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quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Sahara Ocidental ocupado: o silêncio ensurdecedor da ONU

ONU, silêncio ensurdecedor e a ausência de instituições internacionais no Sahara Ocidental ocupado.

  • 23 Setembro, 2020
  • Na busca de dados das várias organizações da ONU como a UNESCO e a UNICEF uma ausência total dos mesmos está presente quando se trata dos territórios ocupados do Sahara Ocidental, território não autónomo que aguarda a descolonização.

Quando consultamos os vários mecanismos de Direitos Humanos e o Comité para a descolonização os resultados não são muito melhores apesar de haver um silêncio aparentemente menor.

Na verdade, desde a invasão Marroquina em Novembro de 1975 são poucas as visitas das Nações Unidas e dos seus mecanismos aos territórios ocupados, tendo eles abandonado a população às mãos do ocupante marroquino. A presença da Missão das Nações Unidas para a Realização do Referendo (MINURSO) desde 1991 no território não traz qualquer beneficio para a população saharaui uma vez que esta Missão viu retirado do seu mandato os componentes necessários para proteger os saharauis das continuas violações de direitos humanos e de integridade física perpetuadas pelo Reino de Marrocos.

Assim, o Comité para a Descolonização, conhecido como o Comité dos 24, apenas visitou o território em Maio de 1975 antes da invasão ainda com a presença e administração de facto de Espanha, sendo o território a província 53 de Espanha (Informe de mision visitadora de la Naciones Unidas al Sahara español). A visita realizou-se 12 anos após de em 1963 o Comité Especial da ONU sobre Descolonização declarar o Sahara Ocidental um “território não autónomo a ser descolonizado”, de acordo com a resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral de 14 de dezembro de 1960.

Até aos dias de hoje o comité não regressou ao Sahara Ocidental, território não autónomo inscrito na lista de descolonização e limita-se a ouvir os “peticionários” de ambas as partes num ritual anual que não tem qualquer efeito prático.  Em Outubro de 2017 participei na sessão deste Comité e apelei ao cumprimento do seu mandato, nomeadamente a visita aos territórios ocupados).

Em 57 anos apenas uma visita foi realizada, nem após o cessar-fogo de 1991 o comité viu relevante actualizar a sua informação localmente.

Qual a razão para ausência de visita ao Sahara Ocidental do Comité dos 24? Passaram 45 anos desde o seu relatório e não houve nenhum seguimento no terreno, algo inacreditável e um indicador da falta de acção credível por parte das Nações Unidas para terminar este conflito. Na verdade, esta falta de acção ajuda a procrastinação do conflito.

A UNESCO simplesmente ignora o Sahara Ocidental, apesar de ter uma página onde aparece o Sahara Ocidental todos os dados estão em branco (ver aqui Western Sahara > Education and Literacy). Audrey Azoulay, Diretora-Geral da UNESCO, é cidadã francesa, país que apoia o regime de Mohamed VI de forma incondicional e na sua capacidade de membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas tem impedido sistematicamente a inclusão da componente de direitos humanos no mandato da MINURSO.

A UNICEF também não tem dados sobre os territórios ocupados, nem está presente nos mesmos. Os dados que surgem referem-se sempre aos saharauis que vivem nos campos de refugiados perto de Tindouf, Argélia onde colaboram com a Frente Polisario e Republica Árabe Saharaui Democrática.

Os sucessivos enviados pessoais dos Secretários Gerais da ONU para o Sahara Ocidental, nas mais de 4 décadas evitam visitar ou são impedidos por Marrocos de visitar os territórios ocupados. Com excepção dos enviados pessoais Christopher Ross em 2013  com repressão violenta contra os saharauis; e de Horst Koehler em 2018  sendo que o último optou por não mencionar nas suas declarações as manifestações massivas pela independência da população saharaui e consequente repressão por parte das forças de ocupação marroquinas durante a sua “visita”.

Christopher Ross
Repressão contra saharauis
Repressão contra saharauis por forças marroquinas durante a visita de Horst Koehler

O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) enviou em 2006 uma comissão técnica que produziu um relatório no qual a conclusão é clara: todas as violações dos direitos humanos nos territórios ocupados do Sahara Ocidental  são consequência da violação do direito do povo saharaui à autodeterminação.

