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terça-feira, 5 de junho de 2018

O gang que tem aterrorizado a província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique

HÁ 2 HORAS

O grupo que matou sete pessoas com catanas ou fogo e incendiou 164 casas no norte de Moçambique esta madrugada será o mesmo que fez 10 decapitações na semana passada

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Antonio Cotrim/LUSA

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  • Agência Lusa
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O grupo armado que na última noite matou sete pessoas em Naunde, norte de Moçambique, será o que resta de um bando maior, suspeito de ter decapitado dez pessoas há uma semana, anunciou esta terça-feira a polícia.

O balanço de vítimas foi feito em conferência de imprensa, em Maputo, e acrescenta mais um morto às primeiras informações, divulgadas ao amanhecer. “Este grupo pode fazer parte do que está sendo perseguido desde a ocorrência do dia 27”, junto a Olumbi, distrito de Palma, disse o porta-voz nacional da Polícia da República de Moçambique (PRM), Inácio Dina. No ataque desta madrugada, foram incendiadas 164 casas, acrescentou.

Fontes locais disseram à Lusa que pelo menos duas das vítimas mortais morreram queimadas, enquanto as restantes foram mortas com catanas enquanto fugiam. A aldeia é um local sem eletricidade e sem outras infraestruturas, onde as habitações são feitas de materiais tradicionais como blocos de adobe – um cenário comum a todos os confrontos deste outubro de 2017, com exceção do primeiro, na vila de Mocímboa da Praia.

Segundo o porta-voz da PRM, há uma nova ofensiva das autoridades no terreno desde o dia em que houve 10 decapitações e que pode ter provocado o movimento dos agressores para sul. Nove foram abatidos na sexta-feira, depois de resistirem às autoridades e à população durante uma operação noturna, no meio do mato, na zona de Olumbi. “Resistiram à ordem de se render, de se entregarem”, referiu Inácio Dina, suspeitando-se que outros seis tenham escapado e tenham sido responsáveis pelo ataque a Naunde. Segundo referiu, essas seis pessoas estão identificadas e são moçambicanos, daquela zona.

Da mesma forma, já tinham sido caracterizadas as restantes entretanto abatidas, graças à colaboração com a população, pelo que Inácio Dina acredita que não há risco de serem mortos inocentes.

A PRM fala de um movimento “bastante fragmentado” e que, em pequenos agrupamentos, vai demonstrando “alguma resistência”. “São malfeitores, criminosos”, refere o porta-voz, recusando-se a atribuir outras designações, numa altura em que vários órgãos de comunicação social moçambicanos os classificam de terroristas.

A porta-voz da PRM referiu esta terça-feira que as autoridades vão marcar presença “até o último malfeitor” ser neutralizado, referiu. “Estamos a contar com grande apoio da população, que está a perceber que, com a sua participação efetiva, estes grupos estarão fora de circulação”, concluiu.

A província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, tem sido alvo de ataques de grupos armados desde outubro de 2017, causando um número indeterminado de mortes e deslocados. Um estudo divulgado em maio, em Maputo, aponta a existência de redes de comércio ilegal na região e a movimentação de grupos radicais islâmicos, oriundos de países a norte, como algumas das raízes da violência.

Diversos investimentos estão a avançar na província para exploração de gás natural dentro de cinco a seis anos, no mar e em terra, com o envolvimento de algumas das grandes petrolíferas mundiais.

PSD diz que “há dinheiro” para a natalidade, mas não diz onde

HÁ UMA HORA

PSD apresentou propostas para natalidade que custam muitos milhões. Como se paga? Através do OE. Há dinheiro? "Há", diz David Justino. Mas não diz onde: só quando for Governo. E admite plafonamento


MÁRIO CRUZ/LUSA

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Quem, no domingo, acusava Rui Rio de ser uma espécie de “muleta” ou “número dois” de António Costa por não ter “assumido uma única proposta diferente do Governo sobre matéria nenhuma”, como dizia Marques Mendes na SIC, chegou a segunda-feira e teve de engolir em seco. Nesse dia, Rui Rio e David Justino, na qualidade de presidente do Conselho Estratégico Nacional do PSD, apresentaram um autêntico programa para a promoção da natalidade, que prevê a criação de um novo tipo de abono de família, cerca de 10 mil euros por filho até aos 18 anos e creches gratuitas a partir dos seis meses de vida. Nas contas do PSD, o pacote deverá ser implementado de forma faseada em seis anos e pode custar, por ano, segundo Rui Rio, entre 400 a 500 milhões de euros. Como se financia, é a pergunta para… um milhão de euros.

“Financia-se pelo Orçamento do Estado, que tem níveis de ineficiência muito elevados”, começa por dizer ao Observador David Justino, ele que é presidente do Conselho Estratégico Nacional do PSD e também coordenador para a área da Educação. A ideia do PSD, segundo explica David Justino, é integrar as propostas saídas do Conselho Estratégico num próximo programa de Governo — pelo que só aí, quando e se for governo, é que o PSD irá detalhar onde pretende ir buscar receita para tamanho investimento. “Há onde ir buscar dinheiro, e nós sabemos onde é que o dinheiro está, mas não dizemos para já. Quando estivermos no Governo é que temos de dizer”, afirmou ao Observador o coordenador social-democrata responsável pelo programa “Uma política para a infância”.

