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sábado, 10 de março de 2018

Fácil demais para António Costa

07/03/2018

by João Mendes

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Na sequência das Legislativas de 2015, o Partido Socialista chegou a acordo com BE e PCP/PEV para liderar um governo minoritário. Perante este acordo histórico e inesperado, PSD e CDS ficaram muito aborrecidos, porque a democracia representativa pode ser uma grande maçada, e amuaram durante uns meses.

Depois de vários meses a carpir, o CDS decidiu fazer o moving on e procurou mudar ligeiramente o discurso, aproveitando o grande vazio em que o PSD se havia transformado, apesar de na realidade nada ter mudado. Utópica, Assunção Cristas começou por se assumir como alternativa para liderar a direita, apesar de não o poder ser sem o PSD, e já fala em ser primeira-ministra. Já dizia o poeta que o sonho comanda a vida, e Cristas também tem o direito de sonhar, coitada!

Na São Caetano à Lapa, enquanto o partido definhava nas sondagens, Pedro Passos Coelho viu as várias teorias da conspiração serem reduzidas a pó, umas atrás das outras, até não restar discurso, coerência, credibilidade, sanção ou diabo para contar história. Defunto que estava o passismo, Rui Rio lá decidiu sair da poltrona e avançar, cumprido finalmente uma promessa de longa data, e derrotou a barriga de aluguer que o passismo havia entretanto desencantado para se perpetuar no poder.

Chegado ao trono laranja, Rui Rio decidiu fazer mudanças que não agradaram aos mais altos oficiais do antigo regime, que trataram de lhe dar o troco e de lhe proporcionar o mais curto estado de graça de sempre de um líder partidário recém-eleito. Apuparam Elina Fraga no congresso, escolha que levou Paula Teixeira da Cruz a acusar Rio de traição, emocionaram-se com a intervenção crispada de um dos seus antigos líderes, Luís Montenegro, e fizeram a folha ao novo líder parlamentar, traído por elementos da sua própria lista, que tinham aceitado trabalhar com ele, sempre com a retaguarda protegida pelos ideólogos-observadores da nova direita radical portuguesa.

Rui Rio, contudo, não recuou. Nem parece interessado em seguir a via da confrontação com o governo, via essa que já deu provas claras da sua absoluta inutilidade, manifestando inclusive disponibilidade para trabalhar com os socialistas (e até com bloquistas e comunistas) em algumas matérias, nomeadamente na área dos fundos comunitários. Internamente, a notícia não foi bem-recebida pelo sector ressabiado, que alucina com Estalines e se masturba com Pinochets. De pouco lhes adianta, pelo que já deu para perceber. Para Rio, os restos do passismo, em bicos de pés e aos berros, mais não são do que a expressão de uma “convulsãozita”, apesar das facas longas.

Em São Bento, António Costa bem pode abrir garrafas de champanhe. A vida não lhe poderia correr melhor! Com os indicadores económicos a validar a sua estratégia, ainda que em larga medida embalados por variáveis externas que se podem a qualquer momento inverter, Costa conseguiu a proeza de firmar acordos sólidos com partidos que nunca estiveram para aí virados, esvaziou e expôs ao ridículo o discurso catastrofista da direita, que em muito contribuiu para o fim do passismo e para a ascensão de Rui Rio, que num dos primeiros actos oficiais se apresentou ao primeiro-ministro, antes mesmo de se reunir com Assunção Cristas ou com o grupo parlamentar do seu partido. Melhor seria impossível.

E agora, o que se segue? Ora, se nada de extraordinário acontecer, tipo uma violenta crise provocada pelos terroristas financeiros de Wall Street ou da City, António Costa arrisca-se a um sossegado passeio a caminho da renovação do seu mandato, com uma maioria absoluta no horizonte. E, a julgar pelo histórico, nada de bom poderá vir de uma maioria absoluta do PS. Agradeçamos, portanto, ao professor doutor Pedro Passos Coelho, e respectiva entourage de criaturas radicalizadas, por se terem demitido das suas funções e por terem transformado o PSD num pequeno partido de protesto. Tivessem eles saído no devido tempo, e talvez pudéssemos esperar umas Legislativas mais disputadas. Agora é tarde e tudo se tornou fácil demais para António Costa.

