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quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

António Costa superou expectativas, diz Financial Times

António Costa superou expectativas, diz Financial Times

Jornal Económico

02 Jan 2017

O jornal britânico diz que o primeiro-ministro português "confundiu os críticos".

Rafael Marchante/Reuters

Rafael Marchante/Reuters

Para o Financial Times, António Costa conseguiu surpreender ao resistir um ano e manter o compromisso com o BE e o PCP: “As expetativas de que esta parceria improvável ia falhar eram tão altas que o primeiro-ministro já desafiou a maioria dos críticos apenas e só por sobreviver para um segundo ano no cargo”, escreve hoje o jornal.

O diário refere o ceticismo da oposição e dá relevo às declarações do ex-ministro, Pedro Passos Coelho, ao abandonar o Governo: “Espero não ser chamado para uma casa em chamas”.

A reticência dos credores internacionais, dos mercados e das agências de rating em “torno do modesto crescimento económico” e do “frágil setor financeiro” português também são salientadas.

Ainda assim, para o jornalista Peter Wise, o chefe do Executivo português “regista níveis de popularidade que outros líderes de centro-esquerda na Europa apenas podem sonhar”, indicando-o como exemplo para o Podemos, em Espanha.

Os níveis de popularidade  são atribuídos à defesa do fim do clima de austeridade do programa de ajustamento em 2011-2014. “Agiu rapidamente para recuperar os orçamentos do sector público, horário laboral, férias e pensões estatais para os níveis pré-resgate”.

O diário sublinha ainda que António Costa “beneficiou de uma mudança na atitude em relação à disciplina orçamental severa” na Europa.

 

Ovar, 4 de janeiro de 2017

Álvaro Teixeira

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Netanyahu vai em frente, tens aqui a tua gente

 

 
Autor
                           
Daniel Oliveira

Foi uma israelita de esquerda – esse grupo em vias de extinção – que, em Haifa, melhor me descreveu o projeto israelita para os territórios palestinianos: transformá-los num queijo suíço, ficando Israel com o queijo e os palestinianos com os buracos. Os muros e checkpoints a cercarem cada pequena cidade palestiniana, a transformação dos movimentos quotidianos mais simples (idas à escola ou ao hospital) num calvário diário e a sabotagem planeada da economia e da autoridade do Estado palestiniano correspondem a um objetivo de longo prazo: tornar inviável uma solução de dois Estados, expulsando os palestinianos do seu próprio território e ocupando-o progressivamente.
A expansão dos colonatos israelitas em território internacionalmente reconhecido como palestiniano é apenas uma peça de uma estratégia que, depois do assassinato de Yitzhak Rabin por radicais israelitas, se tornou em política de Estado quase incontestada. Desde então, políticos oportunistas aliados à extrema-direita e a grupos religiosos radicais encaminham Israel para o abismo.
A violação sistemática, descarada e até provocadora de todas as deliberações internacionais só tem sido possível graças à cumplicidade dos EUA e da Europa. Não atribuo esta cumplicidade ao poder do lóbi pró-israelita e muito menos do chamado “lóbi judeu”, expressão que, fazendo um favor à direta israelita, confunde o governo de Israel com todo um povo. O que se passa é que as opiniões públicas ocidentais resolveram a sua culpa pelos crimes contra o povo judeu de que foram historicamente responsáveis dando a Israel o estatuto de inimputabilidade, como se o sofrimento do passado pudesse ser um passaporte para discricionariedade no presente.
Qualquer pessoa moderadamente bem formada e informada fica chocada com o comportamento de Israel nos territórios palestinianos. E só os mais desatentos alimentam ainda a imagem de uma ilha de democracia e tolerância cercada por um mar de fanatismo e ódio. Há mais de duas décadas que a política israelita é dominada por uma direita militarista refém de partidos ultrarreligiosos e de movimentos de extrema-direita que são, na sua natureza, um insulto aos primeiros sionistas e aos judeus socialistas que alimentaram o espírito comunitário dos kibutzim.
O apoio acrítico do ocidente a Israel contribuiu para uma cultura política de impunidade e para a violação sistemática e por vezes sádica dos mais básicos direitos humanos. Democratas sérios como Jimmy Carter e, mais recentemente, John Kerry compreenderam, ao lidar com a arrogância israelita, que o seu apoio incondicional criara um monstro. Acordaram tarde demais. A forma como Netanyahu humilhou Obama no discurso que fez ao congresso norte-americano, em março de 2015, e como, na semana passada, usou a transição de mandatos e a imbecilidade de Trump para desautorizar a autoridade dos EUA é resultado de décadas de uma aliança equívoca. Na relação entre EUA e Israel o protetor obedece às exigências e caprichos do protegido, desbaratando com esta subalternidade toda a influência que poderia ter no Médio Oriente.
O que deveria ser natural - que a ONU não aceite como direito adquirido a construção de novos colonatos israelitas em territórios palestinianos - é encarado por Israel como uma intolerável afronta diplomática, a ponto de chamar embaixadores estrangeiros para os admoestar, como se a ideia de serem um Estado como os outros, a quem se aplicam as mais básicas normas internacionais, fosse um insulto à sua própria identidade. E foi a proteção bovina dos EUA que instalou nos políticos israelitas esta arrogância, prejudicando, antes de mais, Israel, que estava cada vez mais isolada na comunidade internacional.
É revelador deste isolamento a alegria com que o governo israelita recebeu as novas lideranças norte-americana e britânica. Corresponde a uma partilha de valores marcados pela intolerância, o radicalismo e a xenofobia. Finalmente a política na Europa e nos EUA começa a ficar parecida com a política israelita das últimas duas décadas. Netanyahu, Trump e Theresa May, les beaux esprits se rencontrent.
 
