por estatuadesal
(Joaquim Vassalo Abreu, 02/12/2017)
Dos feitos de António Costa ao longo destes ricos e intensos dois anos enquanto Primeiro Ministro de um Governo de apoio parlamentar nunca visto, que eu desde já apelido até de revolucionário, já quase tudo foi dito.
Mas, para mim, o que mais ressalta e, aqui sim, poderíamos falar de uma autêntica “Reforma Estrutural”, é a mudança radical que se verificou em relação ao “status quo” vigente durante quarenta anos, que foi o de ter sido possível alargar o chamado “arco da governação” aos Partidos mais à Esquerda no espectro político, fazendo com que o futuro não seja mais igual ao passado.
E como se trata de uma mudança radical e irreversível eu chamo de “Reforma Estrutural”. A esta não o ser o que será então uma “Reforma Estrutural”? Por isso hesitei entre este título e “Os Trabalhos das Esquerdas” mas, pensando melhor e pensando no texto acho este mais indicado. Espero que concordem…
E esta autêntica revolução foi provocada, por um lado, pelo convencimento pelas Esquerdas de que a estratégia do “quanto pior melhor” era árvore que, depois de mais de quatro anos de pesadelo, não mais daria frutos ( e eu já aqui o disse que mudei o meu sentido de voto por isso mesmo) e da subsequente sua disponibilidade para viabilizar um Governo de Esquerda e, por outro lado, pelo cansaço provocado pela política de autêntica predação social levada a cabo pelo tal governo do ajustamento, que fez com que se tivesse erguido uma autêntica barreira à sua continuação.
Temia-se que o impacto imediato resultante da solução governativa encontrada e da tremenda “azia” que tal provocou numa Direita apanhada de surpresa, acompanhados da imprevisibilidade de um novo Presidente da República, da pressão e postura de Bruxelas com ameaças de sansões, do problema das ajudas aos Bancos, da passagem do Orçamento e da exigência de planos B, C e demais dicionário e a que poderíamos acrescentar ainda alguma duplicidade dos parceiros parlamentares de Esquerda face aos temas estruturantes não negociados, desse mau resultado e a fizesse abortar à nascença.
Mas, felizmente, tal não sucedeu e passo a passo e com estoicismo, nunca cedendo às inúmeras chantagens da Direita e seus aliados nos Média, demonstrando sempre a Bruxelas a sua boa fé, ultrapassando sempre tudo o que dos seus parceiros cheirasse a imediatismo, aproveitando ainda a boleia da recuperação económica europeia, o Governo de Costa foi somando pontos, tanto na política interna como na afirmação externa, por via de uma recuperação sustentada de indicadores que, a partir de certa altura, face à precoce incredulidade, se tornaram num valiosíssimo trunfo.
E sem dar qualquer azo de contrição a Bruxelas que, de outro modo, nunca aceitaria flexibilizar a sua posição de reaccionário princípio, a da reversão de direitos aos trabalhadores e pensionistas, foi possível impor e efectuar as tais reversões, reversões que, com o aumento de rendimento disponíveis para as famílias, mais a confiança conquistada em todos os sectores sociais e da economia, mais a consequente descida do desemprego e folga da Segurança Social, deixou a Direita a falar sozinha e a “patrioticamente” desejar que tudo corresse mal e o fim do mundo chegasse a correr e vestido de diabo!
A recuperação e o crescimento económicos passaram a ser um facto e os indicadores de popularidade e satisfação globais, além de se terem tornado também uma realidade, levaram as sondagens a apontarem o limiar da maioria absoluta para o PS.
Não plenamente esgotadas as medidas contidas nos acordos inicialmente negociados e firmados, mas em vias de ficarem totalmente executadas começou, no meu entender, a instalar-se um clima de preocupação nos Partidos mais à esquerda pois, sendo eles partes integrantes da solução, começaram a ver os louros irem todos direitinhos para o PS, como de algum modo se veio a reflectir nas Autárquicas.
