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terça-feira, 20 de novembro de 2018

O progresso da barbárie

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 20/11/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

Aconteceu a 29 de agosto, em Acatlán, no estado de Puebla, no México. Dois homens, tio e sobrinho, foram levados num carro da polícia para uma esquadra. Ricardo era estudante de direito, de 21 anos, e tinha regressado a Acatlán para visitar parentes. Alberto era um agricultor de 43 anos. Os dois tinham ido ao centro da cidade para comprar material de construção para fazer um poço. Estavam próximos de uma escola e foram abordados por pessoas que os acusavam de ser sequestradores de menores. Foram detidos por “atentado à paz”, no meio das discussões em que se envolveram. Se tudo tivesse corrido normalmente teriam sido imediatamente soltos.

Para perceber o que aconteceu, temos de viajar para uma terra virtual e sem lei: as redes sociais. Em mensagens privadas de WhatsApp corria um aviso: “Por favor, todos estejam atentos porque uma praga de sequestradores de crianças entrou no país. Parece que esses criminosos estão envolvidos no tráfico de órgãos ... Nos últimos dias, crianças de quatro, oito e catorze anos desapareceram e algumas foram encontradas mortas com sinais de que seus órgãos foram removidos.” Ricardo e Alberto foram identificados, não se sabe bem por quem nem como, como sendo dois desses sequestradores. Talvez por estarem perto de uma escola.

Quando chegaram à esquadra, no carro da polícia, foi-se juntando cada vez mais gente. Os agentes insistiam que não eram sequestradores. Mas a multidão crescia. No Facebook e no WhatsApp espalhava-se a notícia: tinham sido capturados os sequestradores e a polícia preparava-se para os soltar. Francisco divulgou uma mensagem através da sua câmara para o Facebook: “Povo de Acatlán, por favor venham ajudar. Acreditem em mim, os sequestradores estão aqui agora.” Ao mesmo tempo, Manuel subiu ao telhado do prédio da prefeitura e tocou os sinos. E Petronilo começou a telefonar para moradores para contribuírem para se comprar gasolina para fazer arder aqueles dois homens. Estes são três dos cinco linchadores com nomes. Os resto é uma multidão anónima, com medo e ódio e protegida pela cobardia coletiva.

A multidão arrastou os inocentes para fora da esquadra e logo na escadaria da entrada começaram a espancá-los. Ricardo acabou por morrer da pancada, antes do verdadeiro horror. Depois, derramaram gasolina sobre os dois, com Alberto ainda vivo. Pegaram-lhes fogo. Dezenas de braços com telemóveis filmaram o espetáculo. Vários foram os que transmitiram em direto, nas suas páginas. Enquanto ardia, Alberto ainda se mexia.

Maria é doméstica e José trabalhador da construção civil. Vivem em Baltimore, nos EUA. Eram pais de Ricardo que, tal como o seu irmão, ficou no México. No dia 29 de agosto, Maria recebeu várias mensagens a avisar que o seu filho e o seu cunhado estavam presos. Que eram suspeitos de rapto. Até que lhe chegou uma mensagem com link para uma transmissão ao vivo, do Facebook. E assim podia ver, em direito, a milhares que quilómetros de distância, filho e cunhado a serem espancados por uma multidão enlouquecida. Nos comentários deixou mensagens de desespero: “Por favor, não os magoem, não os matem, eles não são sequestradores”. Pôde ver os homens a serem ensopados e gasolina e a arderem. Com a ajuda do Facebook. Um dado importante: nenhuma criança foi sequestrada em Acatlán.

Esta história, que este mês correu mundo, é contada com um pormenor arrepiante nesta reportagem da BBC. Episódios como este repetem-se na Índia, em Myanmar, no Sri Lanka, no Equador, na Colômbia... Sobretudo em pontos do mundo onde a tecnologia chegou antes da autoridade do Estado. As fake news não se limitam a eleger bestas. Matam inocentes. O WhatsApp, comprado por 17 mil milhões de euros pelo Facebook, não permite que as mensagens sejam desencriptadas. Resta às autoridades destes países tentar sensibilizar as populações para se defenderem da mentira viral. Mas é uma guerra perdida.

