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segunda-feira, 12 de abril de 2021

Sócrates: liberto de mais de 20 crimes, sim. Mas corrompido, apesar de tudo

Posted: 10 Apr 2021 08:28 AM PDT

 


Ouvi as mais de três horas das declarações de Ivo Rosa, até às 2h da madrugada li e ouvi dezenas (sim, dezenas) de analistas / comentadores com opiniões para todos os gostos e paladares, vejo as redes sociais cheias de convicções sem dúvidas, sendo que as «moralistas» me irritam especialmente.
Como é meu hábito, deixo aqui um texto, não porque me identifique necessariamente com tudo o que está escrito, mas porque me parece um resumo razoável de factos e algumas conclusões tão óbvias como dizer que o rei vai nu.

«O juiz de instrução Ivo Rosa destruiu quase por completo quatro anos de investigação do Ministério Público e, pelo caminho, também o trabalho feito pelo seu colega de tribunal Carlos Alexandre, que foi o magistrado que ao longo desses anos foi validando e promovendo buscas, escutas e outras diligências. Mas Ivo Rosa destruiu também a tese do ex-primeiro-ministro de que não foi corrompido. Ironicamente, a hipótese de vir a ser condenado em julgamento parece ter-se tornado muito mais forte depois desta sexta-feira.

No longo resumo da decisão de mais de seis mil páginas que tomou sobre quem vai e quem não vai a julgamento na Operação Marquês, Ivo Rosa não poupou nos rótulos com que classificou a acusação construída por sete procuradores contra o ex-primeiro-ministro José Sócrates, o seu amigo Carlos Santos Silva, o antigo banqueiro Ricardo Salgado e os outros arguidos do processo. De forma cirúrgica, o juiz de instrução percorreu os principais factos que suportavam os crimes de que o ex-primeiro-ministro e o ex-presidente do BES vinham acusados — “especulação”, “fantasia”, “falta de lógica”.

Os três pilares do processo, que diziam respeito aos três crimes de corrupção imputados pela equipa do procurador Rosário Teixeira a Sócrates, caíram por terra. De acordo com o juiz, nenhum desses três crimes estão sustentados em prova sólida. Segundo Ivo Rosa, não existem indícios de que o ex-primeiro-ministro tenha influenciado o chumbo da OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom em 2007, a favor do Grupo Espírito Santo (GES); tenha interferido na atribuição de qualquer obra pública ao Grupo Lena; ou tenha sido cúmplice de Armando Vara, quando este era administrador da CGD, na concessão de um empréstimo para a compra do resort de luxo Vale do Lobo, no Algarve.

Em qualquer dos três enredos, a prova foi considerada inconsistente, vaga ou mesmo inexistente porque foram outros decisores — e não ele, Sócrates — que tiveram influência nessas matérias e não há testemunhos a corroborar a tese do Ministério Público sobre o papel decisivo do ex-primeiro-ministro. Inclusive, foi desconsiderada a forma como Paulo Azevedo, do grupo Sonae, contou como tudo aconteceu nos bastidores da OPA da PT, em que o empresário descreveu a forma como o governo boicotou a tentativa de tomada de controlo daquela empresa de telecomunicações, quando o Estado era ainda um dos seus acionistas de referência, detentor de uma golden share.

SEM DÚVIDAS DE QUE O DINHEIRO NÃO FOI EMPRESTADO

No entanto, embora tenha feito essa espécie de terraplanagem à espinha dorsal do despacho de acusação que o Ministério Público proferiu em outubro de 2017, Ivo Rosa acabou por contrabalançar isso com outra conclusão: com base na análise que fez a todo o processo ao longo de mais de dois anos para poder chegar à decisão instrutória que deu a conhecer esta sexta-feira, Sócrates foi efetivamente corrompido, ainda que não seja possível provar por que razão isso aconteceu.

O juiz não acreditou nas explicações dadas pela defesa sobre o dinheiro que ao longo dos anos Sócrates recebeu do seu amigo Carlos Santos Silva, empresário que foi administrador do Grupo Lena, um conglomerado de empresas de construção e obras públicas.

