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terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Como a política, a banca e os negócios apadrinharam Paula, a “Raríssima”

Visão

11.12.2017 às 15h58

Paula Brito e Costa (à direita, em cima) com Marcelo Rebelo de Sousa, durante a visita do Presidente da República à Raríssimas, em março de de 2017

António Pedro Ferreira

Da banca à política, passando pelas empresas e fundações, nunca faltaram madrinhas e padrinhos à presidente da Associação “Raríssimas”, agora investigada pela PJ. Quem é ela e quem lhe deu a mão?

Miguel Carvalho

MIGUEL CARVALHO

Se até há dias alguém quisesse saber o quanto a Raríssimas - Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras estava bem integrada no sistema de vasos comunicantes do regime, bastaria dar uma olhada ao Conselho Consultivo de Reflexão Estratégica da instituição sem fins lucrativos, cujo endereço eletrónico ficou entretanto inacessível. Aquele órgão, presidido por Leonor Beleza (ex-ministra da Saúde e presidente da Fundação Champallimaud), foi sempre uma espécie de dream team nacional, pelo menos em diversas áreas políticas e profissionais. Senão, vejamos: além do consultor de comunicação António Cunha Vaz, dele fazem parte, entre outros, Fernando Ulrich (presidente não executivo do BPI), Isabel Mota (antiga deputada do PSD, ex-secretária de Estado e atual presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian), Graça Carvalho (ex-Ministra da Ciência e do Ensino Superior nos governos de Durão Barroso e Santana Lopes), Maria de Belém (ex-ministra da Saúde em governos socialistas e ex-candidata presidencial), Roberto Carneiro (ex-ministro dos governos de Cavaco Silva) e Rui Santos Ivo (atual vice-presidente do Infarmed e antigo diretor executivo da Apifarma, a associação que representa a indústria farmacêutica).

O conselho consultivo foi “criado com a finalidade de agilizar ações que movimentem, de forma expressiva, toda a sociedade portuguesa, em prol daqueles que sofrem de doenças raras”, estando aí representadas as áreas que interessam à associação: finanças, política da saúde, medicamentos, educação e comunicação. Da assembleia-geral fizera parte o agora ministro Vieira da Silva e a antiga deputada do CDS, Teresa Caeiro. Também Maria Cavaco Silva foi a madrinha da Raríssimas nos anos em que a Presidência da República esteve entregue ao marido, Aníbal. Por influência do casal, a rainha Letizia, de Espanha, foi apresentada à presidente da instituição e visitou as instalações da Casa dos Marcos, um centro de acolhimento na Moita para pessoas com doenças raras criado debaixo do chapéu da Raríssimas e de uma fundação entretanto dada como inativa.

Paula Brito e Costa com Letizia de Espanha e Maria Cavaco Silva, durante a visita da atual Raínha de Espanha a Portugal, em 2014

Paula Brito e Costa com Letizia de Espanha e Maria Cavaco Silva, durante a visita da atual Raínha de Espanha a Portugal, em 2014

Paulo Petronilho / Arquivo Caras

INVESTIGAÇÃO EM CURSO

Há dias, porém, toda esta maquilhagem começou a desbotar.

