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segunda-feira, 17 de abril de 2017

ASSUNÇÃO, A SANTINHA DO CALDAS (estatuadesal)

 

(Soares Novais, in A Viagem dos Argonautas, 16/04/2017)
santinha
 
Foi numa destas noites. Estava eu a fugir à metralha dos “doutores da bola” quando passei a correr por aquele canal que a todas as horas nos enche o dia de sangue e de histórias que fazem chorar as pedras da calçada. Ouvi: “A santa do Povo”. Voltei atrás, ao dito.  E logo me saltou à vista a Maria da Assunção, mais conhecida por Cristas. A que rendeu o Portas. Pensei para os meus botões: os tipos estão a chamar santa à Maria da Assunção?!
Perante tão angustiante dúvida fiquei pelo “tal canal”. Além de mais, entre ver e ouvir os “doutores da bola” e confirmar ou não a santidade da Assunção a diferença era nenhuma. Explico: os “doutores da bola” apresentam-se como castos e santos defensores dos clubes que representam, imunes a cartilhas e ordens papais; e a Cristas do PP avançou para a conquista de Lisboa ao infiel Medina sem pedir a benção do bispo da São Caetano, à Lapa. Não foi preciso esperar muito para desfazer tão angustiante dúvida, como já aqui disse: a Assunção, apesar da sua condição de católica e de liderar um partido dito democrata-cristão, não é a “Santa do Povo”. A “Santa do Povo” é Lúcia, a pastorinha de Fátima, cuja canonização o Papa Francisco, anunciou em Março, e de quem o “tal canal” vai transmitir uma “entrevista inédita”.
Por ora, a Maria da Assunção é apenas comentadora do canal que jorra sangue e conta histórias que fazem chorar as pedras da calçada. Ou se se quiser a “santinha do Caldas”. Do largo e da casa que já teve como pároco Portas. O Paulinho das Feiras, hoje avençado de uma petrolífera mexicana e do comendador Mota, que é aquele senhor de Amarante especialista em dar emprego ex-governantes…
Portas escolheu-a para continuar a sua missão. A missão de benzer os saudosos do santinho de Santa Comba Dão e do cónego Melo de Braga; os feirantes de todas as feiras do país; os retornados do outrora Ultramar português; e o padre que expulsou o maestro gay da igreja de Castanheira de Pêra. E fez bem, ao que parece.
A Assunção tem-se mostrado à altura da missão. É uma crente devota, gosta de dar beijinhos às velhinhas e aos velhinhos, às meninas e aos meninos, assume-se como “católica praticante” e os dedos das duas mãos não chegam para demonstrar a sua bondade.
Que o diga Maria Luís! Bastou-lhe enviar um “email” para que Cristas, mãe zelosa de quatro filhos em férias, concordasse com o desmantelamento do BES/GES. A colega, que saiu da austera e idolátrica Braga para cair nos braços das altas esferas terrenas, como o senhor Schäuble, por exemplo, agradeceu-lhe a confiança e resolveu o assunto, De uma penada. Tal como Assunção fez em recentes declarações ao Público:
“Como pode imaginar, de férias e à distância e sem conhecer os dossiês, a única coisa que podemos fazer é confiar e ser solidários, isso é para fazer, damos o OK…”
Ou seja: a Maria da Assunção deu o “OK” e o BES/GES ficou “KO”. E nós, os contribuintes, lá tivemos que dar mais uns “milhares” para a caixinha de esmolas que, dizem, ter salvo o “sistema financeiro” de cair no mais profundo dos “infernos”. Mesmo aqueles a quem a oratória  do santo e pecador Portas nunca convenceu…
Cristas acredita em tudo o que lhe dizem.  É uma crente, pois. E quando lhe interessa diz desconhecer. Como aconteceu, esta semana, quando foi interrogada sobre uma acusação feita ao Ministério Público (MP) que tem como alvo Portas e em que este é acusado de ter favorecido um dos seus actuais patrões, a Mota-Engil: “Não tenho nenhuma informação sobre isso.” Para logo acrescentar: “Nem sei de que questão estão a falar.” Isto é, a Assunção do Caldas só lê a cartilha que lhe interessa. Por isso não leu que a construtora Tecnorém se queixou ao MP de “um claro favorecimento da Mota-Engil” no concurso para a construção da Escola da Nato, em Oeiras. Portas era vice-primeiro-ministro e o director-geral de Recursos da Defesa Nacional, Alberto Coelho. Foi ele que lançou o concurso e é ele que preside ao Conselho de Fiscalização da seita que, entre outros, tem como um dos seus membros mais destacados o diácono Telmo Correia.
Mera coincidência, já se vê. Como aquela que se verificou quando foi feita a compra dos “indispensáveis” submarinos. Ou como aquela que daqui a um mês bem pode juntar Maria da Assunção e a convertida Zita aos pés da Virgem, em Fátima. Unidas pelo “amor ao próximo” e por ambas acreditarem, apenas, na justiça divina…

