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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

“DESLARGUEM-ME”, disse ele!

 

(Joaquim Vassalo Abreu, 24/02/2017)
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Que já andava em estado de permanente irritação, a precisar com urgência de uma ida a um médico que lhe receitasse nem que fosse uma Fluoexetina-20mg, como eu tomo diariamente para enfrentar com mais calma as contrariedades da vida, era nítido para todos.
Porquê? Por razões várias: O diabo que tardava em vir, mas que de certeza viria, nem que encarnado em alguém disposto a, por ele, fazer vingar as suas angústias- hoje, por exemplo, está um em Lisboa em quem ele tanto confiava, o tal de Dombrowski mas, como tem nome de futebolista, ninguém deu por ele; o candidato a Lisboa que não aparece; os números da economia a desmentirem-no mês a mês e tudo o mais…
Só havia uma luz no meio deste imenso breu e ele, mais os seus parceiros de viagem, logo tomaram esse trilho, dispostos a tudo fazerem e a tudo recorrerem para, sobrevivendo, manterem a raivosa carga ameaçadora sobre aquele Ministro com cara e voz de Topo Gigio, que ousou atraiçoar todas as suas previsões. Que teria mentido, diziam e dizem eles e queriam ver os seus SMS, para poderem provar a tese.
Mas, depois de uns tempos de mar revolto, com ondas deveras ameaçadoras, o “Presi” lá veio decretar a acalmia e dizer que a intempérie já tinha passado e era preciso era retomar a faina. E eis que, quando pretendiam continuar a cavalgar a onda, o mar se tornou “flat” e as ondas já quase nem a areia atacavam, quanto mais as rochas.
Mas mesmo assim, tal como aqueles maluquinhos todos que eu vejo aqui no mar da Póvoa, quando ele está “flat”, a andarem a nadar sobre as pranchas à espera que apareça uma onda com a qual possam fazer umas habilidades, ele e eles lá foram para o debate quinzenal de quarta feira, devidamente apetrechados para a brincadeira.
Mas eis que, depois das trocas de galhardetes habituais, surge a notícia de um autêntico míssil que um jornal, ainda por cima um jornal insuspeito de o vir a fazer, decidiu lançar sobre as suas bancadas. O Costa foi avisado e disse: Cuidem-se, mas é! Que raio são uns SMS à beira da fuga de 10 mil milhões a que o seu Governo fez vista grossa?
Já sem tempo para ligar o microfone vimos então o furor subir Passos acima e, de dedo em riste e ar ameaçador, apontava para um Costa sentado, com calma e ar trocista, o danado. Não se percebia o que o Coelho dizia dada a algazarra que as suas bancadas faziam, eram frases inaudíveis ditas de dedo espetado e avisador, mas deu para entender ser caso grave e o dedo em riste era nitidamente desafiador…
