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domingo, 18 de agosto de 2019

Mão de ferro, mão de vaca

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso, 17/08/2019)

Daniel Oliveira

O que se passa no sindicato dos motoristas de matérias perigosas representa, como escrevi na semana passada, a privatização do sindicalismo, com a contratação de um mercenário para dirigir uma luta laboral. E é o facto de ser mercenário que determina a sua urgência e irresponsabilidade. A marcação de uma greve está sempre associada a uma ética sindical (estranha a este charlatão), com critérios de proporcionalidade. Não se marca uma greve por tempo indeterminado que faria todo o país entrar em colapso por causa de um aumento em 2021, só porque as eleições são um momento propício. Uma greve destas é de vida ou de morte, como foi a dos mineiros ingleses que lutavam pela sua sobrevivência, nos anos 80. Todas as greves prejudicam pessoas, mas o sindicalismo que desiste de ganhar a solidariedade dos outros trabalhadores parte derrotado. A desproporcionalidade desta greve, não retirando justiça às suas reivindicações, deu espaço ao Governo para impor serviços mínimos pesadíssimos e uma requisição civil (instrumento criado em 1974 para impedir que a irresponsabilidade sabotasse a jovem democracia) previamente decidida como primeiro recurso e aplicada ao fim de 19 horas de greve. Um governo de direita não deixará de aproveitar este precedente. O sindicalismo, quando fica na mão de irresponsáveis, enfraquece-se. E fraco, não resiste cinco dias a um cerco.

Mas os efeitos perversos também são para o Governo. Marques Mendes disse que isto talvez venha a dar a maioria absoluta a António Costa. Porque ele surge como líder de um “governo da ordem e da autoridade”. Isto junta-se à imagem do “governo das contas certas”, que atrasa a recuperação de serviços públicos e prepara mais uma década de contração no investimento do Estado para ultrapassar as metas da ortodoxia de Bruxelas.

Imagino que muitos socialistas esfreguem as mãos de contentes: estão a roubar espaço à direita. É a mesma ilusão que Blair ou Schröder alimentaram antes de destruírem o centro-esquerda europeu. Um governo de esquerda que constrói a sua autoridade política com base na “mão de ferro” contra os sindicatos — já usara a polícia, sem qualquer justificação, contra os estivadores — e na “mão de vaca” no investimento público pode ganhar muitos votos à direita, mas está a derrotar o seu campo político.

A esquerda pode ter de usar a lei contra uma greve e pode ter de fazer cortes no investimento. Mas quando transforma isso em encenação de força, quando faz disso um gesto de propaganda política, fica refém do que deveria ser o oposto da sua cultura. O problema não é o comportamento do Governo, é sentir-se tão confortável neste papel. É, como ficou óbvio para todos, desejá-lo.

Enquanto o PS celebra os ganhos eleitorais, a direita ideológica pode cantar vitória. De uma assentada, vê a balança da opinião pública pender contra as lutas laborais e o PS assumir como sua a retórica disciplinadora dos trabalhadores. Não pode desejar mais do que isto. A crise do PSD e do CDS até se torna irrelevante. Eles deixam de ser necessários e podem ser substituídos por projetos radicais que falem em nome dos trabalhadores, puxando tudo mais para a direita. Foi assim que se destruiu a esquerda europeia: dando-lhe o comando de políticas que lhe deviam ser estranhas. O que tinha de estar a fazer toda a esquerda? A iniciar uma mudança radical no sindicalismo, para o renovar, fortalecer e proteger de oportunistas.

E você? Ainda tinha dúvidas sobre André Ventura?

17/08/2019 by João Mendes 8 Comments

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via Expresso

Num artigo de opinião que é um rasgado elogio a Matteo Salvini, André Ventura mostra-nos, caso não tenhamos reparado, quem é, quem são as suas referências e ao que vem. Um estado mínimo e autoritário, propaganda populista, demagoga e desonesta, menos impostos para os mais ricos e desrespeito pelas instituições democráticas. Em linha não só com Salvini, mas também com Bolsonaro, Trump ou Orbán. O tal plano B das brigadas neoliberais.

