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sábado, 11 de novembro de 2017

Olhó robô

por estatuadesal

(Clara Ferreira Alves, in Expresso Diário, 10/11/2017)

sofia

Uma análise ao que foi - ao que é - a Web Summit, numa crónica demolidora em que se fala de subidas (e descidas) ao Evereste, da parte inútil e pobre do planeta - a humana - e até do gato de Karl Lagerfeld. E que termina com duas notas de otimismo


Como se dizia no século que já era, não é a minha cena. Uma data de gente com óculos na cara a olhar para os ecrãs e a aplaudir o primeiro maluco que lhes diz que o amanhã canta mais forte quando o mesmíssimo maluco se prepara para lhes extorquir umas massas malucas em troca de maquinetas que o tornarão rico e que tornarão os filhos deles, os dos óculos na cara, excedentários. Wake up and smell the poison.

A primeira coisa que me irrita é o bovinismo, a bovinidade geral. Tudo admirações babadas. Dantes, no tal século entretanto entregue à história, em frente ao summit, e em matéria de summits prefiro o Evereste, teríamos meia dúzia de malucos de sinal contrário com cartazes a dizer STOP THIS NONSENSE NOW. TECHIES GO HOME. Ou, na versão radical, DEATH TO TECHIES. Claro que no tal século do passado, os nerds (e não se pode falar destas coisas sem falar inglês técnico) não estavam na moda e o aparecimento das lentes de contacto descartáveis foi por eles e outros míopes considerado um acontecimento semelhante à descoberta do iPhone.

Pela altura em que todos os defensores de direitos humanos estiverem entregues ao Criador, já o planeta foi desta para melhor e já os robôs mandam nisto

Nem um sopro de rebelião naquela feira mexe. Nem mesmo quando um defensor dos direitos humanos, do século anterior, acaba a dizer que a tecnologia é nossa amiga. Logo, defende os direitos humanos do futuro. Qual tecnologia? Foi você que pediu um humano descartável para a mesa do canto? Pela altura em que todos os defensores de direitos humanos estiverem entregues ao Criador, já o planeta foi desta para melhor e já os robôs mandam nisto e convocam summits que só poderão ser frequentadas por outros robôs.

Os humanos escolhidos a dedo pela mão biónica, sobreviventes como exemplo temático do passado primitivo, servirão lubrificante em bandejas de titânio. Os robôs não tomam café. Não se embebedam. Não se drogam. Nunca engordam. Os replicants do futuro, mais inteligentes do que nós e bestialmente (palavra de outro século) imortais preparam-se para nos passar a perna. Ou a articulação. Enviar-nos para as minas. Os campos. Liquidar-nos. A parte inútil e pobre do planeta, a humana, terá uma sorte pior que a dos Royingas e a dos Royingas é mazinha, podem acreditar. Ninguém os quer. O mesmo para as máquinas e nós. Se as máquinas são melhores, precisam de nós para quê? Limpar as latrinas? Quais latrinas? Androids do NOT dream with electric sheep. And do NOT pee.

E nem precisamos de inventar distopias e westworlds onde os humanos são maus e os robôs são bons para chegar à conclusão de que quando o summit do Evereste tiver derretido de vez, os ricos do futuro, os descendentes destes techies iluminados, estarão em zonas de clima controlado em Marte, redomas dos Musks e Bezos da época, porque o ar na Terra se tornou tóxico e porque o planeta só é habitado por aqueles que não respiram. E que fazem tudo melhor que nós, incluindo dar cabo de nós, coisa em que os humanos eram imbatíveis. Seres que em vez de cabeça, tronco e membros com invólucro mortal marcham com a força do peito de aço e do braço de ferro e que apresentam um nó de fibra ótica no lugar do coração. E uns chips no lugar da massa cinzenta.