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 02/01/2017)
 
Ovar, 3 de janeiro de 2017
Álvaro Teixeira




segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

O texto duro e obrigatório que temos de ler sobre a Alemanha e o dinheiro

 

 

Pedimos a um especialista alemão que escrevesse sobre o futuro do Deutsche Bank a propósito da sombra que também sobre ele agora cai nesta Europa da crise monetária. Heiner Flassbeck, economista, ex-secretário de Estado das Finanças e ex-conselheiro de Oskar Lafontaine sobre a reforma do Sistema Monetário Europeu, respondeu-nos que o Deutsche Bank é um pormenor num contexto alargado. E contrapropôs este texto longo, técnico, duro e obrigatório que analisa em profundidade a origem da crise do euro e consequentemente da Europa. Flassbeck coloca a Alemanha no coração da origem da crise da moeda única, revela o segredo do crescimento alemão nos últimos 15 anos (“o país tem operado uma política de ‘pedinchar ao vizinho’, mas só de pois de ter ‘pedinchado ao seu próprio povo’ essencialmente através do congelamento dos salários - este é o segredo do sucesso alemão dos últimos 15 anos”) e diz que sem um ajustamento da maior economia europeia o fim da União ganha contornos de possibilidade real. A perspetiva de desintegração e o decorrente colapso da união já não podem ser ignorados, defende Flassbeck.

(Por HEINER FLASSBECK, in Expresso Diário, 01/01/2017)

