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segunda-feira, 3 de abril de 2017

A guerra das rosas (estatuadesal)

 

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 31/03/2017)
 
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Theresa May assinou, na passada terça-feira, a carta que dá início ao Brexit. Como diria Paulo Portas, agora é irrevogável. A fotografia do momento da assinatura podia ter sido tirada em 1970. Dá a sensação que Theresa May foi roubar a roupa, os brincos e o colar à campa da Margaret Thatcher. Sinto falta da pena a assinar a carta. Aposto que a vai enviar por fax. Tudo cheira a Naftalina by Dior.
Estamos no momento Jangada de Pedra do nosso velho aliado. O Reino Unido afasta-se da Europa e vagueia ao acaso para mares desconhecidos, tentando recriar ou recuperar a própria identidade. Mesmo embirrando com a actual União Europeia, custa a aceitar este afastamento. Perder a estrela do Reino Unido é muito mais grave do que perder uma estrela Michelin, mesmo sabendo que a contribuição a nível culinário do Reino Unido se fica pelo "fish and chips".
A União Europeia sem o Reino Unido é como um sorriso sem um dente incisivo central superior. Perdemos o sentido de humor único dos ingleses e ficamos mais tristes nas mãos do humor alemão o que, por si só, é um oximoro.
Cresci a ver o humor dos Monty Python, a ouvir os Beatles e a coleccionar miniaturas dos double-decker (sim, eu sou antigo) e custa-me assistir a este afastamento. Imagino que em breve irão mandar emparedar o túnel do canal da Mancha. Os muros estão na moda.
Como em todos os divórcios, há culpa dos dois lados. Antes do Reino Unido se afastar da União Europeia, já a União Europeia se tinha afastado de si própria. Nem o Reino Unido é o que já foi nem a União Europeia é o que era suposto ser - e assim acabam muitos casamentos.
Não vai ser um divórcio amigável. A União Europeia vai exigir tudo o que puder exigir, quanto mais não seja pelo receio de perder o resto do harém. Perita em chantagens, como se viu no nosso caso, e no caso da Grécia, a UE irá fazer tudo para fazer a vida negra aos britânicos. Por outro lado, o Reino Unido está com a postura de quem diz - vou só comprar tabaco e já volto e depois nunca mais aparece.
Este divórcio vai ser uma espécie de Guerra das Rosas. Não falo da famosa Guerra das Rosas pela disputa do trono inglês entre os de York e os de Lancaster, mas do filme realizado por Danny De Vito, onde Michael Douglas e Kathleen Turner, um feliz casal de classe alta que, perante a vontade da parte da mulher de se divorciar, inicia um brutal e destrutivo conflito ao se deixar arrastar para um divórcio litigioso.
Numa sequência de cenas em crescendo e movidos por uma sede alucinante de vingança, e decisões idiotas, o casal vai acabar por destruir a sua fabula mansão e pertences com requintes de malvadez, acabando por se matarem um ao outro de forma violenta. O filme é uma parábola sobre a mesquinhez e a ganância dos seres humanos, e a fina linha que existe entre o amor e o ódio. Proponho que Theresa May e Donald Tusk, antes de começarem as negociações, assistam a esta obra genial de Danny de Vito.
 
Ovar, 3 de Abril de 2017
Álvaro Teixeira

Não devemos ceder à BlackRock e à Pimco? Não temos de agradar aos mercados? (estatuadesal)

 

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 30/03/2017)
Autor
                         Daniel Oliveira