Segundo uma investigação da TVI, a presidente Paula Brito e Costa, de 50 anos, terá usado a instituição para seu benefício e de familiares, usufruindo de quase seis mil euros de rendimentos mensais e de um BMW cujo pagamento é suportado pela Raríssimas. Apesar dos apoios do Estado – só o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social deu 875 mil euros este ano - a associação está mergulhada em problemas financeiros há vários anos e é alvo de ações que reclamam mais de 152 mil euros no âmbito judicial. Mesmo assim, Paula Brito e Costa, que está a ser investigada pela Polícia Judiciária, é suspeita de gerir de forma despesista a instituição e de usar dinheiro da mesma para compras em supermercados, vestuário e outros gastos luxuosos sem correspondência com a atividade da associação. Em causa estarão os crimes de burla, falsificação de documentos, peculato e administração danosa. Na reportagem, foram ainda revelados dois casos polémicos envolvendo a Raríssimas: um contrato com Manuel Delgado, atual secretário de Estado da Saúde, que, enquanto consultor, terá recebido cerca de 3 mil euros mensais da instituição entre 2013 e 2014; e o alegado pagamento, em 2016, de uma viagem a Sónia Fertuzinhos, deputada do PS e casada com o ministro Vieira da Silva, à Roménia, embora aquela parlamentar socialista já tenha garantido que a organização da conferência sobre doenças raras na qual participou devolveu o valor à Raríssimas. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, diz-se satisfeito com o facto de o Governo ter aberto "um inquérito para apurar até ao fim aquilo que aconteceu", mas deixou um recado: "Que não seja preciso denúncias para o Estado saber o que se passa nestas instituições". A associação fala, entretanto, em "acusações insidiosas" e "informações manipuladas", prometendo reagir em breve de forma mais fundamentada.

DO GINÁSIO AO SOCIAL

Residente em Caneças, medalha de ouro da Câmara Municipal de Odivelas e frequentemente citada nos eventos sociais noticiados pelas revistas “cor-de-rosa”, Paula Brito e Costa é casada e tem um filho (o outro, Marco, faleceu com uma doença rara e, segundo o seu testemunho, foi a inspiração para criar a Raríssimas). Natural de Loures, filha de um casal alentejano (ele fuzileiro, ela doméstica), Paula deu aulas de ginástica de alta competição e foi manequim profissional durante nove anos. “Nunca ganhei tanto dinheiro na vida”, revelou numa entrevista ao jornal i, em 2011, estávamos ainda longe do sucesso da Raríssimas. Pelo meio, ainda frequentou a licenciatura de Filosofia, mas nunca chegou a terminar o curso. Casou com o seu mestre de artes marciais e costuma dizer que só Deus e o marido a conhecem bem. Enquanto presidente da Federação das Doenças Raras de Portugal (Fedra) – suspendeu o mandato em março deste ano – Paula Brito e Costa envolveu-se na edição do livro Doenças Raras de A a Z, cujos volumes foram promovidos pelo Ministério da Saúde. De resto, o trabalho desenvolvido pela Raríssimas valeu-lhe, no ano passado, o Prémio Manuel António da Mota, no valor de 50 mil euros, tendo a presidente da associação anunciado, na altura, estar apostada na internacionalização.

Habitualmente critica dos poderes públicos, Paula Brito e Costa considera que a maioria dos políticos “olha para os representantes das associações como uma ameaça” e chegou a vangloriar-se, na já citada entrevista ao i, de ter enviado um e-mail a um ministro da Saúde a explicar qual era a definição de democracia no dicionário, mas recusou dizer o nome do destinatário. “O que salva Portugal é ter gente muito boa a fazer muita coisa boa pelo País", assinalou. "Tenho pena que os políticos, na sua grande maioria, não sejam capazes de ver isso e minimizem os problemas”.

Não obstante aplaudir o “princípio da transparência” das instituições, como fez no ano passado em declarações ao DN, Paula Brito e Costa parece agora ter sido vítima das suas próprias palavras. Haverá muito para desvendar sobre a gestão financeira da associação e já corre uma petição pública com centenas de assinaturas a reclamar a demissão da presidente. Se em criança, Paula tinha “de comer com ovos debaixo dos braços” para aprender a comportar-se à mesa, agora vai precisar de mais verniz e alguma ginástica para explicar como geriu a Associação Nacional de Doenças Mentais e Raras. Pelos vistos, as boas maneiras e as amizades influentes já não chegam.