Em Abril de 2015 uma segunda visita técnica  Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) visitou  os Territórios Ocupados do Sahara Ocidental para investigar os abusos dos direitos humanos perpetrados por Marrocos. Durante a visita, a delegação encontrou-se com várias organizações saharauis de defesa dos direitos humanos. Algumas das reuniões que tiveram lugar com ONGs saharauis foram realizadas na casa da conhecida activista saharaui Aminetu Haidar. A casa da activista foi totalmente cercada pela polícia de ocupação marroquina que lançou pedras contra o prédio, inclusive ao veículo da ONU. A delegação da ONU conseguiu sair de casa e voltar ao hotel com a intervenção da MINURSO (Missão de Paz das Nações Unidas).

Durante a visita da delegação, várias manifestações foram organizadas nas ruas de El Aaiún para exigir o respeito pelos direitos humanos, e que a MINURSO, a missão da ONU no Sahara Ocidental, incluísse a protecção dos direitos humanos e exigindo a liberdade para os presos políticos saharauis. As manifestações foram reprimidas com violência pelas forças marroquinas.

O relatório desta visita nunca foi publicado, estando fechado a sete chaves em Genebra.

Segundo Omeima Abdeslem, representante da Frente Polisário junto das Nações Unidas em Genebra, Marrocos tentou através de visitas de mecanismos dos procedimentos especiais de direitos humanos das Nações Unidas substituir uma verdadeira protecção dos direitos humanos nos territórios ocupados através da missão de paz no terreno, assim a Frente Polisario dirigiu em 2015 uma carta a todos os procedimentos especiais para que não visitassem  os territórios ocupados a pedido de Marrocos e efectivamente a última visita teve lugar em 2016.

A delegada Saharaui realçou também as três missões técnicas do ACNUDH em 2014/2015, sendo duas aos territórios ocupados e uma aos campos de refugiados em Tindouf , mas lamentou que  até hoje nenhum relatório foi publicado.

As tropas da ONU encontram-se hoje no Sahara Ocidental ao abrigo da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental, MINURSO, onde assiste silenciosamente aos actos criminosos dos ocupantes marroquinos: a detenção, tortura e massacre da população saharaui.

A desculpa para a “não ingerência” e “não protecção” da população por parte da MINURSO baseia-se no facto de não ter no seu mandato a componente dos Direitos Humanos.  Uma desculpa de mau pagador e que de facto está longe de ser uma atitude “neutral” antes pelo contrário reforça a posição marroquina e apoia efectivamente os crimes cometidos contra a população saharaui.

Na abertura da 45ª sessão do Conselho de Direitos Humanos este mês em Genebra, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, disse que “espera discutir” os parâmetros de uma nova missão técnica ao Sahara Ocidental para “identificar questões críticas de direitos humanos “no território.

“Essas missões são vitais para identificar questões críticas de direitos humanos” e contribuem para “prevenir a escalada de situações danosas” no Sahara Ocidental ocupado, disse a Chefe de Direitos Humanos da ONU.

“Estou ansiosa para discutir os parâmetros de uma nova visita com todas as partes num futuro próximo”, disse ela, referindo-se à situação crítica dos direitos humanos nos territórios ocupados.

“Também continuamos a monitorar remotamente a situação no Sahara Ocidental, onde conduzimos as nossas missões técnicas pela última vez há cinco anos”. As missões técnicas do Conselho de Direitos Humanos da ONU são “vitais” para o Sahara Ocidental ocupado, acrescentou ela.

A Cruz Vermelha Internacional também não tem qualquer representação nos territórios ocupados do Sahara Ocidental. A última visita publicada na página oficial da organização é de 2001. Vários apelos têm sido feitos a CVI para visitar não só os territórios ocupados como os presos políticos saharauis detidos em prisões marroquinas, tanto no Sahara Ocidental como em Marrocos sem qualquer resposta positiva.