Sempre houve linchamentos. Basta acompanhar o discurso que vai recuperando espaço público, as justificações fáceis para a justiça pelas próprias mãos – seja para humilhar publicamente assaltantes em fugas ou para salvar animais maltratados –, para perceber que a cultura do linchamento nunca desapareceu. Se a comunidade é a soma da inteligência de muitos indivíduos, a multidão é a soma da sua estupidez. E serão sempre poucos o que resistirão à bestialidade da multidão. Mas houve uma coisa que mudou: o que impedia que a multidão irracional chegasse sequer a formar-se. A verdade é que as mesmas redes que conseguem, sem nenhuma organização ou intermediação, juntar milhares para combater numa praça a opressão, conseguem juntar centenas para um linchamento com base numa mentira.

O boato não apareceu com as redes sociais. Mas a rapidez com que se dissemina deu-lhe um poder que nunca conhecera. Chegar em minutos a milhares não é o mesmo que se ir espalhando por centenas durante meses. A única mentira que era rápida e chegava a muitos tinha uma origem identificável – um jornal, uma televisão. Alguém que poderia ser responsabilizado e punido. O boato, que seguia boca a boca, é que não tinha autor certo. Mas demorava demasiado tempo a espalhar-se com perigo. Hoje, espalha-se num ápice de forma impessoal.

Temos de proteger a liberdade de expressão. Mas todas as liberdades sem limites são perigosas. Porque todas acabam por nos tirar a liberdade. A única forma de parar isto é obrigar estes veículos a criar regras que reduzam o risco. No caso de tudo o que sejam mensagens que não são públicas, reduzir drasticamente a quantidade de pessoas para quem cada um as pode enviar. E criar instrumentos para acabar com os perfis falsos. A única maneira de pressionar as empresas a implementar estas políticas, que não são boas para o negócio, é responsabilizá-las pelas consequências. Não pode ser possível assistirmos no Facebook a um linchamento, filmado pelos próprios linchadores, e nada acontecer a quem serviu de plataforma para a preparação e divulgação do crime. Não são pormenores que têm de ser alterados. É um travão a fundo num suposto progresso que nos está a fazer regressar à pré-modernidade.

Não vivemos numa selva porque temos laços de empatia (que dependem da proximidade física) e formas de responsabilização. E porque no meio criámos entidades que limitam, para nossa irritação, a nossa própria liberdade. Se tirarmos isto a uma comunidade recuaremos séculos. Estamos a recuar.

Não há nada mais antigo do que a multidão que arrancou Ricardo e Alberto da esquadra, os espancou e lhes pegou fogo com base numa acusação falsa. Não há nada mais antigo do que a fragilidade da autoridade do Estado perante a justiça cega da multidão. A construção do Estado de Direito é uma permanente luta contra os linchadores. Absolutamente nova é a capacidade de espalhar o boato e arregimentar centenas de desconhecidos em minutos pelo WhatsApp.

Não são as chamas a consumirem os corpos de Ricardo morto pelo espancamento e de Alberto ainda vivo que nos mostram o horror do futuro. Isso é o horror do passado revisitado. São dezenas de braços a filmarem e transmitirem em direto. É a mãe de Ricardo a ver tudo, a milhares de quilómetros, por transmissão direta no Facebook. É a barbárie tecnológica.

É o progresso estar a transformar-se no mais abissal retrocesso que a história do mundo viveu desde o Holocausto. As redes sociais, assim como a Inteligência Artificial, são o nuclear do século XXI: demasiado grandes e poderosas para conter a nossa animalidade.

Senhor Eucalipto

  por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 20/11/2018)

LOUCA3

Vários jornais acolheram três páginas de generosa publicidade paga que lançou o grito de alerta: há desinformação sobre os incêndios e, pior, “o ataque que se tem registado contra o eucalipto promove a desertificação do interior”. Nove municípios, uma lista de académicos que modestamente assinam “professor tal e tal”, associações de produtores, as principais empresas do sector, os ex-ministros do PS que estão sempre nestas coisas, todos se juntam para repelir o “ataque”. Entre eles destaca-se Álvaro Barreto, que Cavaco Silva foi buscar à Soporcel para dirigir o Ministério da Agricultura e que depois voltou à empresa para cumprir uma longa presidência, um dos mais eloquentes exemplos portugueses da porta giratória entre governos e as empresas do sector que tutelou. São os mandantes, os financiadores, os políticos, os empresários, o Senhor Eucalipto.

Irritados com o Parlamento e com o Presidente, um porque recomendou a retirada dos eucaliptos infestantes, outro porque se fez filmar a arrancar os ditos cujos, os signatários declaram-se dispostos a um debate “que permita aprofundar o conhecimento”. Ora melhor assim. Mesmo que alguns se tenham esquecido de declarar o seu interesse pessoal direto na matéria, o que só lhes ficava bem, falar de “factos sobre a floresta” é razoável.

