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terça-feira, 18 de setembro de 2018

Felizmente, ainda há João Araújo e o Marinho

  por estatuadesal

(Por Valupi, in Aspirina B, 18/09/2019)

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A direita decadente não tem ideias nem talento mas tem Sócrates. Preferem afundar-se em mais uma legislatura na oposição a largarem esse troféu de caça. São como macaquinhos apanhados na armadilha do amendoim (ou da banana, há para todos os gostos), onde a pulsão para conservar o alimento impede que a mão fechada saia do receptáculo por onde entrou aberta.

Ao mesmo tempo, a frustração por estarem na bancada a ver passar a procissão do poder governativo, juntamente com a consciência silenciada de serem canalhas por vocação e vício, leva-os a esticar a corda da violência política até ao máximo que for possível sem ter de usar armas. Eis porque nada mais conseguem fazer do que passar os dias a berrar e patear, emporcalhando o regime sem qualquer pudor nem limite imaginável.

A tese de que Joana Marques Vidal “acabou com a impunidade” no Ministério Público é extraordinária de estupidez, mas ainda mais extraordinário é ver a complacência, nalguns casos aberta cumplicidade, com que as autoridades institucionais lidam com essa calúnia. Tiremos o corolário para uma experiência mental. Em que consistiu a impunidade anterior a JMV? Foi só obra de Pinto Monteiro ou de outros PGR? Aceitemos Pinto Monteiro como o único bandido. Que é que ele fez de ilegal? Não há ninguém, sequer no esgoto a céu aberto, que consiga nomear a metade da metade de um acto do anterior PGR que possa ser considerado ilegal. Passemos para o último recurso: que é que Pinto Monteiro não fez que devia ter feito para acabar com a impunidade? A única resposta que os decadentes dão é esta: “Devia ter prendido Sócrates, como a Joana conseguiu fazer.” Ora, seria possível que Pinto Monteiro conseguisse tal façanha de proteger socialistas corruptos apanhados com provas válidas tendo contra si os procuradores valentes que capturaram a presa e a corporação dos magistrados do Ministério Público na figura do seu sindicato, a que ainda se junta a autoridade do Conselho Superior do Ministério Público e toda a direita partidária, mediática e presidencial? Se sim, por que razão não temos agora acesso a essa demonstração? Por que razão Cavaco Silva, Passos Coelho e Joana Marques Vidal, logo a partir de 2012, não expuseram à Nação as ignóbeis e históricas violações da Lei, da Constituição e/ou da moral que Pinto Monteiro protagonizou na era da impunidade?

Esta direita cuja decência é medida pela forma e conteúdo do Correio da Manhã, e cuja defesa do Estado de direito e da liberdade é medida pelo fanatismo e rancor do Observador, trata as suas audiências como broncos a quem basta atirar um osso para os ver com os dentes de fora a ladrar e a babarem-se furiosos. Razões de sobra para ver o último Expresso da Meia Noite – o qual ainda oferece o supino prazer de ouvir o João Araújo (mesmo que pareça um pouco fragilizado por questões de saúde).

Processos de Insolvência – Lepra dos tribunais

  por estatuadesal

(Nuno Godinho de Matos, 18/09/2018)

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Em Janeiro de 1974, o advogado Francisco Salgado Zenha, disse a um estagiário, que tinha completado o curso, dois meses antes: - Venha comigo ao tribunal, para uma diligência, na qual vai ver o desespero e a impotência de um homem sério.

No Tribunal, uma das Varas Cíveis de Lisboa, (nesse tempo não existiam tribunais de comércio) no átrio, viam-se advogadas, advogados e cerca de 13 a 15 homens, que esperavam e não comunicavam com os advogados. Estava em causa a venda, em hasta pública, terceira convocatória, de uma partida de milho, de várias toneladas.

Chega o então oficial de diligências, acompanhado do Meritíssimo. O Oficial de Diligências fez a chamada dos advogados intervenientes (falido - ao tempo usava-se o termo falido, menos nobre e distintivo que o de insolvente – e credores reclamantes de créditos). Seguidamente, depois dos advogados identificados, o Juiz disse que se ia proceder ao anúncio público da abertura da praça, para venda da partida de milho, e pediu ao oficial de diligências que procedesse ao anúncio da abertura da praça para a hasta pública.