Embora os arguidos tenham dito que Santos Silva emprestou 567 mil euros a Sócrates e que o ex-primeiro-ministro já devolveu 250 mil euros, o magistrado afirmou serem sólidos os indícios de que foram entregues a Sócrates um total de 1,7 milhões de euros. E que nada justifica tantos levantamentos e entregas em numerário. Se o que estivesse em causa fosse simplesmente um empréstimo entre amigos, “nada impedia que tivessem sido feitos por transferência bancária”. Ivo Rosa também considerou como relevante o modo como Sócrates e Santos Silva usavam uma linguagem codificada, mostrando uma preocupação em esconder a circulação de dinheiro.

“Houve um mercadejar do cargo do primeiro-ministro”, admitiu o juiz, assumindo que não tem dúvidas que todos aqueles pagamentos de Santos Silva a Sócrates significam que houve, efetivamente, um crime de corrupção passiva cometido pelo ex-primeiro-ministro enquanto foi titular desse cargo político, ainda que não haja indícios sobre os actos concretos que tenham estado na sua origem — ou seja, que possam identificar as contrapartidas do dinheiro recebido e levados a julgamento como prova.

No entendimento do juiz, esse crime de corrupção já prescreveu, mas não os esquemas usados para fazer chegar os subornos ao corrompido. Isso explica dois dos três crimes de branqueamento de capitais com que Sócrates foi pronunciado (o terceiro diz respeito ao modo como pagou ao professor Domingos Farinha para que este o ajudasse a fazer a sua tese de mestrado em Paris) e um dos três crimes de falsificação de documentos (um contrato de arrendamento para o apartamento de Paris, propriedade do amigo Carlos Santos, onde chegou a viver) pelos quais terá também de responder em julgamento (sendo que os outros dois têm, mais uma vez, a ver com a tese de mestrado e Domingos Farinha).

Ivo Rosa não teve contemplações com o Ministério Público, mas ao não deixar Sócrates sair totalmente impune, o sinal fica dado: se um juiz de instrução como ele — visto por muitos como decidindo normalmente a favor dos arguidos — ficou convicto de que o ex-primeiro-ministro foi corrompido, que dúvidas disso terá o tribunal coletivo que agora o irá julgar?»

O que tinha que ter sido diferente no processo Marquês

 

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 10/04/2021)

Alguns dos pilares essenciais da acusação desabaram, a não serem salvos pelo recurso, José Sócrates clama vitória e ainda assim poderá ser julgado por crime com pena de prisão, vamos para uma década desde o início da investigação e ainda nem sabemos se haverá julgamento, ou sobre quê.

Este panorama é um desastre e não começou com o maremoto de ontem. Antes de todos, é o processo penal no combate à corrupção, que não chegou incólume a esta fase do processo, que sai ainda mais desacreditado daquela sala de tribunal, o que tem gigantescas consequências. Por isso mesmo, talvez o primeiro dever seja perguntarmo-nos como se chegou até aqui e o que correu mal.

Os prazos deste processo não são compatíveis com a defesa do bem público. E tudo contribui para os estender: a dificuldade de uma investigação sem meios, além de confrontada com longos atrasos da cooperação internacional; a vontade do Ministério Público (MP) de compilar indícios para a tese que formulara antes das evidências, seguindo portanto todas as pistas possíveis ou imaginárias e dispersando-se em todas as direções; a discricionaridade de decisões de anular os prazos processuais, o que os torna irrelevantes; o gigantismo do processo, prolongando os procedimentos de instrução; os conflitos entre magistrados sobre a própria interpretação da lei.

Conclusão, o que correu mal nos prazos ainda pode correr pior. Mas se o resultado for que um caso de corrupção é julgado vinte anos depois do início da investigação, trata-se então de um fracasso irremediável.

