recomendações do FMI, que mantém, aliás, a sua previsão para uma taxa de desemprego acima dos 10% este ano, quando o último dado conhecido para a taxa de desemprego é de 8,8%. Não nos iludamos, contudo: tanto o FMI como o Banco de Portugal alertam-nos já para não nos habituarmos a estes ritmos de crescimento, porque para o ano será menor.
Entretanto, o segundo trimestre do ano confirmou o ritmo de crescimento do primeiro: 2,8%. A não ser, portanto, que haja uma aceleração da atividade económica nos últimos seis meses do ano, será difícil que o valor final se fixe acima dos 3%, como alguns políticos chegaram a prever. Em qualquer caso, este será sempre o melhor resultado desde o início do século XXI e um crescimento indispensável para nos ajudar a resolver os problemas da dívida, dos défices orçamentais, do desemprego, da segurança social e do sector financeiro.
No primeiro semestre as importações de bens de capital subiram 18,7%, as de bens industriais 12,9% e as de consumo apenas 5,2%. É um excelente padrão de importações
Dito isto, ainda mais importante que o ritmo de crescimento, são os sinais que resultam da sua dissecação. Como tem sido tradicional, sempre que a economia acelera, aumentam as importações de bens de consumo e rapidamente se evolui para desequilíbrios com o exterior que depois tem de ser corrigidos com fortes travagens económicas. Mas agora parece existir algo de novo.
Com efeito, no primeiro semestre do ano as importações de bens de capital subiram 18,7%, as de bens industriais 12,9% e as de consumo apenas 5,2%. Ora este é o tipo de padrão de importações que interessa ao país, porque mostra que elas são dirigidas a alimentar o surto de investimento que se está a reforçar e que é essencial para sustentar o crescimento da economia.
Sim, é tudo ainda muito frágil, não se pode dizer que se trata de tendências consolidadas e que a economia deixou de estar vulnerável a choques externos, que travem as exportações e aumentem as taxas de juros a que o país se está a financiar. Mas por uma vez, o assinalável crescimento da economia está assente em bases sãs. Cruzemos os dedos e esperemos que assim continue.
O país precisa de emigrantes
Sem entrada de pessoas no país, que aqui se radiquem e passem a viver e trabalhar, Portugal terá 7,8 milhões de habitantes em 2060. E para manter a atual população precisa de 47 mil entradas de pessoas por ano. As conclusões são de um recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre “Migrações e sustentabilidade demográfica” e confirmam aquilo para que muitos especialistas vem alertando há vários anos: há um declínio demográfico em Portugal que só pode ser travado com a entrada e fixação de migrantes no país. É por isso que a crítica de Pedro Passos Coelho à nova Lei da Nacionalidade é contraditória com o programa dos vistos gold que o seu Governo lançou. A não ser que o líder do PSD considere que pessoas com dinheiro não trazem problemas e imigrantes despojados são potenciais terroristas. Mas aí estamos a falar de preconceito e não de uma tese científica.
-1,8 % DE QUEDA DO MOVIMENTO DE MERCADORIAS NO PORTO DE LISBOA ENTRE 2007/17
No primeiro semestre do ano, os portos nacionais atingiram um novo recorde de carga movimentada, 48,6 milhões de toneladas. A evolução média desde 2007 tem sido de 4,7%, mas os maiores aumentos verificaram-se entre 2013 e 2017. Nos últimos dez anos, só Lisboa e Viana do Castelo regrediram: 1,8% nos dois casos. E a pergunta é: não será que o mercado internacional está a indicar os portos portugueses (Leixões e Sines) que prefere para descarregar contentores, escolhendo Lisboa para grande porto turístico? Não será disparate insistir em construir um terminal de contentores no Barreiro?
Plataforma continental para quê?
A proposta portuguesa para estender a sua plataforma continental a uma área equivalente ao território terrestre da União Europeia começou a ser debatida nas Nações Unidas, em Nova Iorque. A concretizar-se, permite a Portugal tornar-se oficialmente soberano sobre uma área tão vasta que é inevitável que nela existam valiosos recursos piscícolas e minerais, além de constituir um vastíssimo laboratório para a investigação científica e tecnológica sobre os oceanos. Não é possível saber se as pretensões portuguesas serão reconhecidas, mas sabemos que, sozinhos, não temos possibilidade de tirar dela todas as potencialidades que encerra. Há, pois, que preparar acordos com países e parceiros estrangeiros. O país não pode querer esta vasta área só porque sim. Tem de definir uma estratégia para a aproveitar. E escolher quem queremos que nos ajude nessa tarefa é fundamental.
algumas palavras
fugiram do cativeiro da
gramática e da sintaxe
caíram as letras dos jornais
uma língua nova falou-se na cidade
com letras roubadas dos placards luminosos
com erros
erros ortográficos
erros sintáticos
erros gramaticais
erros fonéticos
(romanço)
erros de todo o género
(as pessoas começaram a dizer mal as palavras,
não se apercebendo que as coisas eram as mesmas,
com excepção do frigorífico, não se retirando
aqui importância ao mesmo)
as
línguas
também
outrora
unas
(mare nostrum)
se podem estilhaçar em mil pedaços
lentamente
e depois voltarem a juntar-se
(na realidade as pessoas sempre deram erros,
o “ne varietur” vale tanto como o modelo de Bohr)
(Manuel Botelho da Silva, in ‘Língua’, poema inédito)
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