Translate

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Entre as brumas da memória


A violência policial e os suspeitos do costume

Posted: 27 Feb 2018 12:50 PM PST

«Por duas vezes, no espaço de uma semana, Portugal surge destacado pelas piores razões em matéria de direitos humanos e de violência policial. E não só por causa do episódio da Cova da Moura. Relatórios da Amnistia Internacional e do Comité Anti-Tortura do Conselho da Europa são pouco simpáticos com a actividade policial no país. Este último organismo do Conselho da Europa coloca Portugal no topo de países da Europa Ocidental com o maior número de casos de violência policial, sobretudo quando se trata de afrodescendentes portugueses e estrangeiros. É intolerável que a forma como um cidadão é tratado numa esquadra varie em função da cor da pele ou da nacionalidade, nessa manifestação boçal de um racismo subterrâneo que sempre existiu e nunca assumimos. Que esse racismo larvar tenha lugar numa esquadra ainda torna tudo muito mais escabroso.»

.

João Varela Gomes e o Presidente que temos

Posted: 27 Feb 2018 08:21 AM PST

Já fui duas vezes à página da Presidência da República e nada encontro sobre a morte de João Varela Gomes, um dos nossos grandes lutadores e resistentes contra o fascismo.

Tivesse um português vencido um campeonato de matraquilhos na Cochinchina e lá estaria um louvor, morresse um ministro de Salazar, com um cheirinho mínimo a democrata depois do 25 de Abril, e haveria elogios de toda a espécie e presença garantida no funeral.

Por desconhecimento não é: para organizar as comemorações de 5 de outubro de 1974, foi criada uma comissão, presidida por Varela Gomes. Dessa comissão, como representante do PPD, estava Marcelo Rebelo de Sousa.

Registe-se. Não há almoços grátis.

.

V de Varoufakis

Posted: 27 Feb 2018 06:00 AM PST

O prato do regime

Posted: 27 Feb 2018 03:12 AM PST

«Quando se dirige uma cadeia de restaurantes que vende galinhas é de todo conveniente que estas não faltem. Foi isso, no entanto, que aconteceu à KFC na passada semana na Grã-Bretanha: dois terços dos seus restaurantes fecharam porque não havia galinhas para fazer a sua "fast-food". Os partidos portugueses da órbita do poder também têm o seu "complexo”, estando viciados no prato do poder, não encontram refeições alternativas. Compreende-se que em Portugal os chamados pactos de regime sejam uma espécie de sino que assinala a hora da refeição. Não é por acaso que o que pode começar por aproximar PS e PSD seja o dinheiro dos fundos europeus para a próxima década e a regionalização. E não uma política de ambiente, numa altura em que a seca continuada vai implicar alterações estruturais no território nacional, de cultura, da educação, do financiamento do SNS, ou mesmo de turismo ou modelo económico. Discute-se, em termos de prato do regime, o que pode ser dividido em termos de dinheiro e de poder regional.

Todos sonham com pactos de regime e com consensos deste tipo. Mesmo o PSD, que por estes dias deveria estar mais preocupado em ser uma alternativa clarividente ao Governo e ao PS, sonha com a divisão do prato do regime. É por causa disto que a classe política portuguesa, se fizesse hoje uma "selfie", veria um rosto cansado e resignado. A política não é só "marketing", mas filosofia. É preciso regenerar as emoções na política e não é com estes pretensos pactos de regime, feitos à volta da divisão de migalhas do bolo, que se consegue que os cidadãos voltem a olhar para o regime com atenção. Porque os cidadãos estão a deixar de encontrar respostas. Sabe-se como são estes pactos de regime: quem decide a divisão das cartas, dos dinheiros e dos favores impõe a agenda política. É uma hegemonia que vai degradando a cultura política e social nacional. Mas a fome de galinhas não as deixa entender porque os restaurantes fecham.»

Fernando Sobral
.

Não culpem as armas, mas o atirador… – II

Novo artigo em Aventar


por António de Almeida

Há uns anos publiquei aqui um post defendendo o direito ao uso e porte de arma. De então para cá não mudei de opinião. Pensei escrever sobre isto na passada semana, mas o pateta que ocupa a Casa Branca fez-me perder a vontade, transformando em chacota uma discussão que se pretende séria. Na União Europeia, aos finlandeses basta uma autorização da polícia local para adquirir uma arma de fogo e neste século apenas viveram uma tragédia mediática. Na República Checa, o tiro é um desporto popular, sendo possível a qualquer cidadão maior de 18 anos adquirir a sua arma. Na muito respeitável e civilizada Suíça, um quarto da população possui arma em casa, sendo inclusivamente a posse obrigatória para todos os que cumpriram o serviço militar. Ainda na Europa, Sérvia ou Rússia são países com restrições mínimas. Raramente ouvimos relatos de tragédias nestes países ao contrário do que acontece nos EUA, o que faz pensar se a culpa será mesmo das armas… Ler mais deste artigo