Ovar, 17 de abril de 2017
Álvaro Teixeira

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Administração Trump apressa-se a criar força de deportação

Carlos Santos Neves - RTP 13 Abr, 2017, 12:01 / atualizado em 13 Abr, 2017, 12:09 | Mundo

Administração Trump apressa-se a criar força de deportação
O Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, revela o Washington Post, planeia contratar centenas de novos operacionais para as patrulhas fronteiriças e alfândegas | Mike Blake - Reuters

O gabinete de Donald Trump está a caminhar a passos céleres para a formação de uma força nacional de deportação de imigrantes considerados ilegais, noticia esta quinta-feira o jornal norte-americano The Washington Post. No quadro destes esforços, que correspondem a uma das mais sonoras promessas de campanha do agora Presidente, o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos reuniu já 33 mil camas adicionais em centros de detenção para indocumentados.

O escopo do plano da Administração Trump consta de um documento de avaliação com a marca do Departamento de Segurança Interna, ou Homeland Security, que foi obtido pelo Washington Post.
Além das 33 mil camas adicionais para imigrantes ilegais, em centros de detenção nos Estados Unidos, estão em curso “discussões com dezenas de forças policiais locais”, que podem ver a sua esfera de jurisdição alargada. Ouvida pelo Post, a porta-voz do Departamento de Segurança Interna, Gillian Christensen, escusou-se a comentar “documentos pré-decisão”.
O mesmo braço do Governo Federal identificou também os pontos na fronteira com o México onde pode ter início a construção do muro repetidamente prometido por Donald Trump.
Escreve o Washington Post que o Departamento de Segurança Interna está, ao mesmo tempo, a tentar divisar enquadramentos legais para a contratação de “centenas de novos efetivos” para as Alfândegas e Patrulha de Fronteira (CBP, na sigla em inglês). Parte destes candidatos foi já submetida a testes de polígrafo e de capacidade física.
Os planos, ressalva o jornal, podem encontrar obstáculos em “custos proibitivos” elencados no próprio relatório de avaliação, a que se somam previsíveis anticorpos no Congresso, onde se têm erguido vozes contra as despesas de milhares de milhões de dólares associadas à política de uma América-fortaleza.
“Infraestrutura de deportação”
Aos previsíveis obstáculos no Capitólio adiciona-se a expectável contestação das organizações de defesa dos imigrantes e refugiados, para as quais, assinala o Washington Post, o que está em causa não é mais do que um gasto desnecessário de verbas e outros recursos somente para “assustar 11 milhões de imigrantes indocumentados” que vivem nos Estados Unidos. Muitos há mais de dez anos.
O secretário de Segurança Interna, John F. Kelly, tem vindo a tentar mitigar a ideia de deportações em massa. Mas o facto é que as sucessivas ordens executivas com a assinatura de Donald J.Trump – sucessivamente travadas na justiça - visaram, muito concretamente, expandir os grupos de imigrantes cuja expulsão é considerada prioritária.
“Esta é uma Administração que está muito interessada em montar uma infraestrutura de deportação em massa e criar as alavancas de uma polícia de Estado. Nestes documentos, há mais provas e indícios de que eles estão a planear levar isso por diante”, reagiu a diretora do Centro Nacional de Legislação de Imigração, Marielena Hincapié, citada pelo Washington Post.

Ainda segundo os documentos obtidos pelo jornal, se o Congresso aprovar a alocação de fundos extraordinários para os planos da Administração, os serviços das CBP começarão a trabalhar com a Engenharia do Exército para desencadear a construção de aproximadamente 54 quilómetros de um muro ou barreira no sector do Vale do Rio Grande, que o Departamento de Segurança Interna descreve como a “área de maior prioridade”.
“Até agora, eles têm vindo a usar táticas de medo para montar um espetáculo, para demonstrar aos apoiantes que são duros com a imigração. Eventualmente terão mesmo de mostrar resultados. Sem a aprovação do Congresso, não vão atingir os números de deportações de Obama. Vai ser este o teste. Se no primeiro ano não tiverem um número significativo de deportados, em que é que vão distinguir-se da anterior Administração?”, pergunta J. Kevin Appleby, diretor no Centro de Estudos de Migração, com sede em Nova Iorque.