Os últimos sete anos têm sido um período tumultuoso para a Europa e o desassossego está longe de ter acabado. A crise global que começou em 2007 conduziu a um choque financeiro agudo em 2008-9, o qual inaugurou uma recessão em todo o mundo. A Europa - incluindo a Alemanha - foi atingida em pleno quando o crédito contraiu e o comércio mundial retraiu. A verdadeira crise na Europa, no entanto, começou em 2009-10 quando a recessão induziu o agravamento das finanças públicas, desencadeando uma crise gigantesca na zona euro.CRISE SEM FIM À VISTAHavia poucas dúvidas no início de 2015 de que a crise da União Económica e Monetária Europeia (UEM) não tinha desaparecido. Medidas pouco ortodoxas tomadas pelo Banco Central Europeu (BCE), em particular a sua promessa de fazer “o que fosse necessário” para estabilizar o sistema monetário em 2012, acalmaram os mercados financeiros e forneceram espaço para que a política económica agisse de forma estabilizadora.Apesar disso, ao nível das instituições europeias parece estar a crescer a consciência de que são necessárias mudanças radicais para tornar o sistema mais resistente. E até além da obsessão tradicional com os défices fiscais e dívidas dos governos, a adoção de um mecanismo de aviso precoce para lidar com o núcleo do problema foi acionado com bastante rapidez. A introdução de um Procedimento por Desequilíbrios Macroeconómicos, destinado a lidar com os saldos de conta corrente existentes e futuros e orientar os Estados-membros no sentido de um comércio mais equilibrado, significou algum progresso na compreensão de que uma união monetária requer, acima de tudo, coordenação da evolução dos preços e dos salários.

HEINER FLASSBECK A Alemanha tem de se reajustar, previne o economista

OS PRINCÍPIOS MONETÁRIOS NUCLEARES DA UEM

Uma união monetária é antes e acima de tudo uma união de países que querem abdicar das suas moedas nacionais com o objetivo de criar uma moeda comum. Abdicar de uma moeda nacional implica renunciar ao direito de as autoridades nacionais imprimirem moedas e notas e, deste modo, implantar dinheiro nacional (dinheiro fiat). Entrar numa união monetária também implica abdicar dos objetivos de inflação nacionais e concordar com uma meta de inflação comum de uma união.

Quais são as maiores determinantes da inflação? A prova mais importante é a correlação alta e estável entre a taxa de crescimento do custo das unidades de trabalho (CUT) e a taxa de inflação. Os custos da unidade de trabalho parecem ser a determinante crucial dos movimentos gerais de preço nas economias nacionais, bem como em grupos de economias. Se a forte correlação entre o CUT e a inflação fosse reconhecida e colocada no coração da análise macroeconómica, tornar-se-ia claro que o principal requisito para unidade monetária de sucesso não seria o controlo sobre os assuntos monetários, mas a gestão das receitas e dos salários nominais. Para ser específico, o objetivo de inflação comum para a UEM foi definido pelo BCE a uma taxa próxima de 2%. Isto implicava que a regra de ouro para o crescimento salarial em cada economia seria a soma do crescimento de produtividade nacional mais 2%. Por esta medida, não ocorreriam as grandes discrepâncias de inflação que levam às discrepâncias de competitividade entre os Estados-membros.

INDÚSTRIA A Siemens é um dos gigantes alemães que contribuiu para que o país não baixasse as exportações

A ALEMANHA COMO FONTE DA CRISE DA ZONA EURO

As preparações para a UEM foram profundamente falhadas porque em vez de se discutirem em detalhe as implicações de uma união monetária e em vez de se criarem as instituições necessárias para gerir com sucesso uma tal união, o debate político e as decisões tomadas nos anos até 1997 - altura em que os critérios para a entrada tinham de estar cumpridos - na realidade focaram-se na política fiscal. Enfatizou-se em particular a limitação dos défices do sector público a 3% do PIB, enquanto a necessidade de evitar os diferenciais de inflação e garantir a capacidade de os Estados-membros cumprirem ao longo do tempo os objetivos comuns de inflação foram olhados como questões muito menos importantes para o suave funcionamento da UEM.

A Alemanha, com a sua intolerância absoluta a que a inflação excedesse os 2% e a sua tradição monetarista dogmática, silenciou qualquer outro ponto de vista sobre a inflação. No entanto, a Alemanha, o maior país da União Europeia e o bastião da estabilidade de várias décadas, decidiu experimentar um novo modo de combater o seu alto nível de desemprego. Em conjunto com os empregadores, o Governo pressionou os sindicatos para tentar restringir o crescimento nominal e real dos salários.