Matteo Salvini, devoto de Benito Mussolini, tem em Vladimir Putin uma referência e um aliado estratégico. Sim, esse mesmo. Vladimir Putin. O indivíduo que dirige a Rússia como sua há quase 20 anos. O tipo que cria e destrói oligarcas. O facínora por quem se fuzilam opositores políticos. Um ditador que não hesita em reprimir o seu povo e invadir as imediações do seu quintal, ou ocupá-las, se entender necessário, para garantir a ordem. A sua ordem. Que o diga a Crimeia.

A referência da referência do Dr. Ventura, portanto, é um tirano sanguinário, ao nível de Kim Jong-un ou MBS, amigos que, sem surpresa, partilha com Donald Trump, outra das referências do líder do Chega. Ficamos todos esclarecidos sobre como pretende André Ventura “endireitar” o país. Quanto à Europa, é correr com a “corja de mariquinhas” financiada por George Soros. Para quê ser financiado por um qualquer milionário, quando se pode ser directamente financiado pelo oligarca-chefe, com dinheiro roubado ao povo russo?

sábado, 17 de agosto de 2019

A greve

Posted: 16 Aug 2019 03:12 AM PDT

«A greve dos motoristas de matérias perigosas fez emergir um conjunto de perplexidades. A primeira, que se coloca ainda antes de assistirmos às imagens das filas intermináveis de carros em postos de abastecimento ou à greve propriamente dita, é sobre a organização de todo o setor.

Alguém acha normal que as empresas petrolíferas, com centenas de milhões de euros de lucros por ano (só a Galp teve um lucro de 707 milhões em 2018), quase não tenham motoristas de matérias perigosas nos seus quadros de pessoal? Mais, alguém explica como é que toda a operação de distribuição deste setor está dependente de jornadas de trabalho de 14 horas? Ou, ainda, que o salário dessas longuíssimas jornadas de trabalho quase toque o valor do salário mínimo, ao que se adiciona um conjunto de parcelas inventadas para fugir a pagamento de impostos ou contribuições para a Segurança Social? Sim, este país real é o faroeste da responsabilidade social das empresas e os lucros milionários só comprovam que a ganância é como o universo, não tem fim.

Como se chegou a esta situação? O resumo é simples: privatizou-se uma empresa estratégica para o país, dando a uns poucos os lucros que deveriam ser de todos; externalizou-se parte da operação recorrendo-se ao outsourcing para as atividades que anteriormente eram desempenhadas pelos trabalhadores do quadro de pessoal, esperando que a selva do mercado trouxesse a desregulação laboral que ansiavam - o que aconteceu com os motoristas de matérias perigosas; os motoristas passaram de trabalhadores a empreendedores, incentivados a criarem a sua própria empresa - ou contratados por outros nessa situação - perdendo direitos pelo caminho. Ao longo deste processo os lucros aumentaram, a riqueza ficou ainda mais concentrada nos acionistas, e os salários caíram. É motivo para indignação? Claro que é.

Esta introdução explica o contexto que nos trouxe às lutas de hoje. Para quem achava que esta história era apenas entre interesses privados, fica claro como o poder público está na sua origem e dela nunca esteve desligado.

Isso ficou bem claro neste processo. O Governo dizia querer fazer a arbitragem do conflito, mas não mostrou distanciamento para ser um bom árbitro. O primeiro-ministro disse que o Governo se preparou para a greve, mas em nenhum momento isso passou por questionar a atuação das empresas.

Não deveria a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) ter investigado e punido as empresas pelas abusivas jornadas de trabalho, excessos de horas extraordinárias e pela manifesta desadequação dos seus quadros de pessoal? Não deveria a Autoridade Tributária ter investigado a contabilidade criativa que soma complementos ao salário para subtrair aos impostos devidos ao Estado? E não deveria a Segurança Social ter investigado essa mesma folha salarial que retira valor às pensões futuras dos motoristas? Dever, deviam todos, mas não fizeram. Por outro lado, a preparação do Governo terá sido a da folha excel dos serviços mínimos e do parecer jurídico da requisição civil. São precisas mais provas para concluirmos do lado que o Governo está?