Feito o anúncio, constata-se um silêncio sepulcral entre todos os circunstantes. Os tais 13 a 15 homens, que esperavam e não comunicavam com os advogados e os advogados. Aí, o Juiz, dirigindo-se ao grupo de 13 a 15 homens, interpelou-os directamente e perguntou-lhes: - Os Senhores estão aqui para a hasta pública? Querem comprar a partida de milho? Se sim, por que não respondem ao anúncio para darmos início ao leilão da hasta pública.

Ninguém respondeu. Silêncio e todos olham para o lado, evitando o olhar do Juiz.

O Juiz disse:

- Isto é uma vergonha! Uma grande vergonha! Os senhores estão aqui! É óbvio que estão interessados na hasta pública, mas a praça vai ficar deserta, por que somente os advogados das partes responderam à chamada! Eu não posso impedir a passagem à negociação particular, depois de três praças desertas! Que vergonha!

O anúncio foi repetido mais duas ou três vezes. Findo essa actividade inútil, sempre no maior dos silêncios, com excepção dos anúncios do oficial de diligências, o Juiz declarou a praça deserta e a passagem à negociação particular da venda das toneladas de milho.

O estagiário perguntou ao Patrono:

- Mas, a final o que se passou? Por que motivo aqueles senhores estavam aqui e nunca quiseram dar início à hasta pública? O Patrono explicou:

- Todos aqueles homens estavam interessados na compra do milho e estavam aqui, todos, para se controlarem uns aos outros. Se um se manifestasse como querendo participar na hasta pública, todos o fariam, para se controlarem e licitarem, na compra do milho. Contudo, todos preferem que a praça fique deserta para a venda ser feita por negociação particular, entre eles e o administrador da falência.

Assim, o que vai suceder é: eles contactam todos, directamente, com o administrador da falência; um deles, o que der a gratificação mais elevada ao administrador da falência, vai comprar o milho por cerca de 10 a 15% do seu valor real. A gratificação para o administrador da falência será de um valor aproximadamente igual ao do preço de compra da partida de milho.

Logo, o comerciante compra o produto, no máximo, por cerca de 30% do seu valor. O administrador da falência encaixa 10 a 15% do valor da mercadoria, em notas e livres de impostos e a massa falida perde o milho e o valor do mesmo. Isto são os processos de falência e a vida, meu caro.

No Mundo, na vida, à nossa volta, há muita coisa suja e ausente de seriedade; contudo, fixe o exemplo do Juiz, que nada pode fazer para impedir o cambalacho, mas que tenta, esforça-se e torna pública e patente a sua afirmação de seriedade.

Decorridos 44 anos, tudo está na mesma. Nada mudou. Os processos de insolvência continuam a constituir a pútrida lepra dos tribunais ordinários. Graças, à figura dos administradores da insolvência e ao sentido do negócio e do lucro.

Assim se vive, assim se morrerá.

A confrontação dentro da Igreja com o Papa Francisco

  por estatuadesal

(António Abreu, in AbrilNovoMagazine, 17/09/2018)

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O arcebispo Carlo Maria Vigano pediu há dias ao Papa Francisco que renunciasse, por ter encoberto na Igreja dos EUA o caso do cardeal Theodore McCarrick. Mas fê-lo já depois deste ter renunciado no mês passado e após ter sido comprovadamente denunciado por pedofilia. Vigano negou, vários dias depois, ter sido motivado por vingança pessoal. De facto, tinha sido referido na imprensa italiana que a sua não ascensão a cardeal poderia ter estado por detrás dessa sua inusitada intervenção.

O arcebispo fez publicar a declaração inicial através do blogue de um jornalista da televisão italiana, Aldo Maria Valli, quando há dias o Papa estava na Irlanda e fazia a crítica da pedofilia no clero, pedindo, às vítimas e ao mundo, perdão. Vigano não incluiu nenhum documento comprovativo da sua contundente declaração, limitando-se a referir que os encobrimentos na Igreja estavam a assemelhar-se a «uma conspiração de silêncio não muito diferente da que prevalecia na máfia».