Gostava de conhecer este Passos Coelho

por j. manuel cordeiro

"As grandoladas, como se vê, continuam, e a pergunta que importa fazer é esta: de onde vem tanto ódio a Passos Coelho? É um corrupto? Afundou o país? Impôs sacrifícios inúteis? Falhou a saída limpa? Tentou controlar a justiça? Silenciou a comunicação social? Não, ele não fez nada disso. Mas fez pior: refreou o Estado gargantuesco e propôs mais liberdade aos cidadãos.".

Aquele que conheço andou metido no esquema dos dinheiro a europeus para a formação e depois, quando governou, insurgiu-se contra a má aplicação dos fundos  comunitários. Aconselhou os professores saírem do país por não terem trabalho mas vai dar aulas. Andou 5 anos de pin ao peito mas vendeu um recurso absolutamente estratégico para o país (a REN) ao estado chinês. Dizem que controlou a despesa mas apenas aumentou os impostos cortou no rendimento dos portugueses (zero de reforma do Estado). A lista pode continua.

Há muitas formas de corrupção e a corrupção moral é mãe de todas elas. Quem não pagou a segurança social e quem andou nos esquemas subsídios é, claramente, moralmente corrupto. Mas que saída limpa? Essa que continuámos a pagar depois de anunciada? Que visão para o país é essa que defendia os baixos salários como factor competitivo? Antes de Passos Coelho perderam-se os anéis e com ele foram-se os dedos. Passo bem sem a beatificação.

Mantendo a ponte

Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

  • Eduardo Louro
  • 09.03.18

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Parece-me que, como já é costume, se empolou a questão das obras de conservação na Ponte 25 de Abril. Sabe-se como a imprensa gosta destas coisas, de criar alarme. Mas isso não me impede de achar que nos cortes do investimento e da despesa pública já se estão a pisar todas linhas vermelhas, e a correr sérios riscos de muitas coisas começarem a correr muito mal.

Também me parece que em qualquer tipo de actividade económica o normal será que quem recolhe as receitas pague os custos. Mas estamos fartos de saber que, nas famosas parcerias público-privadas que não se podem reverter, as coisas não são bem assim. Se calhar os custos da Lusoponte são os salários dos portageiros e umas comissões á Brisa...

O que é preciso é manter a ponte. Essa e a outra, a que liga o Estado aos interesses de alguns. Ou a alguns interesses, o que vai dar no mesmo... Na outra margem.

O que é que deu às grandes empresas?

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso, 10/03/2018)

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Passa-se alguma coisa de esquisito, mas infelizmente é a normalidade: o mercado está nervoso, como agora se diz com leveza, e algumas grandes empresas estão a tomar posições políticas, constituindo-se em oposição ameaçante. Os exemplos são eloquentes.

O mercado está confuso

Os CTT anunciaram esta semana que os seus resultados tinham caído 56%, para 27 milhões de euros, mas que mantinham o plano de distribuição de dividendos e iriam sacar reservas para poderem entregar aos acionistas 57 milhões de euros. A estratégia é esta: administração em dificuldades seduz acionistas carentes. A empresa fica sem fundos para investir, a não ser que se endivide, e é o segundo ano consecutivo. O mercado, evidentemente, gostou desta estratégia e da promessa de despedir mais ainda. A empresa é descapitalizada, mas se há dividendos as ações são reconfortadas — e a cotação subiu. Os maus resultados foram a boa notícia.

Tudo lógico? Na Galp, há duas semanas, foi ao contrário. A empresa anunciou um crescimento dos lucros e dos dividendos, mas a cotação caiu. Os bons resultados foram a má notícia.

Quanto mais dívida mais gritaria

O mercado não percebe o que são bons e maus resultados, mas pelo menos uma empresa, a Altice, sabe o que quer. E ameaça: se até 13 de abril não tiver luz verde para comprar a TVI, desiste do negócio. Ora, duvido. A Altice precisa da TVI, aliás precisa de muitos negócios destes, comprar uma empresa com acionistas aflitos, como a Prisa espanhola, para logo depois a vender ou, entretanto, a utilizar para criar mais dívida para reciclar a própria dívida.

