Alvo de uma advertência, o presidente do PSD é o primeiro líder social-democrata alvo de uma sanção pelo Conselho de Jurisdição Nacional do seu próprio partido.
Não vem ao caso o facto de o PSD desconfiar da democracia representativa e desprezar a liberdade de consciência dos seus deputados na legalização da eutanásia, exigindo um referendo para sufragar direitos individuais.
A verdade é que este PSD afrontou o líder que representou, depois de Passos Coelho, a esperança que Marcelo levou a Belém depois do negro consulado cavaquista.
Bastavam os erros próprios e as traições internas para tornar Rui Rio um líder cauto e diferente, capaz de selecionar melhor os colaboradores e de não se comprometer com a extrema-direita.
O MEL é o albergue espanhol onde se reúne a pior direita com a direita tradicional e os seus acólitos liberais do PS, Luís Amado e Sérgio Sousa Pinto, o último numa frenética viagem onde renega o passado à espera de futuro.
Rui Rio, em termos políticos, foi infeliz na normalização do partido fascista nos Açores, e reincidiu no eufórico regozijo do que considerou a vitória contra o PCP pelo seu maior adversário, independentemente de qualquer sucessor não o enjeitar como muleta.
Quando uma sentença exemplar da juíza que transformou a imagem do líder fascista, de herói dos salazaristas em delinquente, Rio, com a sua presença, deu palco ao adversário que lhe leva os eleitores.
É um erro de que não mais recuperará. Na reunião do MEL até o ora catedrático, Passos Coelho, mereceu maior atenção mediática e foram mais sonoras as críticas que o líder fascista, o do CDS e o da IL lhe dirigiram do que o eco da sua comunicação. Deveria ter isolado a extrema-direita e não o fez. Foi a oportunidade perdida de quem, no passado, provou ter coragem.
Depois de o PR, na pele de comentador de largo espetro, se ter referido ao líder do PSD que emergir das eleições autárquicas, de um bando de alegados independentes, o irmão do PR incluído, ter dado o apoio que lhe negam ao candidato à Câmara de Lisboa, Rio sairá da liderança sem ter reconduzido o PSD à herança de Sá Carneiro nem higienizado o espaço da direita democrática.
«O título do PÚBLICO, na sua secura jornalística, dizia tudo: “Jornalista bielorrusso detido após desvio de avião para Minsk, Europa pede explicações.”
Explicações para quê? Um avião de uma companhia com sede na União Europeia, a Ryanair, parte de uma capital da UE, Atenas, para aterrar noutra capital da UE, Vilnius, na Lituânia. A bordo vai Roman Protasevich, um jovem de 26 anos que fundou um canal de notícias dedicado a apoiar o movimento pró-democracia no seu país, a Bielorrússia — cujo espaço aéreo o avião da Ryanair estava a sobrevoar quando foi intercetado por um caça das Forças Aéreas da Bielorrússia e forçado a aterrar em Minsk, capital da Bielorrússia, sob o pretexto de um falso alarme de bomba. A operação tem todas as marcas da polícia política da Bielorrússia, que ainda tem as iniciais KGB, e com toda a probabilidade terá sido ordenada diretamente pelo ditador Alexander Lukashenko. À hora a que escrevo esta crónica, a informação é a de que o avião aterrou finalmente em Vilnius — mas sem Roman Protasevich a bordo. O jovem ativista irá provavelmente ser sujeito a tortura, como foram milhares de outros bielorrussos nos últimos meses, e depois será “julgado” pelos “crimes” de terrorismo e traição, que podem levar à pena de morte, se sobreviver à detenção.
Temos, portanto, um ato de terrorismo e pirataria de Estado, com o sequestro de um cidadão que confiou na segurança dos transportes sob jurisdição da UE. Não há aqui nada que precise de ser explicado. O que há é um ato de uma ilegalidade clara que precisa de ser revertido, sob pena de sanções imediatas. Esta é a escala de instrumentos diplomáticos, legais e políticos a serem usados gradualmente até uma situação destas estar resolvida: chamada de todos os embaixadores da UE às suas capitais; alargamento da lista de sanções económicas a Lukashenko e aos seus aliados, que ainda não voltaram a ter as suas contas bancárias congeladas; início de procedimentos criminais contra Lukashenko, os seus aliados e os agentes da KGB em tribunais europeus; emissão de mandados de captura internacionais; bloqueio do sistema de transferências interbancárias SWIFT, que está sob jurisdição da UE, e que deixaria o governo bielorrusso fora das redes financeiras internacionais; e por aí adiante, até à retirada do reconhecimento formal de Lukashenko como presidente da Bielorrússia. Tudo isso poderia ser decidido já hoje, na reunião do Conselho Europeu que terá início em Bruxelas.
