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sexta-feira, 28 de abril de 2017

Trump, o prolixo

Celso  Filipe
Celso Filipe | cfilipe@negocios.pt 28 de abril de 2017 às 00:01

Trump, o prolixo

Entre a meia-noite e as 17h00 de ontem, Donald Trump publicou 13 mensagens no Twitter, ora revelando telefonemas mantidos com os Presidentes do Canadá e do México para renegociar os acordos comerciais, ora acusando o Partido Democrata de vários desmandos, tais como o de colocar em risco a segurança dos militares norte-americanos.
Os que gostam e aqueles que odeiam Donald Trump convergem numa opinião: o Presidente norte-americano é prolixo. Tudo o resto são divergências. E não apenas políticas. O homem que mandou lançar "a mãe de todas as bombas" não nucleares no Afeganistão e se desdobra em ameaças à Coreia do Norte, criando um clima de instabilidade à escala global, é o mesmo que os mercados adoram, facto verificável no comportamento das bolsas. O Dow Jones, o S&P 500 e o Nasdaq bateram máximos históricos a 1 de Março e continuam em alta, revelando que os mercados gostam e acreditam nas promessas de desregulação, de redução de impostos e de investimento público prometidas por Trump.
Mas há mais. O índice de sentimento de confiança do consumidor elaborado pela Universidade de Michigan registou máximos de 17 anos e a taxa de aprovação de Trump está nos 41%. Nada mau, para o mais improvável de todos os Presidentes norte-americanos.
Depois há o reverso da medalha. A euforia dos mercados não encontra espelho na economia real. As vendas de carros e do retalho, assim como a produção industrial e o investimento privado, são indicadores estagnados desde que Trump tomou posse. Por sua vez, o PIB tem-se mantido quase inalterado, muito longe das promessas de crescimento de 4% feitas pelo agora inquilino da Casa Branca.
Isto sem esquecer os assuntos mais mediáticos, em boa parte responsáveis pela sua vitória eleitoral. A começar pelo muro que era para ser pago pelos mexicanos e afinal não o será, terminando no desmantelamento do Obamacare, que afinal ainda não aconteceu.
Um dos problemas estruturais de Trump, o prolixo, tem precisamente que ver com esta sua característica, que por natureza é adversária da credibilidade. Trump, o prolixo, achou que seria tão fácil governar quanto fazer negócios. Enganou-se. Estes 100 dias de governação são a demonstração da sua natureza errática. Resta esperar mais 100 dias para saber se prevalecerá o Trump homem de negócios fala-barato, ou o Trump convertido à política. Enquanto isso, Trump é, ele mesmo, o "pai de todas as bombas" que pode fazer explodir a política e a economia à escala global.

Ovar, 28 de Abril de 2017
Álvaro Teixeira

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Gulliver e a Europa liliputiana (estatuadesal)

 

