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domingo, 5 de março de 2017

O efeito de verdade - estatuadesal

 

(António Guerreiro, in Público, 03/03/2017)
AutorAntónio Guerreiro
Se lermos a História da mentira, traçada por Derrida, numa conferência de 1997, percebemos que a noção de “pós-verdade” não dá a conhecer nada de novo, não tem qualquer valor epistémico. De Platão a Kant, de Santo Agostinho a Hannah Arendt, de Montaigne a Rousseau, Derrida identifica e analisa as estações obrigatórias do conceito de mentira e as rupturas no interior de uma tradição. Uma dessas rupturas é aquela que Hannah Arendt localizou na nossa modernidade, época em que a mentira teria atingido o seu limite absoluto.
Novos são apenas os meios de amplificação colossal de que a mentira hoje dispõe para atingir os seus objectivos, que são sempre da ordem de uma razão moral. No que diz respeito aos media tradicionais, é no espaço da “opinião” que a mentira (e tudo o que, não sendo imputável à mentira, é falso: o erro, a ignorância, a falta de informação, o preconceito) se aloja com mais frequência e mais facilmente.
Vejamos um exemplo. Na edição do Diário de Notícias da passada segunda-feira, o director Paulo Baldaia assinava um artigo de “opinião da direcção”, com um título veemente: “Com base na mentira não há opinião, há mentira”. Aí, referindo-se ao facto de haver quem tenha dito que a notícia do PÚBLICO sobre os 10 mil milhões transferidos para os offshores não fez mais do que retomar uma notícia de Abril, para silenciar o escândalo da CGD, Paulo Baldaia escreveu: “Não lhes ocorre informarem-se para perceber a diferença entre os dez mil milhões de euros que foram notícia em Abril por fazerem parte da estatística e os outros dez mil milhões que foram notícia por terem passado ao largo”. Eu, que nada sabia dessas especulações baseadas numa reclamada repetição manhosa, dez meses depois, da mesma notícia, registei as palavras de Paulo Baldaia. Mas ao fim da tarde do mesmo dia li um artigo de opinião, “O offshore da pós-verdade”, de Henrique Raposo, no Expresso, que começava assim: “Parece que Belém ou São Bento [...] ressuscitaram esta notícia já antiga para folgarem as costas da chibata da Caixa”. Sem mais informações sobre o assunto, perante as duas afirmações contraditórias sinto-me um leitor desprotegido, entregue à intuição, às minhas próprias crenças e ao teor de confiança que o colunista do Expresso, o director do DN e o próprio Público me suscitam (isto é, entregue a tudo aquilo que me incita muito mais a propagar mentiras do que a ler jornais). Ou o pressuposto factual de que partia Henrique Raposo era falso e todo o seu artigo de “opinião” não tinha qualquer legitimidade (por uma destas razões: ignorância? Incompetência? Má-fé? Impostura? Fraude? Calúnia?), ou Paulo Baldaia estava errado no exemplo que deu para defender a sua tese e devia pedir desculpa aos alvos das suas invectivas. Mas a confusão, mesmo para um leitor treinado no exercício indiciário de detective, aumenta quando lemos na mesma edição diária, online, do Expresso, um artigo de Nicolau Santos. O pressuposto factual da sua argumentação, o de os 10 mil milhões, ou parte deles, não “terem sido tratados pela Autoridade Tributária”, (“segundo noticiou o Público”, acrescenta com prudência) desmente toda a base factual de que parte Henrique Raposo: “Estes dez mil milhões de euros foram declarados ao fisco”. Pelo princípio da não contradição, temos de concluir que algum ou alguns destes intervenientes fizeram afirmações falsas. Por falta de informação (mas isso não desculpa a produção jornalística da contra-verdade) ou para produzir um “efeito de verdade” – essa coisa bem antiga a que agora se deu o nome de pós-verdade. É preciso mais para percebermos que a “opinião” é a coveira do jornalismo.
 