Mas vejamos o primeiro facto: Portugal é o país do mundo que tem maior proporção de área eucaliptada (e o quarto do mundo em termos absolutos). Maravilha, nenhuma empresa e nenhum governo em país algum do planeta inteiro percebe o milagre que é o eucalipto e replica o sucesso português. A esperteza empresarial é privilégio único daquela lista de professores e empresários que assinam a publicidade, são os melhores do mundo. Entretanto, perguntar qual a razão para que todos os outros países do mundo imponham limites ao eucalipto é crime de lesa majestade. Segundo facto: o eucalipto já representou 24% da área ardida em 2016 e 127 mil hectares em 2017, no ano corrente ainda a conta está por concluir. No incêndio de Monchique, foi o eucalipto. Muitos dos distintos signatários são pagos pelo eucalipto e percebe-se a sua candura, mas escusavam de argumentar que ele nos protege do fogo.

Se nos dizem que o abandono do interior, a perda da agricultura e o desinteresse pela floresta também têm muitas outras razões, só posso concordar. O problema é que o Senhor Eucalipto é hoje a força económica dominante na floresta e o lóbi mais poderoso nos sucessivos Ministérios da Agricultura, e a sua ação agrava os riscos da floresta, acumula pilhas incendiárias e promete aos pequenos proprietários o que não lhes pode dar.

O predomínio do eucalipto na nossa floresta é somente um sinal da vulnerabilidade de Portugal. Que as empresas beneficiárias defendam o seu privilégio e que arregimentem os seus para uma declaração de subserviência, é natural. Que o país vá sofrendo esta prepotência, enterrando os seus mortos nos incêndios, carpindo as perdas das famílias atingidas e esperando resignadamente a desgraça do ano seguinte, isso já é menos aceitável.

Entre as brumas da memória


Levante o braço quem nunca recorreu ao dr. Google

Posted: 19 Nov 2018 01:30 PM PST

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É ouro, senhores

Posted: 19 Nov 2018 10:02 AM PST

«Chegar à União Europeia não é igual para toda a gente, já se sabe. Em vários países da União Europeia - treze mais em concreto - ter dinheiro é condição de porta aberta. Já se o assunto for fugir à morte ou procurar trabalho, a conversa é bem diferente. O caso a que me refiro é o dos vistos gold. Portugal integra a lista de países com práticas mais questionáveis a este respeito. Não sou eu quem o diz, os dados vêm do Consórcio Global Anticorrupção e da Transparency International.

Corrupção, lavagem de dinheiro e crime organizado são apenas algumas das práticas que se vinculam a estes esquemas, que em Portugal foram introduzidos em 2012 a pretexto da necessidade de investimento estrangeiro e da criação de emprego. Não é preciso saber de onde vem o dinheiro, basta que ele chegue. Da mesma maneira, não é preciso criar muito emprego, basta fingir.

Nesta semana voltámos a ter novidades sobre estes esquemas e a fotografia não melhorou. No caso de Portugal basta um investimento a partir de 350 mil euros e residir no país durante uma semana no primeiro ano e duas semanas nos anos subsequentes para se ter acesso direto ao direito de residência e, assim, circular livremente em todo o espaço Schengen. É imoral e facilita todo o tipo de corrupção.

Desde 2012 e até janeiro de 2018 tinham sido emitidas 5717 autorizações de residência em Portugal, aos quais se juntaram 9559 ao abrigo da reunificação familiar. Estas autorizações são renovadas a cada dois anos. Se o investimento é necessário - e sobre isso não há dúvidas -, o esquema definido para obtê-lo é altamente questionável. Sem transparência - até agora nunca foi publicada a lista de beneficiários -, sem controlo da origem do dinheiro e com elevadas suspeitas de corrupção, estamos longe de poder dizer que o investimento compensa o mal que faz. Há algum tempo, numa entrevista, a minha colega deputada Ana Gomes respondia assim a uma pergunta: "Se tudo for justificado pelo benefício económico, então entremos diretamente no negócio das drogas." Ana Gomes tem razão. Não há nada que nos garanta que este esquema não esteja a promover lavagem de dinheiro e evasão fiscal em grande escala. Não será por acaso que vivem em Portugal, através deste esquema, alguns dos principais suspeitos na Operação Labirinto, que trata precisamente de corrupção e do tráfico de influência ligados aos vistos gold.