O mesmo se aplica à Organização Mundial de Saúde que não tem presença nos territórios ocupados nem efectua visitas. Se consultarmos os dados da OMS relativos à Pandemia Covid-19 no Sahara Ocidental não aparece nenhuma informação. Na informação geral de países o Sahara Ocidental não consta da lista.

Como é possível tanto silêncio e ausência na última Colónia de África? Como é possível Marrocos continuar impunemente a exterminar um povo?

ONU Visitas aos territórios ocupados desde 2011

Sra. Farida Shaheed

Especialista independente da ONU na área de direitos culturais

Visita a Marrocos e ao Sahara Ocidental (Dakhla 14 de setembro), 5 a 16 de setembro de 2011

RelatórioReport of the Independent Expert in the field of cultural rights, Farida Shaheed

Juan E. Méndez

Relator especial sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes

Visita a Marrocos e Sahara Ocidental de 15 a 22 de setembro de 2012

(El Aaiun, Sahara Ocidental, 17 e 18 de setembro de 2012)

Relatório: Report of the Special Rapporteur on torture and other cruel,inhuman or degrading treatment or punishment, Juan E. Méndez

Joy Ngozi Ezeilo

Relator Especial sobre o tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças

Visita a Marrocos de 17 a 21 de junho de 2013 (Dakhla, Sahara Ocidental, em 20 de junho de 2013)

Relatório: Report of the Special Rapporteur on trafficking in persons, especially women and children, Joy Ngozi Ezeilo

Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária

Visita a Marrocos de 9 a 18 de dezembro de 2013. (El Aaiun, Sahara Ocidental, em 15 e 16 de dezembro de 2013)\

Relatório: Report of the Working Group on Arbitrary Detention

Sra. Hilal Elver

Relatora Especial sobre o Direito à Alimentação

Visita a Marrocos 5 a 12 de outubro de 2015 (Dakhla, Sahara Ocidental, em 10 de outubro de 2015)

Relatório: Report of the Special Rapporteur on the right to food on her mission to Morocco

Sra. Sra. Virginia Dandan

Especialista independente em direitos humanos e solidariedade internacional

Visita a Marrocos de 15 a 20 de janeiro de 2016 (Dakhla, Sahara Ocidental, em 20 de janeiro de 2016)

RelatórioReport of the Independent Expert on human rights and international solidarity on her mission to Morocco

OHCHR

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) realizou uma missão a Rabat, El Aaiun e Tindouf entre 15 e 23 de maio de 2006

O relatório nunca foi publicado pelas Nações Unidas, mas sim distribuído aos Estados Partes (Marrocos e RASD), bem como ao Governo argelino.

Uma cópia do relatório foi publicada no site ARSO e republicada por porunsaharalibre.org

Documentos Nações Unidas

OHCHR

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) realizou uma missão técnica a El Aaiun e Dakhla de 12 a 18 de abril de 2015

(NENHUM RELATÓRIO FOI PUBLICADO, MAS O RELATÓRIO DO SG BAN KI MOON INCLUIU ALGUMAS INFORMAÇÕES)

19 Abril 2016. Report of the Secretary-General on the situation concerning Western Sahara

10 Abril 2015. Report of the Secretary-General on the situation concerning Western Sahara

Obrigado aos jovens

Posted: 23 Sep 2020 03:53 AM PDT

«Há quase 15 dias fiz, no Eixo do Mal, uma pergunta que sabia brutal. Avisei previamente que o seria. De tal forma que me custa verbalizar a resposta: “é justo sacrificar o futuro de uma geração para termos mais anos de vida noutra?” A pergunta parece tratar como descartáveis as vidas dos mais velhos. Quem me lê aqui sabe que estou a léguas desse tipo de raciocínio. Esse é, aliás, um dos meus maiores choques culturais com o pragmatismo demolidor do norte da Europa. Mas se a pergunta tem, como têm todas as que lidam com a vida e com a morte para lá da comoção, qualquer coisa de insensível, não a fazer não terá menos.