Ovar, 5 de Março de 2017
Álvaro Teixeira

Ética e combate à evasão fiscal - estatuadesal

 

(In Blog O Jumento, 04/03/2017)
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Uma das reacções dos partidos da direita ao escândalo das transferências para as offshores foi a tentativa de promover Paulo Núncio como um herói nacional pelo combate à evasão fiscal. O próprio director-geral da DGCI e depois da AT, que exerceu funções durante a maior parte do mandato fez o elogio dos resultados quando foi ouvido no parlamento, chegou mesmo a exibir um PC com um gráfico invisível, onde se demonstrava que os resultados nos impostos eram superiores aos da evolução da economia.
É verdade que os resultados das receitas fiscais ficaram acima da evolução da economia, a questão agora é saber se este “milagre” terá resultado das decisões de gestão do DG, dos dotes político-partidários de Paulo Núncio ou de outros factores. É um facto que uma boa parte desses resultados resultam do e-Fatura, projecto que não foi invenção nem do DG, nem do governante. Curiosamente o e-Fatura poderia ter ido mais longe na promoção do combate à evasão fiscal, mas talvez tenha faltado a coragem.
Mas a grande verdade é que o aumento da receita fiscal, indicador de sucesso para dirigentes e governantes em tempos de crise, esconde outra realidade,  combate à evasão fiscal, que devia promover a justiça e a equidade fiscal podem esconder uma realidade perversa, ao aumento das receitas fiscais em resultado do combate à evasão fiscal não corresponde necessariamente mais equidade e justiça fiscal.
O aumento das receitas fiscais ocorre nos dois impostos onde mais subiram as taxas, IRC e IVA, o sucesso nas receitas não resulta apenas dos dotes do DG e da visão do governante. O governo aumentou os impostos mais suportados pelos menos ricos e mais fáceis de cobrar. Não é preciso o e-Fatura para cobrar o IVA sobre a electricidade, e muito menos para ajudar a cobrar imposto automóvel ou ISP.
Não há registo de um grande sucesso na cobrança do IRC, imposto que devia baixar, como meio de promover a desvalorização fiscal. Também não há notícia de grandes sucessos na detecção de fraudes fiscais. Compreende-se, é mais fácil cobrar impostos a pobres do que a ricos, os pobres não tugem nem mugem, não recorrem aos tribunais e são fáceis de assustar por uma estratégia de terror fiscal.
Uma das medidas mais significativas deste período foi o aumento para 5.000€ do patamar a partir do qual se pode recorre das decisões do fisco para os tribunais. Isto significa que se  um pobre se sentisse lesado e na possibilidade remota de recorrer dessa decisão o seu juiz seria o director-geral,  ou seja, o chefe máximo de quem cometeu o erro. Isto significa que durante o mandato de Paulo Núncio, para além de pouco se fazer para cobrar impostos aos ricos, chegou-se ao cúmulo de reservar os juízes independentes da máquina fiscal aos ricos, enriquecendo escritórios de advogados e empaturrando os tribunais com receitas por cobrar, que foram compensadas com uma maior perseguição fiscal aos menos ricos, influentes e poderosos.
A máquina fiscal impôs-se pela modernização resultante de grandes investimentos feitos antes desta geração de políticos e dirigentes, beneficiou da modernização da economia, mas também tirou proveito do medo dos contribuintes. Há dois tipos de contribuintes, os ricos que não receiam a máquina fiscal e que podem recorrer aos juízes, e os pobres que estão nas mãos das decisões dos chefes dos serviços de finanças e que foram perseguidos de todas as formas possíveis.
Numa democracia ao aumento da eficácia do fisco deveria ser acompanhada pelo aplauso de quem cumpre com os seus deveres de cidadania e vê um Estado a actuar com equidade e justiça. Não foi isso que Paulo Núncio implantou ou mandou implantar, foi criada uma máquina que se impões aos pobres pelo medo, que fez vista grossa aos ricos e que ao mesmo tempo que ganhou credibilidade técnica, perdeu a consideração dos cidadãos. É o preço de se ignorar valores como a ética a justiça e a equidade, na gestão do Estado.
 
Ovar, 5 de Março de 2017
Álvaro Teixeira

O “SALDOCE” e o “CASTELO SAGRADO”! - estatuadesal

 

(Joaquim Vassalo Abreu, 04/03/2017)
 
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A que podemos juntar também o seu sacrossanto vigia e o “Riofraco”. Mais o Santos e o Sobrinho. O afilhado e o padrinho. Também o do bigodinho. A Isabel e o maridinho. O general e um filhinho. O saca rolhas e o coelhinho. A violinha e o cavaquinho. Um leopardo mansinho e do CC um narizinho, entupidinho!
Vão-me desculpar, mas eu hoje estou deveras zangado. E zangado comigo mesmo e com vocês todos. E com o mundo todo em geral e com todas as praias ou lugares que estão fora da nossa visão ou conhecimento, longe da costa, portanto, e a que chamam de “Offshores” também. Com tudo e com todos, em suma.
É que acabei de ver o terceiro e último episódio da trilogia “Assalto ao Castelo” e já nem sequer me apetece falar de toda essa coisa começada por “M”, preferiria até que começasse por “T” mas, perdoem-me, acho que nem com esta consigo começar. Porquê? Porque é tanta a chafurdice, tanta a conivência, tanta a desonestidade e tanta a “irresponsabilidade”, essa que eu achava que era apenas privilégio dos Juízes, os únicos que não são responsabilizados pelas decisões judiciais tomadas, que apenas me posso perguntar: Como não está esta gente toda na cadeia?
Pergunta introspectiva minha, mas muito inocente, já se sabe. Porque continuamos a ter relações privilegiadas com Angola e com toda a sua “cleptocracia”? E com toda aquela oligarquia? Como é que deixamos que mandem em Bancos e em grandes empresas Portuguesas quando sabemos que todo o seu capital é advindo da sistemática corrupção e de roubo a todo o seu Povo? Eu sei que a pergunta é inocente, eu sei, mas não será legítimo fazê-la?
Mas há uma outra perplexidade me assaltou e que me continua a consumir, e que é a seguinte: Como é que é a SIC a fazer esta reportagem, quando perante a situação actual da CGD, por exemplo, vemos os seus “pontas de lança” tudo promoverem para o seu descrédito e a tudo o que isso pode levar (por exemplo privatização e “esquecimento” de cobranças de créditos cristalizados de insuspeitos devedores, como aconteceu com outros…).
Porquê a SIC, portanto? Porque é que havendo um jornaleiro que começa a ser mais que insuportável, o José Gomes Ferreira, mais os Caiados e outros que tais criados, a tudo fazerem para que este Governo falhe, é feita uma reportagem destas, elaborada por um grande e competente jornalista, sem dúvida, mas que, para tal, teve que ter o superior aval do seu presidente: o “Balsebraços”.
“Braços”, sim, porque ele não é apenas uma mera “mão”: ele tem mais extensões. E sabemos o que isso pode significar. E, assim sendo, mas delirando, é claro, como aliás sempre faço, não poderá tratar-se de um ajuste de contas com o “SALGROSSO”? Porque mesmo sendo Salgado ele fez-se sempre de “Saldoce” com o “Balsebraço” e, quem ainda tem memória, deve recordar-se daquela vez em que o Salgado, dessa vez “grosso”, ameaçou retirar todo o investimento publicitário do seu grupo no grupo Impresa. Há quem tenha memória curta mas, felizmente, a minha ainda me vai servindo,
E depois, e aí não sei mesmo, será que o “Balsebraço” não terá alguma aplicação na Rioforte, depois transformada em “Riofraco”, assim a modos que um colateral de algum empréstimo? Ninguém sabe. E eu muito menos…
Mas repito, estou muito zangado. E aqui creio que todos me acompanham na fatal pergunta: como é que aquele vigia da guarita do “Castelo”, o tal de Carlos Costa, ainda se mantém lá de sentinela e não há quem o consiga arredar de lá? Como, se ele não vigia nada? E se vigia não age?
O António Costa diz que ele é inamovível e nem o comandante em chefe o consegue de lá tirar. Só o manda chuva do tal castelo sediado em Frankfurt, um tal Draghi, o consegue fazer e eles parece que são unha com carne. Como, se ele com a anterior governo tanto colaborou a com este se calou? Colaborou calando e corroborando tanto o Coelho, como a Maria Luis e enganando um outro que nunca se deixava enganar e nunca tinha dúvidas, dizendo estar bem o que sabia que estava mal e reiterando a confiança e certeza das suas disponibilidades para ultrapassar qualquer crise? Como?
Carlos Costa? Sabia de tudo! O “Balsebraço”? De tudo sabia. O Coelho e a Maria Luis, idem idem aspas. O Cavaco? De nada sabia. Só sabia o que o da guarita lhe transmitia. O “Pata Negra” e o “Granadero”? Esses só tremiam perante uma ordem. O Sacadura? Estava fora…
Tirando o Sócrates que era o culpado de tudo e, quer-me parecer, afinal não vai ser de nada, só de não ter pago o imposto de selo dos empréstimos do amigo, mas aí também não sabemos se o Juiz Alexandre pagou o devido pelo empréstimo de um outro amigo, ele que nem amigos dizia ter, tirando, como dizia o Sócrates, quem vai ser o CDT (culpado disso tudo)?
Eu, por mim, e por isso mais zangado estou, comecei a escrever sobre o BES e sobre a “Saúde da Banca Portuguesa” (três textos), já nos idos de 2013, e outros que podem procurar no meu Blog, tais como: “BES-Aguentará Portugal um novo, mas maior, BPN?”; “Os Anjos, Os Anjinhos e os Anjolas no caso BES”; “O Sistema”; “Parecer dos 14 milhões”…etc e etc… E, portanto, acho que cumpri a minha modesta obrigação.
E mais não digo!
 
Ovar, 5 de Março 2017
Álvaro Teixeira

Do milagre segundo Teodora Cardoso aos offshores - estatuadesal

 

(Francisco Louçã, in Público, 03/03/2017)
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      Francisco Louçã
 
Manda o rigor que se diga que foi a jornalista da Rádio Renascença quem falou de “milagre” na conversa com a entrevistada, Teodora Cardoso, mas esta entusiasmou-se e usou-a para argumentar que, afinal, o défice é ilusório. Como a noção tinha precedência, afinal a própria entrevistada tinha sugerido no final do ano passado que só por “fé” se poderia imaginar que fosse alcançado o objectivo do défice, ficou a tese do “milagre”. Terá portanto sido coisa sobrenatural, independente da vontade ou do mérito humano.
Não foi. Foi do lado da despesa o efeito de uma sucessão de cortes antigos, só parcialmente repostos, combinado com algumas medidas excepcionais e com o impacto, esse estrutural, da melhoria do desempenho da economia e do alívio das pessoas. Ou seja, o que salvou a economia foi a viragem de 2015 com o fim do governo de Passos e de Portas.
Em contrapartida, o que para Teodora Cardoso não é do domínio da “fé” mas da “ciência”, pelo contrário, é a doutrina da austeridade. Empossada em 2011 à frente do Conselho de Finanças Públicas pelo governo de Passos Coelho, Cardoso defendeu a estratégia de cortes estruturais com a troika, chegando a declarar que o programa do PSD-CDS era “prudente, credível e fundado na melhor e mais sofisticada ciência económica” e que por isso a sua ideologia, a “racionalidade”, a levava a saudar estas medidas “científicas”.
Recapitulemos então. Para Cardoso, “milagre” é conseguir-se um bom indicador orçamental ao passo que “a mais sofisticada ciência económica” é a austeridade que agravou a recessão com cortes sociais. Mas então temos um problema: se a medida do êxito desta espiritualidade for o seu resultado, a “ciência” garantida alcançou o pior efeito e só a tal “fé” não-científica conseguiu sacudir a pressão.
Portanto, Cardoso e o seu apoio à austeridade ficam mal no retrato: nem a sua posologia resultou nem as previsões acertaram. A pergunta então será: por que razão deveríamos dar crédito às suas antecipações do diabo, se falhou sempre desde 2011 e apoiou o caminho mais prejudicial? De facto, o Conselho presidido por Teodora Cardoso revelou-se inútil: só faz previsões e são todas erradas, nunca dando uma ideia de medidas e estratégias para evitar o sofrimento da população.
A polémica sobre os offshores ilustra perfeitamente esta doutrina “científica”. Há aliás uma pulsação irritante na questão: dia sim, temos escândalo e promessas de acabar com os offshores e, dia não, temos silêncio e continuidade. Bush prometeu em 2001 acabar com eles; Obama prometeu em 2008; e, quando foram revelados os dossiers dos “Offshore Leaks” (100 mil empresas, 2013), do LuxLeaks (400 multinacionais, 2014) e dos Panama Papers (214 mil empresas, 2016), repetiu-se a mesma farsa, agora é que vai ser. Não foi e não por culpa de Paulo Núncio, que afinal é só um advogado especializado na promoção de offshores. Ora, a “mais sofisticada ciência económica” é isto: os offshores são centros da finança mundial. É por isso que a União Europeia tolera jurisdições não cooperantes como Andorra, Liechtenstein, Mónaco e Guernsey, ou respeita a Holanda, Áustria e Suíça; ou que Portugal protege a zona fiscalmente privilegiada da Madeira, onde, como aqui se escreveu, “percebemos que a UC Rusal, a maior produtora de alumínio, a British American Tobacco, a segunda maior tabaqueira do mundo, a Pepsi, a Sonangol e um total de mil empresas partilhavam uma sala de 100 metros quadrados sem terem contratado um único madeirense e sem terem atividade produtiva no Funchal.”
Aqui, sim, temos uma “fé”. Só que ela não produz milagres, antes a jigajoga fiscal no nevoeiro dos offshores.
 
Ovar, 5 de março de 2017
Álvaro Teixeira

sexta-feira, 3 de março de 2017

Apurar toda a verdade–estátua de sal

 

 

(In Blog O Jumento, 03/03/2017)

 

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Antes de vir a público tomar uma posição sobre as transferências para as offshores, Passos Coelho, como um bom político que antes de tomar banho na praia sabe onde deixa a roupa, falou com o seu secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, um governante que apesar de depender de Vítor Gaspar e depois de Maria Luís Albuquerque,  respondia perante Paulo Portas, o seu verdadeiro chefe. O pobre homem teve um momento de amnésia e, de acordo com a imprensa, garantiu ao líder do PSD, que estava tudo bem.

Afinal, o desgraçado foi vítima das suas crises de amnésia transitória, esqueceu-se que enquanto governante se tinha esquecido do processo numa gaveta , tudo isso porque no início do seu mandato teve uma dúvida existencial - a divulgação dos dados não iria favorecer os infratores? – dúvida para a qual acabou por não encontra resposta, apesar dos lembretes do director-geral da AT a sua memória iria atraiçoá-lo sistematicamente e por várias vezes se esqueceu de a esclarecer. Aliás, esta pobre alma anda mesmo lelé da cuca, em quatro dias veio com quatro versões, cada vez que falou em público já se tinha esquecido do que tinha dito no dia anterior.

Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, parece ter também graves problemas de memória. Por várias vezes foi alertado para o que estava sucedendo no BES e nada fez, esqueceu-se sempre das suas obrigações e de proteger os interesses do país, do sistema financeiro e dos portugueses. O próprio Passos Coelho também parece ter problemas do género, esqueceu as responsabilidades de Carlos Costa no que sucedeu ao país e reconduziu-o no cargo.

O próprio Cavaco Silva já teve melhores dias; no seu livro das quintas-feiras evidenciou uma crise de amnésia selectiva, o pobre senhor só se recordou do que lhe interessava e por aquilo que escreveu sobre as escutas a Belém ficamos muito preocupados com que poderá estar acontecendo aos seus neurónios, baralhar factos na sua idade não augura nada de bom. E por falar de problemas de memórias com idosos, idade em que as falhas de memória nos fazem recear o pior, veio a Teodora Cardoso falar de milagres, um sinal de que se esqueceu das inúmeras verdades científicas que andou dizendo ao longo do ano.

Entre problemas de amnésia e crises de senilidade começa a ser evidente que vivemos num país em que é cada vez mais complexo distinguir a verdade da mentira. Já se sabia que no mundo da bola o que é verdade hoje será a mentira de amanhã. Parece que no mundo da política nem dá para considerar que com o tempo as verdades azedam como o vinho, o povo só tem direito a mentiras, porque as verdades são sistematicamente esquecidas.

Até o inquestionável Carlos Alexandre disse ao Expresso que não tinha amigos na magistratura, dizia ele que "devem ser levados em conta como avisos de que eu, realmente, não tendo fortuna pessoal, não tendo amigos na magistratura (não quer dizer que se os tivesse as coisas fossem de forma diferente), estando um pouco isolado como estou — tenho consciência disso —, sou mais vulnerável a qualquer tipo de incidência negativa que me venha a ser dirigida." Pois, o que era verdade na entrevista do Expresso devido a um problema de amnésia revela-se uma mentira, ainda hoje o Público noticia que Orlando Figueira, o procurador acusado de corrupção, lhe chegou a emprestar dinheiro. Enfim, nem o sóbrio super juiz se consegue escapar a esta epidemia de amnésia.

É uma pena que gente como Passos Coelho considere que só eles têm direito a conhecer toda a verdade e apenas quando esperam que a verdade corresponda às suas conveniências.

 

Ovar, 3 de Março de 2017

Álvaro Teixeira