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sábado, 25 de março de 2017

“EUREXIT” ( estatuadesal)

 

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 25/03/2017)
AUTOR
Miguel Sousa Tavares

                                                                                                                                                                                                   
Parece que já ninguém gosta da Europa. Uns, porque têm saudades do mítico Estado-nação, das suas queridas fronteiras e polícias, das moedas nacionais e dos câmbios em que se perdia sempre duas vezes, da inflação e das desvalorizações; outros, porque não gostam da ideia de existirem jurisdições acima das nacionais onde os cidadãos se podem queixar dos abusos do seu próprio Estado ou de haver uma lei comum que estabelece as regras em matéria de direitos laborais, empresariais ou ambientais; outros porque não querem mais imigrantes — seja de fora da Europa seja da própria Europa, como é o caso dos ingleses; e outros ainda porque não querem uma política de defesa comum, uma política externa comum e, menos ainda, uma política fiscal comum, como é o caso dos irlandeses e dos holandeses. E há os que estão fartos de que a Europa se meta nos seus assuntos internos, impedindo-os de estabelecerem regras mais próprias de ditaduras do que de democracias, como sucede com os húngaros, os polacos ou os aspirantes turcos. Finalmente, temos os países do sul, que se queixam da falta de solidariedade dos do norte, do sufoco das dívidas públicas e bancárias a que estão sujeitos (e que em parte foram contraídas para safar os biliões emprestados sem critério pelos governos e bancos dos países ricos do norte), e temos os países do norte que acusam os do sul de gastarem o dinheiro em copos e mulheres (não, não são só o capataz holandês e o polícia alemão que pensam assim).
Os copos e as mulheres ainda é o lado para que dormimos melhor — sobretudo quando a acusação vem de um holandês. O que nos custa é que quem nos quer dar lições de bom comportamento financeiro seja ministro das Finanças de um país que serve de sede fiscal às nossas vinte maiores empresas para lá pagarem parte dos impostos por riqueza criada aqui e que aqui deveria ser cobrada. Porque o Eurogrupo, a que Dijsselbloem preside, exige que todos cumpram regras comuns em matéria de controlo do défice público, mas não quer nem pratica regras comuns em matéria de fiscalidade — o que permite que a Irlanda e a Holanda funcionem como oásis fiscais e o Luxemburgo, que durante anos foi governado pelo actual presidente da comissão, Juncker, tenha então funcionado como uma lavandaria de topo para as grandes empresas multinacionais e nacionais.
Esta Europa foi uma extraordinária criação de uma notável geração de políticos, que agora se arrasta para um fim sem sentido nem glória, conduzida por uma notável geração de medíocres
Mas isso, o direito de pernada sobre coisa alheia, vem na tradição da Holanda: sempre foram um povo com vocação para a pirataria. Mesmo na chamada “Golden Age” da Holanda (um período que coincide com os sessenta anos de reinado dos Filipes em Portugal), a prosperidade das Sete Províncias Unidas fez-se com base na transformação das matérias-primas que outros, como os portugueses, iam buscar longe e correndo todos os riscos, e a imensa frota que então construíram destinava-se a pilhar as colónias alheias, em lugar de fundar as próprias. Foi assim que os holandeses se lançaram à conquista do Pernambuco português, convencidos de que as guerras e a colonização que ocupavam o imenso império espanhol levariam Madrid a alhear-se do destino de parte da terra brasileira do seu vassalo português. Há, no Brasil, uma persistente lenda, segundo a qual, os trinta anos de ocupação holandesa do Pernambuco foram toda uma época de esplendor e progresso, bem ilustrada pela fantástica “Embaixada cultural” que Maurício de Nassau para lá terá levado. A versão portuguesa, em que confio mais, é outra: assim que desembarcaram no Pernambuco, os