Para David Justino, trata-se sobretudo de uma questão de “reestruturar e redefinir prioridades”, tanto no que diz respeito ao Ministério da Educação como à Segurança Social. “O dinheiro encontra-se numa melhor gestão ao nível da eficiência e numa melhor gestão ao nível das prioridades”, afirma, dando como exemplo os gastos que se fazem atualmente em iniciativas de “falsa formação”. Mas não vai mais longe do que isto. A ideia é, sobretudo, debater o tema, pôr o tema em discussão interna e externa, e vir depois, quando estiver consensualizado, a integrar o programa eleitoral do PSD. “A partir do momento em que isto fizer parte do nosso programa de Governo, vai fazer parte do património político do PSD e aí não o vamos largar”, nota ainda David Justino.

Descartada fica, para já, a ideia de traduzir este pacote de propostas em iniciativas legislativas ou em propostas de alteração ao próximo Orçamento do Estado. “Não, isto é um pacote para aplicarmos quando formos Governo, porque não pode ser aplicado de forma cirúrgica, só faz sentido se for aplicado em bloco, de forma integrada”, diz, sublinhando que é por isso que a proposta de aplicação do PSD é para 6 anos, o que transcende a duração de uma legislatura. É preciso consensos, admite, reconhecendo que não será fácil para já. Em todo o caso, o líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, fez uma tentativa esta terça-feira, durante o debate quinzenal, questionando António Costa sobre qual a sua abertura para analisar as propostas do PSD. A resposta do primeiro-ministro foi positiva, mas não conclusiva. “São bons contributos para o debate, vamos analisá-las com o maior interesse, e quando forem devidamente apresentadas, pronunciar-nos-emos sobre elas”, limitou-se a dizer, realçando que a política para a infância “é e tem sido uma prioridade do Governo”.

Na conferência de imprensa realizada esta segunda-feira, Rui Rio revelou que o pacote de medidas para a natalidade “custa por ano ao Orçamento do Estado entre 400 a 500 milhões de euros”. O documento, de quase 100 páginas, não explica, contudo, como é que o PSD pensa conseguir essa verba: “O financiamento deste projeto acontecerá por via de ganhos de eficiência no sistema de educação. De acordo com os diversos estudos as crianças que têm um bom início têm uma menor probabilidade de repetir o ano”, lê-se. Ao mesmo tempo, o PSD desvaloriza os custos: “Em vez de estarmos apenas focados nos custos de uma política de promoção da Natalidade, devemos estar, hoje, particularmente focados nos custos imensos dos não nascimentos, da não-renovação das gerações, da não sustentabilidade do país”.

Este investimento representa cerca de 3% do orçamento do Ministério da Educação, se comparado com a verba investida até dezembro de 2017 a salvaguardar o Sistema Financeiro Português (14,6 mil M€) este valor representa apenas 1,5%. Em relação ao orçamento total de Estado 119.107,1 mil M € representa 0,18%. Se considerarmos a despesa primária de 57.382€, trata-se de um investimento na ordem 0,4%”, lê-se no documento “Uma política para a infância”.

Certo é que, em declarações ao Observador, David Justino já admite algumas nuances face ao que aparece espelhado no extenso documento: uma das nuances é precisamente uma espécie de plafonamento do novo abono de família (onde as famílias com menores rendimentos e as famílias com maiores rendimentos não recebem exatamente a mesma quantia). “Estamos abertos a algum tipo de plafonamento, sobretudo na parte do subsídio que vai dos 6 aos 18 anos”, diz, lembrando que a ideia apresentada pelo PSD é a criação de um subsídio por filho — “que deve ser atribuído à criança e não à família, daí ser diferente do abono de família”.

Mas essa ideia de plafonamento não aparece espelhada no documento, onde prevalece a ideia de “universalidade” (atribuir a mesma quantia a todas as crianças, independentemente do rendimento dos pais).

Em causa, segundo o que foi apresentado esta segunda-feira, está a proposta de criação de um subsídio de 428,90 euros a todas as grávidas – através de um pagamento único ao 7.º mês de gravidez -, assim como um outro, de valor fixo, por criança, com valores que vão decrescendo até aos 18 anos de idade e que serviria como substituto do abono de família. Até aos 18 anos cada criança receberia um total de mais de 10 mil euros (10.722,50 euros), sendo que durante os primeiros seis anos de vida da criança o valor anual seria de 857,80 euros, sofrendo uma redução a partir dos seis anos, para 428,90 euros. O documento do Conselho Estratégico social-democrata detalha ainda os subsídios propostos para as famílias que tenham mais do que um filho, prevê a gratuitidade das creches e infantários públicos a partir dos seis meses de vida e propõe outras medidas de promoção da natalidade como o alargamento da licença de maternidade ou paternidade.

Deixou de estudar aos 16 anos. Aos 26 soma 18 milhões e rejeita investidores

05 Junho 2018

Ana Pimentel

Ross Bailey foi rejeitado por centenas de investidores até ser ele a escolher quem queria na Appear Here, um Airbnb para lojas pop-up. "Dissemos 'não', porque não gostávamos das pessoas", conta.