Até a jornada de trabalho de oito horas, cuja luta já leva dois séculos e é um dos pilares da cultura de esquerda, foi negada pelo ministro do Ambiente. Disse ele que “ninguém pode ser obrigado a trabalhar para além do horário de trabalho, mas não digam que o horário de trabalho é de oito horas por dia, porque pode ser de 60 horas”. A bússola política entrou em desnorte e só isso explica que um Governo que se diz de esquerda tenha criado um precedente grave de abuso da lei do trabalho e de limitação do direito à greve.

Tudo isto salta à vista e, para o ver, não precisamos de concordar com a convocatória da greve, basta algum bom senso e sentido de justiça. A exigência do tempo é de mais diálogo e menos arrogância, de mais negociação e menos provocação. E não está tudo na mesma, até porque os benefícios das lutas já se começam a conhecer. Apesar de ainda não serem públicos os detalhes, será inegável que o acordo alcançado pela Fectrans resulta do atual contexto e tem nele a sua marca. Que os avanços sejam para todos, será o mínimo que se exige. Que a mediação agora pedida seja imparcial é outra condição essencial.»

Pedro Filipe Soares

O fracasso total da diplomacia de Washington

por estatuadesal

(Por Strategic Culture Foundation, In Resistir, 14/08/2019)

Aparentemente já não há qualquer tentativa, ou simulacro, de diplomacia por parte de Washington. Sanções e agressões são exercidas com descaramento. A Rússia, a China e mesmo os supostos aliados europeus dos Estados Unidos são sujeitos a sanções por Washington – numa rejeição arrogante a qualquer diálogo para resolver alegados diferendos.

O presidente dos EUA, Donald Trump, evoluiu para uma certa atitude maximalista estridente nas relações internacionais. Ela pode ser resumida assim: do meu modo ou de modo nenhum.

Um exemplo recente é a imposição de sanções ao ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Mohammad Javad Zarif. Isto indica que os EUA amputaram qualquer possibilidade de uma desescalada negociada de tensões no Golfo Pérsico.

Zarif, do Irão, revelou nesta semana que quando estava numa visita diplomática aos EUA no mês passado foi-lhe dito por autoridades que era aguardado na Casa Branca para uma reunião com o presidente Trump. Se Zarif recusasse a "oferta" ele seria então colocado numa lista de sanções, informaram-no. Sob estas circunstâncias de coerção aparente o principal diplomata iraniano declinou o convite, só para descobrir posteriormente que fora na verdade punido com sanções. Que espécie de diplomacia americana é esta? Soa como uma oferta do tipo máfia, que não pode ser recusada.

Esta abordagem "diplomática" com mão pesada sugere que não há de facto diplomacia alguma proveniente de Washington. O presidente Trump twittou na semana passada que o seu governo estava a "ficar sem opções" em relação ao Irão quanto às crescentes tensões no Golfo Pérsico. Parece que a Casa Branca está a "oferecer" falsas tentativas de negociação, enquanto ao mesmo tempo monta opções militares para atacar o Irão.

Outro exemplo de diplomacia fracassada foi a renúncia, esta semana, do embaixador dos EUA na Rússia, John Huntsman. Ele abandonou o cargo em parte por frustração com a inutilidade de seu dever diplomático de facilitar o diálogo bilateral com Moscovo. A tarefa de Huntsman tornou-se insustentável devido ao maníaco animo anti-russo agora entranhado em Washington, pelo qual qualquer tentativa de diálogo é retratada como uma espécie de "acto de traição".

Outro exemplo de repúdio da diplomacia pelos EUA é a ordem executiva de Trump esta semana de impor um embargo comercial total à Venezuela. Aquele país sul-americano está efectivamente a ser submetido à fome para submeter-se a Washington e aceitar que o presidente eleito Nicolas Maduro se retire, de acordo com o ditame dos EUA, a fim de permitir que um duvidoso político da oposição apoiado pelos EUA tome as rédeas do poder em Caracas.