Mas Lukashenko pode dormir descansado. Da reunião do Conselho Europeu pode até nem sair um comunicado conjunto, mesmo quando Roman Protasevich pode estar já a ser torturado ou ter a sua vida em perigo iminente. Tal como na semana passada não saiu um comunicado conjunto da reunião de ministros de Negócios Estrangeiros da UE, quando dezenas de palestinianos morriam sob os bombardeamentos do Exército israelita. E pela mesma razão: porque as reuniões do Conselho têm infiltrado um cavalo de Tróia que é mais aliado de Putin, Lukashenko e qualquer ditador do que da própria UE de que faz parte. Foi Viktor Orbán da Hungria que vetou o comunicado da semana passada; é Viktor Orbán da Hungria que, se não puder vetar, diluirá em muito a reação da UE ao que se passou ontem com o voo Atenas-Vilnius; é Viktor Orbán da Hungria que está agora a ameaçar vetar até a renovação do acordo internacional da UE com mais de oitenta países da África, Caraíbas e Pacífico, sem qualquer interesse nacional evidente que não seja bloquear a Europa para beneficiar a China. Os outros governos no Conselho mimaram Orbán durante anos, fecharam os olhos à sua deriva autoritária e à sua ostensiva corrupção, e agora não se podem queixar. Não foi por falta de terem sido avisados.
Assim, sem a necessária unanimidade para tomar decisões de política externa com impacto real em casos destes, a diplomacia da União Europeia fica reduzida a tweets e posts censurando os acontecimentos. É uma diplomacia de redes sociais, e nem nisso é competente: ainda ontem a comissária europeia com a pasta dos Transportes, a romena Adina Valean, publicou um tweet regozijando-se pela “grande notícia para toda a gente” que era o avião ter levantado de novo voo para Vilnius — sem sequer se lembrar que para Roman Protasevich e as outras cinco pessoas, aparentemente incluindo a sua namorada, sequestradas em Minsk as notícias podem ser consideradas tudo menos boas.
O problema é que os ditadores não ligam a diplomacia de tweets — e até falam com Orbán diretamente. Sabem que a UE está bloqueada, e agem em conformidade. E se, por uma vez, o Conselho Europeu agisse também — dando seguimento ao artigo 7.º contra o governo húngaro pelas suas violações do Estado de direito democrático? Aí está a mensagem mais forte que poderia ser ouvida não só em Budapeste, mas em Minsk e Moscovo também. Nem seriam precisas explicações.»
Há mais de cento e cinquenta anos os estudantes que frequentavam a Universidade de Coimbra consideravam-se bafejados pela sorte, pois julgavam habitar um dos mais perfeitos lugares da terra. É certo que esta lenda dourada foi laboriosamente preparada para glória de uma geração: a famosa e sempre recordada “Geração de 70”.
Chegaram à cidade do Mondego, em chusma, Antero de Quental, Teófilo Braga, Manuel de Arriaga, João Penha, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, Alberto Sampaio, Vieira de Castro e muitos outros breves talentos, que a memória dos homens guardou menos bem. De Antero, celebraram-se então os olhos muito azuis, sob uma testa curta e logo interrompida por uma cabeleira revolta, crespa e insolitamente acobreada; e bem assim o porte donairoso, de efebo cismático; e também a índole provocatória, a baforar filosofemas, quando, escarranchado na janela do quarto, interpelava, qual Oráculo novo, algum académico transeunte, pasmado e incréu, falando-lhe em Manu, e no caudal da eterna Substância, e nos poemas dos Vedas, e em mais mil coisas de um saber iniciático, perfumadamente envolto nas leituras de Hegel, Vico, Schlegel e Michelet.
De Teófilo ficou famosa a labuta incansável de formiga erudita; e também o pendor para um aforro judaico, só desculpável devido à magreza das choradas libras que o pai lhe enviava de Ponta Delgada; e a orgulhosa luta por um lugar ao sol na praça dos literatos, conquistado através do rombo de insultos tonitruantes de que foi alvo o velho António Feliciano de Castilho, patriarca de versos em desuso e alcoviteiro de reputações duvidosas.