Para a PT, a joia da coroa da tecnologia em Portugal, nem sequer é novidade. A longa história da sua destruição começou há muitos anos. Aliás, cumpre tradição: como tantas vezes em Portugal, foi um Governo em véspera de eleições que precipitou os primeiros passos. Foi Cavaco Silva, a 1 de junho de 1995, quem disparou o tiro de partida, com a primeira fase da privatização (de 27,26%). Já se sabia que Cavaco não se recandidatava, estava designado Fernando Nogueira contra António Guterres, chegava ao fim o consulado cavaquista. Guterres ganhou e tomou posse a 28 de outubro. Escusado será dizê-lo, a privatização prosseguiu e foram mais 21,74% em 1996, ficavam vendidos 49% da empresa. Com o PS no governo houve mesmo um ministro que abria uma garrafa de champanhe quando concluía a venda de uma das empresas públicas. E seguiram-se mais três fases de privatização, até restarem nas mãos do Estado só 500 ações, a golden share, com um poder especial de controlo e cuja liquidação foi das primeiras medidas de Passos Coelho.

A PT tornou-se uma das caixas registadoras do grupo BES, o que deu no que se sabe: queda da empresa, que há uma década valia em Bolsa 11 mil milhões de euros e que agora está a ser desmantelada. A estratégia da Altice, que a adquiriu em 2015, é a mesma, conseguiu que a PT ficasse abaixo da linha dos prejuízos.

Ao comprar a PT, a Altice, um gigante de pés de barro com uma dívida de mais de 50 mil milhões de euros, assegurou que pagaria 5600 milhões de euros à Oi, empresa falida, para que esta pagasse as dívidas acumuladas na PT. A Altice contabilizou então 5600 milhões de euros como dívida da PT à própria Altice e a PT passou a dívida para a MEO, que é onde estão os lucros. A esforçada MEO, que é da Altice, emprestou então 536 milhões de euros ao dono, que registou adiantamento de pagamento. Eis como a Altice comprou a PT gerando dívida e prejuízos e poupando-se a pagar a compra.

O truque é velho

Não é a primeira nem será a última vez que a compra de uma grande empresa se faz com a utilização dos seus recursos. Em 1992, António Champalimaud comprou desta forma o Banco Pinto & Sotto Mayor, pagando com um cheque careca sobre o próprio banco. Explicava ele: “Não regateei a quantia, mandei vir um cheque avulso e preenchi-o logo ali, sacando sobre a minha conta e fechando assim o negócio. Fiquei só a dever, para pagar daí a trinta dias, uma percentagem pequena.” Quando o cheque foi descontado, já Champalimaud estava sentado na presidência da administração.

Mais recentemente, a Fosun comprou a Fidelidade por 1100 milhões de euros, fazendo-se pagar com a venda de ativos da própria seguradora. A Altice está a fazer o mesmo com a PT, será que a TVI quer passar por essa praxe?

Quando se deve ao Fisco, é pedir ao Estado

Outro exemplo deste ambiente empresarial é a guerra judicial da EDP, REN e Galp contra a contribuição extraordinária sobre as rendas da energia. Devem 338 milhões de euros e o conflito é estritamente político: nenhuma dessas empresas contestou o pagamento enquanto o governo era do PSD e CDS. No Novo Banco, fala-se agora de mais milhões que o Estado teria que entregar à Lone Star, que comprou mas não paga, parece sina.

Está bom de ver, este normal é estranho. A novidade é que algumas empresas agem agora como partidos, para fazerem o que sempre fizeram: ou dívida ou mão estendida ao Estado.


Uma empresa generosa para o CDS

De 27 a 30 de dezembro de 2004 foi muita a azáfama de fim de ano, mas mesmo assim notou-se, no balcão do BES da Rua do Comércio, que os funcionários do CDS vinham com minutos de intervalo, um atrás do outro. Cada um depositava uma quantia inferior a 12.500 euros, o limiar para a comunicação às autoridades, e voltava. Fizeram assim 105 depósitos, num total de mais de um milhão de euros. Para justificar a operação foram passados 4216 recibos e foi aí que apareceu o notório Jacinto Capelo Leite Rego, logo chamado Capelo Jacinto Rego Leite, coisas da imaginação.

O Ministério Público acusou o tesoureiro e três funcionários, argumentava que este milhão pagava a autorização dada ao Grupo Espírito Santo para uma operação imobiliária no Ribatejo, e extraiu certidão para outra investigação sobre os submarinos. O Tribunal da Relação entendeu que não havia prova, assunto encerrado.

