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quarta-feira, 25 de abril de 2018

Ladrões de Bicicletas


25 de Abril, sempre!

Posted: 24 Apr 2018 04:19 PM PDT

Só há liberdade a sério quando houver...

Posted: 24 Apr 2018 08:06 AM PDT

Amanhã celebra-se mais um aniversário do 25 de abril. Neste 44º aniversário, com governação socialista, as principais conquistas sociais de abril encontram-se ainda ameaçadas.
É também o caso da habitação. Esta ameaça advém da sua crescente mercadorização, que sujeita o acesso a este bem essencial ao poder compra de cidadãos cada vez mais vistos como consumidores.
É certo que estes processos resultam, em grande medida, de restrições que nos são impostas pela UE, tornando muito difícil o investimento público. Contudo, não deixa de causar enorme estranheza a forma como as chamadas leis do mercado emergem como naturais e acima de qualquer discussão, por mais injustos e desumanos que sejam os seus resultados.
O recente pacote de medidas anunciadas para a habitação, pomposamente designado Nova Geração de Políticas de Habitação, não contraria a hegemonia mercantil. Pouco se sabe das medidas, que ainda vão ser aprovadas em Conselho de Ministros. Mas não deixa de ser sintomático que as medidas mais alardeadas, e relativamente às quais há maior detalhe, sejam os benefícios fiscais aos proprietários, incluindo “a redução do IMI de pelo menos 50% e a isenção do imposto sobre rendimentos prediais … em troca de rendas 20% mais baixas do que a mediana verificada na área de residência em questão”, ou redução da taxa de IRS em “arrendamentos superiores a dez anos, e independentemente do valor da renda, [em que] a taxa liberatória baixa de 28% para 14%. Os contratos com mais de 20 [anos] passam a pagar 10%”.
Perante um diagnóstico de “excesso de especulação”, e reconhecendo que “[c]om o mercado liberalizado, as dificuldades na habitação já não são apenas das famílias carenciadas. É um problema comum da classe média e dramático para as novas gerações”, o Primeiro-Ministro António Costa, não concebe outra via que não seja ceder à chantagem dos proprietários, compensando com benefícios fiscais aqueles que contenham um pouco a compulsão mercantil. Contudo, as rendas continuarão a subir; até porque, previsivelmente, os proprietários irão continuar a operar em modo especulativo enquanto a bolha imobiliária o consentir.
Não é por isso de estranhar o ceticismo dos vários agentes. Até António Costa adverte que “as novas gerações têm de responder a novas realidades”, apontando para a inevitabilidade da deslocação dos mais jovens até onde o seu poder de compra os levar.
Mas este estado de coisas não é natural. Resulta das políticas que promoveram a liberalização do mercado da habitação e vêm aliciando os muito ricos para o investimento especulativo na habitação através de uma panóplia de incentivos fiscais, da qual a nova geração de medidas não se distingue. Talvez resida aqui a novidade destas políticas...
Entretanto aguardemos as outras medidas que carecem de maior detalhe, sendo certo que o que faz falta é uma provisão pública de habitação capaz de moldar a oferta e controlar os preços.

Os valores liberais

Posted: 24 Apr 2018 02:39 AM PDT

A revista "The Economist" acaba de lançar a iniciativa Open Future, um conjunto de debates e eventos que visam celebrar os valores do liberalismo, de que esta revista é aliás um dos porta-estandartes mais conhecidos e de maior qualidade. Segundo afirma a directora Zanny Minton Beddoes, trata-se de defender os valores liberais numa altura em que estes se encontram sob ameaça por parte do populismo em ascensão e do autoritarismo crescente.

Num mundo em que florescem figuras tão sinistras como Erdogan, Orban ou Duterte e em que em muitos países se assiste a um preocupante recuo ao nível das liberdades e direitos civis e políticos, há efectivamente valores e princípios liberais fundamentais, da liberdade de expressão à separação de poderes ao primado da lei, que se encontram sob grave ameaça e que é muito importante defender.

Porém, o próprio liberalismo tem uma história repleta de contradições, pouco conforme aos retratos mais simplistas e mitificados que dele são habitualmente apresentados. Desde os seus primórdios, o pensamento e a prática política liberais assumiram muitas vezes um carácter autoritário, elitista e cúmplice em relação a diversas formas de violência e exploração. O desenvolvimento do pensamento e da prática política liberais teve lugar em articulação e activa conivência com o racismo, a expropriação colonial e a dominação de classe, como aliás é detalhadamente descrito por Domenico Losurdo em "Liberalism: a counter-history". O liberalismo de Locke excluía os povos indígenas do direito à propriedade, de modo a legitimar o império. Bentham defendia o internamento dos pobres nas workhouses victorianas e o panóptico penitenciário. A igualdade do liberalismo é historicamente uma igualdade formal no seio da comunidade dos incluídos, constituída em termos étnicos e de classe, em contraponto com a dominação e desumanização dos excluídos.