Como sabem, Portugal foi obrigado a experimentar uma solução para o Banco Espírito Santo que era uma experiência. Como sabem, a experiência correu mal e nunca mais será utilizada noutros países. Como sabem, os mesmos que nos transformaram em cobaias não serão responsabilizados por isso. Porque essa é a forma de funcionar da União: uns são eleitos, outros decidem; uns mandam, outros lidam com as consequências. Esta anomalia democrática explica grande parte dos erros cometidos na União: poder sem responsabilidade, soberania sem eleição. E como sabem, o Novo Banco será, seja qual for a solução, o pior negócio do século.
Mas hoje quero falar de outras consequências. Ao lidar com a solução que, diga-se em abono da verdade, apoiou e levou à prática, o Banco de Portugal decidiu, em dezembro de 2015, transferir algumas obrigações seniores do Novo Banco para o BES mau. Com esta decisão, vários grandes investidores ficaram a arder. É natural que assim seja. Foram eles que decidiram, mesmo quando muitos dados eram conhecidos, arriscar o investimento naquele banco. Foram enganados? Foram. Mas não foram enganados pelo Estado português. Foram enganados por um banco privado. E a razão pela qual pagam muito dinheiro aos seus quadros superiores é exatamente para evitarem estes enganos. Não foram enganados como a maioria dos lesados do BES. Arriscaram o engano, que é coisa diferente.
Houve quem nos tentasse convencer que a desconfiança dos investidores com Portugal tinha sido por causa do apoio de comunistas e bloquistas ao novo governo. Apesar de algum alarido pouco sério feito por alguns jornais internacionais – vale a pena ler algumas coisas que se escreveram para passar a desconfiar do rigor da imprensa económica de referência –, os investidores estão-se nas tintas para essas minudências. A decisão do Banco de Portugal em relação a grandes investidores no BES teve muitíssimo mais importância para o alarme criado.
Depois de recorrer aos tribunais, e esperando uma derrota provável porque a lei está do lado da decisão tomada, um grupo de investidores liderado pela BlackRock e pela Pimco decidiu lançar um boicote a Portugal. Não se trata de uma medida preventiva – não têm nada para prevenir –, mas de uma forma pública de pressão. O boicote mantém-se até o Estado decidir sacar aos seus contribuintes o dinheiro perdido por estes investidores num banco privado. E a pressão vai aumentar à medida que o BCE vá diminuindo a compra de dívida, explicam. Trata-se de uma chantagem assumida e sem qualquer prurido.
Aqueles que têm defendido que a política deve trabalhar a pensar nos “mercados” têm o dever de ser coerentes e defender uma cedência portuguesa. Os investidores fazem os seus investimentos e os contribuintes devem assumir os seus riscos. Caso contrário, pagam a fatura com boicotes, porque a vida é mesmo assim e tudo o mais são formas encapotadas de socialismo. E, por favor, não me digam que isto se resolve não tendo dívida. Os países com menor dívida pública e sem petróleo são Cuba, Kosovo e Suazilândia. Ter uma economia aberta obriga a ter acesso a crédito. É assim com as empresas, é assim com as Nações.
Os mercados são compostos por investidores que se estão nas tintas para a racionalidade económica ou a sustentabilidade dos países. Procuram quase sempre benefícios de curto prazo e quem governa ao sabor dos seus humores está condenado a atirar-se do precipício. Quem acha que não pode enfrentar os “mercados” deve estar preparado para destruir o Estado de Direito, rebentar com a democracia e assaltar os contribuintes em nome dessa demanda. Porque, estando em causa o dinheiro investido, nada disso é relevante. Nem quando as suas perdas resultam de decisões por eles tomadas.
Como se resolve isto? Voltando ao básico: ou dominamos os mercados ou eles nos dominam a nós. Não porque os mercados sejam maus, mas porque trabalham apenas com vista aos seus interesses. Cabe aos Estados pensar nos nossos. E é por isso que retirar aos Estados instrumentos fundamentais de soberania financeira, monetária e económica é um erro.
Claro que o BCE podia impedir tudo isto. Assim como a União Europeia podia vergar quem se atreve a tão descarado ato de chantagem política. Mas, como sabemos, os senhores de Frankfurt e de Bruxelas estão tão preocupado com o nosso futuro como os da BlackRock e da Pimco.

Ovar, 3 de abril de 2017
Álvaro Teixeira

Insuficiências (estatuadesal)

 

 

 
(Mariana Mortágua, in Jornal de Notícias, 28/03/2017)
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Queriam que ficássemos mais pobres, e o país empobreceu. Queriam-nos mais flexíveis, mais baratos, e o país criou o seu batalhão de precários quinhentos-euristas. Queriam-nos mais dóceis, e o país aguentou. Aguentou a troika e o Governo Passos/Portas. Aguentou o ataque aos salários, os impostos e a humilhação. Porque em terra de cristãos a culpa não morre solteira, a preguiça é um pecado e os povos honrados pagam sempre as suas dívidas. Ou assim nos foi dito.
Tudo o que Portugal recebeu desta Europa na última década foi autoritarismo e austeridade. Uma terapia de choque sem qualquer fundamento económico ou racional. Puro radicalismo ideológico misturado com uma boa dose de preconceito. Afinal, as declarações de Dijsselbloem não são mais do que uma interpretação rasca do discurso oficial da irresponsabilidade dos países do Sul.
Se excluirmos os juros, Portugal tem hoje o saldo orçamental mais elevado da Europa. Demasiado foi sacrificado para obter esse resultado, mas dizem-nos que não chega. O Banco Central Europeu quer agora sancionar o país pelos desequilíbrios macroeconómicos. É claro que não importa para esta história que, segundo as regras, o BCE não possa interferir com o poder político. E também não interessa que, segundo o mesmo procedimento que o BCE invoca, a Alemanha deveria ser multada. Sim, porque é tão desequilibrado o défice comercial em excesso como é o excedente predatório. Não interessa nada. A Alemanha é Alemanha, a França é a França, e em Portugal não chega.
Não chega para o BCE nem para a Comissão Europeia, que veio ontem recomendar mais cortes, mais permanentes. E também no sistema financeiro não chega. Não basta vender uma parte do Novo Banco, querem garantir que o Estado não manda, mesmo quando paga. Não chega, nem nunca vai chegar.
Pois vai sendo tempo de dizer que uma Europa onde só cabe quem obedece é uma Europa onde a democracia não chega, nem nunca vai chegar. E esse, sim, é o défice mais insuportável de todos.
 