De facto, a lei não permite o financiamento de partidos por empresas. Mas, por vezes, o escrutínio sempre atento das autoridades de contas, honra lhes seja feita, é contornado por subterfúgios. A página semanal de publicidade do CDS no “Correio da Manhã”, publicada desde outubro de 2016, é o caso mais surpreendente.

Foi uma opção arriscada, por colocar no centro da operação a própria presidente do partido. Assunção Cristas, dentro da linha editorial do jornal, é certamente uma cronista bem escolhida. Seria interessante conhecer a opinião dela sobre temas relevantes, Trump ou as eleições italianas, o emprego, a saúde, os grandes debates. Mas o que Cristas assina todas as semanas é uma exposição cândida sobre a agenda do partido, as suas reuniões, os comícios convocados ou as leis que apresenta. Inclui também a sua ida a espetáculos e eventos sociais, com uma tocante profusão de fotos de si própria: nas últimas seis semanas, foram 14 e já chegou a publicar cinco numa página.

Anuncia-se que ela esteve numa procissão ou “com o nosso deputado Nuno Melo, com o presidente da Comissão Europeia”, que vai a uma sessão do partido num café em Coimbra para “ouvir Portugal” com “cinco oradores independentes, notáveis”, outra em Montalegre, “a ouvir Portugal e a trazer maravilhosas alheiras para jantar”. Elogiando a sua Convenção Autárquica, Cristas garante que “o CDS está a crescer”. Noutro dia apresenta a sua moção ao congresso e a evidente recandidatura, pois “fizemos muito trabalho”. Explica que “acredito que o trabalho sistemático e bem fundamentado trará resultados e proponho que o partido continue este caminho de trabalho”. E é trabalho: “esta tarde apresentamos no parlamento 12 diplomas na área da justiça” e segue o cadastro. Folheie-se outra edição qualquer: anúncio de reuniões, listas de leis, agenda da líder, as suas fotografias a ilustrar. Isto chama-se publicidade, que pena não ser um comentário argumentado para ajudar ao debate público.

Só que a publicidade tem um preço. No “Correio da Manhã”, é 15.070 euros por página, mais IVA. Assim, ao chegar às eleições de 2019, Cristas terá recebido o favor de 2,351 milhões de euros em publicidade não paga, mais os 541 mil euros de IVA que poupou, num total de 2,892 milhões.

Não sei se a decisão partiu da Altri, a gigante da pasta de papel que é proprietária do jornal e que conhece bem a ex-ministra, que se destacou enquanto esteve no governo pela proteção ao sector dos eucaliptos, ou da direção do “Correio da Manhã”. Mas que todos trocaram publicidade mal disfarçada pela oportunidade de um debate interessante, isso é facto.

Ladrões de Bicicletas


Do Estado que «asfixia a economia»

Posted: 10 Mar 2018 12:32 AM PST

«São 5,5 mil milhões de euros de ganho, entre poupança com faltas ao trabalho evitadas pelos cuidados de saúde prestados pelo Estado e o retorno económico desses cidadãos que, não tendo ficado doentes em casa, foram trabalhar, produziram, receberam um pagamento por esse trabalho e gastaram parte em bens de consumo. Explicado assim, em economês de grau zero, parece simples, mas o facto é que estamos muito mais habituados a ouvir falar do que o SNS nos custa, a todos enquanto contribuintes, e também do que o serviço faz menos bem ou onde tem falhas graves. A espaços também vamos ouvindo que este é um sistema insustentável, que representa um fardo financeiro excessivo para o país, que consome recursos que seriam mais bem aplicados noutras áreas e, por último, que estaríamos todos muito melhor com uma passagem mais decidida destas responsabilidades para a esfera privada. 5,5 mil milhões é, para que se tenha noção da grandeza, cerca de metade do orçamento do Estado para a saúde, para o SNS. Dito de outra forma, o SNS consegue "devolver" ao país, à economia, metade do que absorve em dinheiro público, dos contribuintes. Será assim um negócio tão mau como nos tem sido vendido?».
Paulo Tavares, Afinal, o SNS vale o que pagamos