Os sonsos do compromisso

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 27/02/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

Tem sido interessante verificar o renascimento de algum pluralismo na imprensa: há os que defendem que o PSD deve tentar chegar a compromissos com o PS, e se sentem próximos de Rui Rio e de Marcelo Rebelo de Sousa, e os que, pelo contrário, tentam mostrar como qualquer diálogo entre Rio e Costa é suicidário para o primeiro e preferem que o PS se afogue nas contradições da própria “geringonça”. A divergência é entre a direita e a direita. Uma que acredita na capacidade regenerativa do compromisso, fazendo o PS regressar à sua função programática meramente complementar, outra que prefere a clarificação punitiva. Devo dizer que, estando fora deste confronto entre as duas correntes que dominam o espaço mediático apesar de representarem menos de metade dos portugueses, não tomo partido. Apenas assinalo o sentido que as palavras ganham.

Neste clima de clivagem à direita, os adeptos da reconstrução do espírito do bloco central parecem estar, no espaço mediático, em maioria. Por isso, um novo clamor atravessa editoriais e artigos de opinião, apelos de comentaristas televisivos e análises aparentemente desapaixonadas: o clamor por uma “cultura de compromisso”. Como sempre acontece nestas ocasiões, uns dão a deixa e os papagaios espalhados pelos media repetem o mantra, mais movidos pelo medo de ficarem sozinhos com a sua própria cabeça do que por qualquer convicção: são necessários compromissos para avançar com reformas estruturais. A frase parece neutra mas, na realidade, nenhuma das expressões tem o seu valor facial. Quando se fala em “compromissos” não se está a falar de todos os compromissos ou de compromissos que envolvam todos. Quando se fala de “reformas estruturais” não se está a falar de todas as reformas estruturais possíveis, mas de um programa ideológico muito específico.

Há mais de dois anos esse espírito de compromisso foi testado na política nacional como nunca fora antes. Ouviram, na comunicação social, o som do aplauso? O que interessa a quem agora pede o regresso aos compromissos é que o ponto de entendimento político volte a acontecer no centro-direita

Há mais de dois anos o espírito de compromisso foi testado na política nacional como nunca fora antes. Três partidos que nunca tinham aceitado conversar, no meio dos quais passava não a clivagem ideológica fundamental da política nacional mas a mais dolorosa fratura histórica, venceram décadas de incomunicabilidade e assinaram acordos para garantir um programa mínimo. As velhas e as novas divergências são tais que o programa foi apenas o da reposição da normalidade social e económica e BE e PCP não entraram para o Governo. Mas poucas vezes a cultura de compromisso teve um impacto político tão forte, com a integração dos partidos que representam quase um quinto dos eleitores portugueses no arco do poder. Ouviram, espalhado pela comunicação social, o som do aplauso pelo histórico compromisso? Pelo contrário, a capacidade de negociação de António Costa foi apresentada como esperteza saloia e o entendimento mereceu o nome de “geringonça”, que pretendia sublinhar a pouca eficácia dos acordos, amplamente desmentida pela realidade. No entanto, a cultura de compromisso destes três partidos, dois deles com pouco historial nessa matéria, exigiu muito mais de todos do que qualquer “pacto de regime” até agora assinado.

O clamor mediático pela “cultura de compromisso” nada tem a ver com um qualquer apreço pelo diálogo ou pela construção de maiorias fortes. O que interessa a quem agora pede o regresso aos compromissos, nunca incluindo neles mais do que os três partidos do antigo “arco do poder”, não é que eles existam, é que o ponto de entendimento político maioritário volte a acontecer no centro-direita.

Não me parece que haja grande espaço para que este grupo parlamentar do PSD venha a participar em qualquer pacto de regime em torno da justiça. Como escreveu David Dinis, isso seria fazer o que o PS, por Sócrates estar a ser julgado, não pode fazer. Não existe assim tanta generosidade e falta de cálculo na política. Todos os outros temas de que oiço falar que não tenham de incluir todos os partidos políticos (como é o caso dos investimentos em infraestruturas no próximo quadro comunitário de apoio) corresponderiam, na realidade, a tentar criar uma continuidade entre este governo e o anterior e, por via de Rio, destruir os entendimentos à esquerda. É o caso da segurança social. Porque raio haveria António Costa, a pouco mais de um ano das eleições e a querer conquistar voto de esquerda, fazer tal coisa? Cheira-me que o que aí virá será pouco mais do que simbólico.