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  1. “Deixei a escola aos 16 anos, sempre andei por aí a fazer coisas”
  2. “Tenho tentado que o medo não tome muitas decisões por mim”
  3. “Preferia nem sequer fazer isto a ter de fazê-lo com as pessoas erradas”
  4. “Estou a chegar a um ponto em que não tenho tempo suficiente”

Em 2012, Ross Bailey escolheu algumas fotografias da rainha Isabel II, editou-as com o icónico raio do starman David Bowie, imprimiu-as em t-shirts e pô-las à venda. A Rock & Rule, marca que lançou apenas para as comemorações do 60º aniversário de Sua Majestade, teve tanto sucesso que foi banida rapidamente pelo Palácio de Buckingham. A “Lizzy Stardust”, como lhe chamou, podia ter sido apenas uma diversão do britânico de 20 anos, mas quis a persistência e a vontade que sempre teve de “fazer coisas” que se transformasse num novo conceito de negócio: uma plataforma que permitisse às pessoas arrendar uma loja vazia como quem arrenda um quarto no Airbnb.

O mote para o lançamento da Appear Here esteve na dificuldade que Ross Bailey sentiu quando quis arrendar uma loja no centro de Londres, durante uma semana, e percebeu que não era possível. Valeu-lhe o dono de um estabelecimento em Soho que acabou por lhe emprestar o espaço. Centenas de investidores depois, conseguiu que alguém lhe emprestasse dinheiro para pôr a plataforma de arrendamento de curta duração para lojas pop-up a funcionar. A seguir, não faltou quem quisesse investir na ideia de Ross, mas o jovem de 21 anos sabia bem o que queria: “Preferia nem sequer fazer isto a ter de fazê-lo com as pessoas erradas” e, desta vez, foi ele que disse “não” a investidores.

Hoje, dez anos depois de Ross Bailey ter deixado a escola, a Appear Here soma cerca de 18 milhões de euros (21 milhões de dólares) em investimento, emprega 80 pessoas e contabiliza 150 marcas que recorreram à plataforma para arrendar espaços, incluindo a Nike, a Apple, a Marc Jacobs, a Google e a Converse. O modelo de negócio da startup passa pela fatia de 15% que é cobrada ao senhorio em cada reserva e sobre a faturação, não foram adiantados valores. Desde que foi lançada, a Appear Here ajudou a concretizar cinco mil contratos de arrendamento e expandiu-se para Nova Iorque e Paris. Lisboa ainda é só uma ideia, mas na conversa que teve com o Observador na Second Home, deixou claro, pelo menos, uma coisa: não há-de ser o medo que o vai impedir de fazer o que quer que seja.

“Deixei a escola aos 16 anos, sempre andei por aí a fazer coisas”

Como é que a Appear Here começou?
Foi no dia do Queen’s Diamond Jubilee, uma coisa antiquada que temos que serve para celebrar o reinado da rainha. Mas estava muito entusiasmado com este momento nacional. Estávamos no verão de 2012, Londres estava a ferver, com os Jogos Olímpicos quase a acontecer. Londres era o sítio onde se devia estar e achei que podia arrendar uma pequena loja, em Soho, só para esta semana, enquanto aconteciam as celebrações. Queria ter uma loja, não para vender as típicas recordações dos turistas, mas coisas mesmo fixes. Por isso, agarrei em imagens da rainha e pus-lhes alusões a David Bowie, o que fez com que ficassem mesmo fixes. E criei a marca Rock and Rule. Primeiro, achei que era possível arrendar a loja só por uma semana, mas descobri que era um pesadelo, que não era possível, que as lojas pop-up, na verdade, não existiam. Era um rapaz de 19, 20 anos na altura, não fazia sequer ideia que as licenças de longo prazo existiam. Achei que era possível reservar uma loja como se reserva um quarto de hotel. Era ingénuo a este ponto. Mas lá consegui convencer um homem a emprestar-me a sua loja por uma semana. Abri a loja, criei a marca e foi um sucesso tremendo. Alguns dias depois, foi banida pelo Buckingham Palace, o que significou que as pessoas ficaram ainda mais curiosas com a marca. Quando a loja fechou, de repente pensei: “Espera lá, criei estas t-shirts, vendi uma grande quantidade…”

Vendeu alguma online?
Não. Nós tentámos, mas não vendemos nada, vendemos todas na loja. E então pensei: “Espera lá um bocado, se não tivesse arrendado esta loja, não teria conseguido vender nada. Então, porque é que toda a gente está a dizer que as ruas estão a morrer e que há lojas vazias, se afinal ninguém consegue arrendá-las por um curto período?”. Isso foi a faísca da ideia, a ingenuidade começou a desaparecer para fazer alguma coisa por mim próprio.

"Não acho que haja um caminho certo e outro errado, não é isso. Só queria sair e fazer as coisas por mim próprio. Tive sorte, porque entrei num concurso televisivo."