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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

De Dijsselbloem a Centeno

Blasfémias

Posted: 11 Dec 2017 03:29 AM PST

«1. Há um problema de fundo na política portuguesa: não tem futuro. Aliás quando se olha com atenção para o nosso debate político percebe-se que ele anda à roda de trivialidades e, se retirarmos do prato comunicacional essas trivialidades, não sobra nada. Ou melhor, sobra: um grande silêncio, uma grande autocensura, um grande indizível, para não dizer tabu, que é palavra que se gastou demais. E esse vazio cheio de sentido é o modelo económico e social imposto pelas "regras europeias", assente em défices quase zero, numa dívida que consome uma parte gigantesca da riqueza nacional, com a deslocalização de múltiplos poderes para instâncias exteriores – com a castração do parlamento nacional dos principais poderes que o justificam, ou seja, o poder de decidir as políticas económicas e orçamentais mais adequadas para o País –, e com votos de primeira (os que podem definir políticas, ou seja, que podem aceitar as políticas "aceitáveis") e os que não servem para nada, ou seja, os que não podem ser traduzidos em políticas sem profunda perturbação do establishment.

2. O País está, assim, condenado a um futuro de mediocridade, mediania na melhor hipótese, pelos séculos dos séculos. Pior ainda, está condenado a surtos de crescimento em condições muito favoráveis – como as que hoje vivemos com o turismo e algumas exportações –, mas sem capacidade de sustentabilidade. Ou seja, passado o surto benfazejo, voltaremos a ter de apertar o cinto, ou pelo menos a viver com uma pobreza mais estabilizada na melhor das hipóteses. É o que nos dizem o PSD e o CDS e chamam a essa viragem, que no fundo é o retorno à normalidade do que nos permite o modelo "europeu", a vinda do Diabo. Mas, pior ainda, é o que o PS também nos diz, mesmo não o dizendo. Deste ponto de vista não há muitas diferenças e é por isso que Centeno está bem no Eurogrupo, o intérprete do Tratado Orçamental e o ponta-de-lança das "regras europeias" que na verdade não são regras (porque nem todos as aplicam, como é o caso de França), nem são europeias visto que abrangem apenas uma parte dos países da União, que tem a moeda única.

3. O que nos dizem PSD e CDS (e o PS não pode dizer, mas faz), e que Cavaco Silva expressou de viva voz, é que o País está condenado a ter a mesma política durante décadas para que ela possa ter resultados, em particular dando prioridade ao pagamento da dívida, por meio de uma austeridade assente na contenção de salários e pensões, diminuição das funções do Estado, pobreza assistida e desregulação e baixa de impostos para as empresas, na esperança de que talvez isso possa significar algum incremento económico. Até lá, não há esperança de se poder mudar a política sem nos cair a "Europa" em cima, como aconteceu com a Grécia. Na verdade, nada prova que esta política possa dar resultados, nem em décadas, a não ser manter Portugal na cauda da Europa, com uma política de protectorado e de assistência pelo bom comportamento, mas sem sairmos, na expressão popular, da cepa torta. A aliança "europeia" que nos governa chama a isto a "realidade" e não adianta tentar pensar e muito menos actuar fora da caixa. A caixa é de betão e de ferro. Claro que assim não admira que não haja futuro.

4. A esquizofrenia da nossa vida pública é que muitos dos defensores desta política "europeia" não acreditam de todo nela. Afirmam em pequeno comité que a dívida é impagável e que terá de haver uma reestruturação, e que a política de défices zero impede qualquer crescimento do País e é completamente desadequada das necessidades de Portugal. E depois acrescentam que não é possível fazer nada. Esta sensação de impotência tem um efeito devastador de os levar a uma enorme preguiça política, a acomodar-se às "regras" e a nem sequer usar as oportunidades que existem e podem existir de as mudar, ou sequer de ter uma permanente pulsão e pressão para que sejam mudadas. Tendem logo a argumentar com argumentos ad terrorem e a queimar qualquer terreno que possa existir, e acantonar quem levanta estas questões no campo do radicalismo. Não é assim e não precisa de ser assim.