DIFERENÇAS SENSÍVEIS

A nova abordagem alemã ao mercado de trabalho coincidiu com a introdução formal da união monetária, o que levou consequentemente a enormes divergências nos custos nominais de unidades de trabalho entre os membros da UEM. A principal causa destas divergências foi o simples facto de os custos nominais das unidades de trabalho, a mais importante determinante de preços e competitividade, se terem mantido essencialmente sem oscilações desde o início da UEM. Em contraste, a maioria dos países da Europa da Sul tinha um crescimento nominal dos salários que excedia o crescimento da produtividade nacional mais o objetivo de inflação acordado em comum de 2% por uma margem baixa, mas bastante estável.

França foi o único país que cumpriu exatamente o objetivo de crescimento nominal dos salários. Os salários franceses subiram em paralelo com a performance da produtividade mais o objetivo de inflação do BCE a uma taxa perto de 2%.

Embora a divergência anual entre os aumentos nos custos de unidades de trabalho fosse relativamente pequena, a dinâmica dessa “pequena” divergência anual é capaz de, com o tempo, produzir diferenças enormes. No final da primeira década de UEM, o custo e diferença de preço entre a Alemanha e a Europa do Sul chegava aos 25% e entre a Alemanha e França chegava aos 15%. Por outras palavras, a taxa de câmbio real da Alemanha tinha baixado muito significativamente, embora as moedas nacionais já não existissem na UEM. A divergência no crescimento dos custos das unidades de trabalho já não existiam no seio da UEM. A divergência no crescimento dos custos das unidades era naturalmente refletida nas divergências de preço equivalentes. Assim, a UEM como um todo alcançou quase na perfeição o objetivo de inflação de 2%, mas as diferenças de inflação nacionais no seio da união foram muito sensíveis.

TUMULTOS Na Europa do Sul multiplicaram-se as manifestações antieuropeístas com a Grécia à cabeça. E à beira da miséria

É inegável que a depreciação real que aconteceu na Alemanha teve um enorme impacto nos fluxos de comércio. Com os custos de unidades de trabalho na Alemanha mais baixos relativamente aos dos outros países por uma margem crescente, as exportações alemãs floresceram enquanto as importações abrandaram. Os países na Europa do Sul e também França e Itália começaram a registar défices comerciais e de conta corrente crescentes e sofreram enormes perdas nas suas quotas dos mercados internacionais. A Alemanha, ao contrário, conseguiu preservar a sua quota apesar da competição global crescente com a China e com outros mercados emergentes. Num casulo, a Alemanha tem operado uma política de “pedinchar ao vizinho”, mas só de pois de ter “pedinchado ao seu próprio povo” essencialmente através do congelamento dos salários. Este é o segredo do sucesso alemão dos últimos 15 anos.

O comércio dentro da Europa tinha sido bastante equilibrado até ao início da união monetária e ao longo de muitos anos antes disso. A UEM marcou o início de um período de desequilíbrios rapidamente crescentes. Até após o choque da crise financeira e dos seus devastadores efeitos no comércio mundial, que são claramente visíveis no equilíbrio alemão, a tendência de fundo manteve-se sem mudar. A conta-corrente alemã continuou a aumentar depois de 2010 e até alcançou um novo recorde em 2015, da ordem dos 250 mil milhões de euros, um valor próximo de 9% do PIB.

A ALEMANHA TEM DE SE AJUSTAR

Num mundo de taxas cambiais flutuantes ou ajustáveis, nenhum país pode ganhar uma vantagem permanente relativamente a outro país se este último tivesse a opção de ajustar as suas taxas cambiais de acordo com os diferenciais da inflação. Isto significa que seriam inúteis todas as tentativas para melhorar a competitividade por via de corte ou moderação de salários na UEM como um todo. E, no entanto, esta foi precisamente a abordagem escolhida pela Europa como saída para a crise. Foi também uma má opção porque o corte salarial na maioria dos países devedores conduziu a quebras severas na procura doméstica, que é mais importante do que a procura externa. A restrição dos salários foi contraproducente em economias com uma taxa de exportação do PIB muito inferior a 50%.

