Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!
Embora há muito no centro do debate político, a austeridade regressou esta semana em força aos jornais e às televisões. O debate já leva dois anos: a esquerda diz que acabou com a austeridade, o primeiro-ministro utilizava a expressão “virar a página da austeridade”; a oposição sempre teimou que não, que o governo segue uma austeridade encapotada.
Quando, no tema central desta semana – o descongelamento das carreiras -, o primeiro-ministro veio dizer aos professores que não há dinheiro, a oposição fez uma festa: ali estava a confirmação!
Mas afinal o que é a austeridade?
Austeridade serve para adjectivar um comportamento severo aplicado a costumes e a modos de vida, e gira à volta de ideias de rigor e disciplina e, algumas vezes, de penitência.
Em democracia, a política de austeridade deve referir-se a comportamentos de âmbito económico. Apenas deve tocar em costumes e modos de vida na exclusiva medida em que traduzam efeitos económicos.
Por isso a política de austeridade não tem que ter nada a ver com penitência. Mas tem que ter tudo a ver, e isso não tem mal nenhum, com rigor e controlo nos gastos. E tendo a ver com isso tem a ver com opções e escolhas nos gastos.
Não tendo nada a ver com penitência ou punição, e tendo tudo a ver com rigor e disciplina no controlo da despesa, a austeridade não é o diabo que pintam.
O diabo está na austeridade punitiva como foi apresentada pelo governo anterior e por toda a sua entourage política. A política de austeridade que implementou, até com a vontade expressa de ir para além da troika, não era mais que o justo castigo para os desvarios e pela irresponsabilidade dos portugueses. E o diabo ainda está no objecto da punição, em quem é punido e quem é premiado.
O actual governo, para salvar os portugueses dessa punição, só tinha que declarar morte à austeridade – a essa austeridade punitiva. Tinha que virar essa página. Podia ter outro discurso?
Como dizia um anúncio publicitário: Podia, mas não era a mesma coisa!
A oposição também já o percebeu. E por isso, enquanto tudo faz para contrariar a ideia que o governo acabou com a austeridade, refere-se agora ao governo anterior não como o seu próprio governo, mas como o governo da troika. Com o qual já não quer ter nada a ver…
Pois. O que por aí está em debate não é a austeridade, mas o habitual fait divers da nossa (baixa) política!