5. A Europa está um caos, e parte desse caos vem também destas políticas com que se respondeu à crise financeira. O crescimento do populismo acompanhou as políticas de austeridade e gerou bloqueamentos em questões tão cruciais como a dos refugiados. Como pano de fundo, a União Europeia e em particular o Eurogrupo "sugaram" para políticas não votadas a escassa democracia que já existia em matérias europeias. A conjugação de todos estes processos bloqueou a política e travou o futuro. Para países como Portugal é ainda mais grave esse bloqueamento, e é de uma ironia quase trágica, que Centeno, socialista, vá substituir Dijsselbloem, socialista, na ponta de lança dessas políticas.»

José Pacheco Pereira

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SERÃO MESMO RARÍSSIMAS OU SERÃO MAIS DO QUE AS MÃES?

por estatuadesal

(In Blog O Jumento, 11/12/2017)

rarissimas

Com ao rasto de miséria deixado pela combinação entre as medidas do memorando com a Troika e a agenda económica de extrema-direita de Passos Coelho a economia social floresceu e a caridade foi institucionalizadas. Aliás, só por acidente um dos senhores desse mundo da caridade e da economia social não foi mais longe: Fernando Nobre foi candidato presidencial e só não chegou a presidente da Assembleia da República devido a divergências dentro do PSD. Para a história ficam as denuncias da forte presença familiar de Fernando Nobre na AMI, uma  empresa no negócio da ajuda.

Em Portugal há a falsa ideia de que esses verdadeiros senhores da guerra que gerem as muitas instituições da economia social são gente com lugar reservado no céu, concidadãos que dão o melhor de si para servir os outros e que graças à sua dedicação as instituições conseguem os donativos que lhes permite estar onde falta o Estado. Nada mais fácil, a generalidade da imensidão de instituições do negócio, desde as santas e santíssimas Casas às corporações de bombeiros vivem ou de subsídios estatais ou de mecenatos alimentados por benefícios fiscais, que na prática são uma receita fiscal negativa, o equivalente a uma despesa.

Ainda há poucos dias falou-se muito das refeições dos bombeiros e foi o que se viu, com o senhor da Liga a fazer ameaças e com comandantes de bombeiros a justificarem-se com argumentos como o de gente a mais para comida a menos. Talvez isso tenha sido verdade na hora de cortar os papos-secos para fazerem sandes de ar, mas não o foi certamente na hora de pedirem ao Estado mais de vinte euros por cada papo-seco.

Esta ideia de que a economia social é fundamental para a sobrevivência dos pobres conduz à total impunidade dos muitos senhores deste grande negócio, nenhuma polícia se lembra de investigar um senhor da economia social e o ministro que decida aumentar as auditorias será corrido enquanto o diabo esfrega o olho. Neste imenso mundo de dinheiro fácil do Estado não há regras nem controlo e está apodrecido por uma imensidão de esquemas de compadrio.

O mais grave é que a ligação desta economia social à política é cada vez maior e não faltam deputados, autarcas e governantes que devem o cargo aos favores eleitorais do submundo da economia social.  Uma boa parte das campanhas eleitorais consiste em visitas organizadas a velhinhos e o patrocínio destas organizações elege cada vez mais políticos. Aliás, estas organizações multiplicam-se como cogumelos, chamando a si a gestão de cada vez maiores volumes de dinheiros públicos, não sendo de admirar o envolvimento de personalidades políticas na sua criação e gestão.

Um bom exemplo desta relação entre poder e economia social foi dada por Passos Coelho, cortou nos apoios do Estado e com o que tirou aos pobres financiou as instituições da economia social, tendo o cuidado de colocar um dos seus à frente da mais importante dessas agremiações, a Misericórdia de Lisboa. Para a história da última legislativa ficam a intervenção política de personalidades da economia social, com destaque para Santana Lopes, Fernando Nobre e a senhora do Banco Alimentar contra a Fome.