«Memorizar e debitar» (reloaded): a educação segundo Crato

Posted: 09 Mar 2018 05:11 AM PST

De quando em quando, Nuno Crato dá sinais de vida. Desta vez, com um artigo no Observador, aparentemente motivado pelo discurso de António Guterres na sessão de atribuição do doutoramento honoris causa pelo IST.
Pergunta Crato se «gostaria algum de nós de ser tratado por um médico que, na universidade, tivesse aprendido Literatura Germânica, não tivesse prestado grande atenção à Anatomia nem à Histologia, mas que tivesse sido fantástico a "aprender a aprender"?». Ou se gostaria algum de nós de «andar num avião mantido por uma equipa de mecânicos que, na sua escola de formação técnica, tivessem estudado Anatomia Patológica, nada sobre motores nem sobre aeronáutica, mas que fossem extraordinários a "aprender a aprender"?». Exagero? «Não», diz o ex-ministro da Educação: «pensemos na mensagem que, no limite, se está a transmitir aos estudantes: aprendam a aprender, não interessa tanto o que aprendem».
Garanto-vos que não faço por isso, mas quando a argumentação chega a este nível vem-me à memória uma recordação de infância: a imagem de vendedores de banha-da-cobra, alçados em carrinhas de caixa aberta, com o frasquinho numa mão e o microfone na outra, a convencer os incautos que têm a solução para todos os males. Ou, numa versão mais atual, os anúncios televisivos a frigideiras anti-aderentes, com o número para as encomendas a passar no rodapé do ecrã durante o engodo. A dúvida com que ficava ao reparar no empenho dos vendedores de banha-da-cobra é a mesma que me assalta com Nuno Crato: acredita mesmo no que diz ou está conscientemente a ludibriar as pessoas?
Será que o ex-ministro Nuno Crato acha mesmo que o que está em causa é a opção entre «conteúdos» e «aprender a aprender»? Terão as matérias programáticas das disciplinas desaparecido e ninguém deu conta? Em que consistirá na prática o programa do «aprender a aprender»? Não perceberá o ex-ministro que os conteúdos continuam lá e que a diferença reside no modo como são tratados, bem como nas finalidades que se pretendem atingir com os processos de ensino e aprendizagem? Que os «conteúdos» servem para «aprender a aprender» e não, simplesmente, para «memorizar e debitar»? Que uma coisa é «aprender a decorar» e outra é «aprender e problematizar»? Perceberá Nuno Crato a diferença entre o papaguear mecânico de uma tabuada e a ideia de que a mesma traduz a soma sucessiva de um algarismo? Ao vir com esta conversa requentada, terá Nuno Crato a expetativa de poder regressar à 5 de outubro com a sua agenda retrógrada, depois de ter ouvido Rui Rio no encerramento do 37º Congresso do PSD?

Pensamento light

Posted: 09 Mar 2018 10:38 AM PST

A poucos dias do Congresso do CDS, a dirigente do CDS deu anteontem uma entrevista à RTP.
Para um partido que não chega aos 10% da intenção de voto, mas que afirma querer liderar a direita, estar-se-ia à espera de ideias mais consistentes sobre o pensamento do CDS. Mas da conversa percebeu-se que o mandato governamental do CDS de 2011/15 ainda está mal digerido e que as grandes linhas de pensamento económico ainda andam muito baralhadas pelo Largo do Caldas. E que o seu discurso está muito colado à espuma dos dias, a surfar os temas mais mediáticos.
A pobreza do pensamento centrista é visível na moção de Cristas ao Congresso. Aliás, convida-se a que se leia as diversas moções para perceber que o CDS tem um pensamento incoerente e inconsistente, variado mas indistinto, sobre temas essenciais e estratégicos, e que por isso lhe é mais fácil surfar o dia-a-dia. Uma delas, considera mesmo que "a nova vaga de emigrantes deve ser vista como uma afirmação da capacidade e do engenho de Portugal no mundo" ou que "Portugal tem de assumir uma política activa para o crescimento da natalidade, financiada pelo Estado e não pelas empresas". Mas ao mesmo tempo, mantendo o esforço para cumprir a regra orçamental de reduzir a dívida pública até 60% prevista no Tratado Orçamental, o que é mais uma quadratura do círculo improvável. Mas tudo isto merece um estudo mais detalhado, proximamente.
O discurso televisivo de Assunção Cristas é mais um exercício, aliás, de quadratura do círculo: camufla o que correu mal, puxa de galões que não são os seus, tudo baralha, sem que o entrevistador a tenha confrontado.
Primeiro. Para Cristas, não houve austeridade: houve necessidade. Na realidade, necessidade foi o que levou ao empréstimo de curto prazo que - nunca é por acaso - trouxe agarrado um conjunto de políticas, fortemente ideológicas, assumidas pela direita (CDS inclusive). Outras políticas poderiam ter sido adoptadas, mas a direita quis aquelas, que fracassaram estrondosamente.
As políticas adoptadas geraram uma montanha de 1,5 milhões de desempregados. Mesmo do ponto de vista orçamental, foi um fiasco: entre 2011 e 2013, dos 20 mil milhões de euros de austeridade (entre cortes na despesa pública e aumento da receita fiscal), o défice apenas se reduziu em 6 mil milhões por causa da recessão provocada. Por cada 1 euro retirado ao défice, retirou-se 1,25 euros ao PIB. Aliás, Cristas a certa altura afirmou aquilo que a esquerda costuma repetir sobre o fracasso das medidas adoptadas: "Mesmo na dívida, diminuiu em percentagem do PIB. Nós continuamos endividados, continua a haver um agravamento da dívida".