Ovar, 3 de abril de 2017
Álvaro Teixeira

Em Roma já não sobra nada (estatuadesal)

 

(Francisco Louçã, in Público, 24/03/2017)
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   Francisco Louçã
Djisselbloem parece ser tudo o que a União Europeia tinha para dar. Tem sido ele quem faz, pois é uma marreta de Schauble, que cuida do controlo político sobre o euro através dessa instituição sem regras, o Eurogrupo. É ele, o dogma de uma política económica destruidora. É ele, a transumância política entre socialistas e a direita, nesse nevoeiro em que se tornou a “governança” europeia. Ou, como escrevia Viriato Soromenho Marques, europeísta lúcido, esta gente é a figuração de “um dos problemas europeus, sem remédio aparente, o défice de competência política e o excesso de cabotinismo que reina no fervilhar das chancelarias”.
A esse cabotinismo respondeu António Costa com um ultimato em tempo certo: demita-se, ou o euro não tem futuro. Só que pode parecer ou exagerado ou ambíguo. Se Djisselbloem sair, e vai sair dentro de alguns meses para salvar as aparências, outro virá para um caminho que poderá ser semelhante. O que é que então quer dizer que o euro não tem futuro – é por ter um cabotino à frente do Eurogrupo (a obedecer à Alemanha) ou é por seguir uma política cabotina (que a Alemanha impõe)? No dia da triste festa de Roma, não creio que haja outra pergunta.
Será então que o ministro holandês se limitou a exagerar os seus preconceitos, em contraste com a frieza equilibrante dos burocratas europeus, nada dados a exageros? A experiência diz que não. Afinal, tivemos a Grécia (vendam as ilhas, dizia um ministro alemão). Afinal, temos Guenther Oettinger, o comissário europeu promovido para dirigir o Orçamento e que exigia que os países endividados ficassem com a bandeira a meia haste (além de outras aleivosias racistas). Afinal, temos Juncker, que afirma que a França deve ser isenta das obrigações dos Tratados por ser a França. Se portanto nos perguntamos se Dijsselbloem é simplesmente uma anedota que se pode descartar com o abanar da mão, a prudência pede que se olhe para a floresta e não só para a árvore: o homem foi simplesmente a voz do governo europeu.
Terá sido por isso mesmo que Sampaio já se tinha erguido, aqui no PÚBLICO, contra o caminho do desastre: uma “corrida para o abismo”, com o “ponto de não retorno” do Brexit, tudo agravado pela inviabilidade de 10-15 anos de austeridade impostos pelo Tratado Orçamental aos países periféricos, a que ainda acresce a “gestão desastrosa” da questão dos refugiados e “uma clara acumulação de dificuldades, problemas mal resolvidos e alguns estrondosos insucessos” e, em consequência, “o esboroamento a olhos vistos da confiança na União Europeia, nas suas instituições e nos seus líderes”. O “esboroamento”, nada menos.
Mais, acrescentava o ex-Presidente, isto não vai ser corrigido: “o pior é que, de facto, ninguém parece acreditar que Bruxelas (ou Berlim) tenha qualquer iniciativa nos próximos meses para responder à crise da eurozona, para alterar a ortodoxia financeira dos credores ou para criar as condições institucionais e orçamentais que tornem possíveis programas de reforma nas economias mais frágeis”. O teste está a ser feito na Cimeira que decorre este fim de semana em Roma: haverá palavras de circunstância sobre o atentado de Londres e sobre os 60 anos da fundação, enquanto os cinco cenários de Juncker serão misericordiosamente enterrados e não haverá nada sobre como deve a União superar a desunião e o desprezo pela vida dos desempregados, ou dos trabalhadores, ou dos jovens. Afinal, o dijsselbloismo tem triunfado sem oposição nas cimeiras europeias.
Claro que em Portugal, apesar da indignação espraiada até entre os partidos de direita contra “as mulheres e os copos”, ainda sobrou a brigada conservadora que veio defender Dijsselbloem. Helena Garrido já tinha dito que o chefe dele, Schauble, tinha razão, aliás os chefes têm sempre razão e, se anuncia que vem um resgate, é porque sim e até é um favor que nos faz. Camilo Lourenço, um homem do CDS, alinhou imediatamente com Dijjselbloem, que andava tudo a exagerar e no fundo o homem tem razão.
José Manuel Fernandes reconhece, pesaroso, que a frase é “infeliz”, para logo também concluir que tem razão. Mais ainda, entusiasmado com a ideia, Fernandes ensaia no Observador a sua própria versão do dijsselbloemês, advertindo-nos paternalmente: “a próxima vez que um filho vosso (ou um irmão) que está em riscos de chumbar o ano vos vier pedir dinheiro para ir ‘com a malta’ para ‘a noite’ na véspera de um exame decisivo, passem-lhe logo o cartão do multibanco e o respectivo código, não vá ele acusar-vos de ‘moralismo’ e ‘preconceitos’, talvez mesmo de ‘xenofobia’, porventura de ‘racismo’ e ‘sexismo’. Como sabem, assim ele irá longe na vida”. Este catálogo de pecados é maravilhoso e serve para explicar porque é que Dijsselbloem, no fim das contas, é como o nosso pai quando cuida de nós e não cede à tentação de nos deixar ir para a “noite”. Os conservadores continuam a lastimar a falta do Diabo, que vinha e não veio, e ficam-se por agora pela certeza de que “copos e mulheres” ou os “copos” e a “noite” na “véspera de um exame decisivo” nos levam pelo caminho da condenação aos infernos.
Ainda não perceberam que de inferno sabemos todos muito, vivemos a caminho dele desde que Passos Coelho nos explicou que, com a troika, precisamos mesmo de empobrecer – sem “copos” e sem “mulheres”, diria o presidente do Eurogrupo.
 