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Zeus

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por Carla Romualdo

Às vezes encontrava-o no restaurante, ele vendia a «Cais» e quase ninguém a comprava, mas o pior nem era isso, era o ar de nojo com que lhe diziam que não, não fosse a sua presença ao lado da mesa contaminar a batata assada e a costela mendinha, diziam-lhe que não com um gesto enfastiado da mão mas não olhavam para ele, e ele agradecia e afastava-se devagar, com aquele corpo lento e cerimonioso, mas havia uma tensão nos seus lábios, rápida, logo afastada, que denunciava uma violência que ele tinha de conter a cada instante, uma luta nunca vencida.

Depois deixou de ter a «Cais», não sei que aconteceu, porque apareceu com uma revista gratuita, uma publicação dos lojistas de uma rua qualquer, e eu disse que não precisava da revista, que o ajudava na mesma, mas foi um gesto indigno, o meu, e arrependi-me logo porque ele insistiu em dar-me a revista. Aceitei-a, ele agradeceu de novo com aquela vénia solene que eu já lhe conhecia, mas desta vez demorou mais tempo a erguer a cabeça, vi-o sonolento, pesado, ferido e percebi que o grande deus caído em desgraça estava cansado da sua penitência. Ler mais deste artigo

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Quotas, caciques e eleições internas

Quotas, caciques e eleições internas

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Diario-de-Noticias

1- Segundo o Expresso, na concelhia de Lousada, num fim de semana, os militantes do PSD com direito a voto passaram de 60 a 670. Um exemplo, entre muitos, do que está a acontecer com o aproximar do prazo para o pagamento de quotas e define quem pode votar nas eleições para liderar o PSD. Está montado o festival de pagamentos em massa de quotas, dos 20 ou 30 militantes por morada, do aparecimento dos caciques a vender votos, dos sindicatos de votos. Numa expressão: o costume. Este tipo de fenómenos nem chega a merecer um encolher de ombros de quem tem por mister olhar para a política, quanto mais dos cidadãos pouco familiarizados com os partidos e com bem mais que fazer. Quem observa estes fenómenos acaba por fazer as análises como se fosse a coisa mais normal do mundo: "O tipo X consegue trazer 50 para votar", "eh pá, pois, mas o Y tem o Z que tem uns 40 que traz em quatro táxis do W". Há mesmo quem diga que é a ordem natural das coisas.

E tudo isto se passa diante dos olhos dos políticos que conseguem falar de grandes questões de Estado enquanto se recusam a perceber, ou preferem não ver, o que estes fenómenos corroem a democracia e a fé das pessoas nos processos democráticos.

É que este tipo de comportamentos, em larga medida, decide a eleição do presidente de um partido. E a conclusão que tem de se tirar é muito simples: o futuro líder do PSD e potencial primeiro-ministro vai ser eleito, em alguma medida, através de aldrabices. No mínimo, será alguém que conseguiu aldrabar mais do que o seu adversário. Repete-se, é isto novo? Claro que não. Tem-se repetido sistematicamente no PSD e, claro, no PS. É feito com a complacência ou, sejamos justos, com o elevado patrocínio dos candidatos que têm a falta de vergonha de olhar para isto tudo e nada dizer, que compactuam e nada fazem, antes ou depois de chegarem ao poder, para pôr um travão a isto.
Mas as consequências ultrapassam em muito o processo eleitoral - infeta os partidos até ao seu âmago. Se um qualquer cacique vai ao gabinete de um candidato e negoceia com ele votos de uns primos que só aparecem para votar e não sabem sequer o que estão a fazer, ou se o mesmo candidato manda pagar (alguns fingem ignorar, acontece muito...) quotas em massa, que tipo de mensagem julga que está a passar, que processos pensa que está a validar? Será muito surpreendente que o cacique depois exija uns cargos para uns primos que nem a arrumar carros arranjam trabalho? E com que cara o líder ou seu representante os vai negar? Que autoridade terá para punir um detentor de um sindicato de votos que arranja uns financiamentos esquisitos? No limite, como poderão os líderes do PSD ou do PS ter legitimidade para falar de moralização da política e de ética quando pactuam ou pactuaram com as práticas que ocorrem nas eleições internas dos seus partidos?
2 - Já fui dos que culpavam a reduzida participação cívica dos portugueses pela grande parte dos males que assolam sobretudo os principais partidos. Este deixa andar para depois criticar, o torpor que pagamos sempre tão caro e que nunca reconhecemos como causa para muitos dos males que sofremos. Basta já ter ido a uma reunião de pais ou condóminos para perceber o empenho que dedicamos a causas comunitárias. No entanto, culpar apenas ou principalmente os cidadãos pelo estado de coisas no partido é, no mínimo, precipitado. Ninguém duvida de que uma maior vontade de ação política por parte dos cidadãos nos partidos lhes traria mais saúde e provavelmente diminuiria as poucas vergonhas acima descritas. Mas ninguém pode negar a maneira como os partidos do centro (para falar só destes) criaram barreiras à entrada de pessoas que queiram participar, particularmente o PSD. E é evidente que, com todos os seus defeitos e sem negar que o mesmo tipo de chapeladas e similares acontece nesse processo, a abertura a não militantes do voto para a liderança ajudou a uma certa abertura do PS. Uma medida que veio, pelo menos, ajudar a remediar o erro histórico de fazer eleições diretas para líder do partido - não cabe aqui agora o debate, mas o processo atual diminui a vida democrática dos partidos.

