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sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Jerusalém: mais uma vez, Trump é a consequência

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 07/12/2017) 

Daniel

Daniel Oliveira

A transferência da embaixada norte-americana de Telavive para Jerusalém não se limita a deixar o mundo islâmico irado. Dizer as coisas assim é virar o mundo de pernas para ar, fazendo parecer que há um grupo de muçulmanos hipersensíveis. Ao reconhecer Jerusalém como capital israelita, coisa que nenhum Estado do mundo ainda tinha feito, reconhece-se a anexação de toda da parte oriental e retira-se aos palestinianos o direito à mesma pretensão. Esta pretensão dos dois Estados não é um pormenor para qualquer solução pacifica, por mais improvável que ela seja.

Qualquer negociação para este conflito tem cinco temas essenciais: as fronteiras dos dois Estados, sendo as de 1967 a base inicial da negociação; os colonatos, que ou têm de ser desmantelados, já que se encontram em território que em nenhum caso é israelita, ou implicam permuta de terras; os refugiados, que ou têm o direito de retorno das terras de onde foram expulsos ou poderão ser compensados; a segurança, que para não ficar nas mãos dos israelitas tem de corresponder a um controlo das alas mais radicais pelos próprios palestinianos; e o estatuto de Jerusalém, que ambos os Estados reclamam como sua capital e cuja ocupação da parte oriental pelos israelitas é ilegal. Qualquer negociação séria e sustentável passa pelo equilíbrio entre estas várias questões. Se se fecha uma, torna-se mais difícil encontrar solução para as restantes.

Esta é a primeira razão pela qual o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel mata qualquer solução para este conflito: porque é umas das peças fundamentais para a negociação entre os dois Estados. E mesmo que o resultado dessa negociação viesse a permitir este reconhecimento, os moldes teriam de ser negociados ao mais ínfimo pormenor, tendo em conta a importância que aquela cidade tem para várias religiões, conseguindo garantias sólidas de acesso de todos a locais sagrados. Só o total analfabetismo histórico e político de Donald Trump permite que desconheça o vespeiro em que acabou de dar uma paulada. Pelo menos desde 1929 que pequenos acontecimentos naquela cidade, sobretudo relacionados com o acesso a espaços sagrados, chegam para iniciar conflitos que duram anos.

Como podem os EUA querer ser árbitro de uma negociação quando são eles mesmos a declarar unilateralmente o seu resultado? Não podem. Mas, para ser honesto, já não podiam. É importante recordar que a decisão de fazer a transferência da embaixada norte-americana de Telavive para Jerusalém já foi tomada em 1995 e tem força de lei. Apenas se dá ao poder executivo a possibilidade de, a cada seis meses, adiar a decisão. É o que têm feito, sucessivamente, exibindo a absoluta hipocrisia da posição dos EUA neste conflito, já que eles próprios reconhecem a irresponsabilidade das suas decisões.

Tenho-o escrito várias vezes e repito: os EUA são os principais responsáveis pela crise do Médio Oriente. Ao tornar o debate sobre Israel num tabu interno – ao pé da fúria que cai sobre quem se atreva a criticar Israel o famoso “politicamente correto” é uma brincadeira de crianças –, a proteção política, militar e financeira dada àquele Estado tem sido incondicional.

Os EUA permitem, apoiam e por vezes até incentivam a violação constante de leis internacionais e regras básicas de relações com outros Estados. Israel transformou-se num Estado inimputável, que ocupa território, expropria terras e casas, expulsa pessoas, constrói colonatos em terra que não é sua e cerca povoações com muros, sabendo sempre que nada lhe acontecerá. Foi essa sensação de inimputabilidade que o levou a ultrapassar todos os limites até qualquer solução razoável ser impossível. A partir daqui, a crescente radicalização dos dois lados tornou-se inevitável.

É falsa a ideia de que Donald Trump está a agir ao arrepio da política norte-americana para o Médio Oriente. Não é preciso outra prova: Trump limitou-se a aplicar uma decisão que era adiada de seis em seis meses. O apoio incondicional a todas as invasões, ocupações, expropriações e crimes não nasceu com Trump. É filho do tabu que foi imposto à sociedade norte-americana (e europeia, mas com menor eficácia), em que qualquer debate sério sobre Israel se transforma numa acusação de antissemitismo, insultando, antes de tudo, a própria memória do povo judeu. O que Trump está a fazer, talvez por ser mais ignorante do que os seus antecessores ou por ser um sociopata sem qualquer preocupação pelas repercussões dos seus atos, é levar a sério a retórica dominante na política norte-americana. Ele não é a exceção, é a consequência. Exceção tentaram ser, sem qualquer sucesso, Jimmy Carter e Barack Obama. Um continuou ao longo da vida, o outro desistiu à primeira resistência.

As Carpideiras

por estatuadesal

(Jorge Cordeiro, in Blog Foicebook, 04/12/2017)

carpideiras

Costuma dizer-se que a dor é sempre maior ali onde mais se faz sentir. Aos que, perante a proverbial sabedoria popular, franzem o sobrolho, seja por distanciamento elitista ou dúvida fundada sobre a cientificidade do dito, cá temos a reacção ao Orçamento do Estado agora aprovado a comprovar o que, mais ou menos empiricamente, se foi dando por verdade adquirida. É vê-los a chorar, ainda que com manifesto exagero, e logo se percebe onde a coisa dói.

Não fosse a tradição, antiga de milénios, cair em esquecimento e aí está reavivado o coro de carpideiras. Reconheça-se que nos tempos que correm com assinaláveis diferenças: de profissão feminina ganhou como se vê, à conta da evolução emancipatória, o concurso dos dois sexos; passou a não se circunscrever ao lamento de defunto alheio até porque os de hoje o que choram mesmo são interesses próprios; tendo razões para se lamuriar já não o fazem a troco de ninharias com que há séculos atrás se exercia o pranto, mas sim pela expectativa de mais palpáveis e generosos benefícios.