holandeses começaram por arrasar a capital, Olinda (que depois os portugueses reconstruiriam), justificando-o com a plausível razão de que não estavam habituados a defender elevações, mas apenas terras planas. Em seu lugar, Maurício de Nassau (que foi um bom administrador) lançou-se na construção de uma cidade com o seu nome e que hoje se chama Recife — mas onde, curiosamente, não há vestígios da passagem dos holandeses no que quer que seja. E a tão falada Embaixada cultural do Príncipe de Nassau resumia-se ao seu médico pessoal, um botânico, um físico, um ilustrador e um pintor. Este, Peter Post, pintou exactamente 24 quadros no Brasil, os quais Maurício de Nassau levou de volta (isto quando durante a “Golden Age” holandesa se pintaram cerca de dez milhões de telas, fazendo deste o mais profícuo e um dos mais notáveis períodos de toda a história da pintura). De facto, e infelizmente, os portugueses nunca tiveram a visão e a vocação de registar em pinturas os lugares que descobriam, que desbravavam ou que colonizavam. No Pernambuco, estavam demasiado ocupados em repelir os ataques dos índios, em fazer agricultura e em explorar imensas plantações de cana-de-açúcar — justamente o alvo dos holandeses. Estes, por seu lado, não padeciam dos grandes desígnios dos portugueses, tais como converter índios à sua fé, enviar bandeiradas pelo interior, explorar novos territórios. Nem sequer faziam agricultura e, menos ainda, queriam explorar a cana-de-açúcar. Eles queriam apenas comprar o açúcar aos plantadores portugueses, tentar melhorar o seu processamento e trazê-lo para a Holanda para o vender umas cem vezes mais caro, através da Europa: o monopólio do comércio e do transporte de um produto disputadíssimo na Europa, sem o esforço, os riscos e as doenças que a sua exploração exigia. Não por acaso, certamente — e contrariando a lenda do entusiasmo com que o Brasil recebeu os holandeses e a tristeza com que os viu partir — a aventura brasileira da Holanda começou a ter fim nas duas decisivas batalhas de Guararapes, em 1648/49, quando 4500 holandeses foram desbaratados por um exército de 2200 homens daquilo que então se podia chamar a “nação brasileira”: um batalhão de portugueses comandados por João Fernandes Viera e André Vidal de Negreiros, um batalhão de negros comandado pelo ex-escravo Henrique Dias e um batalhão índio comandado pelo índio Felipe Camarão. Tenho o maior prazer em recomendar a leitura da história ao sr. Dijsselbloem.
Mas talvez se devesse ir ainda mais além na instrução histórica básica do presidente do Eurogrupo. Recordar-lhe que foram os países do sul, que ele tanto despreza, que edificaram as fundações da Europa que hoje conhecemos, impondo os seus valores, hoje universais, contra os “bárbaros” do norte. A Grécia deu à Europa a democracia e a arte; a Itália deu-lhe o Império Romano, uma das mais notáveis criações políticas da Humanidade, fundado na lei e na igualdade das partes, e deu-lhe o Renascimento, contra o obscurantismo então reinante; Portugal e Espanha abriram o mundo à Europa, e a França deu-lhe os valores da Revolução Francesa. O que deu o norte de comparável?
Sim, esta Europa que Dijsselbloem simboliza e representa já não serve ninguém e não interessa a ninguém. Os dez anos de presidência do português Durão Barroso, com a sua política de sempre, em todos os cargos que ocupou — ou seja, salvar a pele, nada fazendo — foram fatais para a Europa. Mantendo-se sempre à tona, flutuando sem sobressaltos perante cada problema, a Europa foi apanhada impreparada perante as crises que a viriam a assolar e hoje navega à deriva, sem rumo nem praia à vista.
Esta Europa, que daqui a dias celebra 60 anos de vida, foi uma extraordinária criação de uma notável geração de políticos europeus, que agora se arrasta para um fim sem sentido nem glória, conduzida por uma notável geração de medíocres. Talvez o destino dos povos não seja o de saberem ser felizes, mas o de estarem eternamente insatisfeitos. De vez em quando, isso é bom; outras vezes é trágico.
 