Eu, por acaso, estava nessa altura a seguir o debate e surgiu-me que aqueles avisos de dedo em riste só poderiam querer dizer uma coisa: não um desafio para um duelo mas um “lá fora espero-te” ou um “vais ver com quantos ovos se faz uma omelete”. E lembrei-me de quando éramos miúdos e quando, por qualquer troça ou gozo sofrido de um colega, também esse gesto fazíamos, mas mais dissimulado pois na Escola havia mais respeito que na Assembleia, insinuando ou dizendo mesmo: Lá fora vais ver! Não perdes pela demora! Vais ficar feito em pedaços! Vais ficar com a cara como a de um sapo, meu boi (era assim que diziamos “boy”)! Até te estripo, e coisas assim bondosas, mas passageiras, e próprias de miúdos feridos na sua masculinidade!
Mas o Coelho quis mesmo tirar satisfações. Que era uma “atitude soez e indigna”, disse depois o “Ionline” ele ter dito. “Indigna, reles e ordinária”, também terá dito.” Truques de baixa política e expedientes vergonhosos”, idem aspas…
Ao que as bancadas da maioria, era mais a do PS porque as outras só sorriam, ripostavam: “Tens é muita garganta”! Foi quando ele disse: “Deslarguem-me, que eu vou-me a eles”! “Lá fora vão ver”, ameaçou novamente, agora de dedo ainda mais em riste.
Mas quem tinha ele lá fora para o defender? A Maria de Assunção? Essa é pacifista. Aquele Soares, o de Braga, alto e grande? É, mas parece-se mais com geleia. O “Almeidinha”? Não compareceu. O outro, o não sei quê negro? Só repetia o que o Coelho dizia. Quem restava? O Zeca Mendonça, um defesa perito na arte da rasteiragem. Mas que podia ele fazer contra aqueles jogadores de râguebi que circundavam o Costa que, mesmo mostrando só os dentes, já o arrepiavam todo?
Mas quem foi, afinal, o culpado disto tudo? O PSD diz que o PS “prantou” a notícia dos 10 mil milhões para fazer esquecer os SMS. Mas quem divulgou na notícia? O Público! Como foi isso possível? Foi aquele tipo que tem uma barba com peladas brancas, aquele que foi para lá para enxotar aquela réstia de pro comunas que ainda lá andavam ( O Vitor Malheiros, a Alexandra Lucas, o resto não conta, e outros…)? O do Belmiro, não é? Mas que tem o Belmiro contra nós? Pois, pensou o Coelho, ele agora factura mais, muito mais e acha que a gente com esta coisa dos SMS ainda lhe estraga é o negócio…. Será? Vou ter que falar com o “Balsebraço” para ele perguntar ao “Belespreito” que mal é que eu lhe fiz…
Estava tudo a ir tão bem, entretidos naquela guerra de alecrim e manjerona, relaxadamente atirando setas ao alvo, do mesmo modo como quando era do Seguro e eu lhe dizia que ele passava era o tempo a jogar à batalha naval e que seria bem melhor que fizesse como eu, que ao menos jogava ao Sudoku, pois excitava mais a carola, quando…
…“Asfixia”, descobriram! “Claustrofobia Democrática”, também! Quem os manda andar sempre a passear pelos claustros e a apanhar resfriados? Joguem ao “Sudoku” ao menos…faz melhor à carola que o “Solitaire”…digo eu!
 
