(Sandro Mendonça, in Expresso Diário, 06/07/2017)
A operação levada a cabo em Tancos, complexo militar no coração do país, deve ser visto como uma operação planeada e executada contra o Estado português.
Em tempos de paz o perigo vem muita vez de dentro. Se as armas pesadas estão com os militares, pois estes asseguram o monopólio da violência, então uma prioridade da Defesa Nacional tem de ser defender a sociedade dessas próprias armas. Não tem charme nem dá medalhas, mas o controlo das armas não pode ser esquecido como função prioritária pelo sistema de segurança. Isto inclui as polícias: quantidades industriais de armamento ligeiro ou pesado não podem simplesmente evaporar-se.
Forças portuguesas participam e participaram em várias operações no estrageiro, juntando-se a várias missões de patrulha marítima ou de manutenção de paz no terreno. Não se pode pensar que, nestes temos de globalização fluída e fronteiras porosas, o risco não vem bater à porta da própria base de partida.
Diz-se por aí que Portugal, depois da Islândia e da Nova Zelândia, está no pódio dos países pacíficos. Se repararmos estes são países distantes, separados e insulares. Não é o caso de Portugal: bastante central, aliás, termos de rotas internacionais e transcontinentais. Não há portanto nada de predestinado, e o país não é à prova de instabilidade.
Não é tanto uma questão de “os brandos costumes” mas sim de “os bananas do costume”: a espécie sobreviveu porque à porta da caverna estavam uns tipos que não dormiam, lá para o fundo da gruta havia quem ressonava contando carneirinhos pacíficos.
Pois bem, pode dizer-se que a questão é complexa mas:
1. Quão recorrente eram os furtos de material não-bélico em Tancos e em outros paióis? Para dar um exemplo caricato, os kits de sobrevivência do exército têm o condão de “voar”: quem reconhece os talheres encaixáveis destes kits sabe do que eu estou a falar, eles são visíveis por aí, a uso no meio da sociedade (como lá chegaram?!). Porque razão estes sinais fraco nunca foi sistematicamente reportados? Como se construiu e consolidou uma cultura de não-reporte e envergonhada implícita conivência? Uma cultura de “broken windows” na tropa levou depois a este escândalo?
2. Pois, a verdade é que nos anos da troika o “número de bombeiros caiu 10% e de militares desceu 15% no período da 'troika’”, como apontou Mário Centeno perante a Comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Administração Pública. Mas muitos desses estavam na parte mais adiantada da distribuição etária. A falta de recursos não justifica tudo. A quebra de serviço terá uma natureza sobretudo organizacional.
3. A oposição fala de cativações, tendo ela própria usado e abusado desses expedientes quando estava poleiro. Tem a lata de falar de cativações, mas não a honestidade de falar de “Descativações”. A Conta Geral do Estado referente a 2016 efectivamente mostra que na Administração Central quase metade das verbas foram desbloqueadas e que onde houve mais descativações foi na “aquisição de bens e serviços” com destaque para a Segurança Interna e Defesa Nacional (páginas 102, 103 e 104).
4. Mas um problema nunca vem só. Cedo se percebe que quando há problemas como este e como os fogos (como já me referi aqui) há personagens estrangeiros que se tentam aproveitar e se esforçam por atiçar ainda mais a confusão: e estas iniciativas de interferência estão a vir dos dois maiores jornais espanhóis. Agora foi o caso do jornal El País a cometer mais um exemplo de sub-jornalismo. Tanta incompetência e falta de sobriedade não pode apenas ser talento, é mau demais para ser aleatório. Estas instâncias têm todo o perfil de tentativas plantadas de interferência no processo democrático e de beliscar a serenidade das instituições. E assim devem ser assim sinalizadas.
Brincar com a tropa é coisa bem séria.