(Viriato Soromenho Marques, in Diário de Notícias, 26/04/2017)
soromenho
Imaginemos um cidadão europeu, de nome Gulliver, que tivesse tombado em coma em 2002, no mesmo ano em que o euro entrou em circulação e a convenção que visava estabelecer um tratado constitucional para a Europa iniciou os seus trabalhos. No ano em que intelectuais como Charles Kupchan, da Universidade de Georgetown, profetizavam que a UE seria o próximo farol do Ocidente, dada a inevitável queda dos EUA, de que a presidência de G.W. Bush era a definitiva prova. Imaginemos, ainda, que Gulliver despertava nesta Europa de 2017. Confirmaria a justeza de Kupchan, pois Trump promete ser uma mais incisiva prova de decadência do que Bush. Mas ficaria surpreendido com as brutais metamorfoses ocorridas no projeto europeu. Saberia que na UE o impacto regional da crise financeira de 2008 ficaria conhecido como "crise da dívida soberana". Muito embora a dívida dos Estados europeus tivesse escalado para acudir à derrocada do sistema bancário, e o dinheiro emprestado aos países pelos planos de resgate da troika tivesse sido menos de um décimo da quantia retirada aos contribuintes europeus para salvar a banca (uma significativa parte a fundo perdido...), o diretório europeu preferiu batizar a crise pelo nome da consequência (dívida pública) e não da causa (exuberância de imparidades de um setor financeiro deixado à rédea solta pelo péssimo desenho do euro). Gulliver ficaria também estarrecido por verificar que desde 2010 o nacionalismo e a xenofobia - as mesmas doenças europeias que devastaram o mundo em duas guerras mundiais - regressaram em força ao discurso político, começando debaixo da ideia farisaica de que povos inteiros gastaram para lá das suas possibilidades, sendo por isso a austeridade, simultaneamente, um remédio e uma merecida punição. Em vez das promessas de desenvolvimento da Agenda de Lisboa para 2010, a UE tornou-se um ciclópico centro correcional para promover a disciplina orçamental dos povos, sob os ditames de um novo tratado (2013), que promete um futuro sombrio, sem nenhuma perspetiva de investimento ou solidariedade social.
Ficaria também assustado por ver que a moeda comum se transformou num fator de divergência entre países, e entre grupos sociais, dentro do mesmo país. Perceberia que a desigualdade crescera, que o desemprego, sobretudo o jovem, atingia assimetricamente a UE, sem causar alarme nos países onde os excedentes externos funcionavam como um muro abafando as dores dos vizinhos.
Gulliver ficaria boquiaberto ao constatar que os políticos defensores deste desequilibrado "europeísmo" têm como opositores novos protagonistas, considerados "populistas", para quem bastaria um gesto mágico de supremacia da vontade nacional soberana para corrigir todos os males, como se pisar o campo minado da zona euro não implicasse um perigo mortal inaceitável. Gulliver sentir--se-ia, de facto, entre liliputianos na Europa de 2017. Ele pressentiria, com um pavor frio, que os horrores da Europa, geralmente causados por gente desmesurada e sequiosa de império, com mais vontade do que entendimento, poderiam igualmente ser provocados por gente pequenina em tudo, tanto nas suas ambições como no escasso pecúlio epistémico. Ele não saberia dizer, tal como nenhum de nós, se Emmanuel Macron, o próximo presidente francês, terá engenho e arte para impedir a única coisa gigantesca neste triste e imenso drama: o preço em sofrimento que todos teríamos de pagar se a Europa do futuro, finalmente, tombasse até ao patamar de irrelevância dos seus recentes e atuais regedores.
 
Ovar 26 de abril de 2017
Álvaro Teixeira

segunda-feira, 24 de abril de 2017

O excedente alemão passa para França o problema da zona euro

(Wolfgang Münchau, in Diário de Notícias, 24/04/2017)