O que discuto é se estamos disponíveis para fazer o que sempre fizemos e permitiu a sobrevivência da espécie: os sacrifícios indispensáveis para a preservação e superação das nossas capacidades pelas gerações que nos seguem. Só um egoísmo e suicida para a espécie nos poderia levar a abandonar esta quase instintiva pulsão. Felizmente, o desenvolvimento permitiu que esse esforço não se fizesse de forma cruel. Mas ele não se extinguiu.

Sempre que se fala de tudo o que temos exigido a crianças, adolescentes e jovens a apaziguadora convicção que observo é que eles têm, ao contrário de nós, uma vida toda para recuperar o tempo perdido. É exatamente ao contrário. Nunca se recupera do que se perde na infância e na fase mais estruturante daquilo que depois seremos. Ao contrário do que acontece na vida adulta, onde o tempo é só tempo. O que eles estão a perder, e será tão trágico quanto mais novos forem e mais tempo durar, é o momento certo para aprender. É o ritmo certo para crescer. São os amores que não terão, a aprendizagem afetiva e sexual que se adia, a socialização indispensável para se formarem como seres humanos que se atenua. Tantas e tantas coisas que acontecem tão depressa que um ano deles é a uma década na minha idade. Eles perdem grande parte do que nos permitiu ser quem somos. O que quer dizer que perdem o que nós já temos.

Vamos assumir o que nos custa dizer-lhes: o risco que eles correm nesta pandemia é baixíssimo. Até aos 29 anos a taxa de letalidade, em Portugal, não anda longe dos 0%. Cerca de 2% dos infetados na casa dos 60 acabam por morrer e esse número salta para os 17% acima dos 80 anos. Havendo riscos, eles são incomensuravelmente inferiores para as crianças e adolescentes do que para os mais velhos. O que quer dizer que lhes pedimos o sacrifício máximo (eles estão a perder mais do que nós) para fazer face a um risco mínimo (eles correm menos perigo do que nós). Esse pedido faz-se, e bem, em nome da solidariedade geracional. E é aqui que cito um texto do psicólogo e catedrático Leonel Garcia-Marques, que me levou a escrever este artigo. Não vale a pena fazer-vos qualquer resumo. É um texto curto e acessível. Devem ler. Escolho esta passagem:

“Devemos, mais do que tudo, sentirmo-nos gratos pela disponibilidade manifestada pela grande maioria dos jovens para nos proteger, colocando a sua disponibilidade em destaque, em paralelo com a dos outros heróis da pandemia, os profissionais de saúde e todos os outros trabalhadores que impedem que a sociedade entre em colapso. (...) Se o desconfinamento mais lento acarreta riscos especiais para os jovens (e para a sociedade futura) no que concerne a ultrapassagem bem-sucedida das tarefas de desenvolvimento, nós, os menos jovens, estamos também numa situação de risco moral por, aparentemente, estarmos dispostos a expor os jovens (e futura sociedade de que farão parte) a esses riscos, sem a mínima hesitação.”

O dever moral que temos é, antes de tudo, o de não lhes mentir, levando-os a acreditar que fazem este sacrifício por eles e não por nós. Seria desonesto e sinal de ingratidão. E só lhes podemos pedir o indispensável para garantir a segurança dos mais velhos, mostrando-nos disponíveis para corrermos alguns riscos em nome do seu futuro.

Uma sociedade que não se sacrifica pelos velhos é falha de empatia. Uma sociedade que não se sacrifica pelos novos está condenada. Isto não tem dois lados da barricada e não há nada tão inútil e repetitivamente e passageiro como guerras de gerações. Desde que não nos esqueçamos de uma coisa: é por nós, não por eles, que lhes pedimos sacrifícios. Temos de lhes agradecer e dar o nosso melhor para os compensar pelo esforço.»

Daniel Oliveira

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

UE: Pacto sobre migração exigirá contributos a todos os países

De  Isabel Marques da Silva com Lusa  •  Últimas notícias: 23/09/2020 - 15:42

UE: Pacto sobre migração exigirá contributos a todos os países

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A Comissão Europeia admitiu que a destruição do campo de refugiados de Moria, na Grécia, foi um ponto de viragem na política de migração e asilo na União Europeia.