Estava a trabalhar ou a estudar?
Deixei a escola aos 16 anos, sempre andei por aí a fazer coisas. Queria começar a trabalhar, tinha uma empresa de eventos e sentia que podia aprender mais… Não sei, acho que sentia apenas que precisava de sair e de fazer coisas, que não queria passar os próximos anos na universidade. Não acho que haja um caminho certo e outro errado, não é isso. Só queria sair e fazer as coisas por mim próprio. Tive sorte, porque entrei num concurso televisivo, o Dragons’ Den, e um dos tipos principais criou uma escola de negócios e escolheu 20 estudantes, entre milhares de candidaturas, para aprender sobre negócios, durante seis meses. Fiz isso durante seis meses e aprendi mais. Não tínhamos professores, éramos ensinados por pessoas do mundo dos negócios. E acho que decidi que queria fazer o mesmo. Uns anos mais tarde, estava a trabalhar em Londres e fui para uma escola de publicidade, que não era tradicional, também era com pessoas da indústria. E foi aí que decidi que ia abrir esta loja. No final, tive a ideia da Appear Here.

Fiz isto por mim próprio. Pensei: “Porque é que as outras pessoas não podem fazer isto?”. E percebi que não havia forma, quanto mais percebia sobre imobiliário, mais percebia que todo o sistema era antiquado, tinha passado de moda. No ano em que nasci, em 1992, a média dos contratos de arrendamento durava 20 anos, agora dura menos de cinco anos. A forma como arrendamos lojas não mudou, mas, ao mesmo tempo, o Airbnb e todos estes negócios começaram a aparecer. Então, e se pegássemos em toda a ideia do Airbnb e alugássemos uma loja vazia em vez de um quarto vazio? Acreditava que a Internet, tão maravilhosa como é e com o maravilhoso que era para nós estarmos a construir uma empresa tecnológica, nunca substituiria o que é andarmos pelas ruas, a beber cafés, olhar para pessoas bonitas e a ir a lojas bonitas. A razão para as lojas estarem vazias não se devia à falta de procura, mas ao modelo de imobiliário que tinha mudado. Passei cerca de um ano a tentar entender isto. E isso transformou-se na Appear Here.

É um negócio offline e é interessante ver como conseguiu transformar um negócio que se julgava morto num sucesso. Por que diz que era ingénuo?
Não fazia ideia que os contratos de arrendamento eram de cinco anos, de 10 anos. Procurava por lojas no Google e não aparecia nada. Andava pelas ruas e assumia que qualquer um podia arrendar as lojas, não sabia que era preciso comprometeres-te durante tanto tempo, ter tanto dinheiro no banco para o senhorio ter confiança em ti. Era esta a minha ingenuidade. Não conhecia ninguém no mercado imobiliário.

"Conheci centenas de investidores e tive centenas de 'não'. Mas depois houve alguém que disse: 'Ok, vou dar-te uma hipótese."

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“Tenho tentado que o medo não tome muitas decisões por mim”

Como conseguiu o “sim” dos investidores?
Conheci centenas de investidores e tive centenas de “não”. Mas depois houve alguém que disse: “Ok, vou dar-te uma hipótese”. Seis meses depois, assinámos esse investimento e logo depois houve uma série de investidores que quiseram envolver-se.

Qual foi o primeiro investimento?
Foi uma quantia muito pequena de um empreendedor em Londres. Agora, já captámos mais de 21 milhões e temos cerca de 150 mil marcas na plataforma. Arrendamos mais lojas do que qualquer outra agência em Londres e estamos em segundo em Paris e em Nova Iorque.

Emprega mais de 60 pessoas.
Mais. Globalmente somos cerca de oitenta.

Como foi este processo?
Durante uns dois anos, éramos só umas cinco ou seis pessoas. Depois, éramos 30 e agora… Quando passámos de cinco para 20 foi um grande salto. De 20 para 40, foi outro salto, mas tens de esquecer as coisas que aprendeste com essa equipa e começar de novo. É uma curva de constante aprendizagem, estamos constantemente a aprender sobre as coisas em que não somos tão bons e aquelas em que podemos trabalhar. E, ao mesmo tempo, mantém-se interessante porque estás sempre a aprender e a recomeçar.

De que é que tem tido medo?
Tenho tentado que o medo não tome muitas decisões por mim. Não tenho um medo muito grande de as coisas correrem mal, mas acho que tenho um medo fundamental de falhar, como qualquer outra pessoa. Mas não dos pequenos falhanços, porque acho que é preciso falhar para ter sucesso. O que te faz levantar de manhã e te permite continuar é quereres construir a visão que tens. Os meus maiores medos são provavelmente… Será que enquanto cresces, as pessoas vão preocupar-se como as primeiras se preocuparam? E há este medo também de as pessoas saírem e continuarem. À medida que cresces, percebes que toda a gente… Se constróis uma cultura, constróis uma marca dentro de uma missão e valores. As pessoas podem mudar e ser transeuntes e a marca continua na mesma.

Que valores escolheu para a Appear Here?
Nós somos obcecados com a qualidade e design. Achamos que sermos bons não é suficiente, queremos criar coisas que façam as pessoas dizer “uau”. Enquanto negócio, também acreditamos muito na ideia, as ideias que temos internamente e as ideia que tornamos realidade. Somos obcecados com a jornada que qualquer indivíduo tem de fazer, quer trabalhes numa grande marca, quer sejas uma pessoa pequena que está a criar o seu negócio. Queremos fazer tudo o que podemos internamente para ajudar as pessoas a realizarem as suas ideias. Um dos nossos grandes valores também é é “não estarmos com tretas”. O que queremos dizer com isto é que gostamos de pessoas que são honestas, francas, que não tentam sobrecomplicar as coisas. Acreditamos que, se fores bom no que fazes, podes fazê-lo de forma simples. E, normalmente, quando é complexo para ti, é porque vai ser complexo para as outras pessoas. Gostamos de pessoas que são francas e honestas.