Ficou sem saber-se - e ninguém lhe perguntou - por que razão isso aconteceu quando era suposto estar a reduzir-se a dívida, fruto das políticas adoptadas no passado. Estava no Memorando.
Teria sido por culpa do protectorado da troica? Não foi, porque Cristas omite esse facto olimpicamente. Troica e memorando são, aliás, palavras proibidas. Fala do "grande esforço de todos os portugueses", quando esse esforço não serviu para nada e teve de ser invertido! Até a Comissão Europeia já vem dar o dito por não dito.
O fruto da austeridade aplicada transformou-se para Cristas em "crise mundial e europeia" e "depressão", sem que se explique por quê, já que Portugal afundava nessa altura enquanto a UE já crescia. E a retoma é, assim, desvalorizada: "Tínhamos, em Portugal, uma capacidade produtiva instalada que não estava toda aproveitada em virtude da profunda depressão e da crise que foi uma crise mundial e europeia e, claro, com a retoma poderão, com muito pouco investimento, accionar essa capacidade produtiva".
Na entrevista, Cristas sublinha que, se houve retoma, foi por causa - "também" - das reformas adoptadas, nomeadamente a laboral: "Tenho sublinhado muitas vezes o facto de, por exemplo, António Costa ter resistido até agora a fazer mexidas na legislação laboral que eu espero que mantenha, porque hoje temos crescimento económico e desemprego a diminuir e emprego a aumentar também por causa de várias reformas, nomeadamente na reforma laboral feita pelo anterior governo". Quais teriam sido as outras reformas? A famosa reforma do Estado que Paulo Portas sintetizou numa página e que nunca levou à prática porque não lhe convinha voltar à recessão?
Noutra entrevista, de outro dirigente, Adolfo Mesquita Nunes, prevê-se que entre 10 a 40% dos actuais empregos deixarão de existir - devido à famigerada automação dos processos produtivos - e que "é preciso encontrar mecanismos de transição e mobilidade, para que as pessoas possam mudar de emprego, ter formação e ter a protecção social de que precisam nesse período". Para já, pergunte-se, com que dinheiro? "Temos um modelo de Estado Social que tem um conjunto de prestações sociais pensadas para desafios antigos. E, portanto, temos de adaptá-las". Os jornalistas não lhe perguntaram quais... Mas como se articula isso com o papel do CDS de 2011/15? Nessa altura, o CDS defendeu, com unhas e dentes, a redução da duração e do montante do subsídio de desemprego. E das compensações por despedimento. E o congelamento do SMN, que aumentou por razões eleitorais e pouco e sem discussão na concertação social... Algo que pressionou os salários para a descida do seu valor. Em que ficamos?
Pior. Enquanto defende esses méritos da austeridade, usa a austeridade para criticar Costa de a aplicar de forma camuflada: "Não é verdade que seja tudo cor-de-rosa, não é verdade que a austeridade tenha acabado. Não é verdade esta narrativa do primeiro-ministro de que acabou a austeridade e de que agora está tudo muito bem. E nós a cada momento conseguimos comprovar isso mesmo".
Mas se o Governo aplica a austeridade, mesmo que camuflada, Portugal deveria estar melhor. Ou não? Não, porque o CDS acha-se à-vontade para atacar a falta de recursos na Saúde que foi fortemente afectada pela política estúpida da austeridade...
Que tipo de política económica defende o CDS afinal? O CDS tem sido um partido sem espinha nem pensamento. E ainda por cima quer liderar a direita. Não vai longe.