Depois, foram os truques. E, desta vez, foram todos à uma: a prisão preventiva sem suficiente justificação processual, na base de suspeitas que foram entretanto abandonadas e substituídas por outras, ou a insistente divulgação de peças em segredo de justiça, incluindo gravações áudio e vídeo de interrogatórios em jornais preferencialmente especializados nesta indústria, seguindo a estratégia de mobilizar a opinião pública para um julgamento prévio. Pela insistência nestas técnicas, já não se pode acreditar que quem usa este método no MP, os funcionários ou eventualmente algum advogado que promova este crime de violação do segredo acreditem ou respeitem o valor da justiça, antes preferindo um ganho circunstancial num causa particular, mesmo que a cidade arda toda. Se me parece fundamental evitar o abuso da prisão preventiva, já a consequência da persistente revelação seleccionada e criminosa de peças da investigação só tem como único remédio possível a abolição radical do segredo de justiça, ou a violação de direitos dos cidadãos. O que os corruptos agradecerão, dificilmente será possível investigá-los.

Finalmente, ainda se combate a corrupção na presunção de que os corruptos contarão ao telefone os seus sucessos, ou que haverá um arrependido que se disponha a trair a família. Ora, não se vai a lado nenhum com as declarações de um Helder Bataglia, como se viu.

É meridianamente claro que o dinheiro é a chave da corrupção e, por isso mesmo, a prevenção se deve basear na verificação dos rendimentos. Assim, uma lei que obrigue à declaração e que, portanto, exponha os rendimentos injustificados, não só permite a inspeção das alterações patrimoniais, como conduz à punição da sua ocultação como crime, tornando mais direta a intervenção da justiça. Talvez um processo por enriquecimento injustificado seja menos espampanante, mas levaria à decisão pelo tribunal sobre mais crimes, no tempo adequado e com mais eficácia.

Se no combate à corrupção, depois de tudo isto, continuarem a eternizar-se os processos, se não lhe forem dados meios, se não for imposto o respeito pelas suas próprias leis e a capacidade de atingir todos os dinheiros que enriquecem criminosos, então não sairemos deste pântano em que a justiça foi aprisionada.

Imaginar o pós-capitalismo

 


por estatuadesal

(António Guerreiro, in Público, 09/04/2021)

António Guerreiro

Já tem um quarto de século, uma boutade proferida por Fredric Jameson, garantindo que “é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo”. Nos últimos tempos, fomos invadidos por um caudal de discursos (livros, artigos, conferências, etc.) sobre fins e colapsos do mundo, de tal modo que assistimos ao nascimento de uma nova disciplina, de fronteiras incertas, que se chama colapsologia. Já sobre o fim do capitalismo, o que nos chega, quando muito, são ainda os ecos de antigas e falsas profecias, recorrentemente anunciadas e sempre desmentidas. Temos agora a certeza de que Jameson tinha razão: tanta gente a pensar o fim do mundo e quase ninguém a pensar o fim do capitalismo.

Aquilo que o anti-capitalismo clássico, agarrado à noção de “classe capitalista” caracterizada como proprietária dos” meios de produção” e detentora de um “capital fixo” nunca quis perceber muito bem foi que o capitalismo se foi alterando radicalmente do interior e passou a ser “outra coisa”, sempre mutante, esvaziando de razão os pressupostos escatológicos dos anúncios recorrentes do fim e da superação. De tal modo que já não é possível hoje saber do que se está a falar quando se fala em capitalismo. É como dizer “o ambiente”, ou “a atmosfera”, ou “o horizonte”. Nomear hoje o capitalismo exige precisão, implica uma classificação vectorial: há o capitalismo digital, o capitalismo de vigilância, o capitalismo atencional, o capitalismo extractivista, o capitalismo estético, o capitalismo de plataforma e, até, o capitalismo genético. E outros, certamente, pois neste domínio tornou-se difícil ser exaustivo. Assim, temos hoje múltiplos capitalismos, e de alguns deles nós nem sabemos que mercadoria eles põem em circulação ou nem suspeitávamos que era possível extrair mais-valias colossais daquilo que nem tínhamos antes percebido que podia ter um imenso valor de troca. Se há quarenta anos nos viessem dizer que a mercadoria do nosso século é a experiência humana (a experiência da atenção, por exemplo) e o saber sobre os nossos comportamentos nós não acreditaríamos, estávamos ainda colados à ideia de que o capitalismo sobrevive graças à exploração do trabalho humano. Jonathan Crary mostrou muito bem, em 24/7. O Capitalismo Tardio e os Fins do Sono (trad. portuguesa, Antígona), que o capitalismo, que outrora se alimentava durante os nossos horários de trabalho, está agora activo durante as 24 horas dos 7 dias da semana, mesmo que para isso precise de nos roubar o tempo do sono.