De Manuel de Arriaga foram referidos os arroubos místico-naturalistas, como se nele pudesse ecoar e fazer-se Verbo a visão purificada de um acabado e incorrupto Homem Novo, sem mácula, de uma excelência cristalina e perene.
E João Penha? As velhas tascas da Alta e da Baixa de Coimbra guardaram-lhe os versos e a verve, no entrançado de uma indiscernível amálgama. Conhecem a troça de Coimbra, tal como foi praticada por gerações sucessivas de estudantes e futricas? Eu conto. Imaginemos um fio de conversa que flui entre dois tagarelas com a naturalidade das alusões e dos desabafos ocasionais; conversa aparentemente sisuda, bem comportada, quase reverencial; de súbito, uma das partes, sem aviso prévio, inflecte para uma observação brejeira, para um dito de inesperada comicidade, para uma lateralização verbal de desfrute, mantendo, contudo, a mesma compostura de maneiras e o mesmo tom sério de voz. A troça coimbrã é (era?) isto. E não estamos a perder de vista o boémio João Penha, a espadanar versos por cada botequim, a reverberar espírito em cada magote de comparsas, a comprovar talento nas linhas dos sonetos. Muitos dos sonetos de Penha eram a deslocação da troça para o âmago da Arte, ou seja, era a troça coimbrã posta em versos. A composição explanava-se com a ática sonoridade do paradigma clássico, num crescendo de perfeição e de maravilhamento. Subitamente, no remate do último terceto, eis que se misturam as perfeições da amada com os olores boémios… dos paios de Chaves, dos carrascões acidulados ou das alheiras de Mirandela!
Com Penha coabitou um rapaz desengonçado e muito lido em autores franceses, ave nocturna, escanzelada e discreta, que a vizinhança da Couraça de Lisboa murmurava ter talento dramático, a avaliar pelo desempenho de “pai nobre”, na representação que o Teatro Académico encenara, sobre a peça alusiva ao poeta Garção, escrevinhada por Teófilo Braga. Era um moço que admirava o ascendente de Penha no bordado da palavra poética, na inesgotável demanda de vinhos de estalo e até no adorno aristocrático de um monóculo inquiridor. Esse rapaz, que mais tarde se haveria também de converter à distinção do monóculo, chamava-se José Maria Eça de Queirós. Havia quem o tivesse visto à roda de um prato de arroz doce no Paço do Conde, ou medindo-se com uma terrina de sável e sardinha frita, na Tasca das Camelas. Era apenas mais um, entre cerca de dois milhares de estudantes, e pouca gente daria pelo seu futuro vinte réis de aposta.
Bom gastrónomo teria sido também um tal Abílio Guerra Junqueiro. Descera da região transmontana, para subir, em Coimbra, a “colina sagrada”, solenemente coroada pelo Paço das Escolas. Olhos muito vivos, opiniões políticas radicais, já então denunciadoras de alguma férula anticlerical, apreciador de moçoilas escarquejadas, fossem tricanas ou filhas de doutores de capelo, Junqueiro cobiçou o primado artístico de Penha e emulou-se com a sua hegemonia na sociedade académica do tempo. Um dia, acabaram por se encontrar num botequim. Mediram-se e desafiaram-se, não a soco e empurrão, mas a estrofe, a terceto, a quadra. Coimbra era capoeira demasiado pequena para estes dois galos da palavra primorosa. Findo o recontro, escorrendo ambos por todos os poros, a baba dos motejos implacáveis, deram-se às boas, concluíram pelo empate e apertaram-se as mãos.
Coimbra era assim. Ao grupo de Antero de Quental pertenceram também José Sampaio e Alberto Sampaio. Os Sampaio convenceram Antero da necessidade de se formar uma sociedade secreta, no seio da estudantada, para derrubar a alegada tirania reitoral de Basílio Pinto, que lhes rateava a intenção de modernizar o traje académico e os proibia de esfumaçar no Pátio e nos Gerais. Foi assim que se organizou a “Sociedade do Raio”. Esta, num memorável 8 de Dezembro de 1862, conseguiu evacuar a Sala dos Capelos, no interior da qual a sua presença era largamente maioritária, por ocasião de uma festividade académica, deixando o miserando reitor Pinto a falar somente para a galeria dos reis lusitanos, pendentes e pindéricos das paredes, em forma de retratos pintados.