Numa união monetária, um país com uma taxa de exportação baixa que enfrente problemas de défice de conta-corrente muito alto devido a uma moeda implicitamente sobrevalorizada fica sem saída. O ajuste dos salários para baixo, por vezes erroneamente chamados “desvalorização interna”, não só não é solução como também destrói tanto a procura interna como a produção antes que venha a trazer algum alívio através de aumento das exportações.

É por isto que o processo de ajustamento no seio da UEM tem de ser pelo menos simétrico. Significa que o país que tenha implicitamente desvalorizado a sua taxa cambial - a Alemanha - teria de fazer um forte esforço de ajuste crescente, isto é, aumento de salários, enquanto outros países teriam de ajustar lentamente para baixo.

TROIKA A verificação aos países devedores pelos peritos da troika (Comissão Europeia, BCE e FMI) é uma das imagens de separação entre Norte e Sul

O incentivo mais fiável para o sucesso dos esforços de ajustamento em ambos os casos seria de novo o objetivo de inflação. Se o objetivo de inflação comum não fosse questionado, para restaurar a competitividade internacional dos défices dos países seria necessário aumentar os custos das unidades de trabalho e inflação no país com excedente ao ponto de se conseguir alcançar o balanço externo em ambos os lados da união monetária (incluindo os primeiros dez anos).

UEM DIRIGE-SE PARA O DESASTRE

Em meados de 2016, o desemprego na UE continuava nos 10%. Em Espanha e na Grécia, o desemprego estava acima dos 20% e o desemprego jovem era superior a uns extraordinários 50%. Mais do que qualquer outra coisa, estes números mostram o insucesso da UE na luta contra este problema que emergiu como a “crise da zona euro”. Enquanto a queda significativa de crescimento e emprego foi inicialmente provocada pela crise global de 2007-9, após 2010 as nações devedoras da UEM ficaram privadas de meios para combater a recessão e foram forçadas a adotar políticas pró-cíclicas numa escala que não se via desde os anos 30.

O mantra alemão que diz “a austeridade é a única solução” foi aplicado a todos os países, que foram forçados a pedir ajuda quando acabou o seu acesso aos mercados globais, ou quando ele lhes foi vedado de facto pelas altíssimas taxas de juro. A obsessão com os aparentes problemas fiscais dominou o debate e as condições que foram exigidas pela troika e pelo Eurogrupo para abrir os cofres das nações credoras concentrou-se na consolidação a qualquer preço e o mais rápido possível dos orçamentos públicos dos países do défice.

As divergências acumuladas durante os primeiros anos da UEM e a terrível natureza dos programas de ajustamento puseram em questão a própria sobrevivência da UE

Com a persistência do domínio alemão dos mercados de exportação e dada a recusa alemã de ajustar o seu próprio modelo económico, o futuro da zona euro parece sombrio. A falta de instrumentos de política para atacar a recessão, o condicionamento dos programas de ajustamento impostos às economias em crise, o próprio ajustamento “estrutural” disfuncional e a perspetiva de deflação continuada aumentaram os custos de permanecer na UEM ao ponto de a subida política da direita ameaçarem a democracia e a União Europeia. O insucesso na descida das taxas de desemprego e a crescente pobreza abriu caminho aos partidos de direita populistas e antieuropeus, tanto nos países credores como nos devedores. Contra esse perigo, os benefícios de ser membro da UEM são pequenos e, mais importante ainda, estão a diminuir depressa.
Em resumo, as divergências acumuladas durante os primeiros anos da UEM e a terrível natureza dos programas de ajustamento puseram em questão a própria sobrevivência da UE. E, no entanto, os líderes europeus parecem alheios a isso. Parecem ainda menos disponíveis para empreenderem um esforço político para inverter a economia em geral e impedir as divergências crescentes no seio da UEM. A perspetiva de desintegração e o decorrente colapso da união já não podem ser ignorados.