Ovar, 27 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira

Sem Sombra de Grandeza

 

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 25/02/2017)
AUTOR
                                        Miguel Sousa Tavares

1 Bem pode Cavaco Silva desfilar o rol de grandes do mundo que conheceu em vinte anos no topo da política portuguesa: nenhum desses grandes o recordará nem que seja num pé de página de memórias e a nossa história não guardará dele mais do que o registo de uma grandiloquente decepção.
Nos seus dez anos como primeiro-ministro, Cavaco Silva teve o que nunca ninguém tinha tido antes dele e não voltou nem voltará a ter depois dele: uma maioria, tempo, paz social, esperança e dinheiro sem fim, vindo da Europa. Fosse ele, porventura, um homem dotado de visão e de coragem e conhecedor da nossa história e dos nossos males ancestrais, teria aproveitado as circunstâncias para inverter de vez o funesto paradigma em que vivemos há décadas ou séculos. Em lugar disso, aproveitou o dinheiro e os ventos favoráveis para engrossar o Estado, fazer demasiadas obras públicas inúteis e cimentar a clientela empresarial que sempre viveu da obra ou do favor público. Ele lançou as raízes do défice e da dívida pública, que, depois, tal como as obras (de Sócrates), passou a execrar. Cinco anos volvidos, regressaria para outros dez de Presidência. Por razões que já nem adianta esmiuçar, acabaria por sair de Belém com uma taxa de rejeição recorde e com 80% dos portugueses fartos dele e do seu pequeno mundo. Muita da popularidade de Marcelo deve-se ao facto de os portugueses o verem em tudo como o oposto de Cavaco Silva.
Tive um breve mas arrepiante flashback deste pequeno mundo quando, na semana passada, Cavaco Silva lançou o seu livro de ajuste de contas. Pelas citações e declarações que li e ouvi, parece-me que a única coisa boa do livro é o título — (mas até esse li que não era original). No restante, Cavaco entretém-se a contar os seus “factos rigorosos” para “informação dos portugueses”, e registados com base num método que diz ter inventado quando era estudante e que se presume não ser o do gravador oculto. A finalidade da história das suas quintas-feiras é atacar um homem já debaixo de todos os fogos — o que confirma a lendária coragem intelectual de Cavaco, tal como no seu discurso de vitória quando foi reeleito, atacando com uma raiva e um despeito indignos de um Presidente da República os seus adversários que já não se podiam defender. Parece que agora, com um absoluto desplante e tomando-nos a todos por idiotas, Cavaco Silva ensaia uma indecorosa falsificação dos tais “factos rigorosos”: a história de como ele e a filha ganharam 150% em dois anos com acções do BPN que não estavam cotadas em bolsa (jamais desmentida e bem documentada), não passou, afinal, de uma “calúnia”, vinda da candidatura de Manuel Alegre; e a célebre “conspiração das escutas” de Sócrates a Belém, engendrada entre o assessor de imprensa de Cavaco e um jornalista do “Público”, foi, pasme-se, ao contrário: foi o Governo que montou uma operação para fazer crer... que o Governo escutava Belém!
Ele (Cavaco Silva) que continue a escrever a sua história: a História jamais o absolverá
Mas não foi isso o que verdadeiramente me arrepiou nas notícias e imagens do lançamento do livro do Professor. Outra coisa eu não esperava dele nem do seu livro. O que me impressionou e arrepiou foi uma visão que diz tudo sobre quem foi e quem é este homem. Após mais de vinte anos na vida política e nos mais altos postos dela, tendo fatalmente conhecido não só vários grandes do mundo mas também toda uma geração de portugueses da política, da cultura, do empresariado, das universidades, etc., quem é que Cavaco Silva tinha a escutá-lo no seu lançamento? A sua corte de sempre, tirando os que estão a contas com a Justiça. Os mesmos de sempre — Leonor Beleza e o que resta da sua facção fiel no PSD. Mais ninguém. Nem um socialista, nem um comunista, nem um escritor, um actor, um arquitecto, um músico reconhecido. Nada poderia ilustrar melhor o que foi e é o pequeno mundo de Cavaco Silva. Ele que continue a escrever a sua história: a História jamais o absolverá.
 
Ovar, 27 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira

Os engulhos de Dombrovskis

 