Ovar, 13 de abril de 2017
Álvaro Teixeira

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Rui Rio não faria melhor

 


miguel guedes
 
Após a apresentação pública do candidato do PSD à Autarquia do Porto, tudo indicava que assistíramos a uma encenação particular com notas de autor e requintes de estratégica malvadez. Rui Rio não faria melhor. Promovendo ou apoiando um candidato convenientemente inexistente aos olhos da opinião pública, o PSD de Rio afluiu em peso para uma iniciática demonstração sobre a falta de peso específico do candidato Álvaro Santos Almeida (ASA). Uma apresentação sem candidato. Qualquer notícia que tenha reproduzido uma ou duas frases de ASA terá pecado manifestamente por excesso. Rui Rio não usou da palavra (não se comprometendo em demasia, exercício de estilo que demarca o autor da criação), acomodou-se na cadeira ao lado de Passos Coelho (solidariedade institucional com o líder, motivando aplausos) e reafirmou (antes da chegada de Passos) que concorrerá à liderança do partido caso não surja uma alternativa credível que permita ao PSD mobilizar o eleitorado. Num par de horas, sempre a somar pontos.
Até ao KO. O momento zen no pleno da roleta programada acontece quando Rio assiste e resiste - sem riso aparente - ao momento em que Passos Coelho assegura que "o Porto está parado há quatro anos", vivendo da "herança que foi recebida e do adiamento" numa altura em que "nada se passa". Ainda não há delegados eleitos para o Congresso, Rio não foi eleito líder do partido, ASA ainda não é deputado da nação ou cargo análogo pela mão-promessa do criador, mas já Passos assina mais uma metáfora da vida para aqueles que não entendem ter morrido politicamente de forma nada prematura. O lado risível da declaração não se confina aos seus termos. É quase cândida a forma como Passos não aceita que o país tenha mudado sem ele. É quase infantil como Passos definha na liderança do partido à espera que os adversários internos - que agora elogia pela caução positiva do passado - lhe façam a trama.
Passos Coelho comporta-se como um candidato a monarca sem reino que não resiste a cumprir o protocolo de Estado. Intrigante como não assinou, a bem da simetria, a Petição que defende a "Inclusão do Duque de Bragança na Lei do Protocolo de Estado". Por absurdo, seria bem menos risível do que as suas declarações sobre a herança duma cidade que ainda há dois anos via bem governada. Com boa parte da Direita militante reunida à volta da memória que honra a descendência e representação dos reis de Portugal, a ausência do líder do PSD faz-se notar. É que a descendência no mais-representativo-partido-da-oposição-apesar-das-sondagens já é um processo degenerativo: não há memória de uma coisa assim.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
* MÚSICO E ADVOGADO
 
Ovar, 12 de abril de 2017
Álvaro Teixeira

terça-feira, 11 de abril de 2017

O golpe de força é um golpe de mestre ou apenas bluff?