Ovar, 25 de março de 2017
Álvaro Teixeira

Mensagem para o Presidente do Eurogrupo

Para o Presidente do Eurogrupo, que disse que os países do Sul gastam o dinheiro todo em mulheres e álcool...
Não traduzas para o JELLE! Não é nada conveniente....
VAI COMO VEIO:
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De um ilustre amigo.

Meu caro Jeroen Dijsselbloem,
Deixa-me dizer-te duas ou três coisas sobre a malta cá dos países do sul, que pareces não conhecer bem. Nós não gastamos o dinheiro só em mulheres e álcool. Também há quem gaste dinheiro em homens. Mas isso é raro. É verdade que gostamos muito de estar com homens ou mulheres – depende de cada um – mas costumamos tê-los de borla. Quer dizer, não fazemos como na Holanda, o teu país, que tem o maior número de prostitutas por metro quadrado em todo o mundo e até as põe à venda em montras. Aí é que se gasta muito dinheiro mal gasto em mulheres. Talvez não saibas, mas há quem diga que no Verão vêm muitas mulheres do teu país à procura de homens no meu país. Duvido que eles lhes paguem alguma coisa.
Também não gastamos assim tanto dinheiro em álcool. Até porque não temos muito dinheiro para gastar em coisa nenhuma. Bebemos algum vinho, é verdade, mas é mais por razões de saúde e para dar trabalho aos nossos agricultores. Eu sei que no teu país a bebida preferida é o leite. Aqui também bebemos disso, mas é de manhã e com café. Às refeições ou quando vamos sair a qualquer lado não costumamos beber leite. E mesmo que quiséssemos não podíamos porque temos menos vacas que no teu país.
Fica a saber que os gajos mais bêbados que conheci em toda a minha vida foram dois holandeses lá para os anos 80, que costumavam acampar na Barragem de Castelo de Bode e apanhavam um pifo que durava quinze dias. Mas eram admiráveis porque ao fim da tarde atravessavam a barragem a nadar de costas, completamente bêbados, e não chegaram a morrer. De mulheres parece-me que não gostavam muito. Devia ser para pouparem dinheiro para a pinga.
Mesmo assim, é melhor gastar dinheiro em vinho do que em haxixe ou outras drogas, como no teu país. Nós não temos cá desses cafés onde se podem fumar umas ganzas em liberdade, mas temos umas belas tascas com mesas de mármore onde se bebem uns copos de três, se joga à sueca e canta à alentejana.
Não fiquei muito admirado com o que tu disseste. No teu país, 40% do território fica abaixo do nível do mar e as pessoas são as mais altas da Europa. Deve ser para poderem tirar a cabeça fora de água e espreitarem para o sul para ver o que se passa por cá. Mas de certeza que isso não faz muito bem ao pescoço. Aqui somos mais baixos e até um pouco mais gordos. Não vem grande mal ao mundo porque, como tu reconheces, as mulheres gostam assim. Também não estamos abaixo do nível do mar porque a maior parte do mar é nosso.
Há no entanto uma coisa em que tu podias ser quase como alguns portugueses. És do Partido do Trabalho, mas trabalhas pouco. Há quase 20 anos no Parlamento da Holanda, depois no Parlamento Europeu e agora como Ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo, também temos cá desses trabalhadores. Depois, li por aí que não conseguiste acabar o Mestrado mas que te intitulaste Mestre até seres apanhado. Estás a ver, desses também cá temos. Olha, vou-me despedir com um conselho:
Tu estudaste economia agrícola. Porque é que não te dedicas a apalpar tomates, para ver se estão maduros?
 
Ovar, 25 de março de 2017
Álvaro Teixeira

sexta-feira, 24 de março de 2017

O holandês errante (estatuadesal)

 

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 24/03/2017)