Um novo pacto apresentado, quarta-feira, pretende melhorar os procedimentos e reconstruir a confiança entre os Estados-membros, com base no princípio "solidariedade com responsabilidade", disse a chefe do executivo comunitário.

"A proposta da Comissão baseia-se nas diferentes situações geográficas, diferentes capacidades e escolhas dos Estados-membros europeus, mas também tem em conta que a pressão nas nossas fronteiras é variável. A questão não é se os Estados-membros devem apoiar com solidariedade e contribuições, mas como é que vão apoiar. O campo de Moria é um lembrete de que temos de encontrar soluções sustentáveis para migração e de que todos temos que nos empenhar", explicou Ursula von der leyen, presidente da Comissão Europeia, em declaração à imprensa, em Bruxelas.

O pacto elenca várias áreas de atuação:

  • as normas para receber os requerentes de asilo e analisar os seus pedidos
  • o reforco da proteção das fronteiras
  • um novo coordenador para a politcia de repatrição
  • parcerias com países fora da União Europeia

Considerando que alguns Estados-membros precisam de migrantes económicos para o seu mercado de trabalho, a Comissão Europeia irá também adotar um novo Plano de Ação sobre integração e inclusão para 2021-2024.

O que podem fazer os Estados-membros?

Uma das grandes novidades da proposta da Comissão é um "sistema de contribuições flexíveis dos Estados-membros", que prevê que estes tanto possam recolocar requerentes de asilo a partir do país de entrada na União, como assumir a responsabilidade de fazer regressar aos locais de origem aqueles cujos requerimentos tenham sido negados e não tenham o direito de permanecer em território da UE, ou ainda "outras formas de apoio".

Como antecipado, não haverá mecanismos obrigatórios para todos receberem refugiados, muito constestados por países tais como Hungria, Polónia e Áustria, sendo que os dois primeiros nunca participaram no mecanismo criado em 2016.

"Criámos um complexo mercado interno, uma moeda comum e um plano de recuperação sem precedentes para reconstruir as nossas economias. É agora tempo para enfrentar o desafio de gerir a migração em conjunto, com o equilíbrio certo entre a solidariedade e responsabilidade", disse von der Leyen.

É agora tempo para enfrentar o desafio de gerir a migração em conjunto, com o equilíbrio certo entre a solidariedade e responsabilidade

Ursula von der Leyen

presidente da Comissão Europeia

Relativamente aos procedimentos, Bruxelas propõe a introdução de um procedimento fronteiriço integrado que, pela primeira vez, inclui um rastreio pré-entrada que abrange a identificação de todas as pessoas que atravessam as fronteiras externas da UE sem autorização ou que tenham sido desembarcadas após operações de busca e salvamento.

"Tal implicará também um controlo de saúde e de segurança, a recolha de impressões digitais e o registo na base de dados da Eurodac [identificação de requerentes de asilo]", indica a Comissão na sua proposta.

"Após o rastreio, os indivíduos podem ser canalizados para o procedimento correto, seja logo na fronteira, para certas categorias de requerentes, seja através de um procedimento normal de asilo", aponta a Comissão, argumentando que, deste modo, "serão tomadas decisões rápidas em matéria de concessão de asilo ou de regresso".

Por fim, a Comissão defende que a UE deve esforçar-se por promover "parcerias à medida e mutuamente benéficas com países terceiros", o que, sustenta, ajudará a "enfrentar desafios comuns, tais como o tráfico de migrantes", assim como a "desenvolver percursos legais", e permitirá garantir "uma efetiva aplicação dos acordos de readmissão".

Macron lamenta "desordem" da ONU e do mundo

De  euronews  •  Últimas notícias: 22/09/2020 - 09:11

Macron lamenta "desordem" da ONU e do mundo

Direitos de autor Georges Gobet/Copyright 2020 The Associated Press. All rights reserved

O presidente francês lamentou o facto de as Nações Unidas, tal como o mundo, estarem em "desordem".

Emmanuel Macron defendeu que é no contexto da ONU que devem ser desenvolvidas estratégias para o combate à pandemia da Covid-19 e às alterações climáticas.