Sobra um caso em que quatro dos cinco principais líderes partidários estão de acordo: a regionalização. Sabendo-se as dificuldades em avançar com um processo que foi chumbado em referendo, por responsabilidade dos cálculos oportunistas do então líder do PSD e atual Presidente da República, há caminho para um diálogo entre PS, PSD, BE e PCP (e CDS, se a eles se quiser juntar) sobre a descentralização administrativa, uma verdadeira “reforma estrutural” de que o país urgentemente precisa. Estarão os atuais defensores de “uma cultura de compromisso” a pensar em coisas tão abrangentes que, na sua “tolerância democrática”, não expulsem BE e PCP das grandes escolhas? Claro que não. A sua cultura de compromisso tem uma função mais exclusiva do que inclusiva.

A política do dramalhão, ou como Rio perde tempo

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 27/02/2018) 

LOUCA3

Fernando Assis Pacheco, grande escritor, gostava destes apontamentos suaves. Citava ele a Ilustração Portugueza, suplemento do Século, que descrevia a vinda do Racing Club, de França, para mostrar o seu foot-ball no campo da Palhavã: “Foram mais de seis mil pessoas que assistiram a essas provas brilhantes, entre as quais muitas senhoras das mais elegantes da nossa sociedade, o que assegura o interesse que o sport do foot-ball tem despertado nos diversos meios. (...) Dentro em pouco outras équipes estrangeiras virão disputar com os foot-ballers portugueses novos matches, que chamarão ao Campo da Palhavã a mesma elegante e numerosa concorrência.”

O Benfica perdeu o campo em 1923, atravessado por uma estrada, mas lá ficaram gloriosas memórias. Quanto à intenção de animar “muitas senhoras das mais elegantes da nossa sociedade” e acompanhantes, era generosa, mas, como se sabe, a “elegante e numerosa concorrência” tornou-se demasiadas vezes, um século mais tarde, uma multidão de ódios capitaneada por rufias que encaixam somas colossais com comissões manhosas na “compra” e “venda” de jogadores.

Deu recentemente que falar um dos chefes de um grande clube, Bruno de Carvalho, que zurziu nos adversários, reclamou poder absoluto e derreteu as televisões. Pavilhão escaldante, os presentes tinham vindo para isso mesmo, para treinar ódio. Ora, há nisto alguma novidade? Só a sofisticação, mas a técnica Bruno de Carvalho (chamar-lhe-ei TBdC para simplificar), e que aliás é igual à de outros chefes de clubes, tem boas tradições em Portugal. É uma política ou, como se vem dizendo, uma estratégia, embora a TBdC só resulte se for friamente executada num roteiro seguro, que passo a expor para benefício dos aprendizes.

Sim, caro leitor ou leitora, também no seu caso, se usar bem a TBdC, pode chegar a chefe de clube. Aperte o cinto de segurança e vamos a isso.

Primeira técnica: eu vou-me a eles

Ainda se lembra de Avelino Ferreira Torres? Foi presidente de uma Câmara pelo CDS, tem uma avenida com o seu nome que vai dar a um estádio de futebol com o seu nome no concelho a que presidiu, e um dos cultores desta primeira técnica. Ela consiste simplesmente em esgoelar e anunciar que se vai atirar de cabeça, saiam da frente. Valentim Loureiro, nos seus bons tempos de também dirigente de futebol, ou outros autarcas da mesma cepa, usaram esta TBdC com mérito e sucesso.

Tem boas potencialidades: desde as guerras ancestrais que se espera que, se a gritaria for muita, o adversário se assuste. O único inconveniente é a suspeita do segura-me se não eu bato. Não repetir demasiado.

Segunda técnica: melhor ser insultado do que ignorado

É a TBdC mais arriscada, tipo André Ventura em Loures. Se ainda não deram por ti, põe a mira em alguém que seja notório, provoca indignação, vai à bomba. O melhor mesmo é atingir muita gente de uma penada: atacar as mulheres feministas é garantido e há sempre algum lorpa a apoiar, insultar ciganos é arriscado mas tem basta audiência, desprezar jovens que não são como no nosso tempo tem efeito.

O problema é que esta TBdC não resulta com toda a gente, houve quem tentasse e fosse ignorado pelas gazetas e pela multidão, dado que há o risco de se notar que a rã acha que é um boi. Usar qb.