Ovar, 3 de abril de 2017
Álvaro Teixeira

segunda-feira, 27 de março de 2017

A reserva de soberania e o futuro de Portugal (estatuadesal)

 

(Professor João Ferreira do Amaral, in Blog ArbrilAbril, 24/03/2017)
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A União Europeia não é um mero prosseguimento da CEE sob outro nome. A União é algo de novo, e o seu estabelecimento, em 1992, com a ratificação do tratado de Maastricht, representou um corte em relação ao que tinha sido até aí a evolução da integração europeia ocidental pós-II Guerra Mundial.

O modelo federal-neoliberal europeu
Comemora-se este mês o 60.º aniversário do Tratado de Roma. Ou, como muitos acrescentam, os 60 anos da União Europeia, anteriormente designada como Comunidade Económica Europeia (CEE).
Nada mais errado que este acrescento. De facto, a União Europeia não é um mero prosseguimento da CEE sob outro nome. A União é algo de novo, e o seu estabelecimento, em 1992, com a ratificação do tratado de Maastricht, representou um corte em relação ao que tinha sido até aí a evolução da integração europeia ocidental pós-II Guerra Mundial. Por isso, mais do que a comemoração dos 60 anos da CEE, o que deveríamos estar a assinalar (não a comemorar) são os 25 anos do Tratado de Maastricht.
Foi a partir deste tratado que a União entrou numa via federalista induzida pelo objectivo do alargamento do mercado tanto no que respeita ao mercado interno europeu como no que decorre do avanço da globalização económica e financeira que, surgida ainda nos anos oitenta se acelerou fortemente nos anos noventa do século passado.
A via federalista assentou em primeiro lugar na criação do euro, que será efectivada em 1999 e desenvolver-se-á mais tarde, em 2009, com o chamado Tratado de Lisboa, que instituiu uma união estranha, uma espécie de pseudo federalismo subordinado a um Estado – a Alemanha –, por vezes acompanhado por um parceiro menor – a França.
Este caminho que as instituições europeias seguiram não foi mais que uma forma de prosseguir o alargamento dos mercados e de forçar uma suposta adaptação à globalização, transferindo todo o impacte desta sobre o factor trabalho, seja a nível dos salários e direitos sociais, seja ao nível do emprego.
De facto, as instituições de Maastricht, em particular no que respeita às instituições da União Económica e Monetária, estabeleceram a obrigatoriedade de serem seguidas, por parte do Banco Central Europeu, políticas monetárias ultraconservadoras e, por parte dos governos, políticas orçamentais restritivas. A combinação destas duas exigências tem como consequência que todo o ajustamento macroeconómico assenta necessariamente sobre o emprego e/ou os salários e direitos sociais. Não é, pois, de estranhar que a zona euro seja, desde a sua criação, a zona de maior desemprego a nível mundial e que o peso dos salários no rendimento nacional tenha vindo a reduzir-se ao mesmo tempo que as desigualdades se acentuaram.
«O caminho que as instituições europeias seguiram não foi mais que uma forma de prosseguir o alargamento dos mercados e de forçar uma suposta adaptação à globalização, transferindo todo o impacte desta sobre o factor trabalho»
A imposição deste pensamento único por parte das instituições de Maastricht exigiu uma perda de soberania dos estados-membros, de modo a que estes não dispusessem de autonomia para decidir sobre as políticas de estabilização económica que pretendessem seguir. O federalismo foi assim um instrumento muito eficaz para forçar os estados a seguir políticas macroeconómicas neoliberais, consideradas pelas propaganda necessárias para reduzir os direitos sociais e os salários no espaço europeu, única forma – dizia-se – de a Europa se poder adaptar à globalização.