O lamento de Macron surgiu numa mensagem em vídeo na cimeira virtual da ONU, por ocasião dos 75 anos da organização.

O gaulês acredita que as fundações da ONU estão desgastadas e que "as suas paredes estão a rachar, por vezes sob os golpes das próprias pessoas que as construíram. Tabus que se pensava serem invioláveis estão a ser levantados - a guerra da anexação, a utilização de armas químicas, a detenção em massa impune. Os direitos que foram tomados como garantidos estão a ser violados. E o nosso sistema internacional, prisioneiro de rivalidades, já não tem força para punir estes abusos".

Ilustrando as divisões, os Estados Unidos da América anunciaram que retomaram medidas punitivas contra o Irão, alegando sanções das Nações Unidas contra o regime de Teerão.

O secretário de Estado norte-americano exigiu que a União Europeia siga o exemplo.

Mike Pompeo referiu que os Estados Unidos deixaram "bem claro que cada Estado-membro das Nações Unidas tem a responsabilidade de aplicar estas sanções. Isto inclui certamente o Reino Unido, a França e a Alemanha." Por isso, conclui que Washington tem "expectativas de que essas nações apliquem estas sanções".

No entanto, vários países contestaram a medida e afirmaram que os Estados Unidos não podem recuperar as sanções da ONU que expiraram no domingo.

A 75ª Assembleia Geral da ONU no ano pandêmico de 2020

UN Photo/Eskinder Debebe

Esse primeiro dia da Assembleia Geral da ONU de 2020, aos 75 anos da entidade, deixou uma sensação mista de mais do mesmo e desesperança, muito particular desse ano pandêmico. Embates que já deveriam estar aposentados, como entre o unilateralismo e a cooperação multilateral, o negacionismo e o valor da ciência, a autocomiseração e a solidariedade internacional, andam mais em voga do que se suporia há algumas décadas

  • 23 Setembro, 2020

    O ano de 2020 veio para provar que a humanidade precisa mesmo de suas nações unidas, caso queira sobreviver às intempéries, sejam elas previsíveis ou não. Não fosse a pandemia do novo coronavírus, os problemas ambientais e econômicos já seriam de grande monta. Mas os desígnios, por vezes insondáveis, da natureza trouxeram um desafio a mais para um tempo já no mínimo estranho. A difusão de um vírus letal e altamente infeccioso, cuja onda de contágio abraçou o planeta de leste a oeste, deu ao ano de 2020 os contornos inesquecíveis da primeira pandemia do século XXI. Como cada líder nacional lidou com a crise será lembrado por décadas, para tragédia dos cloroquiners e negacionistas em geral.

Foi a primeira vez, nos 75 anos de história da ONU, que os líderes dos países membros, hoje 193 (eram 51 em 1946), fizeram seus discursos gravados previamente e não sentiram os olhos do mundo observando suas performances ao vivo no púlpito do salão nobre do Edifício-Sede da ONU, projetado por Niemeyer e Corbusier ao final dos anos 1940. Na época da construção do edifício, entre os 50 projetos concorrentes, o de Niemeyer, que levava o número 32, foi considerado o “mais interessante de todos” e que, por generosidade do brasileiro, incorporou em sua versão final as ideias do projeto 23 do francês Corbusier. Generoso e interessante são adjetivos difíceis de serem empregados, por exemplo, ao discurso do representante brasileiro que esteve hoje na abertura da 75ª assembleia. Se houve algo de interessante no amontoado de palavras mal lidas por Bolsonaro, foi sua capacidade de proferir inverdades.

Na verdade, o bendito discurso deve ter causado antes de tudo uma boa diversão, pois Bolsonaro já se transformou nesse personagem tragicômico que vai se consolidando em uma espécie de lugar comum em nível global. “Não seja um bolsonaro” é uma expressão que muito em breve não será estranha a muitos ouvidos. Você será considerado “um bolsonaro” se trouxer em suas palavras e expressões traços de misoginia, misturados com homofobia, ignorância, subserviência aos americanos, inverdades, negacionismo científico e pinceladas de falsa religiosidade professada junto a impropérios de baixo calão. Se você for ao aniversário de 75 anos de alguém e não citar a data e nem o aniversariante, você estará sendo “bem bolsonaro”. Como hoje, na comemoração dos 75 anos da ONU, em que o presidente brasileiro não citou a efeméride e nem a dona da festa.