Observe-se entretanto o seguinte – o lamento ao morto e ao moribundo que outrora fez modo de vida, não encontra hoje correspondência directa neste carpir que por aí anda, desde logo porque infelizmente a política de direita não está nem tão morta ou moribunda quanto o tom do pranto levaria a supor.


Habituados a que o rio corra sempre para o mesmo lado não se conformam com o mais leve sinal de inversão daquele curso que, enchendo os bolsos a uns poucos, depauperam a massa imensa dos que trabalham e vivem no País. Será por isso que desde há uns tempos, com picos maiores ou menores de angustiante sobressalto, é o que se vê: um desfilar dos que “ai, Jesus!”, ou que “agora é que é o diabo”, num não se sabe quanto de encomendadas desgraças face àquele documento orçamental.

Saudosos do tempo recente em que o País se resumia a uma feira de pilhagem de rendimentos e direitos, insurgem-se agora com o que alegam de «supermercado orçamental», um balcão de «satisfação de clientelas orçamentais», «um voltar atrás» aos tempos do «viver acima das possibilidades». Esquecidos do que à má fé retiraram o que aos reformados, trabalhadores e povo pertencia esbracejam agora contra esse ignóbil cerceamento do «direito de escolha». Veja-se a «choradeira» do grande patronato e respectivos apêndices sobre a devolução do direito ao subsídio de Natal: os que o anularam, violando o Código do Trabalho, para disfarçar o corte nos salários e reformas na expectativa de assim poderem reduzir a exigência de melhores salários e liquidar, com o passar do tempo, essa conquista dos trabalhadores, esgrimem agora o direito de escolha que sucessivamente negaram e que quando foi a cortar, dele não se lembraram.

Esquecidos do arbítrio fiscal com que ao mesmo tempo que bafejavam o grande capital, protegiam lucros e lavavam dividendos, carregavam os trabalhadores e os reformados com uma sufocante carga fiscal, por aí vagueiam indignados com o aumento da derrama estadual sobre os mega lucros comovidos com a «falta de estabilidade fiscal» que daí decorreria. Fraca e selectiva memória esta que só agora invoca o que antes nunca lhes ocorreu. Indiferentes que são às dificuldades que criaram a milhões de portugueses e à degradação das suas condições de vida invocam agora, ao menor sinal de devolução e reposição de direitos, salários e rendimentos, a “sustentabilidade das contas públicas” essa vaca sagrada sempre pronta a ser ordenhada quando se quer regressar a um passado recente de intensificação da exploração, empobrecimento e insustentabilidade económica e social na vida dos trabalhadores e do povo. Empenhados que estavam em conseguir que com a liquidação de direitos e corte nos salários na Administração Pública alcançassem o nivelamento por baixo dos direitos de todos os outros trabalhadores, derretem-se agora em pranto face à devolução do que foi retirado aos primeiros, temerosos que a todos os outros seja consagrado o que lhes é devido.

Saudosos do “arco de governação” como solução única e condição segura para perpetuarem em toda a sua extensão a política que foi imposta ao País nas quatro últimas décadas lá vão, recheados de ansiedade, chorando pela ausência de “reformas de fundo e acordos de regime” que assegurem a perfeita estabilidade à promoção da política de direita, ao tranquilo trajecto de acumulação monopolista e à transferência para mãos externas dos recursos e poderes de decisão nacionais.

Habituados que estavam, com a arrogância e o cinismo que lhes eram reconhecidos, a pendurarem-se na receita da Troika e na rendilhada justificação da alegada “bancarrota” para olearem o assalto aos trabalhadores e ao País aí os vemos indignados com o que chamam de «cardápio da reversão austeritária». Resistamos ao ruído lamuriante que por aí se ouve e contribuamos para que as carpideiras dos interesses dominantes venham mesmo a ter razões ponderosas para se fazerem ouvir.

O cisne feio

por estatuadesal

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 07/12/2017)

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João Quadros

Mário Centeno é o novo presidente do Eurogrupo. Está confirmado, o tempo anda tão avariado que tivemos um primeiro de Abril em Dezembro.

O ministro das Finanças mais perigoso da Europa do euro, apoiado pelas forçadas danadas de esquerda, temido pela sua loucura, no que diz respeito à austeridade, fica a mandar no Eurogrupo. O euro está nas mãos da geringonça! O Eurogrupo, finalmente, rendeu-se aos copos e às mulheres. - Não podes vencê-los, junta-te a eles - terá pensado Merkel depois de uma garrafa de Gatão.

Também pode estar a acontecer o contrário. O Eurogrupo, vendo que uma das ovelhas negras do Sul estava a ficar lãzuda, com ideias diferentes do que a UE defende, decidiu trazê-la para a frente do rebanho para a arrebanhar. Isto pode ser perigoso. Parece-me essencial que Mário Centeno entre visivelmente bêbedo na primeira reunião a 13 de Janeiro para marcar logo a nossa posição.

O nosso ministro das Finanças tem de mostrar aos seus colegas que era ele que fazia festas em Harvard quando todos tentavam dormir. Que foi ele que desligou o quadro eléctrico só para um dia não terem aulas, que enfiava rãs nas calças dos colegas e que era conhecido por ter sempre erva escondida nos calhamaços de Economia. Se Centeno começa a relaxar, passa de ter ar de tresloucado para ter ar de totó. A linha é muita fina e convém não dar muita confiança àquela gente pardacenta do Eurogrupo.