Estes exemplos, entre muitos outros, demonstram que Washington não tem intenção de buscar um discurso diplomático com outras nações e está totalmente empenhado em emitir ditames – ou utilizar outros meios; a fim de alcançar seus objectivos geopolíticos.

O mais chocante e perigoso é que Washington está a operar na base do ultimato da soma zero. As premissas para os seus ditames são invariavelmente infundadas ou irracionais. A Rússia é tratada como um Estado pária por alegações bizarras de interferência nas eleições dos EUA; o Irão é tratado como um estado pária sob alegações vazias acerca de uma agressão iraniana; a Venezuela é tratada como um Estado pária com alegações contra um presidente eleito. A China é caluniada com alegações de ser um "manipulador da divisa". A Europa supostamente estaria "a aproveitar" os termos comerciais dos EUA. E assim por diante. É a tirania enlouquecida.

O padrão do direito internacional e as normas da diplomacia estão a ser jogados no lixo do modo mais deliberado e selvagem possível, puramente na base do capricho americano e na sua agenda em causa própria de dominação.

Esta é uma situação global extremamente perigosa, pois o viés político americano e o preconceito irracional estão a ser tornados padrão ao invés dos princípios do direito internacional e da soberania das nações. Não há diplomacia absolutamente nenhuma. Só a notificação das exigências americanas de obediência ao ditame irracional de Washington para satisfazer seus anseios de hegemonia. 

Não há outro meio de descrever a presente ilegalidade global do assumido poder americano e do seu farisaísmo senão considerá-la como uma forma de fascismo de estado-pária com esteróides.

Quando a diplomacia, as negociações, o diálogo e o respeito pela soberania são totalmente desrespeitados por Washington – cuja única resposta são as sanções e a agressão militar – então deveríamos saber que a presente descrição do poder americano não é uma hipérbole. É uma descrição da realidade lamentável de que a diplomacia americana não existe mais. Está a tornar-se passado a possibilidade de conduzir relações normais com esse regime paranóico e sem lei. Um estado pária nuclear, também, capaz de destruir o planeta num capricho ou num impulso paranóico do seu cérebro doentio.

Poderão os cidadãos americanos controlar um regime tão errático e irracional? O tempo dirá. Mas uma coisa parece certa, a paz mundial é continuamente ameaçada pelo regime de Washington, o qual opera dentro do seu próprio reino de fantasia e megalomania criminal.

Está claro que a diplomacia dos EUA é um fracasso absoluto. Porque, na tortuosa megalomania guerreira de Washington, a diplomacia parece ter-se tornado totalmente irrelevante. O que é isso senão fascismo?

Os infortúnios da poesia

por estatuadesal

(António Guerreiro, in Público, 16/08/2019)

António Guerreiro

Há dias, recebi por correio electrónico uma newsletter - uma “Folha”, como vinha intitulada – da Companhia das Ilhas, uma editora muito activa e de muito mérito, criada e dirigida pelo poeta Carlos Alberto Machado, sediada na Ilha do Pico. Começava a “Folha” com um lamento: “Talvez um dia se faça uma lista de livros silenciados pelo jornalismo cultural e pela crítica literária no Portugal democrático. O nosso O Nome do Mundo 1969-2019, de José Amaro Dionísio (Junho de 2019) será um desses livros”.

A formulação encerra um pequeno equívoco, ao sugerir que há uma vontade programada de silenciar alguns livros, muito especialmente os de poesia. Ora, esse silenciamento activo até pode existir em certos casos (tendo então o valor de um gesto crítico), mas nem sequer chega a produzir qualquer efeito porque não se distingue de um silêncio muito maior, involuntário, acrítico, coercivo e anónimo: é o silêncio passivo e tão naturalizado que já ninguém dá por ele, a não ser uma pequeníssima minoria, a que está sujeita grande parte da produção literária (e também ensaística), sendo a poesia a principal vítima.