As máquinas partidárias rejeitam quem traz novas ideias, quem acha que o modus operandi não é o melhor, quem contesta a organização. A máquina já não defende o partido, defende a sua sobrevivência. O PSD é hoje exemplo disso. Rezava a máxima política que o partido expelia quem pensava que não ia conquistar o poder. Neste momento, a máquina partidária está concentrada sim em manter-se a mandar no partido. Prefere um líder que garanta que nada muda no partido, mesmo que seja praticamente certo que não ganhará as legislativas, a um que a máquina pressente que a vai abalar, mesmo tendo mais possibilidades de ganhar eleições.

Seja como for, não se pode continuar a fechar os olhos ao enorme cambalacho em que se transformaram, em grande parte, os processos de escolha para líder dos principais partidos, como não se pode ignorar os efeitos nas suas vidas internas.

Por mim, já perdi a esperança de que mudem, que promovam a sua regeneração. Bem sei que interferir na vida dos partidos é atentar contra a sua capacidade de autorregulação, mas também sei que eles são neste momento, em muitos aspetos, local de más práticas, de péssima propaganda à democracia. Algo tem de ser feito antes que seja demasiado tarde.

1- Segundo o Expresso, na concelhia de Lousada, num fim de semana, os militantes do PSD com direito a voto passaram de 60 a 670. Um exemplo, entre muitos, do que está a acontecer com o aproximar do prazo para o pagamento de quotas e define quem pode votar nas eleições para liderar o PSD. Está montado o festival de pagamentos em massa de quotas, dos 20 ou 30 militantes por morada, do aparecimento dos caciques a vender votos, dos sindicatos de votos. Numa expressão: o costume. Este tipo de fenómenos nem chega a merecer um encolher de ombros de quem tem por mister olhar para a política, quanto mais dos cidadãos pouco familiarizados com os partidos e com bem mais que fazer. Quem observa estes fenómenos acaba por fazer as análises como se fosse a coisa mais normal do mundo: "O tipo X consegue trazer 50 para votar", "eh pá, pois, mas o Y tem o Z que tem uns 40 que traz em quatro táxis do W". Há mesmo quem diga que é a ordem natural das coisas.

E tudo isto se passa diante dos olhos dos políticos que conseguem falar de grandes questões de Estado enquanto se recusam a perceber, ou preferem não ver, o que estes fenómenos corroem a democracia e a fé das pessoas nos processos democráticos.