No relatório recentemente apresentado no Parlamento Europeu há um apelo ao fim dos vistos gold no espaço europeu. A própria Comissão Europeia já alertou para os problemas de segurança que estes esquemas podem trazer para o espaço Schengen. Às autoridades nacionais exige-se que publiquem todos os dados e que tomem a iniciativa de pôr fim aos vistos gold.

Há muitas áreas em que se vê a política de dois pesos duas medidas no espaço europeu, mas esta é uma das mais gritantes e imorais. A quem tem dinheiro tudo é permitido. A quem procura salvar-se tudo é negado. A complacência com os vistos gold contrasta com a desumanidade face a migrantes e refugiados. Não é tarde para lidar nem com uma nem com outra.»

Marisa Matias

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Nova sondagem

Posted: 19 Nov 2018 07:01 AM PST


Boas notícias: PS bem longe da maioria absoluta, a direita pelas ruas da amargura.

«A intenção de voto no PS caiu este mês para 37,8%, uma baixa de um ponto percentual face a outubro, revela o barómetro da Aximage. Os socialistas mantêm-se, ainda assim, à frente da sondagem, seguidos pelo PSD, que é a escolha de 26,4% dos inquiridos (mais 2,4 pontos do que há um mês). O Bloco de Esquerda mantém-se estável nos 9,1%, enquanto que CDS e CDU caem, respetivamente, para 7,7% e 6,2%.»

«Entre os líderes partidários, é Catarina Martins - Bloco de Esquerda - que está agora na frente com 11,1 pontos. Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, surge com 10,4 pontos, logo atrás de Costa, enquanto que a presidente do CDS, Assunção Cristas, recebe uma nota de 8,5.»

Ler mais AQUI.

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No, Minister!

Posted: 19 Nov 2018 03:23 AM PST

«A Grã-Bretanha sempre desconfiou da Europa e esta nunca confiou em Londres. Está tudo exemplarmente descrito num velho episódio de "Sim, Sr. Ministro".

Nele, o secretário permanente Sir Humphrey diz: "Ministro, a Grã-Bretanha tem a mesma política externa há pelo menos 500 anos: criar uma Europa desunida. Por isso lutámos com os holandeses contra os espanhóis, com os alemães contra os franceses, com os franceses e italianos contra os alemães e com os franceses contra os alemães e os italianos. Dividir e reinar. Porque é que iríamos mudar agora, se correu tão bem?" Jim Hacker fica perturbado e Humphrey continua: "Tínhamos de destruir essa coisa, a CEE, e por isso tivemos de entrar nela. Tentámos quebrá-la do exterior, mas isso não funcionou."

Mesmo não entrando para o euro e, com isso, impedindo que, com a força do petróleo do mar do Norte, a moeda europeia fosse uma alternativa global ao dólar, a Grã-Bretanha não conseguiu quebrar o sonho hegemónico europeu de Paris e Berlim. Agora depara-se com a mais temível consequência da sua estratégia: a Europa uniu-se para humilhar o Reino Unido e este entrou em clima de guerra civil. Todos estão contra todos: tories contra tories, trabalhistas contra tories, escoceses contra ingleses, londrinos contra quem não é da capital. Para dividir ainda mais as hostes, a fronteira irlandesa é uma enxaqueca sem fim.

Este já não é um dilema de Hamlet, entre ser ou não ser. É entre ser sem o parecer. As tropas do Brexit, com Jacob Rees-Mogg à frente, parecem a carga da brigada ligeira: conduzem um país essencial à Europa para o suicídio. A Europa, extasiada e incapaz de perceber as consequências catastróficas da humilhação de Londres, prepara a espada para o haraquíri. O Reino Unido era fundamental para equilibrar as tentações de liderança de Berlim e os arrufos de Paris. Agora, se Theresa May cair, é expectável o caos no Reino Unido: não há um líder alternativo para unir, apenas grupos para desintegrar o que ainda existe. Sir Humphrey há-de regressar um dia para explicar que estratégia há para a política interna britânica.»

Fernando Sobral

Tal como se esperava, sol de pouca dura

20/11/2018 by j. manuel cordeiro

Donald Trump e Kim Jong-Un quando se reuniam em Singapura

Em Junho passado, por altura da cimeira Trump-Kim, chamava-se à atenção aqui para um simples facto.  Os tratados de paz da Coreia do Norte têm parecido uma peneira para tapar o sol. Parece que, novamente, tal está a acontecer, com a particularidade de a reviravolta ter sido ainda mais rápida do que anteriormente.