O que é que gostava de ter feito diferente?
Acho que cometi vários erros na contratação de pessoas. A equipa é a coisa mais importante. Sempre acreditei em construir uma cultura incrível, mas acho que houve algumas decisões em relação a pessoas na equipa que não correram bem. Demorei muito tempo a tentar que elas funcionassem, mas a verdade é que o instinto está sempre certo e as pessoas que não resultaram, soube desde a primeira semana que elas não iam resultar e gostava de ter tomado essas decisões mais cedo. Para mim, e para o indivíduo, porque só temos uma vida para viver, certo? Acho que, às vezes, muitas vezes, está lá a ideia, está lá o plano de execução, mas temos as pessoas erradas nos lugares errados.

Como lidou com o medo de falhar?
É engraçado, sou uma daquelas pessoas… Não sei se isto é uma coisa natural ou algo que desenvolvi, mas sou muito mau a olhar para trás e a pensar no falhanço. Acontece assim: alguém pergunta-me “lembras-te quando isto aconteceu?” e eu vou estar do tipo… Não digo isto, porque acho que seja a coisa certa a fazer, digo isto porque é o que me acontece a nível pessoal e profissional. No momento, as coisas podem estar na mó de baixo ou de cima, mas quando olho para trás, sou daquelas pessoas que se lembra das coisas com vividos detalhes, mas que nem sempre se lembra das coisas más. E acho que isso nos permite continuar. O que não podes fazer é deixar o falhanço, deves abraçá-lo sem medo. Se precisas de ser emocional em relação a isso, tudo bem. Mas depois segue em frente. Acho que muitas pessoas passam muito tempo a olhar para trás. Se alguém estiver numa reunião comigo ou numa situação em que falham e ficam tristes ou chateados, não as julgo muito naquele momento. Acho que deves deixar sentir o que estás a sentir. Se falhares, segue em frente. Aprende, segue em frente, porque todos nós passamos por situações que são más. O medo acontece quando olhas para trás. O que precisas de lembrar é que, se foste capaz de olhar para trás, então percebes que passaste por aquilo e que seguiste em frente.

"Acho que o sucesso depende de muitos fatores. Mas acho que o falhanço depende, sem dúvida, das pessoas, porque o sucesso precisa de uma grande ideia, de um grande plano, de dinheiro, tudo isso. Mas podes ter dinheiro e uma grande ideia, que, se tiveres a equipa errada, não vai acontecer."

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“Preferia nem sequer fazer isto a ter de fazê-lo com as pessoas erradas”

Começou com pouco dinheiro, mas depois chegou a grandes nomes do investimento. Como conseguiu convencê-los?
Conseguir dinheiro de alguém não é difícil, mas consegui-lo de pessoas que partilham dos teus valores, da tua visão, de alguém que respeitas, é diferente. Fomos seletivos nas pessoas com quem decidimos fazer isto. Houve vezes em que dissemos “não”, porque não gostávamos das pessoas. E as pessoas ficaram do tipo “o que estás a fazer?”. Houve uma vez em que tivemos uma pessoa que queria investir em nós, mas quando estávamos a tratar do contrato, percebi que não era muito boa pessoa. Aí, disse que já não íamos avançar. Com o decorrer do tempo, as pessoas diziam-nos: “Vocês são uma startup com cinco pessoas e têm quatro meses de dinheiro. O que é que vão fazer? Porque é que disseram que não?” e eu lembro-me que preferia nem sequer fazer isto a ter de fazê-lo com as pessoas erradas.

O que são “pessoas erradas”?
Pessoalmente, acredito que todas as coisas positivas têm um lado negativo. Se tiver pessoas ambiciosas, que avançam depressa e são criativas, há coisas que vou adorar nelas. O lado negativo é que, provavelmente, vão ser exigentes e que não conseguem manter-se quietos. Todo o lado positivo tem um lado negativo. Aquilo que não gosto é mesmo de pessoas desonestas e desleais, acho que são a minha obsessão. Aquilo que mais respeito nas pessoas é a transparência. Prefiro alguém que não seja simpático comigo ou que discorde comigo do que pessoas que concordam comigo, mas que não são completamente honestas.

A chave para o sucesso está nas pessoas, então?
Acho que o sucesso depende de muitos fatores. Mas acho que o falhanço depende, sem dúvida, das pessoas, porque o sucesso precisa de uma grande ideia, de um grande plano, de dinheiro, tudo isso. Mas podes ter dinheiro e uma grande ideia, que, se tiveres a equipa errada, não vai acontecer, vais precisar destas coisas para colidir. Mas se não tiveres dinheiro, uma grande ideia ou execução, mas tiveres pessoas fantásticas que podem trabalhar juntas, então vais conseguir algo com sucesso. O problema são as pessoas. Se nos maus momentos tiveres uma equipa em que podes confiar, então vais ter sucesso. Isto acontece com a equipa e com os investidores.