É que este tipo de comportamentos, em larga medida, decide a eleição do presidente de um partido. E a conclusão que tem de se tirar é muito simples: o futuro líder do PSD e potencial primeiro-ministro vai ser eleito, em alguma medida, através de aldrabices. No mínimo, será alguém que conseguiu aldrabar mais do que o seu adversário. Repete-se, é isto novo? Claro que não. Tem-se repetido sistematicamente no PSD e, claro, no PS. É feito com a complacência ou, sejamos justos, com o elevado patrocínio dos candidatos que têm a falta de vergonha de olhar para isto tudo e nada dizer, que compactuam e nada fazem, antes ou depois de chegarem ao poder, para pôr um travão a isto.
Mas as consequências ultrapassam em muito o processo eleitoral - infeta os partidos até ao seu âmago. Se um qualquer cacique vai ao gabinete de um candidato e negoceia com ele votos de uns primos que só aparecem para votar e não sabem sequer o que estão a fazer, ou se o mesmo candidato manda pagar (alguns fingem ignorar, acontece muito...) quotas em massa, que tipo de mensagem julga que está a passar, que processos pensa que está a validar? Será muito surpreendente que o cacique depois exija uns cargos para uns primos que nem a arrumar carros arranjam trabalho? E com que cara o líder ou seu representante os vai negar? Que autoridade terá para punir um detentor de um sindicato de votos que arranja uns financiamentos esquisitos? No limite, como poderão os líderes do PSD ou do PS ter legitimidade para falar de moralização da política e de ética quando pactuam ou pactuaram com as práticas que ocorrem nas eleições internas dos seus partidos?
2 - Já fui dos que culpavam a reduzida participação cívica dos portugueses pela grande parte dos males que assolam sobretudo os principais partidos. Este deixa andar para depois criticar, o torpor que pagamos sempre tão caro e que nunca reconhecemos como causa para muitos dos males que sofremos. Basta já ter ido a uma reunião de pais ou condóminos para perceber o empenho que dedicamos a causas comunitárias. No entanto, culpar apenas ou principalmente os cidadãos pelo estado de coisas no partido é, no mínimo, precipitado. Ninguém duvida de que uma maior vontade de ação política por parte dos cidadãos nos partidos lhes traria mais saúde e provavelmente diminuiria as poucas vergonhas acima descritas. Mas ninguém pode negar a maneira como os partidos do centro (para falar só destes) criaram barreiras à entrada de pessoas que queiram participar, particularmente o PSD. E é evidente que, com todos os seus defeitos e sem negar que o mesmo tipo de chapeladas e similares acontece nesse processo, a abertura a não militantes do voto para a liderança ajudou a uma certa abertura do PS. Uma medida que veio, pelo menos, ajudar a remediar o erro histórico de fazer eleições diretas para líder do partido - não cabe aqui agora o debate, mas o processo atual diminui a vida democrática dos partidos.

As máquinas partidárias rejeitam quem traz novas ideias, quem acha que o modus operandi não é o melhor, quem contesta a organização. A máquina já não defende o partido, defende a sua sobrevivência. O PSD é hoje exemplo disso. Rezava a máxima política que o partido expelia quem pensava que não ia conquistar o poder. Neste momento, a máquina partidária está concentrada sim em manter-se a mandar no partido. Prefere um líder que garanta que nada muda no partido, mesmo que seja praticamente certo que não ganhará as legislativas, a um que a máquina pressente que a vai abalar, mesmo tendo mais possibilidades de ganhar eleições.

Seja como for, não se pode continuar a fechar os olhos ao enorme cambalacho em que se transformaram, em grande parte, os processos de escolha para líder dos principais partidos, como não se pode ignorar os efeitos nas suas vidas internas.

Por mim, já perdi a esperança de que mudem, que promovam a sua regeneração. Bem sei que interferir na vida dos partidos é atentar contra a sua capacidade de autorregulação, mas também sei que eles são neste momento, em muitos aspetos, local de más práticas, de péssima propaganda à democracia. Algo tem de ser feito antes que seja demasiado tarde.

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