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quinta-feira, 29 de março de 2018

Diplomacia, demagogia e hipocrisia: o caso Skripal e o oportunismo político

29/03/2018 by João Mendes

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Indústria petrolífera à prova de sanções diplomáticas. Fotografia via CBS

Percebe-se o desespero de Fernando Negrão e a necessidade de se pôr em bicos de pés para tentar marcar a agenda mediática com declarações como as que proferiu ontem, que de resto mais não foram do que uma espécie de retweet parlamentar das declarações proferidas no dia anterior por Paulo Rangel na SIC Notícias. Ou não estivéssemos perante um líder parlamentar desorientado, cuja primeira linha de oposição que enfrenta está no interior do próprio grupo parlamentar que tenta, sem grande sucesso, dirigir. Um líder parlamentar fragilizado, em sintonia com uma direcção partidária enredada em casos que se sucedem, sob fogo cerrado da imprensa afecta ao passismo. É natural que recorra ao facilitismo deste tipo de subterfúgio.

Porém, atribuir a posição do governo português relativamente à retaliação em curso contra Moscovo, a propósito da execução do ex-espião russo Sergei Skripal, à “aliança com dois partidos que estão do lado errado” é demagógica, populista e imbecil, mas tão imbecil que deixei imediatamente de sentir qualquer simpatia pela forma como foi tratado pelos deputados do seu partido aquando da sua eleição para líder da bancada parlamentar. Afinal, tal como suspeitava, eles merecem-se mesmo uns aos outros.

As afinidades ideológicas do BE e do PCP com a Federação Russa, nacionalista e oligarca, cuja ideologia é ideologia nenhuma, parecem-me pouco evidentes. Mas vamos assumir que existem mesmo. Alguém no seu juízo perfeito acredita mesmo que o PS cederia a pressões do BE e do PCP numa matéria desta natureza? Porquê? Para evitar que os parceiros parlamentares roam a corda e façam cair o governo? E quem sairia a ganhar, caso o governo caísse devido a um caso destes? Fácil: o PS. O PS que todas as sondagens apontam como estando no limiar da maioria absoluta, que iria para eleições antecipadas contra um PSD em frangalhos, contra um CDS-PP com excesso de confiança, apesar da expressão residual, e contra dois partidos que facilmente passariam, dadas as circunstâncias, por emissários do Kremlin. Seria fácil demais para António Costa.

A posição assumida pelo governo é discutível, como qualquer posição assumida por qualquer governo ou governante. Dai a ter sido condicionada pelo PCP e pelo BE vai uma longa distância. Porque, se assim fosse, teria Portugal validado a decisão da NATO de expulsar diplomatas russos? Aliás, se o peso dos parceiros de António Costa em matéria de política externa fosse assim tão relevante, não estaríamos já de saída da UE e da NATO? Não teriam já as nossas tropas estacionadas nos mais variados cenários de guerra recebido ordem para regressar à base?

A soberania que nos resta, entregue que está boa parte dela à UE e a outras organizações supranacionais, só a nós diz respeito. Se vamos andar a reboque de outros Estados, ou, pior, a fazer as tristes figuras que alguns Estados fizeram ao expulsar apenas um diplomata como quem dá a pata ao dono, então mais vale estar quieto. Se Theresa May e respectivos aliados estivessem verdadeiramente interessados em bater o pé a Vladimir Putin, expulsavam todos os diplomatas russos dos seus países e davam ordem para que os seus diplomatas em território russo regressassem. Mas nada disso aconteceu. Nem no Reino Unido, nem nos EUA, nem na NATO nem em lado nenhum.

Quem também não foi afectado pela histeria do momento (e cito apenas este exemplo, poderiam ser dezenas deles) foi a parceria firmada entra a BP e a estatal russa Rosneft, que, envenenamentos à parte, continuam a lucrar com a sua frutuosa joint venture. Sanções diplomáticas sim senhor, mas ai de quem interferir com a mão invisível que ampara o capitalismo à prova de direitos humanos. Grande Rosneft! Passou ao lado das sanções de 2014, passará com certeza ao lado da crise diplomática de 2018, tem como chairman Gerhard Schroder e como CEO Igor Sechin, um oligarca do círculo mais restrito de Putin, mas não se passa nada. Business as usual.