Mas não se ficou pelas políticas macroeconómicas a imposição do modelo federal-neoliberal. A política europeia de concorrência e de ajudas de Estado foi reforçada e a jurisprudência do Tribunal de Justiça veio a revelar-se marcadamente ideológica, também ela subordinada à visão neoliberal do primado do mercado, forçando os tratados e impondo uma visão muito restritiva da intervenção do Estado na economia, com o fito, mais uma vez, de potenciar o alargamento de mercado em prejuízo de todos os outros valores. Em vez de perseguir as práticas discriminatórias – entre naturais dos diversos estados – que possam decorrer da política económica, o que é justificado quando existe um processo de integração e que era a sua tradição, o tribunal tornou-se principalmente, sem qualquer base nos tratados, um perseguidor da intervenção estatal na economia.
O modelo federal-neoliberal iniciado com Maastricht cumpriu durante algum tempo o papel para que tinha sido criado. Foi inclusivamente aprofundado pelo Tratado de Lisboa e pelo infame Tratado Orçamental que se lhe seguiu. Mas, quando este entrou em vigor (2013), já o modelo estava em crise. Crise que se transformou numa crise profunda da União e que justifica que se encarem todas as opções para o futuro da cooperação europeia.
2. A reserva de soberania e uma nova cooperação europeia
A cooperação europeia é essencial, uma vez que existem certos interesses comuns colectivos na Europa que exigem uma gestão baseada na cooperação entre estados. Por isso, é perfeitamente aceitável que os estados acordem em respeitar determinadas regras comuns para prosseguirem da melhor forma esses interesses comuns colectivos. Mas tal tem de ter um limite. Esse limite é o da reserva de soberania que cada Estado-membro tem de manter para prosseguir os seus interesses nacionais e não ficar sujeito ao pensamento único nem aos interesses de outros estados.
Ora, o que sucedeu desde Maastricht é que essa reserva de soberania foi violada e os estados, em particular os de menor dimensão, ficaram sem a autonomia suficiente para poderem prosseguir os seus interesses.
Por isso, o passo fundamental para a criação de uma nova união ou para a reforma drástica da actual é repor a reserva de soberania no essencial do que existia antes de 1992. E nesse aspecto a soberania monetária é a fundamental.
Basta ver o que um país perde quando cede a sua soberania monetária, como foi o caso de Portugal quando aderiu ao euro, para verificar como não pode haver sustentabilidade para um país como membro respeitado da comunidade internacional se não dispuser da sua soberania monetária. Recordemos os poderes soberanos que o País perdeu com a entrada no euro.
Perdemos:
– instrumentos essenciais da política económica (política monetária e cambial);
– autonomia do Estado em relação aos mercados financeiros e às agências de rating;
–  autonomia das decisões orçamentais e com isso grande parte da soberania em geral;
– controlo do sistema financeiro por ter deixado de existir um prestamista de última instância nacional (função anteriormente exercida pelo Banco de Portugal);
– possibilidades de o Estado controlar sectores essenciais para a independência nacional.
A pertença ao euro – um dos maiores desastres da nossa história – tem de ser revertida como primeiro passo fundamental para repor a reserva de soberania. Por isso, é urgente que a nova união defina um conjunto de procedimentos para a saída de um país da zona euro.
Por outro lado, essa nova união deve assentar num tratado que substitua o modelo federal-neoliberal e que respeite sem subterfúgios a reserva de soberania de cada Estado.
A questão da reserva de soberania é nos tempos actuais a mais importante que o País tem de enfrentar. Nela se joga a possibilidade de Portugal continuar a existir.
 
Ovar, 27 de Março de 2017
Álvaro Teixeira