Claro que o inevitável Trump logo veio atirar com a gasta adjectivação das fake news. Alguma vez o grande negociador poderia ter alcançado uma não vitória perante o problema que ele próprio tinha criado? Nunca! No entanto, até a sua estação oficial, a Fox News, fez notícia sobre o caso. E, haja ou não novos mísseis, a atitude do líder norte-coreano, ao fazer saber desta suposta nova arma, não é, propriamente, de desmilitarização.

O correspondente do Aventar na Coreia do Norte terá registado o seguinte depoimento do Kim: “Agradeço ao senhor pato Donald, perdão, presidente Donald Trump, o favor que me fez colocando-me ao nível dos grandes líderes mundiais, mas agora tenho ali uns foguetes para experimentar.”

NÃO SEI

  por estatuadesal

(Virgínia da Silva Veiga, in Facebook, 20/11/2018)

5.0.2

Não sei nem consigo saber o que querem exactamente os senhores juízes. Não discuto - e peço para que se não discuta aqui, não é o tema -, se a greve é legítima ou deixa de ser, menos ainda que se insultem juízes na minha página.

Vamos ao que interessa que é tentar saber em concreto o que reivindicam.

Como imaginam, li e ouvi notícias, fiz uma série de telefonemas, fiquei na mesma: ninguém me soube esclarecer. Ninguém!

Comunicação social é o que podemos assistir: já sabemos tudo de geologia mas nada sobre este assunto, tratado pela rama. Obrigava a que alguém dissesse o que propõem, o que lhes tem contraproposto o governo, o que há assim de tão grave - porque é grave -, que faz com que representantes de órgãos de soberania ainda se não tenham conseguido entender quando são quem dá exemplo ao país.

Leio os mais variados disparates. Vindos de quem está de fora e de quem está por dentro, aqui, como em tudo, ressuscitando Sócrates como se o barómetro de uma sociedade seja o passado e não o futuro, como se o PS fosse um partido cuja filosofia seja amesquinhar Magistrados ou tirar-lhes direitos.

António Costa é advogado, a Ministra da Justiça Procuradora, e é o saber isto que torna para mim ainda mais inexplicável o que se passa.

Há um conjunto de perguntas que me faço e que, em verdade e em sentida inocência da ignorância, são as que, na falta de dados, coloca qualquer cidadão.

Percebe-se quererem um estatuto remuneratório que aumente o leque salarial entre as três instâncias. Percebe-se bem: se não pode ser à custa de baixar os de primeira, tem que ser com aumentos aos desembargadores e conselheiros. É justo.

Mas fala-se, com a tal ciência a que os jornalistas nos estão a habituar, de irem ganhar mais que o Primeiro-Ministro, e isto já mereceria completa explicação, mais não seja por implicar uma distorção a obrigar, reflexamente, a alterações no estatuto remuneratório dos governantes, nada que me preocupe, mas que, como se sabe, é das matérias sociais mais sensíveis.

Fala-se de não quererem dependência do Conselho Superior da Magistratura e, então, estamos para saber, como será feita a respectiva regulação de comportamento adequado ao Estatuto. Ninguém explica.

Diz-se também não que querem utilizar as respectivas viaturas. Nas deslocações para inspecções já não as usam, então trata-se de quê em concreto? Porque, a a ser verdade, ninguém está a ver ser para deslocações entre locais de trabalho que se vai criar mais uma frota automóvel, com todos os custos que acarreta, incluindo manutenção e seguros. Não é isso. É mais uma vez algo que nos escapa porque, facto é, não sabemos.

Ontem terá havido uma reunião de alto nível onde terão chegado a acordo, Governo e representantes de Magistrados. Já haveria consenso. Pelos vistos não há confiança mútua nas palavras dadas e aguarda-se redução a escrito. De quê? Nenhuma das partes disse.
Do que vejo, também ninguém lhes pergunta, nem a uns, nem a outros.

E dizem mal do Prós e Contras da RTP. Ainda é o único programa que poderia trazer o esclarecimento que evitaria que hoje, nos telefonemas que fiz, ninguém fizesse a menor ideia, excepção aos superficiais comentários de Facebook.

(Por mim, depois de tantas tentativas para saber o que se passa, demito-me. Se alguém houver que saiba e quiser telefonar, ainda aceito ouvir. Ou fico como todos nós: o que for, há-de soar, como diz o Povo).