quadros
 
Finalmente, Dijsselbloem é oficialmente considerado uma besta. Demorou, mas lá chegámos. As eleições holandesas mostraram que o Dijsselbloem ainda é menos popular no país dele do que nos países do sul. Desta vez, o presidente do Eurogrupo não disse, como antes das eleições gregas, que os gregos tinham de escolher se queriam ser uma Coreia do Sul ou do Norte. Na altura, eram os do Norte que eram os maus da fita.
não deu por nada no nosso sistema financeiro.
Para muitos, as palavras de Dijsselbloem foram consideradas um comentário infeliz. Vamos lá ver uma coisa, o comentário não é infeliz, é xenófobo e misógino. Se o presidente do Eurogrupo fala desta forma de política europeia, mais valia deitar serradura no
Como todos já devem ter conhecimento, excepto os que felizmente estavam bêbedos, Dijsselbloem disse que os países do Sul gastam tudo em álcool e mulheres. O mais incrível é dizer isto como se fosse mau. Quem me dera ter gasto tanto dinheiro em boémia como gastei em bancos. A verdade é que enquanto a nossa taxa de alcoolemia subia, o partido de Jeroen Dijsselbloem caía dos 25% para os 6%. Se eu fosse o holandês, ia apanhar uma cardina.
Tenho a teoria que esta generalização é conversa de quem passou muito tempo com o Durão Barroso. Por outro lado, desconfio que isso, vinho e mulheres, foi o que andou a fazer a troika quando cá esteve por isso chão das reuniões do ECOFIN, dado que isto é conversa de tasca.
Eu sou dos que gastam dinheiro em álcool, mas confesso que a minha dúvida, quando vou para borga, é sempre a mesma: "bebo mais um Famous Grouse ou poupo para pagar uma tese de mestrado a um indivíduo que perceba disso e aldrabo o meu currículo?" Já em termos de gastos com o sexo feminino, tenho de reconhecer que, por acaso, a única vez que gastei dinheiro numa mulher foi em Amesterdão. Teve de ser. Era o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa.
Resumindo, percebo que um indivíduo com o ar do Dijsselbloem ache que para ter mulheres é preciso pagar. Felizmente, não tenho esse problema. O meu problema tem sido o dinheiro que tenho gasto com homens, dado que não há banqueiros do sexo feminino. Em Portugal, temos um vício terrível em gastar dinheiro com malta do sexo masculino, basta dizer que o Mexia ganhou 5,5 mil euros por dia na EDP em 2016. Ou seja, acabo a gastar uma fortuna com um homem e depois não posso desfrutar do sexo feminino, na sua plenitude, porque tenho de apagar a luz porque está caríssima.
No fundo, isto não passa de inveja. Temos boas praias, mulheres bonitas, bom vinho, boa comida e eles têm tulipas. E só não temos mais para gastar nos nossos belos vícios porque muitas das nossas empresas fogem para os "paraísos fiscais" na Holanda. Dá vontade de beber para esquecer.
 
Ovar, 24 de março de 2017
Álvaro Teixeira

Social-democrata sempre (estatuadesal)

 

(In Blog O Jumento, 23/03/2017)
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Quando vejo o Jeroen Dijsselbloem puxando dos seus galões para dar ares de político caridoso para com povos dados a putas e vinho verde questiono-me sobre o que é ser social democrata. Também por cá tivemos um artista que promoveu um discurso muito similar ao do ministro das Finanças holandês e que, na hora de se apresentar a um congresso do seu partido, e depois de ter destruído a classe média e empobrecido os pobres ainda mais do que já estavam, usou o lema “social-democracia sempre”.
Temos, portanto, dois políticos muito semelhantes, com idênticos argumentos para fundamentar a austeridade e que na hora da recauchutagem se lembram de serem social-democratas. A dúvida está em saber se o holandês é social democrata pois só ouvi falar dele quando já tinha um discurso de quase de extrema-direita. Quanto ao nosso, que tanto quanto se sabe passou boa parte da sua vida “nas putas e vinho verde”, nunca foi social-democrata, nem ele, nem a maioria dos do seu partido.
Não é só o Jeroen Dijsselbloem que me faz recear que os partidos sejam vistos, por alguns políticos ambiciosos, mais como uma espécie de clube do que como uma organização que une cidadãos com os mesmos valores. Também por cá temos muita gente que se diz socialista ou social-democrata e que nada tem que ver com os valores ideológicos da social-democracia, uma corrente marxista com mais de um século de existência.
Há dois fenómenos que são preocupantes, há partidos que na luta por chegar ao poder atraem personalidades que seguem mais a sua ambição do que quaisquer valores ideológicos, da mesma forma que há personalidades que escolhem um determinado partido, não pelos seus valores, mas porque é o que lhe dá mais garantias de chegar ao poder. Quando Trump deixou de ser social-democrata foi porque teve uma crise de republicanismo? Quando Durão Barroso mudou numa noite do MRPP para o PPD foi porque viu uma luz no discurso de Sá Carneiro? Quando muitos militantes empedernidos do PCP se mudaram do dia para a noite para o PS ou para o PSD foi porque descobriram as virtudes da democracia?
Os partidos são cada vez mais máquinas de conquista do poder. Assim como os fãs dos clubes não se importam que estes sejam comprados por árabes ou chineses porque estes trazem os recursos financeiros necessários para ganhar títulos, também muitos militantes partidários tanto apoiam as políticas de extrema-direita de Passos Coelho, como no próximo congresso o vão acusar dessas mesmas políticas.
Esta degeneração dos partidos é um processo perigoso, não admirando que sucedam algumas cambalhotas políticas como as que temos vindo a assistir. O tão apregoado fim das ideologias deu lugar à prostituição ideológica.