No avião de regresso da Irlanda, Francisco não se quis pronunciar sobre a declaração de Vigano. E pediu aos repórteres que o acompanhavam: «leiam o documento cuidadosamente e julguem por vós mesmos».

O que move o arcebispo Carlo Vigano?

Para quem conhece os meios do Vaticano, outra das afirmações do arcebispo Vigano, ex-embaixador do Vaticano em Washington, de que decidira falar porque «a corrupção atingiu os níveis mais altos da hierarquia da Igreja», só se pode compreender como querendo desconsiderar uma luta que Francisco estava a travar, desde o início do seu mandato – tal como acontecera com Bento XVI –, contra essa corrupção e outros fenómenos muito negativos em que está envolvida boa parte da Cúria, pelo menos desde o papado de João Paulo II.

Dois sacerdotes do Vaticano acusaram posteriormente Vigano de não ter tido consciência do impacto do encontro com uma activista contra o casamento entre homossexuais, que organizou sem prestar contas disso, quando da visita do Papa a Washington. O único encontro marcado que Francisco esperava ter era com um ex-aluno, homossexual, e o seu parceiro. Atitude que é perfeitamente coerente com a sua declaração, de há poucos dias, sobre a aceitação nas famílias e na Igreja dos jovens homossexuais.

Vigano afirmou que Bento XVI referira a Francisco, em 2013, a condenável conduta sexual de McCarrick, a quem tinha imposto sanções. E referiu que Francisco o ignorara. Ora no período em que ele referiu que McCarrick estaria sancionado, o «sancionado» acompanhara em actos religiosos Bento XVI, o que revela uma falha da narrativa de Vigano…Mas sobre isto, nada disse.

Está hoje claro que Vigano1 se escondeu por detrás de meios de comunicação conservadores para publicar a declaração, onde chega a dizer que existe no Vaticano «uma rede homossexual» que promove os homossexuais na Igreja…

As eminências do conservadorismo e a «demissão» do Papa

De acordo com as leis da Igreja Católica, os Papas podem resignar mas por decisão própria. Foi o que aconteceu com Bento XVI quando, ao chegar aos 85 anos, concluiu que já não tinha forças bastantes para o desempenho do papado. Nunca ninguém o levou a resignar, o que torna esta declaração de Vigano duvidosa.

Não se percebe como poderia o Papa renunciar livremente quando existem pessoas a fazer campanha para isso. Não existe no Direito Canónico algo semelhante ao impeachment. Mesmo que a pressão psicológica sobre ele se tornasse insuportável ele não a aceitaria. Face a uma inesperada aceitação, muitos a entenderiam como resultado de uma coacção.

No entanto existem eminências do conservadorismo na Igreja que entendem que o Papa é um bispo como os outros que poderia renunciar «por causas justas ou graves». Outros entendem que os Papas Bento XVI e Francisco foram mal aceites e confundiram os fiéis e a fé.

No último encontro mundial de bispos, quase um quarto do Colégio dos Cardeais, expressou a ideia de que o Papa se aproxima da heresia. E em Setembro do ano passado 62 católicos descontentes, nos quais se incluem um bispo já retirado e um antigo director do Banco do Vaticano, publicaram uma carta aberta em que apontam a Francisco sete acusações específicas de ensinamentos heréticos.

Edward Peters, um conservador canonista de Detroit, disse no seu blogue que Francisco não deve ser considerado de forma diferente de outros bispos que, segundo a lei canónica, podem renunciar por causas justas ou graves e que o Papa também é bispo (de Roma)…

Um papado popular e que desagrada aos poderosos

A modéstia e humildade que Francisco transmitiu desde o início do mandato conferiram-lhe grande popularidade entre a generalidade dos crentes mas também fúria contra ele, inicialmente dissimulada, por parte dos sectores mais conservadores das hierarquias, nomeadamente em alguns países da Europa Central e nos EUA, acabou por vir à luz do dia.