Percebemos melhor que assim seja quando temos em conta que o liberalismo surgiu historicamente como expressão ideológica no contexto da afirmação do capitalismo como sistema mundial. Incorporou por isso todas as contradições desta transformação, que ao mesmo tempo que afastou atavismos pré-modernos e permitiu uma real emancipação em muitos planos foi também fundada na violência de expropriações e subjugações tanto metropolitanas como ultramarinas. Esta linhagem de contradição estende-se até aos nossos dias. A "The Economist", que apoiou intervenções militares ilegais no Iraque e na Líbia que viriam a causar centenas de milhares de mortos, que o diga.

Para além disso, o carácter apenas formal da igualdade no contexto do liberalismo oculta e alimenta a iniquidade e a exploração. Há uma tensão fundamental entre a liberdade económica irrestrita, a protecção da dignidade de cada um e a salvaguarda do espaço de deliberação democrática. Tal como há um carácter intrinsecamente autoritário nas soluções tecnocráticas pós-democráticas preferidas de muitos partidários do liberalismo económico, de que é exemplo a independência dos bancos centrais, outro nome para a sua não-sujeição ao controlo democrático.

A viragem autoritária contra a qual alerta a "The Economist" pode por isso ser vista como uma degenerescência, ainda que especialmente perigosa, de autoritarismos, exclusões e violências existentes desde logo no seio do próprio liberalismo. Há valores e princípios liberais que é realmente fundamental preservar. Mas fazê-lo implica reconhecer e confrontar as contradições do próprio liberalismo, sujeitá-lo à democracia, salvá-lo de si próprio.

(publicado no Expresso online a 18/04/2018)

24 de Abril, nunca mais!

Posted: 24 Apr 2018 04:23 AM PDT

Liberdade em segurança
Os réus entraram. Três. Fardados de azul. De escudo a tiracolo e viseira erguida.
O juiz pôs a touca com um pequeno jeito de mão direita. Afirmou:
- Levante-se o queixoso.
O queixoso estava deitado. Não se levantou.
- Tem alguma coisa a acrescentar quanto à sua arguição contra os réus? - insistiu o juiz, dando outro pequeno jeito na touca.
O queixoso nada disse. Continuava deitado.
- Dadas as circunstancias atenuantes e outras, declaro os três réus inocentes. O queixoso demonstra à sociedade ser provocador. E silencioso. Revolucionário alterante de ordem estabelecida. Desestabilizador da liberdade em segurança. Que os réus, absolvidos, se retirem. Em segurança e liberdade.
Os três réus perfilaram-se. Fizeram a continência com a mão direita. E sairam. Pela porta da direita.
Sairam os meirinhos. Pela porta do fundo.
E também o juiz. Já sem touca. Pela porta da frente.
Saíram todos.
O queixoso não. Estava deitado, como já tive oportunidade de informar. Com cinco tiros no baixo-ventre. E morto.
Mário-Henrique Leiria

O DESAFIO DE JÚDICE

por estatuadesal

(Virgínia da Silva Veiga, 24/04/2018)

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José Miguel Júdice defendeu ontem que “antigos ministros da Justiça, grandes figuras da advocacia e grandes políticos portugueses” deviam tomar posição crítica sobre as reportagens televisivas em que a SIC transmitiu partes de inquéritos a testemunhas e arguidos do processo qualificado como “Operação Marquês”.

O ex-Bastonário da Ordem dos Advogados, que falava no âmbito da rubrica semanal “Porquê?”, por si protagonizada na TVI, considerou “de uma gravidade extrema” a emissão dos programas, criticando a reacção da Ministra da Justiça e da Procuradora Geral da República que considerou “moles”.

Argumentando ser o acto de emissão não autorizada de imagens de interrogatórios “lamentável, criminoso e não tolerável”, defendeu não poder haver tolerância “porque é um crime e quem participa em crimes comete crimes” – disse.

“Infelizmente não temos uma cultura cívica de cidadãos tão forte como devíamos ter” – concluiu depois de afirmar que “o voyeurismo” das filmagens não tem nenhuma utilidade para a investigação criminal”.

Posição próxima do ex-Bastonário da Ordem dos Advogados foi igualmente defendida pelo actual e pela própria Ordem.


TRANSCRIÇÃO

- Eis, em resumo, o que disse o Ex-Bastonário da Ordem dos Advogados, posição idêntica à da Ordem dos Advogados, do actual Bastonário e do Conselho Distrital de Lisboa do mesmo organismo. Pela veemência e porque, certamente, suscitará uma salutar discussão, transcreve-se na íntegra:

“Estou estupefacto. Não quero acreditar que a televisão do Dr. Balsemão tenha feito aquele programa. Li ou vi um debate de jornalistas, a semana passada - creio que na Sexta-feira -, e um jornalista – não vou dizer o nome -, que sabe seguramente do que fala, terá dado alguma explicação: como a Impresa, essa empresa que se chama Impresa, está com as suas dificuldades e, aparentemente parece que este tipo de programas têm imenso sucesso em audiência, embora eu tenha sabido, foi na Segunda-feira em que eu estava aqui [na TVI] [o jornal das oito manteve a liderança] e o meu programa foi capaz de aguentar aquela pressão de “voyeures”.
Claro que sim, que acho que é uma perda de tempo para muitos eu estar aqui a criticar isto, porque há muitas pessoas que acham que José Sócrates já devia estar condenado, condenado, já devia era estar metido na cadeia; que se lixem os direitos, que se lixe os Direitos Fundamentais. Mas para quem não pensa assim – e acho que ninguém devia pensar assim -, isto é realmente, verdadeiramente grave.
E é verdadeiramente grave, porquê? Porque, embora se siga e continue o que se vê noutros países - no Brasil o juiz Moro mandou para os jornais as escutas, sem usar subterfúgios que se usam aqui, as escutas de Lula, aqui há uns tempos -, e isto é grave, aprende-se com os erros dos outros em vez de se aprender com as coisas bem-feitas.
E também há pessoas que julgam que os fins justificam os meios.
Eu não acho assim.
Eu acho que isto é de uma gravidade extrema. Em primeiro lugar porque é um crime e quem participa em crimes comete crimes. E não me venham com a necessidade da comunicação e da informação porque ali a única coisa que importava era tentar esmagar e humilhar uma pessoa que está na pior posição que pode estar que é a ser interrogado sem saber exactamente porquê, por pessoas que são agressivas – neste caso, até o juiz de Instrução o é -, portanto, eu acho que isto é muito grave, mas é outra vez uma coisa muito parecida com aquilo que estávamos a falar, isto é: para os portugueses, e por isso os políticos não reagem … Eu fico estupefacto de ver uma reacção molzinha da Ministra da Justiça; a Procuradora Geral da República disse “Ah!, isto não pode acontecer”.
Não vai dar em nada!
Eu gostaria de ver antigos Ministros da Justiça, grandes figuras da advocacia, grandes políticos portugueses a virem criticar isto, a virem censurar a televisão do Dr. Balsemão por o que ela fez. Agora: os portugueses são tolerantes, sabe?, os portugueses acham que não vale a pena, as coisas não devem ser ditas com muita clareza. Os portugueses, no fundo, indignam-se um bocadinho mas passados dois dias já ninguém se indigna mais. Porquê? Porque enquanto não se passa connosco ninguém dá muito valor. Agora, quando algum estivesse metido naquela situação e isto lhe acontecesse, ele veria exactamente o que isto tem de horrível.
Eu nunca me esqueço do Fernando Negrão me ter dito há muitos anos – ele tinha tido uns problemas, tinham dito que tinha violado o Segredo de Justiça -, ele disse (ele era juiz, ele é juiz): “eu nunca tinha sido constituído arguido”. Ele disse-o com muita seriedade: eu hoje sei melhor o horrível que é ser investigado, o horrível que é ser constituído arguido”.
Ora bem, por isso é que eu dizia que as pessoas em vez de irem para a tropa deviam ser presas algum tempo, para perceberem o que custa ser preso.
Judite de Sousa interrompe - Mas quando há matéria de investigação …
Júdice retoma – Ah, sim, matéria para investigação. Mas, matéria para investigação é uma coisa, agora o “voyeurismo” das filmagens, que ele [José Sócrates] não autorizou que fossem divulgadas , que não têm nenhuma utilidade para a investigação criminal, é de uma gravidade extrema e eu não queria deixar de dizer.
Não queria deixar de o dizer e tê-lo-ia dito também se fosse cm vocês [a TVI]. Não podia deixar de dizer que isto é lamentável, é criminoso e não pode ser tolerado.
Afinal, eu estive neste programa a falar de tolerâncias, de revoltas, de raivas e depois fica tudo mais ou menos na mesma.
Nós somos um país. Infelizmente, não temos uma cultura cívica e de cidadania tão forte como devíamos ter.

OS AMIGUINHOS DO POVO

por estatuadesal

(José Gabriel, 24/04/2018)

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A direita em Portugal - e todos os assumem as suas políticas -, abomina o investimento em serviços públicos de, particularmente, três áreas: saúde, educação e segurança social - por esta ou outra ordem. Como o sabemos? Pelas suas práticas reiteradas cada vez que as suas políticas hegemonizam o poder. Para a direita e quem faça as suas vezes, investimento público significa, invariavelmente, sugar com avidez os recursos do Estado, de todos nós, e pô-los ao serviço dos interesses privados que a patrocinam.

Que isto seja frequentemente acompanhado de corrupção é um desgraçado bónus que fica à nossa conta; mas, mesmo quando isso não acontece, a natureza do saque muda mais de grau que de natureza.

Daí o profundo nojo com que se assiste à direita parlamentar rasgando as vestes pelo financiamento do Serviço Nacional de Saúde, quando ela própria votou contra ele desde a sua fundação e, sempre que lhe coube governar, mais não fez que lhe desviar fundos para as organizações privadas do sector; a náusea que provoca ouvir a defesa do Ensino Público por quem o deixou à beira da exaustão enquanto uma rede de desqualificados parasitas lhe vampirizava os recursos; a raiva de ouvir preocupações sobre a Segurança Social por parte de quem sempre se dividiu entre privatizá-la ou deixá-la esgotada de meios e futuro.

E a revolta não decorre tanto do facto de a direita e correlativos defenderem os pontos de vista dos interesses que representam. Isso é natural, não seria de esperar outra coisa.

O repugnante é o modo como as figuras mais reaccionárias do regime tentam mimetizar comportamentos e argumentos geneticamente de esquerda, em tons que variam entre a indignação de pechisbeque e a piedade lacrimejante dos hipócritas. Com seguimentos conhecidos nas suas metástases televisivas e jornalísticas.

Sócrates, o criminoso nato

Opinião

Miguel Guedes

Hoje às 00:03

  • A exposição da debilidade humana é uma revelação de falência da sociedade democrática. Quando sujeito à pressão e ao escrutínio dos interrogatórios da Operação Marquês, José Sócrates comporta-se como qualquer acossado. Gesticula, verborreia, atira-se às grades com distinção animal, defende e ataca, dissimula e voa entre figuras de estilo e acto dramático. Nada de provinciano transmontano assoma ou de fausto parisiense brilha. Não há qualquer justificação ou interesse público em ver um animal político dar luta senão para edificar a convicção no julgamento público da sua culpa. Sabe-se agora que ninguém está a salvo de ver a sua liberdade devassada com videoinquéritos judiciais sem consentimento informado. Não há razão plausível que me convença de que quem defende esta invasão da justiça pelo dente-por-dente não se mova, sobretudo, pela sede canina de soltar o seu olho-por-olho em rasgo individual de carrasco.

Com a devida vénia em dia de Liberdade, nem a minha nem a convicção de ninguém sobre a culpa ou a inocência de José Sócrates são para aqui chamadas. Sorridentes, continuam a desfilar os alumiados que mancham todos aqueles que defendem os mais elementares princípios de direito, associando-os à torpe tentativa de justificar ou absolver Sócrates. Esse processo de linchamento do Estado de direito pela sede de ir ao pote dos ódios particulares é uma perigosa travessia para o tempo dos algozes. Ao longo dos dias, analistas políticos transformaram-se em especialistas comportamentais através de câmaras de vigilância. Salivam por frame. Asseguraram o interesse público na divulgação de imagens de um processo judicial em curso, estimulados pelas expressões faciais subliminares, manifestações corporais com peso específico, pelos silêncios e escusas de labirinto, pelo timbre de voz da fera ou pelo seu esmagador silêncio, pelos segundos de aceleração aos 100. Não há nada de novo, não há investigação. Há voyeurismo judicial. A felicidade do torcionário está estampada. O julgamento pela convicção está na cara.