munchau
Dentro de dois ou três meses, o presidente Donald Trump e o novo presidente francês serão confrontados com uma importante questão de diplomacia económica: o que fazer com o excedente da balança corrente alemã? No ano passado aquele atingiu 8,6% do produto interno bruto, um número excessivo para a quarta maior economia do mundo. O excedente provavelmente cairá um pouco neste ano e no próximo, mas a sua dimensão e persistência constituem uma das maiores fontes de desequilíbrio na economia global e dentro da zona euro.
Se quem está de fora decidir enfrentar a questão, precisará de o fazer de forma inteligente. Até agora, a Alemanha repeliu todas as críticas. A Comissão Europeia apresenta anualmente relatórios sobre os desequilíbrios macroeconómicos. Os cestos de papéis de Berlim estão cheios deles. Os sucessivos presidentes franceses também optaram por não levantar a questão. A sua prioridade durante a crise da zona euro foi manter a cabeça baixa e evitar aparecer nos radares dos “vigilantes” de títulos. Desde que conseguissem financiar os seus empréstimos soberanos, tudo estava bem.
Os desequilíbrios na economia global, e na Alemanha em particular, não são estimulados pelo comércio. A Alemanha não está a subsidiar as suas exportações, nem a manipular a sua moeda. O problema é um excesso de poupança em relação aos investimentos. Isso deve-se a más políticas e ao envelhecimento da população.
As sanções comerciais não conseguem resolver um desequilíbrio de poupança. Acho que a Alemanha iria responder a tarifas punitivas tentando baixar mais ainda os custos de produção, o que iria agravar o problema. Em vez disso, o mundo deve fazer que a Alemanha enfrente as causas dos excedentes de poupança: setores de serviços excessivamente regulamentados; baixos níveis de crescimento dos investimentos dos setores público e privado; excedentes orçamentais prejudiciais e desnecessários.
Um bom ponto de partida seria explorar as contradições internas da defesa da Alemanha dos excedentes. Antes das reuniões de primavera do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial em Washington na semana passada, o governo de Berlim produziu um documento que dizia que os EUA não se deveriam preocupar com as suas relações bilaterais com a Alemanha, mas sim com as relações com a zona euro.
O documento privado argumentou que a Alemanha não pode logicamente ser um manipulador de moeda, uma vez que já não tem uma moeda própria. Se o euro está subvalorizado, não é culpa da Alemanha, mas uma consequência das políticas monetárias do Banco Central Europeu. A mensagem parece ser: não falem connosco, falem com Bruxelas ou Frankfurt.
Esta é uma defesa extraordinária. Se a Alemanha culpa a zona euro, então é evidente que os Estados Unidos e os outros membros da moeda única devem insistir para que o bloco tenha poderes para resolver o problema de forma mais eficaz.
No ano passado, a zona euro teve um excedente em balança corrente de 3,4% do produto interno bruto, inferior ao da Alemanha em termos relativos, mas ainda extremamente grande para a segunda maior economia do mundo. Significa que a zona euro terá de alcançar, pelo menos, uma capacidade orçamental conjunta e o direito de impor políticas aos Estados membros para influenciar a relação entre poupança e investimentos.
Como o governo alemão rejeita essas políticas, o argumento de Berlim sobre a zona euro é falacioso. Os outros Estados membros não devem permitir que a Alemanha lhes aponte o dedo, porque ela mantém desequilíbrios enormes com eles, bem como com o resto do mundo.
Então o que devem eles fazer? Estou a escrever esta coluna antes de ser conhecido o resultado da primeira volta das eleições francesas. O que eu sei é que a classe política francesa falhará se não pressionar a Alemanha para resolver a questão. Se a Alemanha aceitar políticas para corrigir os desequilíbrios, ou concordar com as reformas da governação da zona euro ou, idealmente, ambas as coisas, então a estratégia francesa mais inteligente será procurar uma estreita parceria com Berlim e forjar as próximas etapas da integração europeia. Esse seria o meu cenário preferido. A sobrevivência do euro exige tal passo.
Se a Alemanha continuar a recusar-se a abordar a questão, será tarefa do próximo presidente francês transmitir a Angela Merkel ou ao seu sucessor como chanceler alemão que a zona euro não é uma construção sustentável e que o euro perderá ao longo do tempo o apoio do público, especialmente em França.
Não há garantias de que a Alemanha se deixe impressionar por uma ameaça destas. Mas uma desintegração da zona euro constituiria um tal desastre económico para a Alemanha que seria do interesse do país ajustar a sua política, em vez de arriscar outra crise com consequências potencialmente desastrosas.
Apenas França está em condições de forçar a questão, porque detém a chave para o futuro do euro. Assim, a estratégia mais inteligente para os Estados Unidos deve ser forjar uma aliança estratégica com França para enfrentar a Alemanha, em vez de optar por sanções comerciais unilaterais, que são, na melhor das hipóteses, uma diversão.
 
Ovar, 24 de abril de 2017
Álvaro Teixeira

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Administração Trump apressa-se a criar força de deportação

Carlos Santos Neves - RTP 13 Abr, 2017, 12:01 / atualizado em 13 Abr, 2017, 12:09 | Mundo

Administração Trump apressa-se a criar força de deportação
O Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, revela o Washington Post, planeia contratar centenas de novos operacionais para as patrulhas fronteiriças e alfândegas | Mike Blake - Reuters

O gabinete de Donald Trump está a caminhar a passos céleres para a formação de uma força nacional de deportação de imigrantes considerados ilegais, noticia esta quinta-feira o jornal norte-americano The Washington Post. No quadro destes esforços, que correspondem a uma das mais sonoras promessas de campanha do agora Presidente, o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos reuniu já 33 mil camas adicionais em centros de detenção para indocumentados.