O facto de ser o primeiro Papa não europeu agradou a todos os que não se conformavam com uma Igreja apenas dirigida por papas europeus, que ignorasse os sinais dos tempos, e a necessidade de dar resposta a novas e não tão novas questões, como a opção pelos pobres e a condenação do capitalismo global, as crescentes desigualdades sociais, a pompa e ostentação da riqueza no Vaticano, a continuidade do combate à corrupção e criminalidade no seio da Cúria e outras estruturas eclesiásticas, o divórcio entre casais católicos e o dificultar da sua normalização de direitos e deveres no seio da sua Igreja, o acolhimento na Igreja e na família dos homossexuais, a exigência do apoio dos estados ao fenómeno, que se acentuou dramaticamente, da imigração clandestina.

Francisco imprimiu acções práticas nas orientações para a Igreja. E também houve gestos simbólicos, mas que falaram por si, como conduzir um Fiat, transportar as próprias malas, pagar a conta em hotéis, receber um casal homossexual no México ou lavar os pés a refugiadas muçulmanas.

Como é evidente, o Papa não está a introduzir alterações revolucionárias, de ruptura, na Igreja. Por exemplo, em quase todo o mundo, os casais que se divorciam e voltam a casar têm acesso à comunhão apesar de ainda haver padres ultraconservadores que o recusam a fazer. Noutras questões há uma crescente abertura no seio dos fiéis e do clero.

«No último encontro mundial de bispos, quase um quarto do Colégio dos Cardeais, expressou a ideia de que o Papa se aproxima da heresia»

A discussão conduzida pelos sectores mais conservadores está inquinada. Para eles, as reformas cautelosas de Francisco põem em causa a crença de que as verdades da Igreja são intemporais. E que assim continuam, porque se não são, então qual o seu valor? Para eles, a doutrina afirma que o Papa não pode estar errado quando se pronuncia sobre questões centrais da fé, e que, portanto, se está errado, não pode ser Papa. Por outro lado, se este Papa está certo, todos os seus antecessores têm de ter estado errados. É uma pescadinha de rabo na boca alimentada por uma teologia dogmática mas que não colhe significativamente entre os fiéis e boa parte do clero.

Esta intervenção do Papa nas chamadas «questões difíceis» pode levar à abertura de outra – que em rigor nunca tem estado fechada – a do celibato dos padres. A não-aceitação do casamento de padres. Se outras intervenções se dirigem mais para a abertura perante a sociedade, esta tem seguramente a ver com o pretendido aumento das vocações sacerdotais e a própria sobrevivência da Igreja.

«[o Papa Francisco] compreende por que estão as pessoas frustradas com a globalização»

Austen Ivereigh, New York Times

Em matérias internacionais, não seria de esperar de Francisco uma confrontação clara com os EUA e outras potências ocidentais, mas foi quebrada a santa aliança de João Paulo II com Reagan e Tatcher na guerra conjunta contra o comunismo. A nomeação do Cardeal Woytila como João Paulo II ocorreu na sequência da morte de João Paulo I, estranha pelas muitas dúvidas que ainda hoje suscita. João Paulo I identificava-se com as causas dos países emergentes e mais pobres, mais caras a Paulo VI.

A condenação da continuidade da guerra da Síria, pelo Papa Francisco, em Fevereiro deste ano, foi dirigida a todos os responsáveis intervenientes no conflito. Depois, em Abril, fez referência a que as populações devam ter acesso às ajudas de que têm urgente necessidade e apelou à cessação imediata da violência, para que seja dado o acesso à ajuda humanitária – alimentos e remédios – e se retirem os feridos e os doentes, nas situações de combate com os terroristas sitiados. Foi o caso presente de Idlib.

Em Bari, em Julho passado, promoveu uma cimeira ecuménica pelo Médio Oriente, com vários responsáveis cristãos, perante os quais recordou o «grande sofrimento» dos fiéis cristãos na Terra Santa, temendo a eliminação desta sua presença histórica.

No que respeita ao processo de reunificação da Coreia, afirmou, em mensagem do final de Março, que na Coreia se vive um processo de distensão após dois anos de escalada da tensão provocada pelos testes nucleares e balísticos da Coreia do Norte. «Que os que têm responsabilidades directas actuem com sabedoria e discernimento para promover o bem do povo coreano e para gerar confiança na comunidade internacional».