Convém lembrar que o nosso ministro das Finanças chamou míope ao Eurogrupo. É assim mesmo, esse é o caminho. Agora que já é o chefe, devia dizer: - O Eurogrupo é uma caixa-de-óculos. Um bocadinho de "bullying" para verem quem manda e para perceberem ao que vamos.

Acho que tudo isto começou com a saída de Portugal dos défices excessivos. Pessoalmente, nunca me senti bem por estar fora do procedimento por défices excessivos. Acho que não cumprir o défice dava-nos mais estilo. Ser marrões e bons alunos é muito pouco sexy. Não cumprir o défice é de quem anda de moto sem capacete e faz cavalinhos e usa blusão de cabedal. O ar de que não respeita certas regras dá outra pinta.

Centeno tem de levar a ribaldaria para o Eurogrupo ou eles tomam conta dele com as suas ideias chatas. Tenho receio de que deixem de vir tantos turistas para Portugal, se começa a constar que nós somos do género dos alemães. Quando é para ir viajar, escolho sempre os países com praia e défices excessivos. Presumo que deve ser onde há mais ribaldaria e menos gente chata.

Força, camarada Centeno!


TOP-5

Patinhos lindos

1. Trump informou Autoridade Palestiniana que Embaixada dos EUA vai para Jerusalém - Vai construir uma Trump Tower só para isso.

2. Centeno eleito presidente do Eurogrupo - Neste momento, Passos Coelho deve estar a pensar: "Não fosse o golpe de Estado na Assembleia, a esta hora, era a Maria Luís quem presidia ao Eurogrupo, e o Bruno Maçães estava no lugar do Hugh Hefner."

3. Juízes da decisão polémica sobre violência doméstica alvo de processo disciplinar - Espero, no mínimo, um pau com pregos no lombo.

4. Assaltou gasolineira e cabeleireiro com pistola de plástico em Aveiro - Faz lembrar Tancos.

5. Trump diz que vai reconhecer Jerusalém como capital de Israel e causa tensão no Médio Oriente - Acho que a solução poderia ser levar a capital de Israel para o Porto.

Trabalhadores da Sorgal em greve exigem aumento de salários

Trabalhadores da Sorgal em greve exigem aumento de salários

Publicado por: OvarNews 7 Dezembro, 2017 Deixe um comentário

Trabalhadores da empresa Sorgal, unidade de rações em Ovar do grupo Soja de Portugal, manifestaram-se hoje à porta da empresa no âmbito de uma greve pela actualização dos salários, que dizem sem aumentos há 10 anos.
A paragem laboral teve início esta quarta-feira às 22 horas, abrange os três turnos da produção, prolonga-se até às 23:59 de hoje e, segundo o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Alimentação do Norte (STIANOR), está a registar uma adesão de 95% entre a força laboral da empresa – que contará, em Ovar, com um total de cerca de 60 funcionários. Para exigirem a actualização dos salários, que dizem sem aumentos há 10 anos, os trabalhadores da Sorgal, em Ovar, estiveram em greve.
“Estamos há 10 anos sem aumentos salariais e a ser nivelados pelo salário mínimo nacional, quando antes estávamos bem acima disso”, declarou o dirigente sindical Alfredo Teixeira, que é funcionário da unidade em greve, à Lusa. “A empresa tem dinheiro e está bem, mas prefere fazer festas de Natal em que paga a artistas de renome para lá irem quando devia é remunerar-nos a nós melhor”, defendeu esse responsável, para aprovação geral dos colegas que o rodeavam. José Lapa, que também é dirigente do STIANOR, mas não exerce funções na unidade, afirmou que “o objectivo da Sorgal é deixar caducar o contrato colectivo de trabalho”, porque “não há nenhuma negociação de jeito a decorrer”. “A administração anda a protelar o encontro para analisar as reivindicações dos trabalhadores e, com isso, quer arranjar forma de não actualizar o salário a ninguém”, acrescentou.
O aumento agora reclamado pelos grevistas é de 10%, valor que o sindicato reconhece como “diferente do habitual”, mas atribui à necessidade de “compensar os trabalhadores por 10 anos sem nenhuma melhoria nas suas remunerações”. Além disso, “este trabalho é penoso e um bocado complicado, e muitas pessoas foram saindo da unidade ao longo dos anos sem que se repusessem esses postos laborais”, pelo que “a empresa tem que começar a assumir as suas responsabilidades”. Já quanto à situação financeira da Sorgal, para avaliar se esse aumento salarial será possível, vários trabalhadores garantiram que “é boa” e que a unidade de Ovar “está muito bem”. “De segunda a sexta-feira a fábrica trabalha 24 horas por dia e estamos sempre a fazer horas extraordinárias para conseguir responder a todos os pedidos”, fundamenta Alfredo Teixeira.“A seca deste ano também serviu para aumentar o volume das vendas de rações”, salienta.
Contactada pela Lusa, a Sorgal – Sociedade de Óleos e Rações S.A. não tinha nenhum membro da administração disponível para comentar o assunto. A empresa produz rações para animais de criação, animais de estimação, peixes, aves e caracóis. Integra o grupo mais vasto da Soja Portugal, que, além da empresa homónima e da Sorgal, inclui ainda a Avicasal, Savinor, Granja Avícola de S. Tiago, Sociedade Avícola do Freixo e SPA, detendo as marcas Sojagado, Pronuti e Aquasoja.