Já neste tempo a Coimbra académica se dividia em sensibilidades e parcialidades políticas. Se Antero de Quental, e os Sampaio, e Germano Meireles, e tantos mais, eram vanguardistas, sacrificando exortações e prédicas a um amanhã diferente, sofrendo pela escravização da Polónia às mãos da Rússia e contestando a desenfreada exploração da Irlanda pela Inglaterra, alguns outros tomavam voz pela conservação social. O chefe de fila dos estudantes conservadores era Vieira de Castro, um sibarita de impecável presença, palavra fácil e ambição ilimitada. Era presença habitual nos lupanares conimbricenses e um dia fez chorar uma infeliz meretriz, dado o excesso e o abuso dos seus gestos e palavras. Antero de Quental não lhe haveria de perdoar a crueldade, publicando na imprensa a peça poética “Ermelinda”, onde Vieira de Castro sofreu tratos de polé. Talvez por isso, o grupo conservador que lhe era afeiçoado passou a tratar os amigos de Antero sob o epíteto de “os do Raio”, obrigando estes a designarem-nos por “os da Sopa” ou “os Sopas”, por se calcular que todos eles iriam acabar por comer na tigela do orçamento governamental, quando, um dia, fossem chamados aos rendosos lugares de deputados ou de ministros.
Às vezes, movo-me por esta amada Coimbra como se fosse um fantasma à procura de outros fantasmas que por ela passaram. E nunca fui frustrado no desejo de colher em memórias pretéritas, nem que fosse por um brevíssimo instante, o fulgor da mocidade perdida, que também um dia rutilou em mim.
(Esta história dá que pensar. Enquanto milhões de seres humanos sonham sair da miséria, outros por muito que doem da sua fortuna, não conseguem deixar de ficar ainda mais ricos. É estranho mas é, na verdade, o sistema económico que temos, é o capitalismo a funcionar em todo o seu esplendor e em todo o seu absurdo.
Estátua de Sal, 24/05/2021)
A terceira mulher mais rica do mundo comprometeu-se a doar a fortuna em vida, mas a fonte dos seus milhões, a Amazon, complicou-lhe a vida.
Pormenores íntimos chegavam a conta-gotas às capas das revistas cor de rosa. A estrela de Hollywood, vencedora de um Óscar, não entendia como.
De forma furtiva, ao longo de anos, o próprio pai lucrara com a fama da filha. Quando se apercebe da sua traição, Jessica parte de Los Angeles com destino a Las Vegas para confrontá-lo.
Durante a viagem de carro, da costa do Pacífico ao deserto do Nevada, cruza-se com três mulheres distintas, que, tal como ela, atravessam momentos de crise.
Dana é uma guarda-costas perita em operações especiais, capaz de desativar bombas e efetuar cirurgias de emergência, mas que treme sempre que pensa em casar com o homem que ama. Vivian tenta proteger os seus gémeos recém-nascidos de um velho namorado abusador, herança de um passado como prostituta. Lynn luta contra o alcoolismo.
Ao longo de quatro dias, as mulheres refletem sobre o que as preocupa, o que as deixa tolhidas, retorcidas como uma nota de um dólar, queixando-se da má sorte e dos erros ao longo do tempo.
Apercebem-se depois de que todas aquelas “armadilhas da vida”, como lhes chamam, são os momentos de maior apreço. No fundo, não os trocariam por nada.
“O que não me mata torna-me mais forte”, repetem, transformando o aforismo de Friedrich Nietzsche sobre a capacidade de resistência à adversidade numa máxima do poder feminino.
Este enredo paradoxal serve de base para o segundo livro de MacKenzie Scott, “Traps”, publicado em 2013, altura em que a escritora ainda assinava MacKenzie Bezos. Ex-mulher do homem mais rico do mundo, Jeff Bezos, também ela saiu da sombra de alguém que viu a vida privada exposta nas páginas de um tabloide, o “The News of the World”.
O caso extraconjugal de Jeff Bezos com a apresentadora de televisão Lauren Sánchez tornou-se conhecido depois de o casal ter anunciado o divórcio, na sequência de uma separação amigável.
Descobrir-se-ia que a vida de Jeff também fora vendida aos tabloides, depois de fotos e mensagens íntimas dos amantes aparecerem, sem se saber como, na primeira página da publicação.