Ao falar sobre o Iémen, país devastado por três anos de guerra de agressão saudita, pediu «diálogo e respeito mútuo». Francisco citou, ainda, a Venezuela, país ao qual desejou uma saída «justa, pacífica e humana» para a crise política e humanitária.

O presidente russo e o líder da Igreja Católica, em Dezembro de 2016, tinham trocado pareceres «sobre a proteção dos cristãos na área de conflitos regionais e a importância do diálogo inter-religioso construtivo para preservar a base ética das questões de paz». Falaram ainda das relações entre a Igreja Católica e a Igreja Cristã Ortodoxa, dominante na Rússia.

Em Maio deste ano, o New York Times citava Austen Ivereigh, autor de The Great Reformer: Francisco and the Making of a Radical Pope (Francisco, o grande reformista e a realização de um papado radical), como tendo dito que as opiniões de Francisco se formaram na Argentina, influenciadas por uma vertente do nacionalismo latino-americano mais voltada para a resistência às forças multinacionais, e não para uma nostalgia europeia ligada a um passado de pureza mítica. «Ele compreende por que estão as pessoas frustradas com a globalização».2

Francisco tem tido a capacidade, no quadro de uma de uma situação geoestratégica hoje muito mais policentrada, de fazer pontes para que a paz possa progredir entre muitos actores. Não se lhe pode pedir, porém, que seja outra pessoa e trabalhe com outro Vaticano.

Na minha opinião, o seu papel tem sido construtivo para se atingir a paz em várias situações muito graves.

  • 1. Uma sucinta biografia do arcebispo Vigano e das suas controvérsias pode ser encontrado em «Who is Archbishop Carlo Maria Vigano?», National Catholic Reporter, 28 de Agosto de 2018.
  • 2. Ao contrário, a direita populista, pela voz de «Steve Bannon – ele próprio católico – gosta de chamar a Francisco “comunista”, pela sua política econômica». Em «Pope Francis in the wilderness», New York Times, 29 de Abril de 2018.

Este artigo encontra-se em: antreus http://bit.ly/2QBzJrp

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Como é que se discorda estruturalmente do PSD?

  por estatuadesal

(Daniel Oliveira, 17/09/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

(Grande texto, ó Daniel. Eu aconselhava o Rui Rio a não perder e a reflectir. Talvez assim ficasse a entender melhor o que lhe está a acontecer. Nada melhor para a direita se reencontrar e tornar mais eficaz do que atentar às reflexões alguém de esquerda como tu, ó Daniel...

Comentário da Estátua, 17/09/2018)


"Todos aqueles que discordam do ponto de vista estrutural obviamente que é mais coerentemente saírem" do PSD. Esta frase, dita por Rui Rio no programa da TSF de Pedro Marques Lopes e Pedro Adão e Silva (Bloco Central), tem um problema de base: temos de descobrir o que é discordar estruturalmente do PSD. Partindo do princípio que Rui Rio não acha que o partido é ele, temos de imaginar que a discordância estrutural não se resume às suas posições ou às posições circunstanciais do partido. Ninguém se demite de um partido por isso. Uma discordância estrutural é anterior a isso. Ora, o PSD tanto é o de Rui Rio como o de Cavaco Silva o de Passos Coelho ou o de Manuela Ferreira Leite. É impossível alguém não discordar estruturalmente de algum deles.

Na verdade, não é Rui Rio que está perdido quando não consegue dizer que Mário Centeno não caberia num governo seu e não consegue renegar de uma penada a proposta do Bloco de Esquerda para combater a especulação imobiliária. Rio é apenas demasiado sincero ou ingénuo.

Faltam-lhe filtros. Mas quem está perdido há muito tempo é o PSD. Sempre o esteve. Não fosse o partido que, no tempo do cavaquismo, aumentou o número de funcionários públicos ao mesmo tempo que privatizava funções do Estado.