Nota de Álvaro Teixeira:
Desde que este grupo de empresas foi comprado na Bolsa, numa OPA hostil, por um Fundo Predador (Luxpar), os direitos dos trabalhadores foram espezinhados, só se passou a ver dinheiro, as rescisões, por mútuo acordo, ludibriam-se os trabalhadores com 2.500 Euros, ficando o maior bolo das indemnizações, para o famigerado "saco azul", entre muitas outras atrocidades como o despedimento colectivo muito mal explicado e aceite. Conheço todos os autores desta "façanha", mas por ocuparem grandes cargos políticos ou económicos abstenho-me de pronunciar os seus nomes.
Força, trabalhadores da Sorgal. Estou e estarei, sempre, do vosso lado. Coragem!!!

Denunciar mitos ruinosos

ladroes de bicicletas

Posted: 07 Dec 2017 02:35 PM PST


Na edição de Dezembro propomos uma análise crítica, feita por Ana Alves da Silva e Jean-Philippe Martin, do ruinoso mito das virtudes do empreendedorismo. Propagado em Portugal como em França e noutras paragens, ele esconde processos de desregulamentação do trabalho, de empobrecimento e de integração na crescente financeirização das economias. Reflectimos também sobre as políticas portuguesas de cooperação para o desenvolvimento (Ana Filipa Oliveira) e revisitamos os 25 anos do Teatro Meridional (César Madureira e Carla Baptista). No internacional, destaque para a terrível guerra no Iémen, olhando para os papeis dos actores regionais, e para o crescimento das direitas no Brasil. As escolhas de política do Estado chinês para explorar a sua inserção na globalização e o que se sabe afinal do «Russiagate», entre obsessões e paranóias de ingerências russas nos Estados Unidos e no mundo, são algumas das propostas que destacamos.


No sítio do jornal é possível ler os editoriais deste mês de Serge Halimi sobre as guerras religião e de Sandra Monteiro sobre o orçamento, o presente e o futuro. Não percam.

A Crato o que é de Crato


ladroes de bicicletas

Posted: 07 Dec 2017 07:12 PM PST

No ano passado, Nuno Crato tentou chamar a si os louros pelos resultados do PISA de 2015, que revelaram uma franca melhoria do desempenho escolar dos alunos portugueses. Para o ex-ministro, o sucesso alcançado era um reflexo das políticas que ele próprio adotara, em particular a introdução das «novas metas curriculares» e dos «exames finais» no 4º e 6º ano. Sucede, porém, como se demonstrou aqui, que não era sequer possível estabelecer essa relação de causalidade. Porquê? Porque os alunos avaliados pelo PISA, que iniciaram o seu percurso escolar em 2004/05, não chegaram a realizar os referidos exames nem foram abrangidos pelas metas curriculares. Ou seja, Crato estava «tecnicamente» impedido, logo à partida, de chamar a si o mérito ou demérito pelos resultados obtidos.
Ora, ao contrário do que se passou com o PISA de 2015, Nuno Crato está agora irrevogavelmente associado aos resultados do PIRLS de 2016, ontem divulgados. De facto, esta avaliação da literacia de leitura dos alunos do 4º ano, cujos testes decorreram no início de 2016 (com o atual governo em funções há apenas dois meses) recai sobre alunos que iniciaram a sua escolaridade em 2012/13 e comparam com os resultados do PIRLS de 2011, quando não havia «novas metas curriculares» nem «exame final» no 4º ano. E, convenhamos, a comparação não corre nada bem ao ex-ministro da direita PAF. Portugal não só passa de uma pontuação de 541 para 528 (sendo 500 o ponto intermédio de classificação), como desce da 19ª para a 30ª posição no ranking de países envolvidos. Ou seja, Portugal não só piora o seu desempenho como é «o país da Europa que mais caiu e o segundo que mais piorou», nos cinquenta países em análise.

Concretamente, o PIRLS avalia duas dimensões: a literacia literária (ler como experiência literária e de conhecimento) e a literacia informativa (ler para adquirir e utilizar informação). Finalidades que são cruzadas com níveis progressivos de desempenho em termos de processos de compreensão da leitura: Baixolocalizar e retirar informação de diferentes partes do texto»); Intermédiofazer inferências diretas»); Elevadofazer inferências e interpretações baseando-se no texto») e Avançadointegrar ideias e informação de vários textos para apresentar argumentos e explicações»). Sucede pois que entre 2011 e 2016 não só diminui a percentagem de alunos portugueses que atingem níveis de desempenho mais relevantes (de 9 para 7% no patamar «Avançado» e de 47 para 38% no patamar «Elevado»), como se inverte a posição relativa de Portugal face à média dos valores dos países avaliados. Se em 2011 registávamos percentagens comparativamente superiores nos níveis de desempenho mais significativos, essa situação inverte-se em 2016.

O que tem isto que ver com as opções educativas do ex-ministro Nuno Crato? Muito. Como referiu o Secretário de Estado da Educação João Costa na apresentação do PIRLS de 2016, estes dados refletem uma então «excessiva preocupação com os resultados e o produto e uma baixa preocupação com os processos», ao que acresce a imposição de uma «lista fechada de leituras» que os alunos tinham que fazer e uma lista «interminável de coisas que todos tinham que saber». Isto é, a desvalorização da aquisição de competências a troco de uma lógica de fixação de conteúdos, que compromete as aprendizagens e a versatilidade cognitiva associada à leitura.
Na resposta ao Secretário de Estado, contudo, Nuno Crato não só não resiste a enjeitar responsabilidades pela deterioração dos resultados dos alunos portugueses no PIRLS de 2016, como volta a sugerir, com total despudor, que os méritos do PISA de 2015 decorrem da sua visão da educação e das suas políticas educativas. Pior era impossível.