Fonte: Expresso | O texto duro e obrigatório que temos de ler sobre a Alemanha e o dinheiro

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

TRUMP é o sistema sem luvas

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 19/12/2016)
Autor
                               Daniel Oliveira
As nomeações feitas por Donald Trump para a Administração norte-americana têm provocado natural consternação. Diz-se que confirmam o pior que se esperava e que desmentem a ideia de que Trump se iria acomodar ao establishment. Concordo com a primeira afirmação e discordo da segunda. Concordo que é o pior de tudo o que se podia esperar. Não sei se é o pior do que alguns esperavam mas é o pior do que eu esperava. E não concordo com a segunda, exatamente por esta resistir à tendência para forçar um consenso anti-Trump que duvido que exista. Quase ninguém gosta de Trump fora dos EUA. Mas não me parece que as razões sejam todas as mesmas. Porque eu acho que estas nomeações provam que, tal como sempre pensei, não só Trump se iria acomodar ao establishment como Trump é o establishment na sua forma mais pura.
Tirando a relação com a Rússia, em que concedo haver um desacerto entre Donald Trump e o mainstream no poder norte-americano, Trump representa os poderes fácticos que dominam a política norte-americana há muito tempo. E as suas nomeações confirmam-no. Claro que há quem ache que o establishment são os políticos e a máquina do Estado. São os mesmos que conseguem dar um colorido revolucionário à defesa dos interesses da elite económica e financeira. Mas Trump representa, de forma radical, desabrida e já sem concessões o verdadeiro establishment. Esta é a hora da verdade e Trump é o homem que não hesitará em impor a nova ordem económica e social.
Olhemos então para as nomeações mais polémicas.
Para secretário do Trabalho, Donald Trump escolheu Andrew Puzder, um empresário de fast food acusado de violar as leis laborais e que se opõe ao aumento do salário mínimo e ao reforço dos direitos dos trabalhadores. Puzder, CEO da CKE Restaurants, dona da cadeia Carl’s Jr., defende que o aumento do salário mínimo se traduzirá numa diminuição dos empregos menos qualificados. Estão chocados com o quê? Não é esta a tese que lemos nos jornais económicos, que os delegados de Bruxelas vendem aos países em crise e que se ensina nos centros de doutrinação ideológica e formação política em que se transformaram as faculdades de economia? Choca o homem que defende os interesses de um pequeno grupo venha diretamente desse grupo em vez de se escolher um político tarefeiro para fazer o trabalho sujo? Choca a clareza?
Para secretária da Educação foi escolhida Betsy DeVos, nora do fundador da Amway, uma multinacional de vendas diretas, e oriunda do pequeno círculo de milionários que há muito financiam o Partido Republicano. É uma feroz defensora das “charter schools” (aproximadas dos nossos colégios com contratos de associação) e é para elas que os fundos públicos passarão a ser dirigidos, com a previsível continuação da degradação da Escola Pública. É novo e contra o establishment a ideia de que os colégios privados devem substituir o público com vantagem para todos? Não representa esta posição o interesse assumido das empresas deste sector e a posição da corrente ideológica cada vez mais dominante nos media?
Para dirigir a Agência de Proteção Ambiental, Trump nomeou Scott Pruitt, o procurador do Oklahoma que interpôs várias ações judiciais contra a regulamentação ambiental da administração Obama para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e que não acredita no papel humano nas alterações climáticas. Isto é novo entre os republicanos? O crime de Trump é escolher para o Ambiente alguém que vai estar alinhado com o resto da sua Administração ou devia escolher uma figura que branqueasse o seu criminoso recuo nesta área? Não é acompanhado, neste como noutros assuntos, pelo poder das petrolíferas? Não são elas o establishment?
Apesar da aproximação à Rússia não corresponder ao mainstream de Washington, a nomeação do CEO da Exxon, Rex Tillerson, para secretário de Estado pode seriamente ser considerada uma escolha contra o establishment? É por fazer companhia a Scott Pruitt na oposição à regulação para diminuir as emissões que se pensa isto? É por ser amigo de várias ditaduras onde a Exxon faz negócios com os quais estamos chocados? Julgavam que o establishment era composto por burocratas e políticos de Washington? Se sim, podiam, se fossem norte-americanos, ter votado em Trump. Foi essa a aldrabice que vendeu aos seus eleitores.
O establishment defende a selva laboral e por isso quer menos regulação e opõe-se ao salário mínimo. E é representado na perfeição por Andrew Puzder. Defende que a educação deve ser um negócio e que os privados oferecem uma escola melhor e mais exigente do que o Estado, como Betsy DeVos. Recusa alterações políticas que, para salvar o planeta, ponham em causa os interesses das petrolíferas, como Scott Pruitt. E determina a sua política externa pelos interesses de algumas corporações, tão bem representadas por Rex Tillerson.
Talvez choque alguns neoliberais perceber que Trump, pintado como um espelho de Bernie Sanders, afinal é, no que realmente interessa, um deles. Tal como eles, tenta fazer passar a ideia que o establishment é o Estado e os políticos que elegemos. Sem luvas, está a mostrar como o poder económico já dispensa intermediários.
 