A opinião de

Francisco Sena Santos
Francisco Sena Santos

A barbaridade em Khan Sheikoun tem tudo para nos revoltar. Quando vemos as imagens daquelas crianças, daquela gente de todas as idades, a morrer em asfixia pelo gás tóxico, saímos da rotina do desfile de imagens de guerra que, pelo efeito de repetição, quase desarma a nossa sensibilidade. A utilização de armas químicas mortais, como ficou evidente ter acontecido na semana passada na Síria, tudo indica que por acção da aviação do regime de Damasco, é um crime de guerra e um ataque à humanidade. É mais uma atrocidade na crueldade infinita, com vários autores, nesta guerra que já levou, em seis anos, umas 400 mil vidas e que gerou milhões de refugiados. A retaliação de Trump, enviada em 59 mísseis Tomahawk, gera uma primeira impressão de castigo merecido, algo de vitória moral sobre o regime brutal do insustentável Assad. Mas a eficácia da acção afigura-se inconsequente, a não ser no espectáculo e na propaganda de Trump. Em contrapartida, do ponto de vista estratégico de procura da paz, estes mísseis podem fazer disparar os riscos de escalada. Rússia e Irão já avisaram que responderão com contundência se houver novo episódio.
Os factos destes dias encaixam em cheio no que Zygmunt Bauman, sábio a dar-nos a entender o que acontece à nossa volta, definiu para o tempo actual como sociedade líquida: uma realidade em que todas as metas mudam a cada momento. Resulta uma sociedade imprevisível, desconcertante, onde o que é passageiro se impõe ao que é estável.
Trump, em toda a campanha eleitoral e nas primeiras semanas da sua presidência, repetiu que a sua América não se meteria no tema da Síria e que a prioridade externa é a de derrotar o inimigo comum, o terrorismo do califado Islâmico. Trump virou costas aos sírios e anunciou-nos uma América isolacionista, a ligar pouco ao resto do mundo.
No tempo de Obama, Trump tinha argumentado contra a hipótese de resposta militar americana a um igualmente chocante bombardeamento químico pelos caças de Assad. Então, Trump recomendou a Obama que guardasse a pólvora. Como interpretar esta mudança abrupta ao lançar fogo Assad que combate o terrorismo do Estado islâmico? Trump impulsivo? Ou um Trump a mudar de perfil, a tentar encaixar na prioridade “America First” (em que tem sofrido revezes) o velho papel de xerife do mundo, uma espécie de “America is back”? Há uma estratégia consistente para promover a paz?
O tempo tem mostrado que Trump tem apurado sentido da oportunidade. O horror global pelo ataque químico na Síria ofereceu-lhe uma ocasião mesmo a calhar. Num momento de popularidade interna em quebra e de alta da impopularidade externa, Trump, com esta cascata de mísseis, conseguiu elogios de opositores democratas nos EUA e de dirigentes europeus que lhe recusavam benevolência. Colocou-se como homem de acção, recuperou a confiança de alguns eleitores desiludidos e deve ter entusiasmado os falcões e o lóbi das guerras ao mostrar que a América continua a usar o bastão.
Com o golpe de força através dos mísseis lançados à distância sobre uma base principal de Assad, Trump, para além da propaganda, também pode estar a enviar mensagens para vários destinatários. Deixou no ar a possibilidade de acção semelhante contra um outro sinistro déspota, o norte coreano Kim, que se supõe beneficiar de tolerância da China, cujo presidente jantou nessa mesma noite com Trump. É plausível que tenha pretendido dizer a Pequim que tem de fazer parar os planos nucleares da Coreia do Norte, ou entram em acção os mísseis americanos.
Também terá passado uma mensagem aos que acusam de demasiada proximidade com Putin, precisamente quando avança nos EUA a investigação sobre o envolvimento suspeito de gente do staff de Trump com o aparelho de Putin no Kremlin. Trump mostrou indirectamente os músculos a Putin, em vésperas de uma cimeira diplomática em Moscovo entre a Rússia e os EUA. Significará que Trump sai do proclamado isolacionismo e adere à negociação diplomática?
Alguma esperança? O que está em causa na Síria não é uma guerra civil. É uma guerra global, jogada por representantes. De um lado, à cabeça, os dos Estados Unidos, da Turquia e da Arábia Saudita. Do outro, os da Rússia e do Irão. Está em causa a hegemonia numa região estratégica no equilíbrio geopolítico global. É uma guerra com muitas guerras dentro e em que não há bons, são todos maus. Sobram as tantas vítimas.
A Nobel da Literatura Svetlana Aleksievic lastimava outro dia que Trump seja uma catástrofe semelhante a Putin. Svetlana lamenta que a Rússia tenha perdido um certo romantismo, ainda que ingénuo, que avançou no tempo de Gorbachov. Hoje há pouco espaço para ilusões.
É de admitir o benefício da dúvida a Trump com este seu golpe de força na Síria. Pode vir a revelar-se um golpe de mestre. À partida, parece mais um bluff para a propaganda. Sendo que a imprevisibilidade é perigosa em tempo de conflitos muito complexos. A frota naval americana a abeirar-se do mar da Coreia levanta inquietações.
 