Uma investigação paga pelo multimilionário, revelada pelo “The Wall Street Journal”, apontou a culpa ao irmão de Sánchez, que lhe pirateou o telemóvel e alegadamente vendeu o material por cerca de 200 mil dólares (166 mil euros).
O diário “The Guardian” acrescentou uma hipótese alternativa: a de que os serviços secretos da Arábia Saudita arquitetaram o roubo, em reação à cobertura feita pelo “The Washington Post”, de que Bezos é proprietário, sobre as violações dos direitos humanos perpetradas por Riade. O próprio Governo americano garante que agentes sauditas assassinaram Jamal Khashoggi, um dos colunistas do “The Washington Post” e crítico da ditadura.
Por fim, o “The New York Times” esclareceu que a explicação era menos elaborada no que concerne à apropriação de dados pessoais. Todos os indícios apontavam para a mão criminosa do irmão de Sánchez.
Com tanto drama à mistura, esperou-se um daqueles divórcios com roupa suja lavada em público e com as câmaras da TMZ (canal televisivo dedicado a celebridades) em perseguições aos protagonistas. Nada disso se passou.
Entre o anúncio do fim da relação, em janeiro de 2019, e a conclusão do divórcio, três meses depois, ambos se mantiveram em silêncio. O primeiro tweet de MacKenzie sobre o assunto serviu para apaziguar os ânimos dos acionistas da Amazon, o gigante de comércio eletrónico construído de raiz pelo casal desde 1994.
Entregando o controlo quase total da empresa ao ex-marido, a escritora recebeu 30 mil milhões de dólares (25 mil milhões de euros) e, ainda, 4% das ações da Amazon, cujo valor pulou de 38 mil milhões de dólares (31 mil milhões de euros) para os atuais 60 mil milhões de dólares (50 mil milhões de euros).
Naquele momento, que poderia ser descrito no livro “Traps” como uma das tais “armadilhas da vida”, MacKenzie reorientou a mesma. Com entrada direta para o terceiro lugar da lista das mulheres mais ricas do mundo, ela dedicou-se à filantropia sem pedir fama em troca — até hoje, concedeu apenas duas entrevistas, recusando milhares de pedidos todos os anos, incluindo o do Expresso, explicaram assessores próximos.
Numa delas, dada a Charlie Rose em 2013, no antigo programa diário da PBS (estação pública de televisão), jurou que apenas pretende uma “vida normal”. Pressionada pelo semblante desconfiado do decano do jornalismo americano, reconheceu que o desejo provavelmente nunca se concretizará.
A culpa é da Amazon, que jorra dinheiro detentor de um efeito bumerangue. Todos os dólares gastos regressam, por muito que MacKenzie se queira ver livre deles.
APRENDIZ DE NOBEL
“É um pouco indiferente. Ela sempre quis ser escritora”, diz ao Expresso Carole Glikfeld, professora de Literatura da magnata na Universidade de Washington durante os anos 90. “Enquanto o marido vivia obcecado pelos números, ela usava o tempo livre para melhorar os instrumentos de escrita”, revela.
Naquela conversa com Charlie Rose, MacKenzie confessou, meio envergonhada, que se tornou rica sem saber como. Mas o embaraço desapareceu quando começou a falar dos livros.
Além de “Traps”, publicou em 2005 “The Testing of Luther Albright”, a história de um engenheiro civil, perito na construção de barragens. Pai e marido devoto, convenceu-se de que propiciaria felicidade eterna à família através da bolha em que viviam, reprimindo as próprias emoções.
«“Onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração também. Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há-de odiar um e amar o outro ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.”
Evangelho de S. Mateus
Em primeiro lugar, porque, não sendo políticos, o populismo toca-lhes muito pouco. Não são jogadores de futebol, nem cantores, nem personagens do jet-set, nem nobreza ou realeza. Dito em bruto, é isso mesmo. E quando lhes toca é por que o rastro das suas actividades empresariais vai ter ao poder político de forma mais ou menos explícita.
Em segundo lugar, porque alguns deles têm outras protecções, a começar pelo mundo dos grandes clubes de futebol, como é o caso do presidente do Benfica que continua lá. Podem referir que deles se dizem cobras e lagartos, mas se formos a ver é a disputa futebolística e clubista que explica essa má-língua, não os casos em si. São os partidários dos candidatos que perderam, são os adeptos do clube A contra o clube B que clamam vigorosamente contra o homem do clube alheio e são muito silenciosos sobre os seus. É o colectivo das claques prolongado pelas redes sociais, e é também porque o mundo do futebol, cheio de ilegalidades, de contratos esquisitos com jogadores, de offshores, de despesas sumptuárias, de corrupção e de violência, não suscita no populismo muita condenação.