Ovar, 20 de Dezembro de 2016
Álvaro Teixeira





quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Guerra e Paz

(Por Estátua de Sal, 13/12/2016)
guerra-e-paz
                                                                                                                                                                                           Imagem in Blog 77 Colinas, 12/12/2016
 
Estão-se a acabar as reservas de caixa. Que chatice, tinham os cofres cheios para mais ou menos dois anos, mas a porra da Geringonça nunca mais cai e parece estar de pedra e cal. O diabo meteu férias e tem mais que fazer. Costa sorri. Marcelo vinga-se. A vingança serve-se fria, como se fosse um prato de vichyssoise.
As catacumbas pafiosas agitam-se. O Coelho está sem plano, até porque nunca teve nenhum. O Rangel levanta o dedo. O Montenegro leva ansiolíticos ao Passos para ele dormir melhor. A Maria Luís empina o nariz de vez em quando e o marido faz ginásio todos os dias para partir a cara a quem a ofender. O Santana faz-lhes um manguito e diz-lhes que se querem fiado joguem no Euromilhões e pode ser que saia. O Mendes ao domingo dá conselhos e bufa as intriguices em que é perito.  O Marco António diz para o Coelho meter férias, e ir passar o Natal à Manta Rota, porque no inverno o Algarve é muito mais barato e os cofres do partido estão a dar o berro: a massa das privatizações já se foi quase toda. O Rio faz que vai mas não vai. Pergunta ele: - Quantos são? Quantos são? Agarrem-me senão eu mato-o! Mas ninguém o agarra. Contudo o homem só dá tiros de pólvora seca.
Enquanto isso, o Coelho continua em roda livre, não toma os remédios para a hipomania e continua de baboseira em baboseira, à espera do dia do apocalipse.
O PSD parece um folhetim de teatro trágico. Como o poder parece uma miragem no deserto, ninguém se chega à frente. Parecem abelhas à volta do Coelho, dão umas ferroadazitas, mas ninguém tem membro que se veja para se impor.
Não é surpresa. O PSD há muito que deixou de ser um partido com sentido patriótico, não passando de uma agência de negócios e de distribuição de feudos e mordomias. É isso que os faz mexer. Como tais guloseimas não se perfilam no horizonte próximo percebe-se que ninguém se mexa a sério. Esperam melhores dias. Parecem os corredores de fórmula 1. A  corrida a sério é só amanhã. Hoje, as voltas à pista são só para treino e para ganhar posição na grelha de partida.
 
Ovar, 15 de dezembro de 2016
Álvaro Teixeira