Quem é que o inspira? Quem é que é um exemplo a seguir?
Tenho pessoas que me inspiram para coisas diferentes… Parece incrivelmente arrogante dizer isto em voz alta, mas muitas vezes, quando penso no futuro, penso em quem quero ser. E acho que quando pensas nesse teu eu, quando tomas uma má decisão, te perguntas se é essa a pessoa que eu queres ser quando fores mais velho. Acho que os exemplos das pessoas deviam ser as pessoas que elas querem ser daqui a 20 ou a 30 anos.

Em termos de pessoas hoje, sou obcecado com o Tom Ford. Acho que ele é incrível. Recusa-se a não estar no controlo das coisas, tudo aquilo em que ele toca é tão bonito. Vendeu as suas empresas  por mil milhões e depois criou a sua própria marca, conseguiu outra vez. Respeito mesmo muito uma pessoa como ele. Por outro lado, também adoro o Richard Curtis, o realizador britânico, porque ele é um tremendo sucesso e conseguiu gerar quase dois mil milhões de libras para a caridade. Consegues ver que essa é uma das coisas que ele mais se orgulha e ele fez isso através de uma campanha maravilhosa, que tocou às pessoas, e não de doações.

Acho que alguém como o Obama é um grande exemplo, porque quando olhamos para a maioria dos políticos, muitas vezes vemos que eles tomam más decisões e sei que Obama também as tomou, mas foi um fantástico orador que, mesmo nas más decisões, conseguiu explicar o que genuinamente achava e tinha valores que não comprometia.

O que pensa sobre todas estas notícias que têm denunciado a broculture [cultura predominante masculina] de Silicon Valley e a agressividade de alguns líderes de empresas tecnológicas?
Há duas coisas aqui. Sobre estes líderes agressivos, acho que temos de ter cuidado. Quer estejamos a falar de Steve Jobs, Walt Disney ou de Tom Ford. Todas estas pessoas têm reputação de, às vezes, perderem a calma ou de ficarem frustrados. E a verdade é que voltamos àquela crença fundamental de que todo o positivo tem um negativo. Se és alguém incrivelmente focado, respeitas as pessoas e queres ver as pessoas a terem sucesso então se vês pessoas e vês essas pessoas a não desempenharem as suas funções tão bem quanto poderiam estar, então vais ficar frustrado. E, aí, podes dizer que algumas pessoas conseguem fazer isto sem se sentirem frustrados, o que é bom para elas, mas as outras pessoas chateiam-se.

Quero trabalhar com pessoas que têm paixão e se há alguém que está numa sala de reuniões, a gritar comigo por causa daquilo em que acredita, desde que esteja pronto para ter alguém a discordar dela, não vou querer trocar isso por alguém que se senta lá e se comporta perfeitamente. A vida seria chata e gosto de sentir e testemunhar emoções reais, em vez de reações passivas de como as pessoas se devem comportar. Por outro lado, há agressões que não têm lugar em lado nenhum. Quando ouves notícias como as que causaram o movimento #metoo, essas coisas não podem acontecer a ninguém e ficam numa caixa completamente diferente.

"Se és agressivo porque acreditas na tua visão, como acontecia com Steve Jobs... Agora, se ele podia ter sido uma pessoa melhor? Claro que podia, mas o não o julgo como quando ouço histórias de pessoas que fizeram escolhas puramente baseadas na ganância."

Quero trabalhar com criativos e as pessoas criativas têm estas tendências. Não vamos tentar mudar isso, mas vamos assegurar-nos que toda a gente trata toda a gente como se trata a si próprio. Não gosto da agressividade de quem faz alguma coisa apenas por si. Dessa agressividade, não gosto. Mas se és agressivo porque acreditas na tua visão, como acontecia com Steve Jobs… Agora, se ele podia ter sido uma pessoa melhor? Claro que podia, mas o não o julgo como quando ouço histórias de pessoas que fizeram escolhas puramente baseadas na ganância.

Em termos da broculture, é preciso ter cuidado, sobretudo em Silicon Valley. A maioria das empresas não tem diversidade suficiente, não vemos mulheres suficientes e raramente vemos alguém de cor ou com uma etnia diferente. Acho que todos nós precisamos de nos perguntar a nós próprios que tipo de mundo é este em que vivemos. Como presidente de uma empresa tens capacidade de influenciar isto ao decidires que empresa queres construir. Quando olhamos para a sala, dizemos que estas pessoas têm todas backgrounds diferentes, raças, todos acreditam numa coisa partilhada. E acho que há muitas pessoas no vale da tecnologia que falam muito liberalmente de como estas coisas que estão a fazer mudam o mundo. E, ainda assim, entram no escritório deles e vê-se uma série de posters brancos. Seria bom ver isso misturado um bocadinho.

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“Estou a chegar a um ponto em que não tenho tempo suficiente”

Onde é que gostava de estar daqui a cinco anos?
Passei tanto tempo em tantas empresas tecnológicas. Tive a sorte de ir aos escritórios do Airbnb e de conhecer o Brian [nte do Airbnb], ele é mesmo muito focado na sua missão e acredita verdadeiramente que o Airbnb pode tornar o mundo melhor. Há uma energia tão amorosa no escritório que, se fosse capaz de entrar no nosso escritório e ele fosse diferente, mas tivesse estas pessoas todas a acreditar na missão com uma energia tão incrível, isso seria um futuro excitante.

"Não gosto de estar em situações em que as pessoas falam sobre pessoas, sempre gostei de pessoas que falavam sobre ideias e sempre quis encontrar uma forma de estar rodeado de pessoas."