O escopo do plano da Administração Trump consta de um documento de avaliação com a marca do Departamento de Segurança Interna, ou Homeland Security, que foi obtido pelo Washington Post.
Além das 33 mil camas adicionais para imigrantes ilegais, em centros de detenção nos Estados Unidos, estão em curso “discussões com dezenas de forças policiais locais”, que podem ver a sua esfera de jurisdição alargada. Ouvida pelo Post, a porta-voz do Departamento de Segurança Interna, Gillian Christensen, escusou-se a comentar “documentos pré-decisão”.
O mesmo braço do Governo Federal identificou também os pontos na fronteira com o México onde pode ter início a construção do muro repetidamente prometido por Donald Trump.
Escreve o Washington Post que o Departamento de Segurança Interna está, ao mesmo tempo, a tentar divisar enquadramentos legais para a contratação de “centenas de novos efetivos” para as Alfândegas e Patrulha de Fronteira (CBP, na sigla em inglês). Parte destes candidatos foi já submetida a testes de polígrafo e de capacidade física.
Os planos, ressalva o jornal, podem encontrar obstáculos em “custos proibitivos” elencados no próprio relatório de avaliação, a que se somam previsíveis anticorpos no Congresso, onde se têm erguido vozes contra as despesas de milhares de milhões de dólares associadas à política de uma América-fortaleza.
“Infraestrutura de deportação”
Aos previsíveis obstáculos no Capitólio adiciona-se a expectável contestação das organizações de defesa dos imigrantes e refugiados, para as quais, assinala o Washington Post, o que está em causa não é mais do que um gasto desnecessário de verbas e outros recursos somente para “assustar 11 milhões de imigrantes indocumentados” que vivem nos Estados Unidos. Muitos há mais de dez anos.
O secretário de Segurança Interna, John F. Kelly, tem vindo a tentar mitigar a ideia de deportações em massa. Mas o facto é que as sucessivas ordens executivas com a assinatura de Donald J.Trump – sucessivamente travadas na justiça - visaram, muito concretamente, expandir os grupos de imigrantes cuja expulsão é considerada prioritária.
“Esta é uma Administração que está muito interessada em montar uma infraestrutura de deportação em massa e criar as alavancas de uma polícia de Estado. Nestes documentos, há mais provas e indícios de que eles estão a planear levar isso por diante”, reagiu a diretora do Centro Nacional de Legislação de Imigração, Marielena Hincapié, citada pelo Washington Post.

Ainda segundo os documentos obtidos pelo jornal, se o Congresso aprovar a alocação de fundos extraordinários para os planos da Administração, os serviços das CBP começarão a trabalhar com a Engenharia do Exército para desencadear a construção de aproximadamente 54 quilómetros de um muro ou barreira no sector do Vale do Rio Grande, que o Departamento de Segurança Interna descreve como a “área de maior prioridade”.
“Até agora, eles têm vindo a usar táticas de medo para montar um espetáculo, para demonstrar aos apoiantes que são duros com a imigração. Eventualmente terão mesmo de mostrar resultados. Sem a aprovação do Congresso, não vão atingir os números de deportações de Obama. Vai ser este o teste. Se no primeiro ano não tiverem um número significativo de deportados, em que é que vão distinguir-se da anterior Administração?”, pergunta J. Kevin Appleby, diretor no Centro de Estudos de Migração, com sede em Nova Iorque.

Ovar, 13 de abril de 2017
Álvaro Teixeira

terça-feira, 11 de abril de 2017

O golpe de força é um golpe de mestre ou apenas bluff?

A opinião de

Francisco Sena Santos
Francisco Sena Santos

A barbaridade em Khan Sheikoun tem tudo para nos revoltar. Quando vemos as imagens daquelas crianças, daquela gente de todas as idades, a morrer em asfixia pelo gás tóxico, saímos da rotina do desfile de imagens de guerra que, pelo efeito de repetição, quase desarma a nossa sensibilidade. A utilização de armas químicas mortais, como ficou evidente ter acontecido na semana passada na Síria, tudo indica que por acção da aviação do regime de Damasco, é um crime de guerra e um ataque à humanidade. É mais uma atrocidade na crueldade infinita, com vários autores, nesta guerra que já levou, em seis anos, umas 400 mil vidas e que gerou milhões de refugiados. A retaliação de Trump, enviada em 59 mísseis Tomahawk, gera uma primeira impressão de castigo merecido, algo de vitória moral sobre o regime brutal do insustentável Assad. Mas a eficácia da acção afigura-se inconsequente, a não ser no espectáculo e na propaganda de Trump. Em contrapartida, do ponto de vista estratégico de procura da paz, estes mísseis podem fazer disparar os riscos de escalada. Rússia e Irão já avisaram que responderão com contundência se houver novo episódio.
Os factos destes dias encaixam em cheio no que Zygmunt Bauman, sábio a dar-nos a entender o que acontece à nossa volta, definiu para o tempo actual como sociedade líquida: uma realidade em que todas as metas mudam a cada momento. Resulta uma sociedade imprevisível, desconcertante, onde o que é passageiro se impõe ao que é estável.
Trump, em toda a campanha eleitoral e nas primeiras semanas da sua presidência, repetiu que a sua América não se meteria no tema da Síria e que a prioridade externa é a de derrotar o inimigo comum, o terrorismo do califado Islâmico. Trump virou costas aos sírios e anunciou-nos uma América isolacionista, a ligar pouco ao resto do mundo.
No tempo de Obama, Trump tinha argumentado contra a hipótese de resposta militar americana a um igualmente chocante bombardeamento químico pelos caças de Assad. Então, Trump recomendou a Obama que guardasse a pólvora. Como interpretar esta mudança abrupta ao lançar fogo Assad que combate o terrorismo do Estado islâmico? Trump impulsivo? Ou um Trump a mudar de perfil, a tentar encaixar na prioridade “America First” (em que tem sofrido revezes) o velho papel de xerife do mundo, uma espécie de “America is back”? Há uma estratégia consistente para promover a paz?
O tempo tem mostrado que Trump tem apurado sentido da oportunidade. O horror global pelo ataque químico na Síria ofereceu-lhe uma ocasião mesmo a calhar. Num momento de popularidade interna em quebra e de alta da impopularidade externa, Trump, com esta cascata de mísseis, conseguiu elogios de opositores democratas nos EUA e de dirigentes europeus que lhe recusavam benevolência. Colocou-se como homem de acção, recuperou a confiança de alguns eleitores desiludidos e deve ter entusiasmado os falcões e o lóbi das guerras ao mostrar que a América continua a usar o bastão.
Com o golpe de força através dos mísseis lançados à distância sobre uma base principal de Assad, Trump, para além da propaganda, também pode estar a enviar mensagens para vários destinatários. Deixou no ar a possibilidade de acção semelhante contra um outro sinistro déspota, o norte coreano Kim, que se supõe beneficiar de tolerância da China, cujo presidente jantou nessa mesma noite com Trump. É plausível que tenha pretendido dizer a Pequim que tem de fazer parar os planos nucleares da Coreia do Norte, ou entram em acção os mísseis americanos.
Também terá passado uma mensagem aos que acusam de demasiada proximidade com Putin, precisamente quando avança nos EUA a investigação sobre o envolvimento suspeito de gente do staff de Trump com o aparelho de Putin no Kremlin. Trump mostrou indirectamente os músculos a Putin, em vésperas de uma cimeira diplomática em Moscovo entre a Rússia e os EUA. Significará que Trump sai do proclamado isolacionismo e adere à negociação diplomática?
Alguma esperança? O que está em causa na Síria não é uma guerra civil. É uma guerra global, jogada por representantes. De um lado, à cabeça, os dos Estados Unidos, da Turquia e da Arábia Saudita. Do outro, os da Rússia e do Irão. Está em causa a hegemonia numa região estratégica no equilíbrio geopolítico global. É uma guerra com muitas guerras dentro e em que não há bons, são todos maus. Sobram as tantas vítimas.
A Nobel da Literatura Svetlana Aleksievic lastimava outro dia que Trump seja uma catástrofe semelhante a Putin. Svetlana lamenta que a Rússia tenha perdido um certo romantismo, ainda que ingénuo, que avançou no tempo de Gorbachov. Hoje há pouco espaço para ilusões.
É de admitir o benefício da dúvida a Trump com este seu golpe de força na Síria. Pode vir a revelar-se um golpe de mestre. À partida, parece mais um bluff para a propaganda. Sendo que a imprevisibilidade é perigosa em tempo de conflitos muito complexos. A frota naval americana a abeirar-se do mar da Coreia levanta inquietações.
 
Ovar, 11 de Abril de 2017
Álvaro Teixeira