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 24/02/2017)
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Quis o acaso que esta manhã bem cedo, ao passar à frente de um hotel situado no Terreiro de Paço, dei de caras com Valdis Dombrovskis, o vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelo Euro e Estabilidade, um dos mais duros e ortodoxos responsáveis europeus, neo-liberal convicto e grande apoiante da linha austeritária aplicada aos países do sul da Europa como forma de ultrapassarem a crise que vivem.
Dombrovskis estava a sair do hotel para ir à Assembleia da República, onde admitiu que Portugal tenderá a sair do Procedimento por Défice Excessivo (PDE) se a evolução positiva da economia se confirmar, nomeadamente nas estatísticas oficiais de Abril. Com efeito, segundo acrescentou, para o país abandonar o PDE será necessário que as “tendências [sobre os valores do défice] se confirmem”.
“Vamos usar o Eurostat de Abril”, lembrou o responsável, numa referência à estatística oficial europeia que fixará os valores das contas públicas de 2016, e acrescentando que nas previsões económicas e financeiras da Primavera, em Maio, também haverá nova avaliação. Será a Comissão Europeia que, nessa altura, emitirá a sua recomendação que decide se um país sai ou não do PDE.
Ora convenhamos que é demais. Há, da parte de alguns comissários europeus e da maioria dos membros do Eurogrupo uma desconfiança intrínseca e uma sanha contra Portugal porque não só a actual solução política não lhes agrada (Governo PS, apoiado pelo BE e PCP), como as políticas que tem vindo a ser seguidas são diferentes daquelas que os ortodoxos dirigentes europeus sempre preconizaram, assentes em reduções de salários, pensões e prestações sociais, além da redução dos direitos dos trabalhadores.
Mesmo a burocracia europeia está na mesma via. As previsões que fizeram em Setembro para um crescimento da economia portuguesa, continuando a apontar para um valor de 0,9% quando já era evidente que o crescimento iria ficar pelo menos em 1,2% (vai provavelmente fixar-se em 1,4%), não pode ser considerado em erro, face aos valores que já eram conhecidos – e só pode ser entendido como uma vontade de deturpar os valores para pressionar o Governo português e mitigar as boas notícias junto dos mercados e dos investidores.
E tudo isto porque um Governo que segue uma orientação diferente e mesmo assim, após um ano no poder, consegue apresentar o défice mais baixo em 42 anos de democracia (facto assinalado hoje mesmo pelo Washington Post), é um perigo para todos os que sempre defenderam que não havia outra alternativa às políticas de violenta austeridade que preconizaram e continuam a defender.
Dombrovskis tem engolido, portanto, vários sapos ao pequeno-almoço, e como tem azia insiste em deturpar as regras comunitárias. Com efeito, a avaliação que é feita a um país para saber se saiu ou não do Procedimento por Défice Excessivo é baseada nos dados do Eurostat relativos ao ano anterior, no caso 2016. É isso e só isso que deve ser tido em conta. As previsões económicas e financeiras de Maio da Comissão Europeia já não contam para nada no que respeita à avaliação do ano passado. Por isso, ao dizer o que disse e ao fazer o que, pelos vistos, a linha ortodoxa da Comissão pretende fazer – ou seja, esperar até Maio pelas previsões da Comissão e só aí tomar uma decisão sobre a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo – Dombrovskis a Comissão não só extrapolam o que está inscrito nos tratados europeus como demonstram que ainda tem uma réstia de esperança de que surja qualquer razão para impedir que Bruxelas aprove essa saída.
É lamentável esta atitude de Dombrovskis, porque não é baseada em dados objetivos mas em posições políticas, e pelo que ela revela de mau perder e de dificuldade em aceitar outra via para atingir os mesmos objectivos. E é ainda mais lamentável que a Comissão não se demarque do seu vice-presidente, esclarecendo de uma vez por todas quando analisará a saída de Portugal do PDE e o que conta efectivamente para essa avaliação.
 
Ovar, 28 de fevereiro 2017
Álvaro Teixeira

As lágrimas furtivas de Fernandes

 