Mas é sempre tardiamente que nos apercebemos de que tem um imenso valor aquilo que fomos cedendo gratuitamente, em troca de algo que acreditávamos que era gratuito. Por exemplo, os nossos dados. O que o capitalismo hoje possui não é uma mercadoria material, é a nossa própria despossessão. Foi assim que a “riqueza das nações” foi hoje substituída pela “riqueza das redes”, como anunciou o professor de direito económico em Harvard, Yochai Benkler.

Apesar de algumas inibições dos discursos políticos, já se começa a falar aqui e ali de pós-capitalismo. Por exemplo, a revista francesa Multitudes dedicou-lhe o seu primeiro número de 2018, mas sob a forma da interrogação: “Post-capitalisme?”. Aí encontrávamos, entre outros, um artigo de McKenzie Wark, autora do famoso Hacker Manifesto, que tinha um título inquietante. “E se já nem fosse capitalismo, mas algo ainda bem pior?” McKenzie mostra-se ai muito crítica em relação às esperanças progressistas da tradição marxista e encontra boas razões para ver nestes novos vectores do capitalismo algo bem pior do que a antiga “classe capitalista” porque o poder de predação tornou-se total, começa no controle dos meios para fazer circular e gerir a informação aos mecanismos de financiamento que fazem aumentar o valor, passando pelos servidores que recolhem os nossos dados. Todo este poder colossal, como nunca antes houve outro igual, está concentrado neste acrónimo: GAFAM (Google, Aple, Facebook, Amazon, Microsoft). Podemos achar que McKenzie é exageradamente pessimista, indo assim ao encontro daqueles discursos do colapso que exercem hoje um enorme fascínio. Mas o seu “pós-capitalismo” de feições sinistras tem pelo menos um efeito pedagógico: obriga-nos a desconfiar de antigas e modernas ilusões ligadas a visões da história que já estão caducadas.

Joe Biden, o perigoso esquerdista

Posted: 09 Apr 2021 03:33 AM PDT

 


«Washington, o símbolo do capitalismo, anda por estes dias a dar lições à Europa que fundou o Estado social. O plano de recuperação da economia desenhado pela administração Biden empurra a “bazuca” europeia para um canto envergonhado e o FMI, o monstro protagonista de tantos planos de austeridade por esse mundo fora, vem agora, na sequência da crise da covid, apelar a uma justiça tributária que crie impostos especiais para quem lucrou com a pandemia.

O sistema político americano é diferente do europeu e particularmente do português: no Partido Democrata que elegeu Joe Biden cabe um largo espectro de militantes do Partido Socialista, do Partido Social Democrata e até parte do CDS “fofinho”, aquele que rejeita coligações com o Chega. E é esse Partido Democrata que propõe agora uma revolução para uma reforma global da taxação das multinacionais, de forma a que as grandes empresas mundiais paguem os impostos devidos aos países onde lucram. Uma mudança que, a ser convenientemente aceite pela Europa, mudará a economia mundial em favor dos mais pobres.

“As empresas não vão conseguir esconder os seus rendimentos em paraísos fiscais como as ilhas Caimão ou as Bermudas”, disse Joe Biden ao apresentar o plano de aumento de impostos directos sobre as empresas para financiar o seu megaplano de investimento de combate à crise económica e as novas regras para impedir que a riqueza criada num sítio desapareça rumo a um paraíso fiscal.

O aumento dos impostos sobre as empresas de 21% para 28% é acompanhado da subida da taxa de imposto mínima aplicada aos lucros globais, como aqui explica Sérgio Aníbal, que tem por base os lucros declarados aos investidores com base em operações feita em todo o mundo e não apenas os lucros contabilizados nos Estados Unidos.