Qual seria a exit (saída da esfera dos acionistas) perfeita para a Appear Here?
Não penso nisso muitas vezes, porque o que me deixa mais entusiasmado é o dia em que conseguir sair de um avião, chegar aqui a Lisboa, descer as ruas que desci hoje, ver boutiques pequenas completamente maravilhosas e saber que elas estão aqui por causa da Appear Here. Ou ver um parisiense que tem um café aqui na cidade, porque adorou fazer isso acontecer em Paris e decidiu fazer o mesmo em Lisboa. E adoraria aterrar em Paris e ver o mesmo. E em Marrocos. Nessa altura, essa seria a minha saída perfeita.

Podemos ver a Appear Here em Portugal, em breve?
Adoraria. Hoje, andei na rua e vi que havia tanto potencial. Vocês têm uma arquitetura linda, com pessoas muito criativas. Acho que há sítios maravilhosos para serem visitados, mas que podem existir tantos mais. Adoraria ver isto.

Quais vão ser os próximos passos?
Acho que o retalho está muito aborrecido, de momento e que está a caminhar para um sítio muito estranho. Acho que gostaria que a Appear Here fosse pivô nessa mudança. Quero que façamos parte de alguns dos destinos mais incríveis do mundo e agora é nosso trabalho descobrir como vamos consegui-lo.

Foi sempre isto que quis fazer?
Nunca tive um trabalho por conta de outrem. Sempre trabalhei e sempre pensei em ideias, desde que era miúdo… Fui DJ, trabalhei a passear cães ou tinha amigos que passeavam cães. E acho que sempre soube que queria construir coisas, que me aborrecia muito facilmente e que queria ter os meus amigos envolvidos. Sou um bocado competitivo, por isso, sempre quis ser maior e melhor no dia a seguir e foi sempre essa a única razão que me levou a fazer isto. A minha mãe é da Jamaica, o meu pai é de Londres e eles têm um pequeno cabeleireiro, são de uma classe muito trabalhadora e eu só queria ser capaz de viajar e trabalhar com pessoas maravilhosas. Não gosto de estar em situações em que as pessoas falam sobre pessoas, sempre gostei de pessoas que falavam sobre ideias e sempre quis encontrar uma forma de estar rodeado de pessoas.

"Há muitas pessoas a esperar muito tempo para terem o plano perfeito, mas a verdade é que não interessa qual é o plano. Percebes que as melhores lições são aquelas que aprendes enquanto as fazes."

Quando disse em casa que queria desistir da escola, como é que os seus pais reagiram?
Tive muita sorte. O meu pai e a minha mãe são duas das pessoas que mais me apoiaram, não interessava o que fazia, desde que estivesse feliz e o fizesse bem. Se eu fizesse o meu trabalho, desde que o fizesse bem, trabalhasse muito e o apreciasse, acho que eles ficavam felizes.

Tem 26 anos, lidera 80 pessoas. O que é que é mais difícil?
Como testemunhaste, ter tempo suficiente para toda a gente. Preciso de ser melhor… estou a chegar a um ponto em que não tenho tempo suficiente. Acho que tudo se trata de tempo.

Que conselhos dá aos empreendedores portugueses?
Ainda estou no início do meu caminho, mas a melhor lição que posso dar é a de que nunca façam uma coisa apenas para receber uma palmada nas costas. Porque quando lideras uma empresa, nos dias em que ganhas uma coisa, nos teus melhores dias e nos teus piores dias, não podes esperar que alguém te diga que fizeste um bom trabalho, porque quando o fazes, fazes por causa da equipa e quando não o fazes, recai em ti de qualquer forma. Não faças as coisas para receberes uma palmada nas costas. Depois, há muitas pessoas a esperar muito tempo para terem o plano perfeito, mas a verdade é que não interessa qual é o plano. Percebes que as melhores lições são aquelas que aprendes enquanto as fazes. A terceira coisa é que não vale a pena complicar as coisas. Há muitas pessoas para quem tudo é complexo, todos os negócios são complexos. As pessoas que mais respeito e admiro construíram negócios incríveis e têm esta capacidade de fazer as coisas de uma forma tão simples. Às vezes, é uma coisa estupidamente simples. E depois há esta obsessão com o cliente e acho que se há esta obsessão, então tens de fazer as coisas de uma forma muito simples. Não o faças para receber uma palmada nas costas, faz porque acreditas nelas e mantém-nas simples.

Texto de Ana Pimentel, fotografia de André Carrilho.

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Já murchaste uma as versões, pá / Fico contente

Novo artigo em BLASFÉMIAS


por Sérgio Barreto Costa

chico

Chico Buarque, o homem que eu gostaria de ser e que a minha mulher, as minhas amigas, as minhas vizinhas, as minhas colegas de trabalho e todas as restantes senhoras com quem me cruzo no dia-a-dia gostariam que eu fosse, está em Portugal. Não tendo conseguido arranjar bilhetes para os concertos, tive de me socorrer de outros meios para esclarecer a “questão essencial”: afinal, qual das versões de “Tanto Mar” foi oferecida ao Coliseu do Porto? A primeira, que até Jaime Nogueira Pinto deve trautear no banho quando está distraído? Ou a segunda, que os esquerdistas mais duros cantam a plenos pulmões em estado de atenção plena?