O PSD é um partido híbrido, sem paralelo na Europa. Isso não foi um problema quando a escolha era entre o comunismo e o resto. Isso não foi um problema na adesão à CEE. Isso não foi um problema no processo de liberalização controlada. Isso não foi um problema no tempo das vacas gordas. Agora, que a Europa e a crise obrigam a grandes escolhas, isso é evidente.

Este é um momento de clarificação e até de alguma radicalização do debate. Daqueles momentos quentes que acontecem sempre na história e sem os quais o mundo e as nações não evoluem. Levantam-se questões ideológicas fundamentais e o PSD não está minimamente apetrechado para se posicionar. Não preciso de dizer mais: acha que é social-democrata e está no Partido Popular Europeu. Tem vários dirigentes que recusam ser de centro-direita e está alinhado com a direita conservadora europeia. O PSD é uma coisa em forma de tudo e de nada. Não foi um problema enquanto se tratava de gerir a prosperidade ou um consenso que ia do CDS ao PS. Agora é.

.Aquilo que considerámos um desvio ideológico para a direita, protagonizado por Pedro Passos Coelho, não foi um acidente. Pode ter sido acentuado pela intervenção externa, pelo grupo de jovens ortodoxos que influenciava Passos e pela pouca preparação ideológica do então líder do PSD. Mas foi muito mais do que isso. A adesão dos socialistas à “terceira via”, a que o Partido Socialista de Sócrates não foi imune, e o que aconteceu em toda a Europa empurrou o PSD para a direita. Assim como empurra, neste momento, todos os partidos socialistas que se queiram salvar para a esquerda.

Passos foi a clarificação do que o PSD podia ser perante um PS que aceitou o fundamental da contrarreforma liberal, pedindo apenas um período de transição mais suave. Rui Rio tenta ser o que o PSD já não pode ser.

Havia um tempo em que Portugal podia ter um partido que só havia por cá. Uma direita única, envergonhada e atípica. Esse tempo passou com as fronteiras abertas, o povo na internet e o poder orçamental centralizado em Bruxelas. A direita social moderada que Rio quer já não existe. Com grande pena minha.

É claro que a sabotagem que os derrotados do PSD fazem ao novo líder é o problema mais imediato. E que as provocações de Rui Rio ao próprio partido ainda tornam tudo mais difícil de resolver. Mas para aguentar a revolta interna e a campanha mediática contra si, Rio precisa de um discurso que se perceba e que tenha alguma coisa a ver com o tempo que vivemos. Não chega o estilo de homem sério e austero. Não quer dizer que o discurso de Rui Rio esteja errado. Está, tal como Rio, demasiado desfasado deste tempo.

Marques Mendes: Portugal vai anunciar linha de crédito de 500 milhões para apoiar as exportações para Angola

Maria Teixeira Alves

Ontem 22:21

O comentador anunciou ainda que no OE 2019, o último de Mário Centeno, o défice vai ser de 0,2% (tecnicamente défice zero). Mas o próximo ministro das finanças já vai apanhar a economia europeia em forte desaceleração.

Luís Marques Mendes, no seu comentário semanal na SIC, comentou naturalmente a visita de Estado, que se vai iniciar esta segunda-feira, do primeiro-ministro português a Angola.

“Portugal precisa de intensificar a sua relação económica com Angola, para investir e para exportar”, disse o comentador que lembrou que há uns anos Angola era o quarto destino das exportações portuguesas e hoje é o sétimo.

”Nesta visita os acordos que vão naturalmente ser celebrados, são: o acordo  para evitar a dupla tributação; vai ser anunciada uma linha de crédito de 500 milhões de euros para apoiar as exportações portuguesas para Angola; o outro dossier importante que vai estar em cima da mesa é a dívida de Angola às empresas portuguesas”, disse Marques Mendes que considera no entanto que esta visita é sobretudo política.

A dívida de Angola às empresas ronda os 500 milhões de euros é o dossier mais difícil por causa das sucessivas desvalorizações do kwanza, reconheceu o comentador.

A TSF noticiou recentemente que este é um processo para ser feito a dois tempos: primeiro o “reconhecimento e a certificação”, por parte do Estado angolano, do montante dos pagamentos em atraso; depois, um acordo sobre as modalidades de pagamento.