Finalmente, o PSD. Quem é o PSD para se insurgir contra as práticas despóticas de uma ditadura, quando vendeu, ao desbarato, posições sólidas em empresas estratégicas portuguesas a oligarcas do regime chinês, uma ditadura sem respeito algum pelos direitos humanos e tão violenta como a russa, ou à monarquia tirana e absolutista de Omã? Que PSD moralista é este, que se insurge selectivamente em função da sua agenda partidária, mas que batia continência ao regime dos Santos e que se faz representar no congresso do MPLA, um partido cujos mais altos oficiais enriqueceram à custa da miséria do povo angolano? Quem é o PSD para bater no peito contra o nacionalismo ditatorial, sem que nunca se lhe tenha ouvido um pio sobre a agenda xenófoba e fascista do seu parceiro húngaro no PPE, Viktor Orban? Será que estes tipos nos tomam a todos por idiotas com este discursozeco demagógico e oportunista de ocasião?

Alinháceos

  por estatuadesal

(Por Júlio, in Blog Aspirina B, 28/03/2018)

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Criei agora este neologismo para designar as aves da capoeira que desde ontem cacarejam freneticamente para que o governo português alinhe com os nossos aliados e expulse imediatamente diplomatas russos.

Paulo Rangel e Fernando Negrão são os primeiros a merecer o crisma de alinháceos. Para eles, alinhar com a histeria de Teresa May é um dever patriótico de todo o bom português. Pensar, reflectir, usar de prudência, ponderar os nossos interesses de país independente é antipatriótico e indigno. Alinhar é que é baril — nem que seja alinhar com o MI-6, o serviço de espionagem de sua majestade.

É caso para o PSD apresentar rapidamente uma proposta de lei para a alteração do hino nacional. Onde originalmente estava, pela pena de Henrique Lopes de Mendonça, contra os bretões, marchar, marchar, que depois a República oportunista amansou para contra os canhões, marchar, marchar, espera-se que o PSD de Rangel e Negrão proponha agora pelos bretões, alinhar, alinhar.

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P.S. 1: Não faço a mínima ideia se Putin mandou envenenar aquele agente duplo russo que foi parar ao hospital. Quanto ao governo de Teresa May, penso que das duas, uma: ou também não faz a mínima ideia quem foi, mas convém-lhe enormemente que tenha sido o Putin, ou sabe perfeitamente quem foi, mas nunca o confessará. Num caso como no outro, o lema de Rangel e Negrão de “alinhar com os nossos aliados” é imbecil. Que é que Portugal tem que ver com essas merdas de espiões ingleses e agentes duplos russos?

P.S. 2: Lembre-se que a mais recente invenção da direita inglesa contra o popular líder trabalhista Jeremy Corbyn foi acusá-lo de ter sido colaborador dos serviços secretos da Checoslováquia comunista. O jornal Independent publicou sobre isso há um mês uma reportagem hilariante, recordando a velha história de acusações falsas com que a imprensa de direita britânica (quase toda a imprensa britânica!) sempre tentou difamar os dirigentes trabalhistas insinuando a sua ligação ao Kremlin. Depois de Harold Wilson, também Michael Foot e Neil Kinnock foram alvo dessas acusações porcas, vindas de gente ligada aos serviços secretos britânicos e disseminadas pelos jornais do costume. Assim, não me custa nada imaginar que por detrás da actual histeria de Teresa May esteja simplesmente um plano cozinhado por ela e pelo MI-6 para atacar a popularidade de Corbyn. Desde as últimas eleições, os conservadores ingleses estão mesmo assustados com a perspectiva de uma próxima vitória trabalhista.

P.S. 3: E porque é que foram Rangel e Negrão a cacarejar pela cor laranja? Não há galo naquela capoeira?

Posição soberana

29/03/2018 by Bruno Santos

Serão vários os motivos pelos quais o governo português decidiu, e muito bem, não acompanhar a expulsão colectiva de diplomatas russos, levada a cabo por vários países, num movimento concertado sob a liderança do Reino Unido, país que se encontra de saída da União Europeia.

A decisão anunciada por Augusto Santos Silva – o melhor e mais sólido ministro deste governo – foi certamente tomada com o conhecimento e o acordo do Presidente da República, e espelha os princípios de uma política diplomática responsável e equilibrada, que foi sempre apanágio das relações externas portuguesas e que faz de Portugal uma das maiores potências diplomáticas do mundo.

Ao contrário do que a oposição ao governo do PS tenta agora fazer crer, numa atitude irresponsável e profundamente demagógica, procurando colocar em causa a política externa do país e a solidez das suas decisões, Portugal não está sozinho nesta tomada de posição, sendo acompanhado por vários e importantes países da União Europeia que também decidiram não subscrever a estratégia colectiva de expulsões encabeçada pelo país do Brexit. Tanto quanto foi possível apurar, a Áustria, a Bulgária, o Chipre, a Eslováquia, a Eslovénia, a Grécia e Malta, são países que também optaram por não seguir os ditames do Reino Unido.

Outro facto é de relevar. Portugal assume, neste contexto – até ao momento -, uma posição soberana diferente da que a Espanha, seu parceiro ibérico, assumiu, facto que, do ponto de vista das relações internacionais, é muito significativo e só contribui para a solidez e a credibilidade da política externa portuguesa.

Celebrado acordo para o regresso do comboio ao Tua

HÁ UMA HORA

Foi celebrado o acordo que permite o regresso do comboio à linha do Tua, em Trás-os-Montes. O Governo vai financiar a manutenção da linha e a Infraestruturas de Portugal continua a ser proprietária.

ESTELA SILVA/LUSA

O acordo que permite o avanço do Plano de Mobilidade do Tua, em Trás-os-Montes, e o regresso do comboio foi celebrado esta quinta-feira, informou o Gabinete do ministro do Planeamento e das Infraestruturas.

A Infraestruturas de Portugal (IP) e a Agência do Desenvolvimento Regional do Vale do Tua (ADRVT) formalizaram o acordo que já tinha sido anunciado a 15 de março e que acaba com o impasse de quase um ano a concretização do Plano de Mobilidade Turística e Quotidiana, a principal contrapartida pela construção da barragem de Foz Tua.

O contrato agora oficializado determina, segundo a informação oficial, que “a IP concessione à ADRVT o troço entre Brunheda e a Estação Ferroviária de Mirandela-Carvalhais, incluindo a infraestrutura de via, infraestrutura de obras de arte, superestrutura de via, passagens de nível e cais de embarque”.

O troço de cerca de 30 quilómetros é o que resta da desativada ferrovia centenária que deixou de fazer a ligação ao Tua, com o novo plano a prever passeios de barco entre este ponto e a Brunheda, a extensão da nova albufeira.

Segundo o acordado entre as partes, a agência “obriga-se a assegurar, por si ou através de terceiro, o transporte de passageiros no âmbito do sistema de mobilidade turística e quotidiana do vale do rio Tua”.

“Foi ainda estabelecido um acordo entre a CP, a IP e a ADRVT para regulamentar os termos em que o serviço de transporte de passageiros é assegurado, com qualidade e em segurança”, acrescenta a informação do gabinete da tutela.

O presidente da agência, Fernando Barros, adiantou à Lusa, em 15 de março, que tinha sido alcançado o acordo, que deveria ser formalizado até ao final do mês, o que foi confirmado oficialmente neste dia.

Depois de meses a discutir quem ficaria responsável pela linha, Fernando Barros indicou ter ficado acordado que a agência será a gestora da linha, o Governo assumirá o financiamento da manutenção e a Infraestruturas de Portugal (IP), que continua a ser a proprietária e assumirá a parte técnica, nomeadamente relativamente às obras de arte.

Este acordo resolve o impasse, mas não implica que o comboio comece imediatamente a circular nos cerca de 30 quilómetros que restaram da linha do Tua, entre Mirandela e a Brunheda.

Será ainda necessário esperar pelos resultados dos testes de segurança ao novo material circulante que o empresário Mário Ferreira, conhecido pelos passeios de barco no Douro e que vai explorar turisticamente esta zona de Trás-os-Montes, tem disponíveis há alguns meses.

Ao comboio turístico juntam-se também barcos para passeios na nova albufeira da barragem, entre a Brunheda e o Tua.

A EDP entregou dez milhões de euros ao empresário para o projeto e para reabilitação da ferrovia, que já foi realizada. No entanto, serão ainda necessárias outras intervenções ao longo do canal da linha, como a retirada de blocos que ameaçam queda nas encostas do Tua e a prevenção de futuros deslizamentos.

Estes trabalhos contemplam a instalação de equipamento informático, através de fibra ótica, “para detetar o movimento de blocos ao longo dos taludes”, além de drenagens e reabilitação dos carris entre o Cachão e Mirandela.

A EDP já disponibilizou, segundo o presidente da agência, “3,5 a 3,7 milhões de euros para estes trabalhos”. Falta também saber de que forma será assegurada, neste projeto, a mobilidade às ou populações ribeirinhas do rio Tua, já que é uma condição imposta como contrapartida pela construção da barragem.

Uma estação espacial vai cair do céu e pode ser no norte de Portugal. 9 respostas para saber se deve ter medo

29 Março 2018116

Marta Leite Ferreira

A estação espacial que está em queda descontrolada em direção à Terra pode chegar entre esta sexta-feira Santa e domingo de Páscoa. O sítio? É "uma roleta russa". Mas o norte de Portugal está na mira.

Vamos começar pelas más notícias: há uma estação espacial com o tamanho de um autocarro escolar em queda livre em direção à Terra; e uma das regiões onde é mais provável que possa cair é no norte de Portugal durante este fim de semana da Páscoa. Agora as boas: a probabilidade de se despenhar entre o Porto e o Minho, embora seja a maior de todas, não ultrapassa os 3%; e, de qualquer modo, é altamente improvável que uma das peças lhe caia em cima do folar. Não há registo na História de qualquer pessoa atingida por uma peça de um veículo espacial em queda descontrolada em direção ao nosso planeta.

Tudo indica que a Tiangong-1, a estação chinesa que foi desativada há cinco anos e cujo nome significa “Palácio Celestial”, vá entrar na atmosfera terrestre algures entre esta sexta-feira, 30 de março, e domingo, 1 de abril. As estimativas mais recentes da Agência Espacial Europeia apontam o domingo de Páscoa como a data mais provável para o evento, mas as incertezas são tantas — em parte por causa do secretismo dos chineses — que não se sabe sequer o local exato onde o veículo vai cair. O melhor mesmo é ficar atento ao céu, mas permanecer afastado de qualquer pedaço da maquineta: é que a bordo dela está um químico corrosivo que pode causar desde tosse até convulsões e ferimentos profundos na pele.

Em conversa com o Observador, o astrónomo Rui Agostinho, do Observatório Astronómico de Lisboa, explicou que a queda desta estação espacial é mais preocupante do que a queda de um simples satélite por causa da robustez que tem: um satélite tem de suportar apenas as forças extremas do lançamento para o espaço, por isso não precisa de materiais muito resistentes nem pesados; mas a Tiangong-1 foi feita para receber missões tripuladas, por isso alguns dos seus materiais podem ser robustos e fortes o suficiente para chegarem ao solo sem serem destruídos pela fricção, pelo desgaste e pelas temperaturas na ordem dos milhares de graus Celsius provocados pela atmosfera terrestre.

Por enquanto não há nada que se possa fazer, a não ser esperar que a trajetória da Tiangong-1 seja rasante o suficiente para que, ao entrar na atmosfera da Terra, fique obrigado a percorrer mais tempo o percurso entre o espaço e o solo e, portanto, a ser mais massacrado pelo caminho. “É uma autêntica roleta russa”, descreve Rui Agostinho. O melhor mesmo é estar preparado para o que der e vier, por isso veja as respostas a todas as suas perguntas aqui em baixo.

A Administração Espacial Nacional da China disse que a estação "parou de funcionar" e já não estava a enviar informações para os técnicos da agência espacial chinesa. Tiangong-1 estava assim em queda livre em direção à Terra.

O que que vai acontecer?

A estação espacial chinesa Tiangong-1 vai reentrar na atmosfera terrestre algures entre esta sexta-feira Santa e o domingo de Páscoa. Estima-se que grande parte do material não vá resistir à força de fricção nem às temperaturas extremas provocadas pela atmosfera, que funciona como um escudo que protege a integridade do planeta de objetos vindos do exterior. De acordo com a Agência Espacial Europeia, em meados de janeiro a estação estava numa órbita a 280 quilómetros de altitude, mas tem vindo a diminuir desde então.

A Tiangong-1 já não estava a funcionar. A estação espacial foi lançada para o espaço em 2011 e estava projetada para continuar ativa durante dois anos. Foi isso que aconteceu: em junho de 2013, a missão espacial tripulada Shenzhou-10 visitou a Tiangong-1 naquela que foi a sua última operação. Pouco depois, a máquina foi posta em suspensão para depois ser guiada para dentro do planeta de forma controlada.

No entanto, em março do ano passado, a Administração Espacial Nacional da China disse que a estação “parou de funcionar” e já não estava a enviar informações para os técnicos da agência espacial chinesa. Tiangong-1 estava então em queda livre em direção à Terra. Desde então, a agência chinesa limitou os detalhes que tem partilhado com as outras agências espaciais.

Qual é o trajecto da queda?

A Administração Espacial Nacional da China, que é a agência espacial chinesa, começou por dizer que a Tiangong-1 faria “uma reentrada controlada” na Terra: o controlo em solo iria assumir o comando dos motores, fazê-los disparar e depois utilizá-los para diminuir a velocidade da máquina até que as peças mais resistentes caíssem em segurança. A ideia era que os motores fossem postos a trabalhar num momento específico da órbita que permitisse à estação espacial arder quase por completo ao atravessar a atmosfera da Terra. As peças mais resistentes iriam cair na região sul do Oceano Pacífico, longe de qualquer zona povoada.

Era algo parecido com o que mostra este vídeo, captado na reentrada controlada da Julio Verne ATV/ Veículo de Transferência Automatizado 001 em 2008, o que devia acontecer com a Tiangong-1.

Mas o plano saiu furado. Em março de 2016, a Tiangong-1 ainda estava completa, isto é, não tinha perdido nenhuma peça. Mas quando a estação espacial “parou de funcionar”, e tanto quanto podem confirmar as agências internacionais, o controlo em terra deixou de ter acesso aos motores e a reentrada na atmosfera deixou de poder ser comandada pelos técnicos. Tiangong-1 passou a cair “de forma descontrolada” em direção à Terra.

Quando a China notificou as Nações Unidas do que estava a acontecer, explicou por pontos o que iria fazer a partir dali. Em primeiro lugar, prometeu “rastrear e monotorizar de perto” a estação espacial para conhecer o desenvolvimento orbital da máquina e, em função dele, “publicar uma previsão oportuna da sua reentrada” terrestre. Essa operação está a ser possível graças aos dados enviados à agência espacial chinesa pelo Comité Inter-Agências de Coordenação de Detritos Espaciais. Depois, garantiu que publicaria qualquer informação que recebesse sobre a Tiangong-1no site da Administração Espacial Nacional da China, tanto em mandarim como em inglês. De facto, alguma dessa informação iria ainda ser enviada aos meios de comunicação social, nomeadamente detalhes sobre a hora e o local da reentrada.

Este vídeo da Corporação Aerospace mostra uma simulação do que pode vir a acontecer na reentrada da estação espacial chinesa algures nos próximos dias.

Mais que isto é que já não se sabe.

Quando é que tudo vai acontecer?

As últimas previsões da Agência Espacial Europeia dizem que a Tiangong-1 vai começar a reentrar na Terra em qualquer dia entre 30 de março (esta sexta-feira) e 2 de abril (a próxima segunda-feira). No entanto, só teremos certezas mais fundamentadas do que vai — e  de quando vai — acontecer um dia antes da estação espacial chegar à Terra, porque só na véspera é que podemos desenhar melhor a órbita precisa que Tiangong-1 seguirá nas últimas horas antes de colidir com o planeta.

As últimas previsões da Agência Espacial Europeia dizem que a Tiangong-1 vai começar a reentrar na Terra entre 30 de março e 2 de abril. Só teremos certezas mais fundamentadas do que vai acontecer um dia antes da estação espacial chegar à Terra.

Mesmo assim, não fique demasiado entusiasmado quando a véspera do embate chegar: nenhuma das agências espaciais ativas neste momento têm ferramentas suficientemente precisas para adivinhar as coordenadas dos sítios onde as peças de Tiangong-1 podem cair ou simplesmente serem vistas a entrar em órbita. A Agência Espacial Europeia disse mesmo que “não podemos fazer previsões locais nem sequer com margens de erros na ordem dos quilómetros” porque “isso está para lá das nossas habilidades técnicas atuais por causa da complexidade de retratar a atmosfera”.

A Agência Espacial Europeia explica que, por norma, a incerteza tipicamente existente em casos de reentradas descontroladas como esta fica em redor dos 20%. Em termos práticos, isto significa que sete horas depois de Tiangong-1 ter entrado na atmosfera, nenhum astrónomo ou especialista em astronáutica conseguiria prever onde é que as peças da estação espacial iriam cair: “A incerteza do lugar da desintegração [quando o objeto se estilhaça] é de milhares de quilómetros”.

Que zonas da Terra podem ser afetadas?

Como as agências espaciais estão a monitorizar os movimentos da estação espacial, sabemos que a órbita da Tiangong-1 tem uma inclinação de 42,8 graus em relação à atmosfera terrestre. Isso significa que a Tiangong-1 pode entrar na atmosfera, desintegrar-se e cair em qualquer região da Terra que estava confinada entre as latitudes 42,8º norte e 42,8º sul. Essa região inclui quase todo o continente americano (desde os Estados Unidos até ao sul da Argentina), todo o continente africano, o sul asiático, a Oceânia e o sul da Europa, que inclui Portugal inteiro.

A Tiangong-1 pode entrar na atmosfera, desintegrar-se e cair em qualquer região da Terra que esteja confinada entre as latitudes 42,8º norte e 42,8º sul. As regiões mais prováveis são o norte de Portugal e o sul da Austrália.

Mas nem todas essas regiões estão em condições de igualdade: há maior probabilidade (3%) da Tiangong-1 reentrar na atmosfera terrestre na latitude 42,8ºN (que coincide com o norte do nosso país) e na latitude 42,8º S (na ponta sul da Austrália) do que em qualquer região mais próxima do equador (próximo de 0%). E é assim porque a órbita da estação espacial à volta da Terra é circular, por isso passa mais tempo nessas latitudes do que a atravessar a região da Terra entre uma e outra.

Se a reentrada ocorrer nas zonas com maior probabilidade de tal acontecer, será pior caso aconteça na nossa latitude do que na que a atravessa a ponta sul da Austrália, por causa da densidade populacional ser muito maior do que a do hemisfério sul.

A verde estão marcadas as áreas onde há maior probabilidade que a estação espacial chinesa venha a cair. No gráfico mais à esquerda pode consultar as regiões com maior densidade populacional (onde a queda do objeto pode causar mais danos). No gráfico à direita pode ver-se a probabilidade de queda naquela altitude: Portugal está numa das duas mais altas. Créditos: ESA CC BY-SA IGO 3.0

Quão provável é que uma peça caia na minha casa?

É possível que isso aconteça, mas a probabilidade é muitíssimo baixa. Os cientistas tentam perceber o comportamento que os materiais da Tiangong-1 vão assumir ao estudar o comportamento dos materiais que compõem outras naves espaciais mais conhecidas de outras agências espaciais, como o Veículo de Transferência Automatizado da Agência Espacial Europeia, o Progress da Agência Espacial Federal Russa ou a Dragon da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço. Tanto quanto sabemos sobre o que aconteceu com essas máquinas, grande parte da Tiangong-1 vai desintegrar-se ao atravessar a atmosfera, mas algumas partes, as mais resistentes, podem sobreviver e chegar a terra.

Os estilhaços vão cair sobre uma área gigantesca “com milhares de quilómetros de comprimento e centenas de quilómetros de largura”. Mas embora grande, essa área pode não ter um significado muito expressivo porque a maior parte da superfície da Terra está coberta por água ou é desabitada. De acordo com a Agência Espacial Europeia, “a probabilidade pessoal de se ser atingido por um pedaço da Tiangong-1 é dez milhões de vezes mais pequena do que a probabilidade de ser atingido por um raio”.

De acordo com a Agência Espacial Europeia, "a probabilidade pessoal de ser atingido por um pedaço da Tiangong-1 é dez milhões de vezes mais pequena do que a probabilidade de ser atingido por um raio".

Há uma outra boa notícia a juntar a esta: é que nunca houve registo de uma pessoa ter sido atingida por estilhaços vindos do espaço e com origem em objetos espaciais em queda. Mas também estamos numa situação de cara ou coroa: segundo Rui Agostinho do Observatório Astronómico de Lisboa, quanto mais rasante for a trajetória da estação espacial em relação à atmosfera, maior a distância que ela terá de perfurar ao longo desse nosso escudo e mais tempo estará à mercê da fricção e das altas temperaturas da reentrada sendo assim mais fácil que se estilhace. Mas quanto mais próxima estiver a inclinação da órbita dos 90º, maior a velocidade o objeto vai adquirir e menor será o espaço que terá de percorrer podendo ficar mais intacta.

Outra coisa que é preciso ter em conta, do lado das notícias menos boas, é que nenhum dos veículos espaciais estudados pelas agências espaciais foram concebidas para receber humanos, por isso foram feitos de materiais menos resistentes: “Os mecanismos dos satélites não são robustos porque só têm de sobreviver ao lançamento, mas depois não estão sujeitos a forças extremas enquanto estão no espaço. Como quanto maior for o peso do satélite, mais caro será lançá-lo num foguetão, as agências tentam fazê-los o mais leves possível”, explica Rui Agostinho. Mas a Tiangong-1 é uma estação espacial, por isso “está preparada para colocar pessoas lá dentro, tem zonas mais robustas que podem sobreviver à reentrada na atmosfera”. São essas as peças mais perigosas para o humano.

Há produtos perigosos a bordo da estação espacial?

Sim. A hidrazina é um composto químico no estado líquido que foi usado na Tiangong-1 como um propelente em veículos espaciais e é também usado em alguns produtos na agricultura. O problema é que a hidrazina é altamente tóxica e corrosiva: um relatório da Agência das Substâncias Tóxicas dos Estados Unidos diz que “respirar hidrazina por curtos períodos de tempo pode causar tosse e irritações na garganta e nos pulmões, convulsões, tremores e ferimentos”. No entanto, segundo os cientistas chineses, “é muito pequena a probabilidade de [a hidrazina] vir a causar danos à aviação ou às pessoas em terra”.

Se encontrar objetos que possam ter tido origem na estação espacial chinesa, o melhor é não tocar neles e nem sequer se aproximar: os vapores que emitem podem tornar-se muitos perigosos para a saúde.

A hidrazina é um composto químico no estado líquido que foi usado na Tiangong-1 como um propelente em veículos espaciais e é usado em alguns produtos na agricultura. O problema é que a hidrazina é altamente tóxica e corrosiva.

Quem está a controlar a situação?

A 10 de maio de 2017, a China enviou ao Departamento das Nações Unidas para os Assuntos Espaciais uma notificação onde dizia que a Tiangong-1 tinha “parado de funcionar” e que “mantinha total integridade estrutural”. Naquela altura, a estação espacial estava a 349 quilómetros de altitude e caía diariamente, e em média, 160 metros em direção à Terra, por isso a matemática dizia que reentraria na atmosfera entre outubro do ano passado e abril deste ano. A China garantia ainda que “a maior parte dos componentes estruturais da Tiangong-1 seria destruído por inflamação ao longo da sua reentrada” e que “a probabilidade de causar estragos e colocar em perigo a aviação ou as atividades em solo são muito baixas”. Tendo isto em conta, a China pediu a ajuda do Departamento das Nações Unidas para os Assuntos Espaciais e Comité Inter-Agências de Coordenação de Detritos Espaciais para estar de olhos postos na estação chinesa.

Ao mobilizar o Comité, a Administração Espacial Nacional da China colocou 13 agências espaciais, entre as quais a NASA (dos Estados Unidos), a ESA (com 22 estados-membros europeus), a Roscosmos (da Rússia), a JAXA (do Japão), a ISRO (da Índia) e a KARI (da Coreia do Sul). Todas estão em sintonia para tentar descobrir, acima de tudo, onde e quando ia a Tiangong-1 entrar na atmosfera terrestre.

Esta reentrada é a mais perigosa a que já assistimos?

Não. A 23 de março de 2001, o mundo assistiu à reentrada na atmosfera da estação espacial Mir, que com 120 toneladas (a Tiangong-1 tem 8,5 toneladas) foi o maior veículo espacial construído pelo Homem a cair na Terra. Era uma estação modular — a primeira de todas e o maior veículo espacial até àquela época — que esteve na órbita baixa da Terra entre 1986 e 2001, pertencia à União Soviética e foi montada já em órbita entre 1986 e 1996. Até começar a cair, o Mir era o maior satélite em órbita, um título que depois passou a pertencer à  Estação Espacial Internacional.

A Mir permaneceu no espaço a 400 quilómetros de altitude, completando uma órbita em volta da Terra a cada 90 minutos. Em 2000, a Rússia decidiu destruir o veículo espacial “por falta de meios técnicos e financeiros” para suportar a máquina. A 23 de março de 2001, a Mir entrou na atmosfera terrestre e desintegrou-se em segundos: a maior parte das partes da estação foi completamente destruída, mas algumas peças caíram em chamas no Oceano Pacífico a dois mil quilómetros da Austrália sem causar danos a nenhuma pessoa ou infraestrutura. A operação custou 27 milhões de dólares.

Este não é o objeto mais perigoso que já vimos reentrar na Terra. A 23 de março de 2001, o mundo assistiu à reentrada na atmosfera da estação espacial Mir, que com 120 toneladas (a Tiangong-1 tem 8,5 toneladas) foi o maior veículo espacial construído pelo Homem a cair no planeta.

Posso ver a reentrada da estação na Terra?

De acordo com a Corporação Aerospace, uma organização independente dedicada à investigação técnica e científica relacionada com a aeronáutica, dependendo das condições meteorológicas, da hora e do local da reentrada da Tiangong-1, pode ser possível ver objetos incandescentes a rasgarem o céu durante um minuto ou mais.Se tiver sinais da reentrada da estação espacial na Terra, envie um relatório para a Corporação Aerospace com informações do local em que estava, que horas eram, uma descrição do que viu e, se possível, fotografias ou vídeos que consiga captar desse momento.