Mas com a Economia a responder como se sabe, a confiança dos consumidores e demais agentes em alta, o grau de satisfação das famílias e das empresas em níveis há muito tempos nunca vistos, com o desemprego a diminuir progressivamente, o crescimento a sustentar-se, as Agências de Rating a tirarem Portugal do incómodo “lixo” de risco etc. etc. e etc…aconteceram a tragédia de Pedrogão e os incêndios de Outubro, mais os acima de cem mortos que provocaram acrescidos dos enormes danos causados.
O Governo foi posto à prova e mais que o Governo o próprio Estado, nas suas múltiplas Instituições e foi o que se viu. O Governo perante o inesperado titubeou, não agiu com a eficácia na acção nem com inteligência no discurso e colocou-se em muitas mentes um ponto de interrogação em relação à sua real competência (em confronto com a eficácia conseguida a todos os níveis nos dois anos de governação) e tal situação de dúvida, exacerbada por uma comunicação social ávida de tensão e morte, foi utilizada até aos limites do imaginário por uma Direita sem quaisquer escrúpulos, bom senso e apenas sedenta de vingança. Vingança de quê? De alguém lhes ter tirado o “poleiro”!
Vieram então as justificações e respostas, as demissões e coisas mais e contrariamente ao que se poderia temer e muitos temiam, os resultados das Autárquicas vieram confirmar que os danos políticos desejados por uma Direita ansiosa por “vendetta” não correspondiam ao entendimento da “vox populi” e, no fim, o PS não saiu fragilizado, antes pelo contrário, e ganhou até em Pedrogão!
As restantes Esquerdas, pese o facto de terem votado favoravelmente o terceiro e penúltimo Orçamento desta Legislatura, começaram a manifestar sinais de indisponibilidade para novos acordos escritos pelo que, tendo de admitir que os próximos dois anos até ao fim da Legislatura venham a ser ultrapassados sem quaisquer crises políticas graves, com altos, baixos, arrufos e sei lá que mais, coloca-se-se uma questão essencial: Como vai ser até às próximas Legislativas e como será depois se, tal como espero e desejo, as Esquerdas se mantiverem maioritárias? Por falta de acordo vão entregar o poder às Direitas?
O PSD vai apresentar um novo líder, que tudo aponta venha a ser Rui Rio e, assim sendo, voltará a colocar-se em cima da mesa por muitos a hipótese de um acordo pós-eleições ao centro (o tal “centrão” novamente, PS+PSD, ou Costa mais Rui Rio). E para isso vão as Esquerdas alertar o eleitorado, tentando-o convencer a por nada deste mundo dar a maioria absoluta ao PS.
É claro que as Esquerdas vão reclamar também como seus os sucessos desses quatro anos de governação, advindos de uma maioria nunca vista ou sonhada e, a haver qualquer solução alternativa em que eles não estejam presentes, irão culpar o PS por tudo o que de menos bom posteriormente suceda.
Mas eu, como não prevejo que façam novamente acordos escritos, elas viabilizarão sempre um Governo minoritário do PS, cientes de que ficarão sempre com a faca e o queijo na mão: poderem reclamar e exigir por um lado e criticar e responsabilizar por outro!
Não prevejo, portanto, vida fácil para António Costa, não falando para já nos conflitos internos que tudo isto possa aportar e prevejo-lhe, antes, muitos e duros trabalhos.
Mas, em nome de tudo o já conseguido, em nome da tal “reforma estrutural”, esse tiro tirado da manga que foi o de introduzir as Esquerdas à sua esquerda na órbita da governação eu, como cidadão empenhado e consciente, muito lhe agradeço essa autêntica “revolução” introduzida neste sistema e desejo do fundo do coração que tudo lhe corra bem e, acima de tudo, que as Esquerdas voltem a ser maioritárias!
Esta é a minha análise! Não consigo ser hipócrita…