Angola precisa de conhecimento, investimento e tecnologia, e Portugal tem condições para ajudar aquele país na óptica do comentador.

Taxa Robles e Taxa Rio

“Sem terem feito muito por isso, PS e CDS foram os dois grandes vencedores desta semana – à custa do BE e do PSD”, defendeu.

”Foram dois grandes tiros no pé”, considerou realçando que o PS ganha trunfos em direção à maioria absoluta, pois “a classe média assusta-se com estas ideias do Bloco de Esquerda”, disse.

Marques Mendes salientou que a proposta do BE de criar um novo imposto sobre negócios imobiliários “é uma manobra de diversão para o grande problema que teve em agosto. O caso Robles”, considera o comentador.

O CDS também ganha com o tiro do pé de Rui Rio, disse Marques Mendes que realça que “Rui Rio foi muito precipitado. Porque tem defendido e bem a estabilidade fiscal, mas assim que lhe puseram um microfone à frente deu um pontapé na coerência, veio logo defender uma mudança do regime fiscal”, ironiza Marques Mendes.

Depois o líder do PSD “tem dito que não se pronuncia sobre o Orçamento de Estado enquanto não o conhece, e aqui veio pronunciar-se sobre uma proposta do Bloco que ainda ninguém conhece”, salienta ainda o comentador nas suas críticas a Rui Rio.

Marques Mendes foi mais longe e disse mesmo que Rui Rio devia ter sido mais social-democrata. “O que Rui Rio devia ter dito visto é: temos ou não um problema em Portugal na habitação. Qual é esse problema? Falta de casas para vender ou para arrendar e por isso os preços sobem”.

Marques Mendes defende que este problema não se resolve com mais ou menos impostos. “Temos é que colocar mais casas no mercado. Mais impostos ou novos impostos têm efeito contrário – fazem retirar ainda mais casas do mercado, porque os investidores se retraem.
O que temos é de aprovar incentivos para ter maior oferta de casas no mercado e assim fazer baixar preços”, disse.

“Rui Rio foi populista e deixou o eleitorado do PSD com os cabelos em pé”, acusou o comentador.

O problema não é fiscal. É de oferta de habitação.

A sondagem do Expresso/SIC dá uma subida de 0,2% ao PSD, continua a 14 pontos do PS. Mas, diz o comentador, “não se deve criar um congresso extraordinário para substituir Rui Rio. Seria um enorme disparate”, defendeu.

Orçamento do Estado para 2019 vai apontar para um défice de apenas 0,2%

Este Orçamento de Estado vai ser muito eleitoralista, considera o comentador, que enumera “no domínio dos impostos, no domínio das pensões, no domínio dos passes sociais, no domínio da energia”.

No défice vai ser um orçamento histórico, disse. “O que vai ficar inscrito no OE vai ser um défice de 0,2% do PIB, o que na prática é tecnicamente um défice zero. Mas com as cativações, provavelmente, vamos ter ao longo do ano um défice zero ou mesmo um excedentezinho orçamental” disse adiantando que “isto é histórico”.

Só Marcelo Caetano em 1970 teve 0,1% de excedente orçamentalmente, e antes com Salazar em 1952, onde Portugal teve um superávit orçamental de 0,3%. Depois nos anos 58, 59 e 60, o país teve contas equilibradas.

Este défice zero dificultará a vida à oposição, defendeu.

Este OE tem outra particularidade – será o último OE de Mário Centeno. Ele não ficará no próximo Governo e quer sair ficando na história como o único Ministro das Finanças que em democracia conseguiu um orçamento de défice zero ou até com excedente orçamental.

Marques Mendes diz que Mário Centeno tem ambições internacionais e aponta a presidência do futuro Fundo Monetário Europeu (um FMI para a zona euro) como um seu destino provável, se este organismo, que está previsto no âmbito da reforma da zona euro, for criado a tempo.

Em alternativa poderá ser comissário europeu, defende.

“O futuro ministro das finanças é que vai ter a vida dificultada”, disse.

No final do ano acaba-se a compra de dívida pelo BCE, o que vai ser complicado para países como Portugal e provavelmente já em 2020  a economia europeia vai estar em acentuada desaceleração.