Se você atribui os incêndios na Amazônia e no Pantanal aos índios e caboclos você também está sendo “bem bolsonaro” e por aí vai: se você diz que combateu bem uma pandemia que matou 140 mil pessoas; se você diz que as queimadas nas florestas são inevitáveis; se você diz que os incêndios do Pantanal são semelhantes aos da Califórnia; se você diz que o Brasil é um país cristão e conservador, abstraindo as demais denominações religiosas, em especial as de matriz africana; se você diz que neste país há prevalência de direitos humanos; se você diz que Trump tem um plano de paz para a Palestina; se você diz que seu país está cooperando com o povo venezuelano e todos esses falsos enunciados hoje declamados bolsonaristicamente, você é um “bom bolsonaro”.

Mas, depois do show “made in Brazil”, veio o duelo de titãs já esperando na 75ª. AGNU, o embate entre EUA e China. Antes, o secretário-geral António Guterres já tinha dado a deixa ao dizer que “estamos em nosso 1945 particular” e “precisamos evitar uma nova guerra fria”. Em seu discurso, Trump acusou a China de espalhar o coronavírus, ao que a China respondeu, através de seu embaixador na ONU, dizendo que os EUA estão espalhando um “vírus político”.  Em resumo, o discurso de Trump foi primário, pintou a si mesmo como benevolente e responsável, ao citar o acordo entre os Emirados Árabes Unidos e Israel, por exemplo, e aos chineses como os agressores da humanidade a serem contidos, junto com a OMS, segundo ele instrumentalizada pelo país asiático. Por sua vez, Xi Jinping fez seu discurso sem citar os EUA diretamente. Falou de cooperação global e respostas humanitárias à crise do coronavírus. A fala do presidente chinês destoou por se encaixar propriamente em um encontro multilateral, com um chamado à mútua cooperação entre as nações em tempos de grandes desafios, enquanto Trump e Bolsonaro se ativeram à autocomiseração e autopromoção.

Esse primeiro dia da Assembleia Geral da ONU de 2020, aos 75 anos da entidade, deixou uma sensação mista de mais do mesmo e desesperança, muito particular desse ano pandêmico. Embates que já deveriam estar aposentados, como entre o unilateralismo e a cooperação multilateral, o negacionismo e o valor da ciência, a autocomiseração e a solidariedade internacional, andam mais em voga do que se suporia há algumas décadas. A fragmentação do Brics e da unidade sul-sul, puxada há pouco tempo por uma América Latina de amplas forças progressistas, ante o imperialismo do norte tem impacto perceptível no concerto das nações. Os efeitos da tragédia biológica e dos sacrifícios econômicos e sociais impostos, pari passu com o necessário distanciamento social que desumaniza as relações, parecem ter minado em parte a energia humana necessária neste momento de exigida capacidade de reconstrução. Em especial para os já desguarnecidos do Estado e socialmente marginalizados. Para enfrentar o imperialismo será necessário resgatar essa energia dissipada e reorganizar uma contraofensiva de força incomum na defesa do valor universal da vida, da paz e da igualdade.

Como disse Fidel, em um de seus memoráveis discursos na sede da ONU:

para que serve a consciência humana? Para que serve a ONU? Para que serve o mundo? Não se pode falar de paz em nome das dezenas de milhões de seres humanos que morrem todos os anos de fome ou doenças curáveis em todo o mundo. Não se pode falar de paz, em nome de 900 milhões de analfabetos. A exploração de países pobres por países ricos deve cessar. Dirijo-me às nações ricas para que contribuam. Dirijo-me aos países pobres para que distribuam. Basta já de palavras. Faltam ações”.


por Ana Prestes, Cientista social. Mestre e doutora em Ciência Política pela UFMG   |    Texto original em português do Brasil