Comecemos por relembrar a história: após o 25 de Abril, Chico Buarque compõe uma pequena (em duração) e lindíssima (não sabe fazer outras) música a homenagear a festa da liberdade em que Portugal estava mergulhado, realçando a diferença entre a primavera democrática que nos tinha atingido e a doença ditatorial que continuava a assolar o Brasil; em 1978, vendo que a deriva bolchevique iniciada em 1975 tinha sido interrompida pelo 25 de Novembro, sente-se obrigado (palavras do próprio) a alterar a letra, passando a referir a festa como um acontecimento do passado que alguém tinha tratado de estragar. Chico ainda mantém algumas esperanças revolucionárias (“… certamente / esqueceram uma semente / nalgum canto do jardim”), mas o verso “já murcharam tua festa, pá” revela bem o desgosto presente nesta segunda versão.

Felizmente, de acordo com os relatos do concerto do Porto, o artista brasileiro reconciliou-se com a normalidade democrática do nosso país e percebeu que murchar certas festas é a atitude mais correcta. Tal como vemos nos filmes sobre adolescentes, a chegada da polícia à festa caseira que se desenrola durante a ausência dos progenitores pode salvar muita louça e, no limite, a própria casa. E quem diz polícia diz as tropas de Jaime Neves e de Ramalho Eanes.

Sim, Chico Buarque cantou aos portuenses a primeira versão de “Tanto Mar”. E eu, fazendo minhas as palavras da canção, fico contente.

Esto no es una geringonça

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 04/06/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

Não há qualquer debate sobre a legitimidade constitucional para Pedro Sánchez formar um Governo em Espanha com o apoio expresso de 84 deputados em 350. Em sistemas parlamentares basta que a maioria dos deputados não inviabilize uma solução para ela ser legítima. Porque é na maioria dos deputados, que representa a maioria dos eleitores, que repousa legitimidade do Governo. Também Rajoy governou estes últimos anos sem o apoio expresso da maioria do Parlamento (e, por isso, sem a maioria do país) e isso não foi considerado um problema. Um partido ser menos minoritário do que outro não lhe dá mais legitimidade para governar. O que conta é o que passa e não passa no Parlamento.

Já tivemos esse debate por cá: uma eleição legislativa não é uma corrida para ver quem fica à frente, até porque isso depende da dispersão de partidos e de votos (em Portugal, a liderança da direita resultava de uma coligação), é uma forma de escolhermos deputados que formam ou não maiorias. Um Governo liderado pelo partido mais votado que conta com a oposição da maioria do Parlamento não é mais legitimo que um Governo liderado pelo segundo partido mais votado que conta com o apoio da maioria do Parlamento. É menos legítimo. E a verdade é que Pedro Sánchez tem a maioria que agora faltou a Rajoy.

Também deixo claro que não lamento nem por um segundo a partida de Mariano Rajoy, um líder complacente com a corrupção, autoritário (como se tem visto na gestão da questão catalã) e responsável por uma das maiores crises sociais que a Espanha já conheceu. Se há quem possa ser responsabilizado pela implosão do sistema político do Estado espanhol e pelo perigo de desintegração que enfrenta ele é Mariano Rajoy, o pior presidente de Governo que a democracia espanhola já conheceu. Mas isto não chega para fazer uma análise política.

Tem havido, por cá e até em Espanha, muitas comparações entre o novo Governo de Pedro Sánchez, a que a direita chamou de Frankenstein, e o de António Costa, a que a direita chamou de geringonça. Apesar das aparências, o paralelismo é forçado. A primeira diferença é que um nasceu logo a seguir às eleições, depois do chumbo da solução apresentada por Passos Coelho, outro surge dois anos depois. Se Sánchez tivesse conseguido, como tentou, chegar a um acordo de Governo com o Podemos e os nacionalistas para formar um Governo maioritário logo em 2016, tudo seria diferente. Mas não teve poder interno para o fazer e foi afastado da liderança pelos barões do partido, regressando em 2017 pelo voto dos militantes.

A diferença entre os dois casos não é de legitimidade constitucional ou política, é do significado desta chegada ao poder. Quando Costa se propôs formar Governo fê-lo em nome de programa político para quatro anos. Para isso, teve de assinar acordos com os partidos à sua esquerda. Havia um propósito que dizia respeito à maioria dos portugueses que votou naqueles três partidos: reverter as medidas de Passos Coelho e da troika. Ou seja, aquela maioria parlamentar foi construída em nome de um objetivo político.

Nada disto acontece com Pedro Sánchez. Tendo falhado a construção desta maioria parlamentar em 2016, ela surge agora como requentada. Não há, ao contrário de Portugal, qualquer acordo com os partidos que acabaram por viabilizar esta solução. E, por isso, não há qualquer proposta política que a ela possa ser associada.

O Governo Frankenstein é uma versão muito empobrecida do Governo da geringonça que já foi, ele próprio, um produto frágil. E é por isso que a geringonça se propôs governar por quatro anos e pelo menos reverter o que a direita tinha feito, enquanto o Frankenstein não deseja mais do que preparar a campanha eleitoral do PSOE e governará com o orçamento de Rajoy. As coisas serem feitas só em nome do poder ou também em nome da política faz toda a diferença.