A América está a olhar para a situação presente como uma efectiva Grande Depressão, enquanto a Europa arrasta lentamente os pés, como é mais ou menos costume – embora se tenha aprendido alguma coisa depois do desastre da crise financeira. Não deixa de ser interessante que a revolução neokeynesiana nos chegue agora da América, que parecia ter esquecido o “New Deal” há muito. Mas nem sempre as coisas em política são lineares: John Maynard Keynes, que é actualmente o economista inspirador de muitos socialistas, não era do Partido Trabalhista britânico, mas do Partido Liberal. E também do Partido Liberal era William Beveridge, fundador da London School of Economics e autor do famoso Relatório Beveridge, o documento que esteve na base da criação do Estado social no Reino Unido (posto em prática pelo Governo trabalhista de Clement Attlee e não destruído por Churchill). A Europa social tem agora muito que aprender com a América capitalista.»

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A montanha pariu um rato


por estatuadesal

(Estátua de Sal, 09/04/2021)

Sócrates foi corrompido? Talvez. Rosário Teixeira é um incompetente? É!

Seguindo a leitura que Ivo Rosa esteve a fazer do despacho instrutório do processo Marquês, fiquei com os cabelos em pé. Crimes imputados mas já prescritos, acusações sem qualquer indício que vá além de um argumento de romance, incongruências e contradições factuais de datas, desconhecimento dos acórdãos do Tribunal Constitucional, contradições mesmo entre partes várias da acusação. Como é possível que um processo desta importância tenha tantas falhas, aberrações e atropelos ao Direito?

Tudo começou com a prisão de Sócrates. À época o Ministério Público não tinha qualquer prova que incriminasse o detido. Prendeu para investigar. Investigou e deve dizer-se que nenhum político em Portugal, em algum tempo, foi tão devassado e escrutinado como Sócrates. O facto de o MP não ter encontrado nenhuma prova objetiva e insofismável de que Sócrates tenha sido corrompido, deve levar-nos a pensar. Com milhares de escutas ao próprio e a todos os que o rodeavam, apreensão de emails e correspondência cobrindo largos períodos de tempo, em nenhum momento vem ao de cima “conversas” que indiciem os presumíveis crimes?! É, de facto, tão estranha essa ocorrência, tanto ou mais estranha ainda que a facilidade com que o amigo de Sócrates lhe fazia chegar elevadas quantias de dinheiro.

Depois de ter promovido a prisão de um ex-Primeiro Ministro, com informação prévia à imprensa e às televisões, o Ministério Público tinha que construir posteriormente uma acusação que justificasse uma tão grave diligência. Não conseguiu, apesar de ter recorrido a uma panóplia de atropelos aos formalismos e às regras mínimas do processo penal, como ficou patente na longa leitura de Ivo Rosa.

No final da decisão de Ivo Rosa o que restou? Essencialmente as dúvidas do Juiz em o amigo de Sócrates lhe entregar dinheiro de forma capciosa e sub-reptícia, indiciando tal um crime de corrupção sem objeto identificado – ainda que já prescrito -, originando em consequência um crime de branqueamento de capitais.

É sabido que a Justiça ainda vai seguir o seu percurso e que o MP irá seguramente recorrer da decisão de Ivo Rosa. Contudo, apesar de não ser jurista, parece-me que dificilmente a decisão agora havida poderá ser muito alterada, tal o cuidado e a qualidade jurídica dos argumentos contidos neste despacho de pronúncia.

Contudo, deve desde já elogiar-se Ivo Rosa. Pela primeira vez no processo Marquês a comunicação social e as televisões não foram informadas previamente do que iria ser o resultado das suas decisões. O segredo de justiça foi respeitado até ao fim, o que é inédito no âmbito do dito processo.

Sendo a Justiça um sistema imperfeito – porque humanos e imperfeitos são os seus agentes -, fiquei hoje com a sensação de que o sistema contém em si, ainda assim, uma lógica de contrapesos que lhe permite corrigir os seus próprios limites e falhas.

Assim o consiga fazer em tempo útil e com o mínimo de danos para quem sofra de tais deficiências. No caso de Sócrates, tal já não será possível. Devido à mediatização do processo, decorrente das reiteradas violações do segredo de justiça, para o bem ou para o mal, já todos o julgámos.