(José Soeiro in Expresso Diário, 24/02/2017)
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José Manuel Fernandes, que se celebrizou nos tempos em que, enquanto diretor do Público, fez dos editoriais do jornal uma apologia da ocupação e da guerra de Bush Jr. (quem não se lembra da revelação sobre “a lágrima furtiva” de comoção que lhe rolou pelo rosto quando a invasão se consumou?), vive agora numa irritação permanente, de que nos vai dando conta a partir do cantinho do Observador onde se refugiou.
O pobre cronista sente-se perseguido por tudo. São os cartazes do Bloco contra a precariedade que é obrigado a ver de cada vez que entra em Lisboa. É Catarina Martins que lhe entra pela casa adentro a falar do tema “todos os dias”, quando não mesmo “todas as horas”. É o PS que, depois da auspiciosa Terceira Via na Europa, estaria agora “colonizado pelas ideias radicais” dos bloquistas. E é até a Direita, que teria deixado de ser uma reserva de bom senso: apesar de votar contra as medidas de combate à precariedade, o que esta aponta ao Governo é o defeito de este não ter ainda diminuído a precariedade tanto quanto apregoou. “Porque não se calam com isso dos precários?”, pergunta Fernandes em tom de desespero. O Universo está de pernas para o ar e o cronista sente-se abandonado por toda a gente, não há sequer PSD e CDS que lhe valham. O vírus do esquerdismo invadiu todos os cérebros e o mundo conspira contra ele: “a linguagem que utilizamos todos os dias está corrompida, foi contaminada pela ideologia de bloquistas e comunistas e nem demos por isso”.
O tom é apocalíptico, mas tem o mérito de denunciar como o campo político a que Fernandes pertence se sente derrotado. Durante anos, apresentaram a precarização como uma fatalidade que liberta e como um imperativo para combater a “segmentação do mercado de trabalho”. A solução da Direita era arrasar com os direitos laborais de todos e promover uma harmonização no retrocesso: “o nosso problema não é acabar com o trabalho precário – é tornar menos definitivos todos os restantes contratos de trabalho. O problema está a ser colocado de pernas para o ar”, explica o cronista, desconsolado. Só que essa ideia, que a Direita política e académica tentou vulgarizar, foi derrotada na sociedade portuguesa. Ninguém a deseja. Surpresa das surpresas, as pessoas compreenderam que era uma trapaça que só tinha um efeito: comprimir salários, instalar a insegurança no quotidiano, promover uma competição que mais não era que uma domesticação pelo medo, tornar a vida uma aflição permanente. E, facto incontestável, a precarização só produziu desemprego: mais de 60% dos pedidos de subsídio de desemprego resultaram da cessação de um contrato a prazo. A realidade não para de fazer desfeitas aos nossos liberais.
Com uma maioria negociada à esquerda e uma Direita em retirada, Fernandes agarra-se à única tábua de salvação que parece ter encontrado no caminho: a OCDE e os seus relatórios.
É certo que a OCDE continua a combinar uma recolha interessante de dados com o seu pressuposto de sempre, que é a ideologia da flexibilização laboral como solução para o mundo do trabalho. Sugere aliás o que a Direita portuguesa não tem coragem de verbalizar: acabar com os limites ao despedimento que estão na própria Constituição e demolir a contratação coletiva. Só que até a OCDE reconhece que a precarização real foi tão longe em Portugal, nomeadamente por via da transgressão à lei, que no meio do relatório lá vai dizendo que a fiscalização do trabalho devia ser reforçada. Correndo o risco de agravar o estado de exasperação de Fernandes, não resisto a dar-lhe mais esta má notícia, que uma leitura menos atenta do relatório pode ter deixado escapar: mesmo a OCDE, que é o que se sabe, considera excessivo o recurso dos patrões portugueses aos contratos a prazo e sugere que se agravem as contribuições para a segurança social dos empregadores que recorrem a esta modalidade precária de emprego.
O último ano e meio, é certo, não tem sido um paraíso e muitos problemas estruturais do país e do seu atraso económico mantêm-se: salários médios muito baixos, níveis inadmissíveis de precariedade, uma percentagem insustentável de desempregados sem apoio, o fardo da dívida a impedir um investimento público consistente capaz de promover mais emprego. Mas uma coisa é certa: a ideologia da precarização foi derrotada no campo das ideias.
A solução da Direita, que era responder à precariedade abolindo os direitos do trabalho, não tem adeptos entre o povo. É isso que a deixa com os nervos à flor da pele. Agora, é a hora da Esquerda. Por mais que Fernandes desespere, o combate à precariedade é mesmo para continuar. Por isso, meu caro José Manuel, vai ouvir falar muito dele, porque está ainda a dar os primeiros passos. O melhor é ir-se habituando.
 