Tirando este pormenor, não tão pequeno como isso, estou inteiramente de acordo com a abertura desta newsletter: é lamentável e preocupante que um livro, que reúne a obra (já anteriormente reunida, mas agora acrescentada com mais material) de um grande escritor como é José Amaro Dionísio não se dê por ele, nem sequer nas livrarias. Se me é permitido prolongar de maneira muito imediata este lamento da Companhia das Ilhas, escolheria ainda outro exemplo, um livro de poesia também recente, de um poeta estreante, que não deveria jamais ficar submerso no silêncio. Refiro-me a Spinalonga, de Amândio Reis (Língua Morta).

Todos aqueles que de uma maneira ou de outra prestam atenção às coisas da literatura sabem bem como, desde há alguns anos, está a ser recitada no debate público uma oração fúnebre pela morte da crítica literária - uma morte ao retardador, um último sopro que nunca chega verdadeiramente ao fim e tem assim um aspecto fantasmático. Por isso é que dá origem à melancolia e não ao trabalho de luto.

Na perspectiva de uma teoria crítica da história, as coisas são muito mais complicadas e não podem ser vistas apenas à luz das circunstâncias do nosso tempo. Essa perspectiva, encontramo-la num ensaio de um obscuro romântico alemão, chamado Carl Gustav Jochmann, intitulado Os Retrocessos da Poesia, que quase ninguém conheceria hoje se Walter Benjamin não o tivesse desenterrado num artigo que foi publicado em 1939 na Revista de Investigação Social, o órgão da chamada Escola de Frankfurt. Segundo Benjamin, Jochmann, no seu ensaio, abrange “a história da humanidade, dos tempos primitivos até um futuro longínquo. Neste lapso de tempo, a poesia nasce e perece”. Mas o que significa exactamente este declínio?

A tese de Jochmann é a de que nos povos primitivos a poesia tem um valor, uma função e uma influência que se perdem à medida que a totalidade das crenças e do saber de um povo, de que ela é depositária, dá lugar a uma racionalidade que separa o saber em muitos ramos especializados. Este ponto de vista ajuda-nos a perceber que os declínios e silêncios da poesia, em particular, e da literatura, em geral, precisam de ser compreendidos não apenas pelas contingências históricas de curto prazo (as circunstâncias do presente), mas por um movimento histórico-cultural de longo prazo.

Baudelaire foi o poeta moderno que mais profundamente interrogou as novas condições a que a poesia está sujeita, tanto do lado da produção como da recepção. Devemos lê-lo para perceber que as sombras não surgiram recentemente e é preciso que os balanços e diagnósticos desencantados do nosso tempo, quanto à situação nada próspera das coisas da poesia, sem anular as responsabilidades do presente, saibam perscrutar um horizonte muito mais longínquo.


Livro de Recitações

“O poder é logístico. Bloqueemos tudo!”
Frase de origem anónima, que não foi pronunciada pelos sindicato dos motoristas de matérias perigosas, mas poderia ter sido.

Esta frase, grafitada nas ruas de Turim e fonte de inspiração de movimentos de insurreição recentes, serviu de título a um capítulo do livro À nos amis (2014), do auto-intitulado “Comité Invisible”. A ideia de que o verdadeiro poder não está nas instituições, mas nas infra-estruturas, na organização material – e também imaterial, cibernética - cada vez mais vulnerável da nossa vida quotidiana, pode ser facilmente verificada na greve dos motoristas de matérias perigosas. Estes homens perceberam isso muito bem e puseram em acção esse poder que não é uma força de classe, mas um poder estratégico. Não é um poder revolucionário, mas muito mais de tipo insurrecional. Contra ele, o fraco poder governamental reduz-se a nada, a não ser chamando o exército e a polícia, instaurando o estado de excepção militar que se chama, eufemisticamente, “requisição civil”. A diferença entre o que é da ordem da política e o que é da ordem da polícia, já de si tão ténue no nosso tempo, anula-se agora completamente e a sede do governo torna-se um quartel-general da cúpula governamental-policial.