Prepotência em defesa do modelo neoliberal

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por Ana Moreno

De 10 a 13 de Dezembro terá lugar a 11a Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), em Buenos Aires, Argentina (a primeira vez na América Latina). Como em todas as anteriores, está prevista uma forte presença de centenas de organizações da sociedade civil que, com manifestações, workshops e debates protestam contra a dominância dos interesses económicos de poderosos bancos, fundos de investimento e multinacionais nesta organização que visa a liberalização e desregulação dos mercados e a privatização de bens públicos. A contradição entre os objectivos de sustentabilidade globais da UN e o desregulamento comercial multilateral é varrida para debaixo do tapete, o combate à pobreza não tem lugar na agenda.

Desta vez, e pela primeira vez na história da Organização Mundial do Comércio, o Governo do país anfitrião, chefiado por Mauricio Macri, decidiu à última hora revogar as credenciais de activistas e observadores da Europa, Ásia, África e da América Latina que tinham já obtido a sua acreditação junto da Organização Mundial de Comércio, impedindo-os assim de participar e recusando-lhes a entrada no país. Obviamente, está-se perante um grave precedente em matéria de relações internacionais e de uma violação dos termos do acordo com o país anfitrião que, conforme numerosas ONGs exigem, não pode ser aceite pela OMC.

Sem sequer apresentarem razões formais para a revogação das credenciais aos representantes das ONGs, as autoridades argentinas alegaram no entanto "preocupações de segurança", devido a “incitação à violência para gerar caos” supostamente ocorridas nas redes sociais.

Esta acusação a organizações como a Friends of the Earth International ou a Oxfam Germany, cujos representantes estão a ser impedidos de participar, é totalmente falsa e não passa de um abuso de poder do governo argentino. Por exemplo, uma das pessoas que está a ser impedida de passar a fronteira é Petter Slaatrem Titland, coordenador da Attac Norway, uma organização que recebe fundos do governo norueguês pelas suas campanhas de informação em matéria de políticas comerciais, paraísos fiscais e outros, e que declara claramente a sua rejeição da violência.

Caricatamente, até a comissária europeia para o comércio, Cecilia Malmström, conhecida por ignorar o movimento europeu contra o CETA e outros acordos de comércio “livre”, respondeu ao apelo da rede europeia de organizações da sociedade civil, considerando lamentável que as autoridades argentinas não tenham especificado claramente as razões de segurança que levaram a tais decisões e esperando que “esta decisão seja revogada e sejam encontradas soluções para permitir a participação da sociedade civil, que pode contribuir para o sucesso desta Conferência”. Malmström afirma ainda que vários estados-membros terão intervido junto do governo argentino em favor das ONGs baseadas nos seus respectivos países para a revogação da decisão, sem no entanto obterem um resultado que permita a entrada no país de todos os representantes em causa.

Mais uma vez, são assim abusivamente e escandalosamente abafados os protestos da sociedade civil contra o dogma neoliberal e se reforça o poder das multinacionais à custa da democracia, do bem-estar dos cidadãos e do meio ambiente.

O nosso euroman

por estatuadesal

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 08/12/2017)

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1 Há dois anos, Mário Centeno estava emprateleirado num qualquer discreto departamento do Banco de Portugal: Carlos Costa, o governador que o Governo Passos/Portas reconduziu sem querer esperar pelo resultado das eleições, não tinha especial ternura por ele. De um só salto, passou a ministro das Finanças, em cujas funções obrigou Carlos Costa a abrir mão dos lucros do BP muito para lá do que o governador queria. Agora que Centeno vai presidir e representar a política financeira da zona euro, Carlos Costa é o primeiro derrotado com a sua eleição.

Durante meses, antes das eleições de 2015, António Costa não abriu a boca, não soltou uma palavra que fosse sobre que ideias tinha para sustentar uma política económica diferente da do Governo que se propunha substituir. Estava à espera que Mário Centeno concluísse a sua preparação e estudo e lhe servisse um guião de bandeja. E o guião foi simples: era possível fazer diferente, aliviando a austeridade e apostando no consumo interno, conseguindo ainda melhorar as contas do défice. Os resultados, até ver, foram muito além do que devem ter sido as expectativas do próprio Mário Centeno. Mas manda a verdade que se diga que grande parte disso não foi mérito deste Governo ou do anterior, mas de uma conjugação de factores externos (o prosseguimento da política de compra de dívidas soberanas pelo BCE, que fez baixar os encargos com a dívida, e a retoma económica na UE) e internos, que se ficaram a dever apenas à resiliência da iniciativa privada: o aumento das exportações e o disparo do turismo. Apesar da crise, apesar da infernal burocracia, apesar da perseguição fiscal do Estado. Mas o que fica para a história — e o que tornou Centeno um candidato vencedor para o Eurogrupo — foi a assumida inversão de estratégia perante o dogma do TINA (“There is no alternative”), imposto por Schäuble, policiado pelo “social-democrata” Dijsselbloem e adoptado como mantra pelo Governo anterior.

Por isso, os segundos grandes derrotados desta eleição são Vítor Gaspar, Maria Luís Albuquerque, Pedro Passos Coelho e, por pacífica conivência, Paulo Portas. Há muito tempo que não me ria tanto como me ri ao ouvir alguns robustos espíritos do PSD, tais como o doutor Catroga, da EDP e da troika, atribuírem a eleição de Centeno... ao desempenho do Governo Passos/Portas!

Podiam ao menos dar-se ao trabalho de passar os olhos pelos títulos da imprensa estrangeira de referência para perceberem que o que sucedeu foi exactamente o oposto: assinalou-se o fim de um ciclo e o começo de qualquer coisa de diferente — que pode não ser um ciclo novo, mas será sempre uma abordagem diferente e mais abrangente. Com a retirada de cena de Schäuble e a eleição de Centeno, o Sul deixou de ser visto apenas como a terra “dos copos e das mulheres”, de que falava o arrogante Dijsselbloem, e passou a ser considerado como o outro lado da equação, com outra abordagem e outras soluções possíveis para os mesmos problemas. Em parte, por via da capacidade de resistência mostrada pela Grécia, mas sobretudo pelo exemplo do “caso português”, cuja alternativa, aqui e lá fora, nos tinham jurado ser impossível. Eu sei que em política jamais se reconhece uma derrota ou o mérito de uma vitória alheia. Mas, apesar de tudo, há uma diferença entre perder mal ou perder transformando derrotas em vitórias de anedota.

Os terceiros derrotados com a eleição de Centeno são o PCP e o BE, os parceiros estratégicos do Governo. E, se dúvidas houvesse, honra lhes seja feita, eles não esconderam, mais do que o desconforto, a oposição frontal à ideia de terem um português a presidir ao Eurogrupo. Na sua visão maniqueísta das coisas, aquilo que é bom para a Europa é mau para Portugal e vice-versa. O seu ideal de situação é ter uma Europa que nos manda dinheiro e um ministro das Finanças que é um guerrilheiro anti-europeu no Eurogrupo; é aumentar livremente os défices e queixar-se do “espartilho financeiro” de Bruxelas; é assim ir aumentando a dívida pública para a geração actual e as futuras e simultaneamente reclamar contra a “exploração dos mercados” e exigir a reestruturação da dívida... para depois poder voltar a aumentá-la livremente. Nesta idílica concepção de vida que é da extrema-esquerda portuguesa, ter um ministro das Finanças que vai também ser presidente do Eurogrupo — que vai ter de ser capaz de simultaneamente defender a contenção orçamental cá dentro e uma mudança de políticas lá fora — representa tudo o que eles mais abominam: o triunfo dos moderados, dos reformistas, contra os vários extremismos. Está escrito nos livros de História: para os marxistas-leninistas, se o “Estado burguês” não pode ser imediatamente derrubado pela força das “massas”, ao menos que seja de tal forma injusto que a revolução acabe por se impor como única alternativa. O que, não resolvendo jamais o problema da miséria dos povos, resolve o problema dos autores da História.

E, para fechar a lista dos derrotados com a eleição de Mário Centeno, há um autoderrotado absolutamente incompreensível: Marcelo Rebelo de Sousa. De facto, desde a primeira hora em que a possibilidade se tornou real (ao contrário do que alguns, soberbamente, ridicularizaram), o Presidente não escondeu toda a sua animosidade à ideia. E, mesmo sabendo nós que o seu espírito analítico viaja várias galáxias à frente do nosso, não ignorando que o homem nunca dorme em serviço nem fora dele, é difícil, para não dizer impossível, entender tanto mal-estar. Terá Marcelo medo ou ciúmes do prestígio internacional do Governo? Terá achado que era altura de dar uma mão aos derrotados da direita, mesmo que para isso se tenha encostado à posição da extrema-esquerda? Francamente, não sei e não entendo.

2 No meio de tudo isto, por entre a espuma dos dias e a substância das coisas — das quais nenhuma é mais importante e urgente do que as terríveis consequências, a todos os níveis, da assustadora seca que vai destruindo o país e que é invisível a partir de Lisboa — anda para aí o PSD em campanha para escolher um futuro líder, entre o nada que é Rio Rio e o já visto demais que é Santana Lopes. A querela, se assim lhe podemos chamar, tem merecido dos portugueses zero de interesse, zero de atenção. Conta-se que ambos percorrem o que chamam “país” — isto é, as concelhias do partido — em interessantíssimas conversas com os militantes. Mas parece que estamos a falar de um país oculto, que o resto dos portugueses ignora por completo. Ora isto é mais grave do que o nosso desinteresse imagina. O PSD é um partido do regime, um tradicional partido de poder. Um presidente seu é, por inerência, candidato a governar Portugal. E, a esta luz, o que vemos é assustador. Rio tem com ele o baronato quase completo: gente que já conhecemos de ginjeira e de que ninguém deve ter saudades; Santana tem as bases nostálgicas do tempo dos discursos empolgantes em congressos de província e um mandatário nacional que não é outro que o brilhante Rui Machete — sim, esse mesmo, cujos dotes de “estadista” se revelaram em todo o seu esplendor quando Passos e Portas fizeram dele o mais patético ministro dos Estrangeiros que já tivemos. De resto, além de coleccionaram “apoios” para que o país se está nas tintas e de caciquarem as bases, confundindo-as com o país, nenhum deles avançou até agora com a mais pequena, insignificante, modesta ideia de como servirem Portugal. Caramba, será isto o melhor que o PSD tem para propor aos portugueses?

(Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia)

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Boicote a Israel

MadreMedia

Atualidade · 6 dez 2017 21:59

A OPINIÃO DE

Alexandra Lucas Coelho

ALEXANDRA LUCAS COELHO

Israel não tem a menor intenção de aceitar um estado palestiniano, a menor intenção de fazer a paz, a menor intenção de descolonizar, ao contrário. Se não pressionar Israel, o mundo é co-autor deste inferno. Israel tem de ser boicotado.

1. Esperei algum tempo para escrever esta crónica. Ontem achei que era boa ocasião, ao ver a notícia, esperada há muito, de que os movimentos palestinianos Hamas e Fatah acabavam de assinar um acordo para pôr fim à divisão interna que dura desde 2007. Histórico. A ver se estão minimamente à altura da expectativa que criam a milhões, depois de uma década desastrosa. Mas o dia guardava mais novidades da região. Primeiro, os Estados Unidos da América anunciaram que saíam da UNESCO porque a UNESCO é “anti-Israel”. Logo depois, claro, Israel anunciou que também saía. Nada mais natural, tendo em conta que a UNESCO é a agência da ONU para a educação e cultura, e os Estados Unidos da América e Israel são o que são em 2017.

2. Este ano marca um aniversário redondo na história da ocupação israelita: meio século. A fulminante Guerra dos Seis Dias — na sequência da qual Israel iniciou a colonização de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Leste — aconteceu em Junho de 1967.
Pisei pela primeira vez Israel e os Territórios Palestinianos há 15 anos, no auge da Segunda Intifada. Regressei várias vezes, incluindo morar lá como correspondente. Fui vendo a evolução, de pior a péssimo. Entre Maio e Junho deste ano, a propósito do aniversário da Guerra dos Seis Dias, percorri a região em reportagem, entre Gaza e Telavive, Jerusalém e os colonatos da Cisjordânia. Durante esta estadia de 2017 tornou-se mais claro do que nunca o que agora vou escrever. Não quis fazê-lo em cima das reportagens, chegaria o momento.

3. O que se tornou mais claro do que nunca, diria gritante, nesta última estadia foi que Israel não tem a menor intenção de aceitar um estado palestiniano, a menor intenção de fazer a paz, a menor intenção de descolonizar, ao contrário. E que, se não pressionar de facto Israel, o mundo é co-autor do inferno concentracionário criado por Israel. Ele só está a acontecer porque o mundo deixa.

A consequência inevitável disto é que Israel tem de ser boicotado. Boicote, sanções, desinvestimento, tudo o que puder dificultar a vida da única potência colonizadora do mundo que se apresenta como democrática, viola todas as resoluções internacionais, beneficia de privilégios únicos, se porta como a primeira das vítimas, e mantém os habitantes da Terra vergados, reféns do medo de ofender o Povo Eleito. A grande herança de ser um povo perseguido desde o início dos tempos não pode ser destruir outro povo. Ao destruí-lo, o que Israel faz é destruir-se a si próprio, moral e historicamente. Do ponto de vista judaico, na verdade, talvez a verdadeira tragédia seja a forma como o Estado de Israel degradou a ideia de Israel. Em 2017, Israel é um viveiro de arrogância, fanatismo, opressão, discriminação inter-judaica e anti-palestiniana.

4. Este boicote pode ser político, diplomático, cultural, económico, desportivo, religioso, turístico, de acordo com os meios de cada um, colectivos e individuais. Por exemplo, os milhões de cristãos que querem ir à Terra Santa privilegiarem transportes, alojamento e outros serviços palestinianos, para não engrossar tanto o que é uma das grandes receitas do Estado de Israel: o turismo religioso cristão. Se é cristão, pense que cada visita sua à Terra Santa pode contribuir mais ou menos para a ilegalidade e violência contra os palestinianos, dependendo de como a fizer. Pense que o Estado de Israel conta com os recursos do turismo no orçamento geral com que ciclicamente bombardeia Gaza e constrói colonatos na Cisjordânia e em Jerusalém Leste. Pense, aliás, que, embora Israel tenha anexado ilegalmente Jerusalém Leste, depois de a ter ocupado, e portanto a linha de fronteira não seja visível, que sempre que está em Jerusalém a fazer turismo cristão muito provavelmente estará em território palestiniano, ilegalmente ocupado de acordo com as resoluções internacionais. Isto inclui Belém, Santo Sepulcro, Via Dolorosa, Monte das Oliveiras, e por aí vai. Ser apolítico em Israel e na Palestina não existe. Vai visitar Israel e não visita os territórios palestinianos? Está no seu direito, claro, mas isso tem um significado, não é apolítico. Não querer ver é uma escolha, uma decisão. Todos os gestos nesta região têm implicações políticas. Podem ser mais ou menos parte da colonização da Palestina. E se não é turista cristão, apenas turista, pense na mesma. Ou se tem negócios com Israel, ou vai lá jogar, ou estudar.
No meu caso, apoiar o boicote significará por exemplo não colaborar com qualquer entidade israelita cúmplice da ocupação, sejam festivais, debates, traduções ou entrevistas. Cúmplice inclui omissa. Não que algum convite seja provável, tendo em conta o que escrevo há 15 anos, mas fica adiantada a resposta. Enquanto a ocupação durar, não acontecerá.

5. Poupem-se entretanto os desconversadores, e poupem-me, às acusações de anti-semitismo. Isto não tem nada a ver com anti-semitismo, e nada a ver com o Holocausto, aliás, só na medida em que o Holocausto tem sido vergonhosamente instrumentalizado pelo Estado de Israel para os seus desmandos, a sua imunidade, o seu estatuto especial entre as nações. Tenho amigos judeus fora e dentro de Israel, amigos próximos, queridos. Provavelmente nenhum partilha tudo o que está nesta crónica, mas certamente nenhum é defensor da ocupação. Milhões de judeus não são defensores da ocupação. Talvez eu própria seja judia. De Tessalónica, como me disseram em Israel, ou mesmo da Serra da Estrela. Ou árabe, ou berbere, vá saber.
Mais pudor na desconversa. Pudor por exemplo em servir uma disciminação de estado, poderosa, maciça. Racismo é o que acontece diariamente nos checkpoints, nos milhares de colonatos legais ou para-legais com que os peões israelitas estão a roubar a terra, a água, as árvores, a vida em Jerusalém Leste e na Cisjordânia, e no escândalo sem nome que é Gaza, caso único no planeta de dois milhões de pessoas trancadas numa faixa de 40 quilómetros de comprimento por seis a dez de largura, impedidas de viajar, com escassa electricidade e água potável.