Ovar 26 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Goodfellas



 

(In Blog O Jumento, 24/02/2017)
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Há pouco tempo, quando surgiu o caso dos Panama Papers, os jornalistas do Expresso e da TVI desdobravam-se com denuncias, asseguravam o envolvimento de muitas empresas, sugeriam um lado negro da economia. Como aqui se previu a montanha pariu um rato, limitaram-se a aproveitar uma má fase do dono da Bial para o sacrificarem e, como era de esperar, o tema acabou por ir parar ao Caso Marquês. Ainda recentemente o Expresso se gabava de terem sido os seus jornalistas a descobrirem a conexão entre Bataglia e os dinheiros de Carlos Silva.
Quem agora ouve um tal Tiago na SIC Notícias ou a Graça Franco na RTP  chega a pensar que as offshores são espaços financeiros mais transparentes do que a agência da CGD da esquina. Que há acordos de dupla tributação, que os impostos podem ser cobrados passados 12 anos, que o dinheiro pode servir para pagar mercadorias, enfim, tudo coisas muito transparentes.
Se o dinheiro vai ali e volta porquê pagar a um escritório de advogados para criar uma empresa numa ilha desconhecida onde apenas tem uma caixa de correio? Será para pagar mercadorias que se manda milhares de milhões de euros para ilhas onde não se deixava a esposa ir passar férias sozinha sem meia dúzia de guarda-costas?
De um dia para o outro as malditas offshores são paraísos no bom sentido, locais mais confiáveis do que o banco da esquina. Aliás, o dinheiro dos nossos capitalistas honestos vai para as offshores, só os pobres e os traficantes de droga é que usam os bancos nacionais.
Depois de tão grande procissão de crentes nas virtudes das offshores não seria de admirar que se venha a registar uma correria de velhinas em direcção aos escritórios de advogados para constituírem empresas offshore para lá guardarem as poupanças que agora estão escondidas debaixo do colchão.
Os bandidos, afinal, são os funcionários do fisco, ou são descuidados e distraídos, ou incompetentes, ou, como sugeriu o tal fiscalista da SIC, há aqui a mão de corruptos. Os nossos capitalistas não fogem, intencionalmente ao fisco, os funcionários do fisco é que são distraídos e não lhes cobram os impostos. Os nossos políticos e os seus homens de mão dos altos cargos do Estado são tudo gente muito empenhada, honesta e competente, os funcionários mais modestos é que são descuidados, incompetentes e corruptos.
No fim disto tudo os que levaram o dinheiro pela porta do cavalo são empresários modelo, os políticos estão acima de qualquer suspeita, os altos dirigentes escolhidos por critérios de confiança desses políticos são gente dedicada, a culpa é dos outros e cabe à IGF encontrá-los.
Mais uma vez vale a pena contar a anedota do comadre que foi ao bordel e ao meio do divertimento com duas meninas foi apanhado pela rusga. A primeira menina era cabeleireira, a segunda era manicura e o pobre homem perguntava aos guardas "querem ver que a puta sou eu?".
PS: Agora que anda por aí tanto DG e ex-secretário de Estado a assegurar que o fisco era uma máquina, talvez valha a pena recordar a famosa lista Lagarde. O que é feito dela? Recorde-se que segundo o Expresso nesta lista constavam 200 portugueses, o que não é nada mau para um país de tesos. Como o Prof. Azevedo Pereira vai ao parlamento, talvez fosse boa ideia questioná-lo sobre esta lista, na ocasião o SEAF disse que lhe tinha dado instruções sobre esta lista. Com ordens ou sem ordens do governo era obrigação da AT actuar, será que o fez ou a pica persecutória e repressiva é ou era só para quem se esquece de pagar 100 euros de IRS?

Talvez não fosse má ideia juntar a lista Lagarde, os Panamá Papers e os 10.000.000.000 de dinheiro de gente exemplar e comparar a eficácia do fisco na cobrança de multas do imposto de circulação ou a vender casas de pobres com o que faz no combate à evasão fiscal por parte de ricos.

Ovar, 26 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira