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sábado, 11 de março de 2017

Como as acusações contra Obama ameaçam virar-se contra Trump

 

Logótipo de Diário de Notícias
No Twitter, Trump acusou Obama de ter colocado os seus telefones sob escuta na Trump Tower durante a campanha para as presidenciais

© Reuters No Twitter, Trump acusou Obama de ter colocado os seus telefones sob escuta na Trump Tower durante a campanha para as presidenciais
O porta-voz de Barack Obama garantiu que nem o ex-presidente nem a Casa Branca alguma vez mandaram escutar um cidadão americano. James Clapper, o antigo diretor dos serviços secretos, explicou na NBC que "não houve qualquer atividade de escuta montada" contra Donald Trump durante a campanha presidencial. E o atual diretor do FBI, James Comey, terá pedido ao Departamento de Justiça para rejeitar as acusações do presidente contra o antecessor. Mas quer seja verdade quer não, o tweet em que Trump garante "Acabo de descobrir que Obama mandou escutar os meus telefones na Trump Tower antes da vitória" pode rapidamente virar-se contra ele.
Denunciando um novo Watergate e comparando os métodos de Obama ao macarthismo, a caça às bruxas dos anos 1950, quando o senador Joseph McCarthy perseguia comunistas, Trump não apresentou provas que confirmem as acusações contra Obama. Mas no domingo o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, anunciou que o presidente pediu ao Congresso para investigar se o governo federal ordenou escutas a responsáveis da sua campanha no âmbito do inquérito ao envolvimento russo nas presidenciais.
Os rumores sobre um "golpe silencioso" de Obama contra Trump surgiram primeiro no site de notícias Breitbart News (ligado à extrema-direita e cofundado pelo agora estratega principal da Casa Branca Steve Bannon) e pelo animador de rádio conservador Mark Levin.
As ligações entre a campanha de Trump e a Rússia foram assunto dominante na corrida às presidenciais de 8 de novembro. Fosse pelos negócios do republicano com Moscovo, por o seu então diretor de campanha, Paul Manafort, ter trabalhado para um partido pró--russo na Ucrânia ou por um dossiê organizado por um ex-agente secreto britânico a pedido de opositores ao milionário ter revelado que "o regime russo apoiou Trump durante pelo menos cinco anos".
Apesar de nada ter sido confirmado - e de parte até ter sido negado -, nos últimos meses surgiram notícias, sobretudo na imprensa britânica, de que as autoridades americanas estariam a tentar obter autorização da justiça para investigar membros da equipa de Trump ligados a Moscovo. Em janeiro, o The Guardian escrevia que, no verão de 2016, o FBI teria pedido um mandado ao tribunal FISA (Foreign Intelligence Surveillance Act) para monitorizar as comunicações de quatro membros da campanha de Trump suspeitos de contactos irregulares com responsáveis de Moscovo. O pedido terá sido negado, ao contrário de um segundo, aprovado em outubro e que visava apenas dois bancos russos, suspeitos de transferirem dinheiro para os EUA.
Para emitir um mandado a autorizar escutas a cidadãos americanos, o FISA teria de considerar haver causa provável de que esses indivíduos estavam a agir como "agentes ao serviço de uma potência estrangeira". Por isso, se o mandado de outubro autorizasse escutas aos bancos russos - mesmo que as comunicações envolvessem sujeitos americanos -, isso não contradiz Clapper.
Sendo assim, se Trump estiver correto e o governo federal tiver conseguido um mandado para o escutar, significa que havia suspeitas fundadas de que estaria a agir ao serviço de uma entidade estrangeira. O que obrigaria o Congresso, na investigação que o próprio presidente pediu, a esclarecer os contactos entre a sua campanha e Moscovo. "Será mesmo o que a Casa Branca quer?", interroga-se a New Yorker.
Já se Trump estiver errado e as acusações contra Obama forem falsas, o presidente arrisca-se - segundo a Bloomberg - a ter de responder por abuso de poder.
Um cenário alternativo seria as escutas terem sido feitas ilegalmente. Mas aí estaríamos mesmo diante de um novo Watergate - as escutas à sede democrata na campanha presidencial de 1972 que obrigaram Richard Nixon a demitir-se para escapar à destituição.
Num caso como no outro, não faltam analistas a falar num possível processo de destituição de Trump. Apesar de com um Congresso dominado pelos republicanos as hipóteses de sucesso serem mínimas.
Uma baixa e uma escusa
Já com Trump na Casa Branca, a ligação à Rússia continuou a fazer estragos. Primeiro foi Michael Flynn, o conselheiro para a segurança nacional a ser afastado do cargo. Tudo porque não comunicara ao vice-presidente Mike Pence que nos encontros que mantivera na campanha com responsáveis russos discutira as sanções a Moscovo. Já nesta semana, depois de o Departamento da Justiça ter divulgado que o tenente-general na reserva trabalhara como lobista para o governo turco através de uma empresa sediada na Holanda, a Casa Branca garantiu que Trump "não sabia" que Flynn fora agente de um governo estrangeiro antes de o nomear.
Já o procurador-geral Jeff Sessions pediu escusa de qualquer investigação às alegadas ingerências russas na campanha depois de vir a público que se encontrara com responsáveis de Moscovo na campanha. A oposição democrata pede a sua demissão, acusando-o de mentir sob juramento no Senado.
 
Ovar, 11 de Março de 2017
Álvaro Teixeira

OS RESSABIADOS (estatuadesal)

 

(Joaquim Vassalo Abreu, 09/03/2017)
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“Ressabiado” é um dos tais adjectivos que não se chama a ninguém. Eu até o acho um dos mais feios que a língua portuguesa contem. É como chamar “sonso” ou “sonsa” a alguém, e se for no feminino aí até o caldo de certeza que entorna. Porque o “ressabiamento” releva para o melindre, para o agastamento, para o ressentimento. Tudo coisas a que não devemos apelar das profundezas de qualquer ser, assim de mal com a vida ou descontente com o rumo que leva…E torna-se mesmo perigoso, pois apela à “revanche”.
Assim como no futebol, onde assistimos a gente insuspeita lançar impropérios intraduzíveis contra os árbitros e tudo o que se movimente e não sirva os superiores desígnios da sua equipa e nós, não fanáticos, olhamos de soslaio e nos perguntamos “Este? Como pode ser?”, também no caso de ontem da Assembleia, para quê Costa chamar Passos, Montenegro & Ca Lda de “ressabiados”, só porque no último debate estes lhe chamaram de vil, de ordinário, de soez, de reles, de mal educado, e outras coisas mais?
Tu devias fazer como os árbitros no futebol, Costa. Querem lá eles saber para onde os mandam, o que e onde devem tomar, se até as suas mães, esposas ou namoradas disso se alheiam e a isso tapam os ouvidos? Aquilo, Costa, aquilo são “claques”, apenas “claques”, apesar de oficiais, Costa! Agora, meu caro e dileto Costa, chamares-lhes “ressabiados”? Depois não queres que ele diga, como eu disse num texto de há uns dias, “deslarguem-me, que eu vou-me a ele”…
Portanto Costa, tens que ser mais compreensivo e bondoso, deixá-los viver lá no mundo deles, utilizar o seu dicionário, até ele se esgotar e não terem mais adjectivos livres para te invectivarem, Costa. Releva, meu. Faz como o Jerónimo, pá. Viste o que há dias ele fez, quando começava a falar, perante aquela gritaria toda, lá está, como se estivessem num estádio? O Jerónimo soergueu as sobrancelhas, fez uma daquelas caras que até o susto arrepiam e disse-lhes, com aquela calma e classe que se lhe reconhece: “ Eu já ando aqui há muitos anos e nunca vi a direita tão barulhenta. É sinal que estão derrotados, mas assim não vão lá, assim não vão lá…”.
Vá lá Costa, sê humilde e pede-lhes desculpa! Mas não faças como aqueles que se viram para alguém e dizem : “Peço desculpa, mas V.Exª é uma “granda” besta! Nada disso.
Mas eu percebo a tua pungente pergunta, aquela pergunta que te faz exasperar e tanto pensar e para a qual não encontras qualquer razão, e isto é só um aparte- e eu também não!, e que é a de não saberes o que desculpar. Pedir desculpa de quê, perguntas-te tu e muito bem?
Complicado, não é? Mas olha António: eu sei que não és crente, mas sabes certamente, como todos sabemos, o que dizem os Evangelhos, a Bíblia ou lá o que é, que eu nisso sou como tu. Mas qual é o dito? É o seguinte: “Bem aventurados os pobres de espírito que deles é o reino dos céus”.
E depois tens que saber medir bem as temperaturas! Hoje, por exemplo, esteve um calor dos diabos! Mas o que é certo é que ele já ontem foi anunciado com aquela súbita e inexplicável subida de temperatura no Parlamento! E tu sabes bem, meu caro António, que esta temperatura desmesuradamente quente não é própria da época! Porquê, então, contribuíres para este aquecimento?
Deixa-os falar, António! Responde ao que eles querem que respondas porque, no resto, quer dizer, do passado, todos nos lembramos. Deixa-os falar, António. Deixa-os culparem-se, a seguir desculparem-se e, de imediato, te culparem. Que se há-de fazer, António? C,est la vie, non?
Já agora olha-me também, não digo com tanta atenção como deves olhar para o Jerónimo, para a Catarina, que de tão tonta estava de tão inusitada subida de temperatura, já a suar por todos os poros, uma transpiração também ela incomum de incompreensão feita, quando ela disse: “Mas vocês estão a falar de quê? Que se passa?”, perguntava ela, cheia de calores.
Já o Jerónimo, afundado na sua cadeira, já moldada a tantos anos de ali sentado, olhava com uma bonomia alheia a quaisquer aumentos de calor, e sem precisar sequer de ar condicionado, para tudo aquilo e devia pensar, como aqui penso que já referi, tal como o nosso Pai fazia, quando nós, em Família, tudo discutíamos como se dessa discussão, ou da putativa razão de cada um, resultasse o futuro da humanidade e ele pensava (e dizia): “Que tolinhos…”!
Portanto António, dou-te um conselho amigo, e tu sabes que o é: Tu mede-me as palavras António, tu mede-me as palavras…
E deixa-os levar a bicicleta, António! É que eles nem se dão conta que tem os pneus furados, António!
Vai por mim…
 
Ovar, 11 de Março de 2017
Álvaro Teixeira

Um ano de presidência: one man show (estatuadesal)

 

(Por Estátua de Sal, 09/03/2017)
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Declaração de interesses: não votei em Marcelo. Mas o paradoxo é que, provavelmente, como muitos que nele não votaram, me sinto hoje muito mais confortável com o seu primeiro ano de exercício do que a maioria dos que nele votaram.
A direita anda amuada com Marcelo. Esperava um presidente conspirador, uma versão mais refinada - e por isso mais perigosa -, da mão atrás do arbusto,  um fazedor de cenários políticos,  e saiu-lhe um presidente colaborante com o governo, prezando a estabilidade acima de tudo. Esperava um presidente que lhe desse boleia para o regresso à governação conseguida à custa do regresso do diabo e das sete pragas do Egipto nos cornos do mafarrico, e saiu-lhe um presidente que diz e defende que tudo o que for bom para o país terá a sua benção mesmo que seja a esquerda a consegui-lo.
E o país está com Marcelo. Quer com o actor Marcelo, quer com a narrativa Marcelo, quer com o estilo Marcelo. A popularidade do Presidente atinge níveis quase estratosféricos. O estilo não é tudo mas ajuda muito. Marcelo encarna várias simbioses de quase impensável casamento que só ele mesmo conseguiria alcançar. E aí, o mérito é só dele e das suas qualidades e defeitos pessoais. Ser a esquerda da direita, ou a direita da esquerda se preferirem, não é para qualquer um. Ser um republicano monárquico ou um monárquico republicano muito menos. Mas, Marcelo tem conseguido, até ao momento, desatar esses nós e juntar essas dicotomias e oposições.
Tal popularidade tem assentado em dois eixos cruciais. Em primeiro lugar Marcelo não tem tido que gerir grandes conflitos políticos, por uma simples razão: é perito em evitar que os conflitos surjam, segue uma estratégia de medicina preventiva, de forma a não ter que os arbitrar. Como se sabe, os árbitros são sempre os maus da fita, sobretudo para aqueles que se sentem prejudicados pelas suas decisões. E Marcelo, acima de tudo, quer ser sempre o bom da fita, qual xerife justiceiro e imparcial. Qual presidente-rei não quer ser considerado pelos seus súbditos por ser temido mas antes por ser amado.
Nessa senda, o segundo eixo tem assentado na dessacralização da função presidencial. O presidente não está, altaneiro e distante, no alto do seu castelo a reinar. Está sempre no meio do seu povo. Tanto recebe banqueiros como almoça com os sem-abrigo. Tanto bebe sumos de laranja no bar do liceu que frequentou quando jovem (ver foto acima), como usa com todo o à-vontade os talheres de prata em almoços de Estado com personalidades estrangeiras que nos visitam. Mas mais que  esta dualidade,  a causa maior para a popularidade de Marcelo, é ele interpretar tal dualidade de forma genuína e não forçada. Se não fosse genuína, mais tarde ou mais cedo iriam surgir gaffes de desempenho que o povo não perdoaria e a queda do pedestal seria inevitável. Mas não. Antevejo que Marcelo não irá cair tão cedo, e talvez nunca chegue mesmo a cair, optando talvez pelo cúmulo da glória que seria sair de cena pelo seu próprio pé, não se recandidatando. Ele é one man show, uma espécie de artista que sem orquestra ou acompanhamento enche só por si o palco, sem desiludir o público.
Como disse acima, a direita anda amuada com Marcelo. E boa parte da esquerda ainda anda de pé atrás com o presidente e dele desconfia. Como diz o ditado, quando a esmola é demais o pobre desconfia. Mas, digo eu, em boa medida não tem razão para desconfiar. Por um simples motivo: Marcelo não tem alternativa senão apoiar o governo e ajudá-lo a levar a nau da Geringonça a bom porto. Para o não fazer teria que ter à direita do espectro político outros personagens, outras práticas e outras programas políticos. Mas, o que se vislumbra à direita é um grupelho de imbecis a lamber ainda as feridas do seu inesperado afastamento da governação. Sem ideias, sem postura ética, sem qualquer desígnio estratégico para o país a não ser a satisfação de interesses pessoais e de grupos restritos. São demasiado cábulas e maus alunos para passarem no exame do Marcelo-professor que, ao que consta nunca deu notas aos estudantes de acordo com a sua cor política, nem para outorgar benefícios indevidos, nem para discriminar por prejuízos injustificados. É por isso que, nesse aspecto, custa menos a Marcelo aceitar as contribuições para a governação do PCP e do BE, desde que vinda de gente competente - uma espécie de estudantes aplicados -, do que do PSD actual onde ciranda uma manada de incompetentes - ou seja um grupo exemplar de alunos relapsos.
Não quero dizer com isto que Marcelo tenha denegado a sua matriz política identitária original. Essa matriz persiste e materializa-se na defesa de três pilares fundamentais que são as suas linhas, não direi totalmente vermelhas, mas pelo menos cor de rosa choque: a Nato, a União Europeia, e o Euro. Mas como tais linhas são da ordem da macropolítica e da e da inserção do país na geopolítica europeia e mundial e não do foro da política interna corrente; mas como o PS não se propõe, para já ultrapassá-las ou sequer discuti-las - ainda que vá manifestando aqui e ali algum incómodo com tais temas -, a Geringonça, enquanto for este o cenário, terá a benção sincera de Marcelo.
Porque não é uma política de maior equidade na distribuição do rendimento, reposição de salários e pensões, que pode causar engulhos ao Marcelo-cristão praticante, longe disso. Ele que tanto elogia o Papa Francisco, voz que tem colocado grande ênfase na sua pregação nos temas da desigualdade. Logo, neste aspecto, Marcelo tem razão já que está à esquerda da direita, pelo menos da direita fundamentalista e neoliberal que temos a dominar o PSD e o CDS.
Mas se a bandeira da luta contra a desigualdade passar por discutir as causas que a originam (a organização económica capitalista, as assimetrias entre os países europeus da periferia e os do centro, potenciadas por uma integração económica imperfeita e por uma moeda única que é o seu veículo), nesse caso Marcelo já não consegue ir tão longe, e os limites ideológicos da sua formação de homem do sistema, vem ao de cima e aí passa a ser, como bem disse o próprio, a direita da esquerda.
Portugal, como nação antiga que é, talvez tenha uma sagacidade colectiva que só é apanágio das velhas estirpes. E por isso talvez tenha produzido e escolhido o tipo e o estilo de presidente que mais se adequa ao actual momento político, quer em tempos do cenário interno quer em termos do palco mundial. Um pequeno país, num mar infestado de tubarões, só unido e com uma liderança que empolgue e potencie o que têm de melhor pode subsistir e sobreviver. E nessa missão Marcelo, até ver, não tem desiludido.
 
Ovar, 11 de Março de 2017
Álvaro Teixeira

Quando os denunciantes dizem a verdade são traidores. Quando o governo mente é política (estatuadesal)

 

(Carey Wedler, in Theantimedia.org, 08/03,2017, Tradução de Estátua de Sal)
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Imediatamente após o Wikileaks ter libertado milhares de documentos revelando a extensão da vigilância da CIA e das práticas de hackers, o governo pediu uma investigação - não sobre a razão porque a CIA acumulou tanto poder, mas sim sobre quem expôs as suas políticas de intrusão.
"Uma investigação criminal federal está sendo aberta sobre a publicação pelo WikiLeaks de documentos que detalham supostas operações de hacking da CIA, segundo vários funcionários dos EUA", informou a CNN.
De acordo com o Usa Today:
"O inquérito, de acordo com fonte governamental, procurará determinar se a divulgação representou uma violação do exterior ou um vazamento do interior da organização. Uma revisão separada tentará avaliar os danos causados por tal divulgação, disse o oficial. "
Mesmo o representante democrata, Ted Lieu, que tem exortado a que denunciantes surjam para denunciar irregularidades do governo Trump, afastou o foco daquilo que os documentos expuseram e deu toda a importância a questionar como tal poderia ter acontecido.
"Estou profundamente perturbado com a alegação de que a CIA perdeu o seu arsenal de ferramentas de hacking", disse ele ao pedir uma investigação. "As consequências podem ser devastadoras. Peço uma investigação imediata no Congresso. Precisamos saber se a CIA perdeu o controle das suas ferramentas de hacking, quem pode ter essas ferramentas e como podemos agora proteger a privacidade dos americanos ".
De acordo com as declarações de Lieu, o problema não é necessariamente que a CIA esteja a espiar os americanos e  a invadir através da tecnologia a vida de pessoas inocentes sem o seu consentimento. É que a CIA tem utilizado mal as suas ferramentas de espionagem e, ao fazê-lo, colocou em risco a privacidade dos americanos colocando as ferramentas supostamente ao alcance  de "atores maus". O problema então não é a agência ter sido corrupta ao violar os direitos básicos de privacidade dos cidadãos, mas não ter sido suficientemente competente para manter a sua corrupção em segredo.
É neste estado que se encontra a narrativa acerca dos denunciantes nos Estados Unidos. Os denunciantes dão um passo em frente para denunciar atos ilegais por parte do governo - algo que o governo alega apoiar - e, imediatamente, as instituições e os meios de comunicação afastam o debate sobre o delito denunciado, e concentram a sua atenção na libertação ilícita de segredos.
Pondo de lado o fato que, de acordo com a popular mitologia americana, violar a lei é um dever patriótico, as reações do governo e dos políticos são hipócritas como é habitual.
Quando Chelsea Manning revelou a evidência dos condenáveis crimes dos EUA na guerra do Iraque,  que levaram soldados a atacar diretamente a equipa de jornalistas da Reuters, a resposta não foi investigar quem permitiu esses crimes (de fato, um manual do Pentágono posterior descrevia casos em que seria permissível matar jornalistas; esta versão do manual só foi retirada depois de protestos de repórteres). Em vez disso, Manning foi submetido a um tribunal militar que emitiu várias sentenças de prisão perpétua, uma punição cruel e inusitada revertida somente nos últimos dias de governo do presidente Obama, no meio das suas tentativas de salvar a sua pecaminosa governação do seu record de ataque aos direitos humanos, à transparência e ao registo de denunciantes.
Quando Edward Snowden revelou a extensão da vigilância em massa, sem mandato, da NSA a cidadãos americanos e milhões de outros em todo o mundo, a resposta do governo não foi investigar em primeiro lugar a razão desses programas existirem. Em vez disso, os EUA fizeram uma perseguição mundial ao denunciante, e ordenaram que o avião do presidente boliviano, Evo Morales, fosse forçado a aterrar, na esperança de apanhar o denunciante. E o Congresso aprovou de seguida a decepcionante lei "EUA Freedom Act", que legalizou a vigilância contínua.
Edward Snowden permanece no exílio, e os políticos do establishment apelidam-no repetidamente de traidor por ter exposto os crimes do seu governo. Alguns, incluindo o diretor da CIA de Trump, Mike Pompeo, pediram sua execução. A vigilância em massa continua, e o próprio presidente Trump está a tentar conter esses poderes, ao mesmo tempo que acusa o ex-presidente Obama por supostamente o ter espiado.
E assim por diante. O mesmo aconteceu com John Kiriakou, Thomas Drake, William Binney e Jeffrey Sterling. O governo é denunciado por transgressões  e abusos e os governantes, ao invés de tentarem provar serem representantes do povo e remediarem essas transgressões, apontam o dedo às denúncias e desviam-se do essencial, ao mesmo tempo em que se recusam a pôr em causa ao poder injusto que é revelado as agência de informações possuírem.
Muitas pessoas já estão conscientes de que o governo faz pouco por elas, e de facto não trabalha para as servir, (a confiança dos americanos nos líderes políticos  e no governo, em geral, é assustadoramente baixa). Em vez disso, agentes e agências governamentais operam para aumentar e concentrar os seus próprios interesses e poder. É por isso que as penas previstas na lei contra a morte de funcionários do governo são mais rigorosas do que contra a morte de civis. É por isso que roubar o governo é considerado mais escandaloso para o Estado do que roubar um civil. O governo considera os "crimes" cometidos contra si próprio merecedores da maior sanção, mas muitas vezes não consegue levar a justiça aos assuntos da sociedade civil, satisfazendo as pretensões das pessoas que materializam o seu suporte financeiro através dos impostos que pagam.
Desse modo, o Estado nem sequer tenta mostrar arrependimento pelas suas políticas violadoras, mesmo quando elas são expostas e espalhadas pelos meios de comunicação social para que o mundo veja. Em vez disso, com a ajuda da corporação dos media, o debate é deslocado para saber se a WikiLeaks é uma organização criminosa, ou se Edward Snowden é ou não um traidor.
Como disse o secretário de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, sobre os vazamentos:
"Esse é o tipo de divulgação que mina nosso país, a nossa segurança. Este alegado vazamento deve preocupar todos os americanos pelo seu impacto na segurança nacional. ... Qualquer pessoa que revele informações classificadas será responsabilizada e punida de acordo com as sanções máximas previstas  na lei. "
Enquanto isso, é suposto que temos que aceitar as investigações que o governo faz sobre si próprio e sobre as suas próprias acções, que (surpresa!). Normalmente tais investigações  encontram pouco ou nenhum desvio no comportamento das agências governamentais, o que, muitas vezes, consolida e amplia os poderes e actos clandestinos postos a nu pelos denunciantes.
 
Ovar, 11 de Março de 2017
Álvaro Teixeira

quarta-feira, 8 de março de 2017

A tourada (estátuadesal)

 

(Por Estátua de Sal, 08/03/2017)
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          Passos, o bandarilheiro
O Pan e outros grupos de cidadãos, preocupam-se com a defesa dos animais e com o sofrimento dos touros e propõem e defendem que se acabem com as touradas por estas serem uma manifestação de selvajaria primária. O tema gera sempre alguma controvérsia, porque há sempre argumentos para todos os gostos e as touradas ainda vão perdurando, para mal dos touros.
E de tal forma perduram que hoje a tourada saiu, levada em ombros pelo PSD, do Campo Pequeno para a Assembleia da República. Foi no debate quinzenal com o primeiro ministro, ao qual assisti na íntegra nas televisões. O que se passou então?
Pedro Passos Coelho considerou ser um insulto pessoal que António Costa tivesse ligado a não divulgação da lista de transferências para offshores - da lavra até ver, de Paulo Núncio -, e do não escrutínio fiscal de parte dessas transferências, a uma falha da sua governação. Pelo que se insurgiu por Costa não lhe apresentar desculpas. Costa retorquiu que o insultado tinha sido ele, que foi caracterizado por Passos como sendo vil, reles e soez, logo ele sim, teria que receber um pedido de desculpas. Tudo isto, num ambiente de grande pateada e sururu, com a bancada do PSD em alvoroço, mais parecendo uma turma de putos imberbes da escola primária em desatino completo.
E as duas faenas seguintes foram de almanaque. Coelho pede a palavra para defesa da honra.  E que disse Coelho? Nada de jeito. Que criticar politicamente a sua péssima governação é um ataque à honra. Extraordinário. A minha pergunta é como é que se pode defender aquilo que não se tem. O Coelho parecia o D. Quixote a terçar armas em prol de moinhos de vento. Quer Passos convencer-nos que roubou os portugueses, cortou salários e pensões, e que o fez com muita honra. Lindo. É como um carteirista dizer que nos roubou a carteira e que se nos insurgirmos e o criticarmos estamos a atacar a sua honra de bom profissional do ramo. Perante este mundo bizarro e deprimente que a direita serve em directo ao país na Assembleia da República, acho mais urgente varrer de vez Passos da cena política, do que acabar com as touradas, desculpem-me lá os touros.
De seguida veio Montenegro, e também pede a palavra para defesa da honra, não dele próprio, mas da bancada do PSD que ele dirige, porque Costa tinha dito que os deputados do PSD andam ressabiados. Eu esta, confesso, deve ir para os anais. A honra da bancada não sei bem o que seja, já que eu julgava que a honra seria um atributo pessoal, do carácter e da personalidade de cada um e não um atributo colegial. Mas enfim. E que diz Montenegro em sua defesa? Nada de jeito. Conclui apenas que o primeiro ministro é mal educado. Sim, com todas as letras, Montenegro chamou mal educado ao primeiro ministro.
Costa, o único a quem já chamaram, mentiroso, vil, soez e agora mal educado, e que nunca ripostou de forma sequer aproximada a tais mimos, vejam bem, tem uma paciência de santo para conseguir aturar a cáfila que (des)governou o país durante quatro anos. Quando a direita acha que criticar as suas políticas é um ataque à honra e quando acha que atacar a honra de terceiros é um ataque às políticas, estamos perante um caso de doença aguda do foro psiquiátrico a necessitar de internamento urgente. Transfira-se pois a bancada do PSD em peso, de São Bento para o Júlio de Matos.
A direita anda, portanto, perdida nas sua diarreia mental. Depois de ter feito penar os portugueses ainda queria que o país lhe agradecesse pelos sofrimentos. Queria, e julgava que tinha a seus pés, um país de masoquistas e de bois mansos, que depois das bandarilhas no lombo ainda iria lamber a ponta da espada de Passos Coelho envergando traje de luzes, e armado em grande toureiro.
Enganou-se. Os portugueses recusaram os ferros de Passos Coelho e fizeram-no morder o pó da arena. E o personagem, mesmo perante todas as evidências, ainda continua a não querer acreditar que foi corneado pelo país e que só lhe resta ser levado em maca para fora do palco para ser tratado urgentemente.
 
Ovar, 8 de março de 2017
Álvaro Teixeira