É assustadora a facilidade com que hoje se reescreve o "Tratado antropológico experimental do homem delinquente". No século XIX, a teoria do criminoso nato de Cesare Lombroso fazia escola na antropologia criminal, inebriada pela selecção natural de Darwin. Bastava, então, a análise das características puramente físicas e comportamentais para se apontar ao criminoso, condenado que estava à reincidência pelo peso da hereditariedade e pela irrenunciável vertigem da delinquência. Epicteto, filósofo grego, assegurava que "não são as coisas que nos perturbam mas a forma como interpretamos o seu significado". Se a justiça passar a conviver bem com um kit de justiceiros, convirá tipificar criminalmente o ódio como a verdadeira doença.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.

MÚSICO E JURISTA

terça-feira, 24 de abril de 2018

Entre as brumas da memória

Entre as brumas da memória


25 Abril – Falta (muito menos de) 1 dia

Posted: 24 Apr 2018 02:04 PM PDT

@alfredocunha
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Também há isto, claro

Posted: 24 Apr 2018 10:53 AM PDT

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Onde estive eu no 25 de Abril? Foi assim

Posted: 24 Apr 2018 10:41 AM PDT

Noite cerrada, o telefone a tocar pouco depois das quatro da manhã, alguém que me diz que a tropa está na rua, uns minutos de espera, de ouvido colado a um velho aparelho de rádio, a voz inconfundível de Joaquim Furtado: «Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de se recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma.»

No primeiro acto de desobediência a novas autoridades, que ainda nem o eram, saí imediatamente e só regressei a casa na madrugada do dia seguinte. Fui ter com amigos, reunimos máquinas fotográficas, deambulámos de carro e a pé pela cidade – horas e horas primeiro pelas ruas da baixa, depois no Carmo até à rendição de Marcelo.

Pelas 11 da manhã, quando absolutamente nada estava ainda decidido, alguém me tirou esta fotografia, no Largo do Corpo Santo, em Lisboa – guardo-a como a mais preciosa de toda uma vida. Tinha acabado de perguntar àquele soldado, empoleirado no tanque, o que se passaria a seguir. Que não sabia, mas que estava com Salgueiro Maia e que tudo ia correr bem. E eu também não duvidei, nem por um minuto, que sim, que ia acabar o pesadelo em que vivera desde que tinha nascido. Sem me passar pela cabeça temer o que quer que fosse.

Já no Largo do Carmo, a espera, as dúvidas, os boatos, o megafone de Francisco Sousa Tavares – e também os cravos, a Grândola. Pelo meio algumas corridas, evacuação obrigatória do local quando se pensou que o quartel não se renderia a bem, almoço tardio com últimos feijões do fundo de uma panela numa tasca do Largo da Misericórdia, pelo mais total dos acasos na companhia de José Cardoso Pires; um carro estacionado mesmo em frente, com as quatro portas abertas para o que desse e viesse. Regresso ao Carmo, o desenrolar de tudo o que se sabe, o poder que Marcelo Caetano não quis deixar cair na rua antes de sair de chaimite, os gritos sem fim de vitória, que se cravaram na memória e ainda hoje fazem arrepiar. A liberdade, enfim, que nunca se imaginara poder ser tão grande.

Passaram 44 anos. Portugal é hoje, sem qualquer espécie de dúvida, um país melhor do que era naquela quinta-feira de Abril. Mas não é aquilo que sonhámos, não foi por isto que tantos lutaram durante décadas de ditadura, que alguns morreram, não é o que podia e o que devia ser hoje. Falhámos uma oportunidade única, nós que tivemos na mão uma das mais belas revoluções dos tempos modernos. Os humanos não são deuses omniscientes, e ainda bem, porque teria sido absolutamente insuportável, naquela primeira semana luminosa, naquele 1º de Maio triunfante, uma espécie de «regresso ao futuro» em que pudéssemos ver o Portugal de hoje.

O mundo está agora mais perigoso, a Europa navega à vista sem que se entenda nem mais ou menos para onde, muitos regimes não democráticos estão a tomar as rédeas do poder. Sem sabermos exactamente como, nem muitas vezes com que instrumentos, resta-nos continuar a lutar pelo futuro, com a mesma força com que festejámos a chegada da democracia há quarenta e quatro anos. É também para isso que ainda estamos vivos.

Uma primeira versão deste post, entretanto alterada, fez parte de uma brochura que a APRe! divulgou em 25 de Abril de 2014, com textos escritos por um grande grupo de membros da Associação.

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Falar para um muro chamado Centeno

Posted: 24 Apr 2018 05:53 AM PDT

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Melo Antunes, 1984

Posted: 24 Apr 2018 03:02 AM PDT

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