6. Ao longo destes 15 anos, nunca defendi o boicote de Israel. Insisti em acreditar, por pior que tudo fosse aparecendo, que a acção política externa, ou a pressão interna, acabaria por levar ao fim da ocupação. Zero de zero, e entretanto outras agendas se sobrepuseram, a ocupação israelita sumiu das manchetes. Al Qaedas, Daesh & etc foram excelentes a beneficiar Isarel e prejudicar a Palestina.
Em 2016 estive quase todo o Verão baseada em Jerusalém, dois meses e meio, e agora em 2017 mais um mês em périplo. A evidência do descalabro foi progressiva. Tornou-se impossível extrair outra conclusão que não esta, o que tem muitas implicações. Talvez nunca mais volte em reportagem. Talvez não me seja possível, mais, depois de tudo isto, ser repórter ali.

7. Ao longo destes 15 anos, mantive-me de fora dos movimentos pró-Palestina, quis ficar livre para escrever o que visse e ouvisse, doesse a quem doesse, e doeu muitas vezes do lado palestiniano, também. Não tenho qualquer agenda de militante, nem feitio para isso. Muito menos aceitei que me pusessem num dos lados a argumentar com o outro. Era o que faltava, fazer de contraponto aos militantes do Estado de Israel. A missão deles passa por não ver, não escutar e não dizer o que não lhes convém. E essa missão inclui desautorizar qualquer pessoa que pense pela própria cabeça, e portanto não pense como eles. Um clássico da desautorização é denunciar o outro como anti-Israel ou mesmo anti-semita. Em 2017, como vemos, até a UNESCO é anti-Israel, aos olhos de Israel e dos Estados Unidos da América que votaram em Trump.
Todos os repórteres que conhecem bem não apenas Israel como os territórios palestinianos foram alvos deste discurso. A grande diferença entre eles e quem os acusa é que quem os acusa não sabe do que fala, porque se eles conhecem bem Israel e os territórios palestinianos quem os acusa só conhece, ou julga conhecer, Israel. Quando digo conhecer os territórios não falo de um toca-e-foge, mas de muitos dias e muitas noites viajando como os palestinianos, dormindo como os palestinianos, indo aos hospitais dos palestinianos, incluindo Gaza, o mais difícil de aceder.
Muitos israelitas não conhecem nada disto porque a lei o veda: não podem entrar nas cidades palestinianas. O exército israelita, que é de facto o país, que está em cada casa, é composto de rapazes e raparigas que nunca puseram os pés em Gaza e na Cisjordânia senão armados. Dá jeito aos planos do Estado de Israel que assim seja. A compaixão, a empatia, são tramadas. Melhor não ver o outro.
Entretanto, os colonos na Cisjordânia e em Jerusalém Leste caminham para um milhão. Alguns colonatos são cidades de betão. Não há estado palestiniano possível sem que o estado de Israel arranque aquelas torres, e paragens de autocarro, e bases militares, e bombas de gasolina, e restaurantes, e vinhas, e centros turísticos, e universidades, e centenas de milhares de colonos instalados, e novos colonos a cada dia: tudo ilegal.
Há dez anos que a desastrosa desunião palestiniana dá imenso jeito à ocupação israelita para desviar as atenções. Torço para que os palestinianos possam ter líderes melhores do que até aqui, e o acordo avance. O Hamas já aceita um estado palestiniano nas fronteiras de 1967, e essa não foi a única mudança significativa no discurso deles. Mas Israel é óptimo a arranjar desculpas, assobiar para o lado, fazer de conta que não é nada. Nada acontecerá sem uma pressão a sério.

Costa entre os mais influentes na Europa por ser “raro” socialista de sucesso, diz o “Politico”

POLÍTICA

07.12.2017 às 10:47

Num ranking do “Politico” que destaca 28 nomes, o primeiro-ministro português é considerado o nono mais influente na Europa. Jornal refere que António Costa conseguiu apresentar-se como um “campeão da mudança”, capaz de voltar a página da austeridade

Mafalda Ganhão

MAFALDA GANHÃO

António Costa é, para o jornal “Politico”, uma das personalidades que estão a “moldar, agitar e fazer mexer a Europa”. Na lista anual que destaca as figuras europeias consideradas mais influentes, o primeiro-ministro português surge em 9.º lugar (entre 28), posição que é justificada pela raridade do seu percurso no panorama europeu atual: ser um socialista de sucesso.

Colocado imediatamente a seguir à jornalista e dissidente russa Galina Timchenko, diretora do jornal online “Meduza”, Costa é apresentado como um duro lutador político, apesar do “pronto sorriso de campanha” e alguém que conseguiu impor-se como um “campeão da mudança”, capaz de voltar a página da austeridade em Portugal.

“Embora a sua popularidade tenha sido afetada pelas críticas quanto à forma como o Governo lidou com a tragédia dos incêndios florestais“, escreve o “Político”, “ele demonstrou uma capacidade notável para equilibrar as exigências da esquerda para reverter as políticas de austeridade da época de recessão”, através de uma “economia cautelosa que agradou aos investidores estrangeiros e aos parceiros de Portugal na zona euro”.

Costa prepara-se para em 2018 “fazer ainda melhor”, e tem por objetivo garantir uma maioria absoluta nas próximas eleições parlamentares, considera também o “Politico”, que cita as declarações do ex-Presidente francês François Hollande, ao Expresso: “O que está a acontecer em Portugal é um exemplo do que pode ser feito com um programa de ação governamental que é simultaneamente credível e fiel aos seus valores”.

O ranking é encabeçado pelo alemão Christian Lindner, líder do Partido Liberal Democrático, a que se seguem os nomes de Michael Gove, ministro do Ambiente britânico, e Muriel Pénicaud, ministra do Trabalho francesa.

Dele constam ainda o ex-primeiro-ministro belga Guy Verhofstadt’s (em 10.º lugar) e a espanhola Ana Botín, presidente do grupo Santander (16.º ).