Em terceiro lugar, porque os partidos, a imprensa, os comentadores com proximidade com o mundo dos negócios “liberais” tendem a desvalorizar aquilo e aqueles sobre os quais fazem um cordão sanitário, dizendo que “eles” não são o retrato do capitalismo português, “eles” são a fruta podre de um cesto limpo e sadio. Tomá-los pelo todo é fazer a propaganda do BE e do PCP contra os empresários “criadores de riqueza”.
Sim, tomá-los pelo todo é injusto com alguns dos grandes e muitos dos pequenos, mas a sua ganância, a sua falta de escrúpulos com os dinheiros alheios, a sua promiscuidade com políticos corruptos, o seu insulto a gozar com os que não foram lá buscar centenas de milhões de euros, mas que os vão pagar, e, nalguns casos, os seus crimes, são a regra. Eu, aliás, ainda estou para ver a Iniciativa Liberal falar destes homens sem ser só sob o chapéu dos malefícios do Estado (que existem) e as confederações empresariais, ou a alta finança, que, pelos vistos, sabiam de tudo, mas não disseram nada.
Em quarto lugar, porque os grandes devedores não caíram do céu ou exclusivamente do regaço de rosas de Ricardo Salgado, conluiado com José Sócrates, mas comprometem gente altamente “reputada” e qualificada do mundo da banca, gestores “de topo” que circulam de administração para administração, que fazem parte do círculo de confiança que manda neste país e que fazem de conta que não tiveram nenhuma responsabilidade com o que se passou.
Em quinto lugar, por que muita da imprensa económica, e não só, reflecte este mesmo tipo de preocupações, chamemos-lhe “de classe” para irritar com um vocabulário marxista, e tem dependências muito pouco transparentes. Seria muito interessante, por exemplo, conhecer como actuam as agências de comunicação, pagas a peso de ouro pelas grandes empresas e empresários individuais, e como é que elas, sem indicação de publicidade paga, controlam quem aparece e quem não aparece nas páginas dos seus jornais e como aparecem.
Em sexto lugar, a economia das indignações é dúplice em vários escalões. Atinge muito mais os que vêm de baixo do que a gente fina, que é de facto “outra coisa”. E aqui entramos por um processo mais vasto do que os protagonistas actuais visto que remete para as enormes diferenciações sociais em Portugal e o modo como elas se incrustam inconscientemente no populismo. Os “que sobem na vida” quando caem fazem-no com muito mais fragor, porque a inveja social é muito horizontal e eles são da mesma extracção e mundo dos escrevinhadores das redes sociais. Os de cima estão sempre mais protegidos. É um remake de uma tese que foi propagandeada por esse pai do populismo nacional que foi o Independente, que execrava os novos-ricos das “meias brancas” e não dizia uma linha sobre os grandes lobistas que estavam sossegadamente nos seus tempos livres na Assembleia da República e que sabiam comer à mesa com os talheres todos. E o Chega é muito selectivo nas suas indignações porque tem lá gente desta, como se sabe.
Podia continuar até ao infinito, “enésimo lugar” por cada milhão de euros e não acabava. Claro que estes homens são os que hoje são atirados às feras, que periodicamente precisam de ser alimentadas com os “maus” para não irem comer os “bons”. Desde aparecerem como atrasados mentais, ou esquecidos profissionais, até à arrogância ingénua de Berardo e a arrogância insuportável do homem da Ongoing, confortável no seu exílio brasileiro, depois de ter comprado deputados que “não sabiam o que era a Ongoing” e depois ficaram a saber muito bem, tivemos de tudo. Para onde foram as centenas e centenas de milhões de euros, eles que não têm bens e que, os que têm, a banca acha que é melhor “não serem executados”? A essa pergunta sei responder; para o seu bolso e dos seus cúmplices. E, retiradas as despesas de “contexto”, ainda lá estão.
Até breve. Até que os especialistas da “resiliência” ou, se quiserem, de disparar bazucas, não comecem a vir engrossar a lista dos grandes devedores e tudo se repita.»