Ovar, 11 de Abril de 2017
Álvaro Teixeira

Sei o que fizeste em Torremolinos (estatuadesal)

 

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 10/04/2017)
Autor
        Daniel Oliveira
Não há nada mais repetitivo do que o discurso dos velhos sobre os novos. Se formos rever tudo o que cada geração disse e escreveu sobre as gerações que as precederam descobrimos que, ao contrário do que pensamos, a humanidade nunca parou de regredir nos últimos milénios. É uma reação natural: os mais velhos estranham a novidade e tendem a romancear a sua própria juventude. A sua geração é sempre mais culta, educada, respeitadora e civilizada do que a geração dos seus filhos e netos. Muitos dos meus vizinhos pensam isso mesmo sempre que olham para o Jardim do Arco do Cego, transformado, ao fim de tarde, em bar para milhares de universitários que deixam um tapete de copos de plástico sobre a relva. Tento sempre defender o óbvio: não há nada de geracional naquela falta de civismo. Ainda se lembram de Vicente Jorge Silva ter falado da “geração rasca”? Agora é a “geração rasca” que fala da que veio depois. É tão antigo como a humanidade.
Este discurso é tão automático como discurso reativo, que faz a geração mais jovem ouvir qualquer crítica da mais velha como sinal de resistência à mudança e mau envelhecer. A arrogância é semelhante, aliás. Ainda há uns dias fui a Coimbra participar num debate e dediquei grande parte da minha intervenção a zurzir na praxe. Rapidamente surgiu, de um jovem, a defesa da sua geração contra os ataques dos mais velhos (no caso, eu). Tive de explicar que o conflito de gerações não me diz nada. Só me diz alguma coisa quando ele manifesta mudanças sociais e políticas que são corporizadas pelas novas gerações. Que não considero esta geração menos esclarecida do que a minha. Terá os seus próprios problemas, que resultam do que hoje existe e antes não existia: as redes sociais, a ausência de privacidade, a dificuldade de ter um foco quando a informação chega de todo o lado a uma velocidade impressionante, a precariedade como único futuro. Mas é, em geral, uma geração mais bem preparada e informada do que a minha.
Parece que no final dos anos 70 houve uma viagem nacional de finalistas a Torremolinos de tal forma brutal que estas foram proibidas durante uns anos. Foi a desbunda da geração que agora se arrepia com a falta de civismo dos seus filhos e netos
Não sei o que se passou em Torremolinos. Provavelmente será a justiça a avaliar. Os jornalistas começaram a fazer o seu trabalho, ouvindo, como é suposto nestes casos, as várias versões. Nenhum patriotismo me fará defender qualquer tipo de selvajaria. E não me custa acreditar que uma estada de cinco dias de adolescentes com bar aberto tenha este resultado. Qualquer hotel que resolve fazer um acordo destes tem de estar preparado para gerir situações difíceis. Uma coisa é certa: não há paciência para a conversa sobre a geração selvagem, versão renovada da “geração rasca” (era a minha), produto requentado, servido sempre da mesma maneira há milénios. Parece que no final da década de 70 houve uma viagem nacional de finalistas a Torremolinos de tal forma brutal que foram proibidas durante anos. Foi a desbunda da geração que agora se arrepia com a falta de civismo dos seus filhos e netos.
Mas a loucura atingiu níveis delirantes quando Nuno Rogeiro, nos microfones da SIC Notícias, comparou o sucedido a um ataque do Daesh: “Irrita-me essa história das criancinhas portuguesas que chegam e vandalizam os países vizinhos. As famílias têm de estar alerta, as próprias crianças têm de estar alerta, porque não pode ser. É uma vergonha. É possível ser adolescente e não ser igual ao Daesh. Se houvesse uma estância turística espanhola e tivesse sido devastada pelo Daesh não sei se os resultados seriam piores. As pessoas têm de ter um bocadinho de calma.” Isto não foi escrito numa caixa de comentários, foi dito num canal de notícias por um comentador de política internacional que, entre outras coisas, faz análise sobre ataques do Daesh.
Não quero relativizar um ato de vandalismo, se foi disso que se tratou. Não quero dizer que é da idade. Quero apenas dizer que em todas as gerações houve gente civilizada e pouco civilizada. Que, apesar de ser fundamental ensinarmos aos nossos filhos as vantagens da civilidade, não houve um tempo de adolescência ordeira e respeitadora. A adolescência é um tempo de excesso, temos de intervir quando esse excesso se manifesta de forma destrutiva. Agora como há quatro décadas.
O que me parece que está a mudar, mas isto talvez seja eu a idealizar o passado e a assustar-me com o presente, é a dimensão que cada episódio ganha pela repetição permanente nos media e nas redes sociais. Que faz as pessoas perderem noção das proporções. Ao ponto de Nuno Rogeiro comparar um triste e condenável episódio com adolescentes a um atentado do Daesh. Sim, temos de ter um bocadinho de calma.
Ovar, 11 de abril de 2017
Álvaro Teixeira