Terceira técnica: olhe para mim que vem bojarda

A terceira TBdC é usada por todos os dirigentes dos grandes clubes, não se ofenda que sabe que os três usam a mesma receita. Aprenderam com Alberto João Jardim a fazer aqueles discursos em festa de partido, regados a poncha e ligeiramente alegretes, em que o continente era bombardeado com ameaças tonitruantes. Não há mais dinheiro? Será independência, ou pior ainda, nem sabem do que sou capaz. Se me pagarem, a independência fica para depois do Carnaval e logo se vê.

No caso do futebol, a conversa é sobre os árbitros. Que foi penalti, que nunca fomos tão prejudicados, que vamos fazer queixa, que eu sei o que tu fizeste no jogo passado. É aqui que esta TBdC tem entoações mais conspiratórias, criando uma espiral de debates para todos ralharem sem razão, exercícios de cinismo em que a representação de um clube se confunde com a exibição de fanatismo. Para ganhar uma eleição num grande clube, esta TBdC é a técnica comprovada.

Merece homenagem Pedro Guerra, ex-jornalista e ex-assessor do governo PSD-CDS e do grupo parlamentar do CDS, que é um dos melhores cultores desta TBdC, mas não o único: há televisões que contratam estes artistas por entenderem que a audiência é seduzida pelo despautério. Abusar para se fazer notar.

A arte do dramalhão...

Aqui está, as TBdC são um poço de estratégia. Em algumas eleições locais, e certamente nos grandes clubes, não pense que ganhará sem exibir estes dotes. Mas, a partir daí, tenha cuidado. Nem sempre fica bem, há gente finória que não aprecia por demais estas frescuras. As derivas são tentadoras mas pode acabar por se perder na sua representação, depois tem de meter os pés pelas mãos, o que há de convir que é incómodo, queima-se.

E se o tremendismo serve para engrossar as margens e para treinar os ódios, o que é em si mesmo uma forma de vida, na política tem sido preferida a arte do dramalhão. É mais contida, menos folclórica, mas ainda assim animada. A demissão de Paulo Portas a propósito da “linha vermelha” que era a nomeação de Maria Luís Albuquerque, o pedido de desculpa de Passos por ter apoiado os primeiros PEC de Sócrates ou o seu simultâneo “o PSD não está cheio de vontade de ir ao pote”, até o “entre a espada e a parede, prefiro a espada” de Guterres, tudo isso é dramalhão. Do bom, do inchado, resplandecente. Já sabe, se não for futebol a sua ambição de carreira, use o TBdC só até chegar à fronteira do dramalhão. A partir daí, prefira a pose, será só faturar.

... e o défice Rui Rio

Aqui está então a fragilidade de Rui Rio: o grupo parlamentar pede-lhe TBdC ou pelo menos um dramalhãozinho, e o homem mantém-se mudo e quedo, nem lhes bate à porta. Marcelo espera que ele desencante alguma proposta e até apresenta prazos e temas, e silêncio. António Costa recebe-o bonacheirão, e nenhum ultimato.

Os jornais esperam uma notícia, e é um buraco negro, só sobram encontros com o governo segundo a agenda do governo para aprovar as propostas do governo. Na maré, Rio não satisfaz ninguém, enredado como está em jogos de palavras: bem pode dizer que um bloco central é o sexo dos anjos, que logo espreita a tentação do apoio ao PS depois das próximas eleições, manobra que se arrisca a confirmar cada dia entre silêncios e ações.

Só impreparação, nem se arrisca a uma palavra ou ideia? Haja fé: quando decidiu a sua direção, Rio mostrou que está atento às potencialidades da TBdC e escolheu Elina Fraga, que logo que foi perguntada sobre o seu passado resolveu o assunto explicando que o governo “lhe repugna por ser de esquerda”, uma pérola que devia ser emoldurada. E pôs no centro das operações o engenheiro Salvador Malheiro, inventivo presidente de Câmara de Ovar e especialista em votos flutuantes e TBdC autárquica.

Temos então a receita da inauguração de Rio: silêncio, não lhe peçam propostas, somando uns factotum que exercem uma TBdC mais para o barulhento, por definição sem propostas. Se o tempo se lhe torna curto, só se pode queixar de si próprio.

PSD: quando uma imagem vale mais que um milhão de palavras

Novo artigo em Aventar


por João Mendes

PSD

A imagem é do Expresso e ilustra na perfeição o clima de guerra civil que se vive na São Caetano à Lapa. Uma tempestade de facadas e traições.