Ovar, 24 de março de 2017
Álvaro Teixeira

quinta-feira, 23 de março de 2017

Dijsselbloem é um europeu médio do norte (estatuadesal)

 

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 22/03/2017)
Autor
Daniel Oliveira
As declarações de Jeroen Dijsselbloem não me ofendem. Porque elas só são novidade no estilo carroceiro. A redução desta crise a um discurso supostamente moralista, com contornos xenófobos, é a marca de todo o discurso dominante em Bruxelas. Estas declarações não nos esclarecem muito sobre a forma como os principais responsáveis europeus viram a crise. Eles conhecem melhor do que ninguém todas as fragilidades da absurda arquitetura do euro. Eles sabem como a crise financeira global apanhou a Europa sem mecanismos de defesa. Eles sabem como as primeiras vítimas foram as economias periféricas, os elementos mais expostos da zona euro. O que esta frase revela é o estado do discurso político no norte da Europa. E ajuda a explicar tudo o resto. Incluindo a total ausência de condições políticas para mudar a União para melhor.
O centro-direita e o centro-esquerda dos países europeus mais ricos construíram um discurso político sobre os países do sul. Um discurso que explicava, de forma simples e facilmente assimilável, as razões para o falhanço da zona euro ao primeiro embate financeiro, ainda nem uma década tinha passado do nascimento da moeda única. E o discurso batia certo com o preconceito popular: os povos do sul são desorganizados, gastam mais do que têm, são parasitas, irresponsáveis, corruptos. O discurso xenófobo é de tal forma eficaz que até houve, nos países visados pela ofensa, quem os assumisse como verdadeiros. Até houve políticos que usaram o preconceito para impor o seu programa ideológico, alimentando a falta de amor próprio dos povos que deviam liderar. Nesta matéria, Portugal foi o exemplo mais radical. De tal forma que a condescendência levou um responsável da troika a dizer que éramos um povo que não dava problemas, “um povo bom”.
Foram os líderes europeus, e não a extrema-direita, que construíram o argumentário demagógico contra a razão de ser da União. Assim como deram, com o insulto e humilhação permanente, a que juntaram doses cavalares de sacrifícios, força à esquerda antieuropeísta nos países do sul
O discurso que ontem nos chocou foi feito no principal jornal alemão e dirigia-se ao poder alemão. Foi feito por um político acabado de sair de uma humilhante derrota eleitoral no seu país. Foi feito por um “social-democrata” que participou num governo que decretou o fim do Estado Social. Foi feito por um político desempregado, sem apoio popular, que procura na proteção de Schäuble a possibilidade de sobreviver num cargo que não dependa do apoio do povo e da democracia, mas de um currículo de serviços prestados à potência que hoje comanda aquilo que já pretendeu ser uma união de estados. E o discurso que Dijsselbloem fez resulta na Alemanha. E na Holanda, na Bélgica, na Finlândia, em França. Foi através dele que se esmagou a Grécia.
Quando vejo tantas almas abismadas com o crescimento do antieuropeísmo de extrema-direita no norte da Europa, pergunto-me como se podem espantar. Foram os responsáveis europeus que lhes deram todos os argumentos: quem quer participar num projeto em que os povos trabalhadores de uns países têm de financiar os parasitas desorganizados de outros países? Foram os líderes europeus, e não a extrema-direita, que construíram o argumentário demagógico contra a razão de ser da União. Assim como deram, com o insulto e humilhação permanente, a que juntaram doses cavalares de sacrifícios, força à esquerda antieuropeísta nos países do sul. O antieuropeísmo foi inventado, justificado e alimentado pelos principais responsáveis europeus.
Como podem existir condições políticas para qualquer tipo de solidariedade europeia, de que a União dependeria para sobreviver, se os principais dirigentes europeus convencem os seus povos que as transferências de recursos para garantir a convergência correspondem a dar dinheiro a quem o vai torrar sem qualquer critério? Claro que Dijsselbloem tem de ser corrido por ter insultado vários povos ao mesmo tempo e, já agora, por ter sido escorraçado do poder pelos seus concidadãos. O que não serve para os holandeses não serve para os europeus. Mas não se julgue que isso muda alguma coisa.
O que Dijsselbloem disse é o que o europeu médio do norte pensa. Não apenas por preconceito xenófobo, mas porque foi isso que gente considerada moderada e europeísta lhes andou a vender nos últimos seis anos. Foram eles e não quaisquer radicais que mataram a União.
 
Ovar, 23 de março de 2017
Álvaro Teixeira