E já que falamos nisso, a nossa massa cinzenta já está, graças ao Google, bastante depauperada. Quando quero falar com uma pessoa cujo nome não recordo de repente vou ao Google. Claro que se a pessoa não tiver feito nada na vida que justifique estar no Google e ser algoritmada, está tramada. Quem não está no Google não existe. Que diabo, até o gato do Karl Lagerfeld tem uma página de Facebook e conta no Instagram. A Choupette tem followers a dar com um pau. Literalmente, a dar com um pau. E, se puderem, atirem também um pau ao gato e que se lixe a crueldade para com os animais. Em breve não sobrarão animais, para quê preocuparmo-nos agora se vamos matá-los depois?

No meu tempo, discutia-se apaixonadamente a morte do romance. Em meia dúzia de anos, estamos a discutir a morte do terceiro planeta a contar do Sol. É um grande salto epistemológico e completamente ilógico. Culturalmente, passámos do Hiroshima mon Amour aos pronunciamentos da Siri e da Sophia careca, mais sinistra do que o gato do Lagerfeld.

No meu tempo, discutia-se apaixonadamente a morte do romance. Em meia dúzia de anos, estamos a discutir a morte do terceiro planeta a contar do Sol. É um grande salto epistemológico e completamente ilógico

A Sophia é um robô bonzinho, uma dessas coisas em que só o criador dela acredita. Passámos do terrorismo como tema político, no tal século normal, ou mais ou menos normal, ou normal depois de ter sido completamente anormal e ter controlado a população eliminando-a em massa (falo das duas guerras europeias e juntem-lhes as ditaduras e obtêm um numero primo) para a filosofia de uma peça falante com a nacionalidade saudita. É verdade, a Arábia Saudita, esse país farol dos direitos das mulheres, deu a nacionalidade que não dá às emigrantes que se matam a trabalhar para os servir e limpar, a uma boneca pornográfica. Quem quer uma insuflável que sabe resolver o teorema de Fermat e discute o génio revelado num Codex de Leonardo? Quem quer ir para a cama com uma astrofísica sem físico? Ninguém quereria, no século normal. Uma boneca é uma boneca é uma boneca. Um monte de matéria inorgânica.

E a malta por ali está, palpitante de entusiasmo, a aturar aquilo como se tivesse subido o Evereste e voltado a descer sem oxigénio. Como diziam os velhos do meu tempo, quando eu era nerd dentro dos padrões aceitáveis para a época (não queríamos aprender a escrever código, não queríamos exterminar os estúpidos e não dividíamos a humanidade entre génios visionários e o resto, o gado bovino e os amadores de selfies parvas), no meu tempo não havia nada disto.

Duas notas de otimismo

Primeira, o primeiro-ministro tem emoções, afinal. Mas tem apenas uma, a euforia em face de uma websummit. O que o homem suava de contente. Only human, after all.

Segunda, não me vou importar muito de marchar para o Além ou para os universos paralelos do Criador quando a vez chegar, e esperemos que não seja apanhada nas inundações e incêndios, num catre de realojamento dos migrantes do clima, envenenada por vapores, estrangulada pelo braço de ferro ou reduzida a uma sucata humana que se baba, que sonha com tudo e não se lembra de nada. Sempre detestei ficção científica.

E, para terminar com um gesto amigo, empático mesmo, Sophia, a careca não te fica nada bem. Ficas com as sinapses eletrónicas todas à mostra e dá-te um ar mais pornográfico do que a boquinha pintada da Gina, ou da Mathilda, a insuflável ortopédica com garantia de orgasmo e de 15 anos, como os colchões.

Era uma vez

por estatuadesal

(Isabel Moreira, in Expresso Diário, 11/11/2017)

ISA_MOR

Era uma vez um governo de coligação entre o PSD e o CSD do qual Assunção Cristas fez parte, embora agora finja que não. Era uma vez esse governo de direita que fez da troika o pretexto para a implementação do seu programa ultraliberal. Era, portanto, uma vez um governo de direita que sem nenhum memorando que o obrigasse a isso cortou pensões e salários em violação da Constituição, cortou nas prestações sociais mais importantes para idosos e crianças e destruiu os serviços públicos que integram dimensões essenciais do Estado social, como o SNS. Era uma vez um governo de coligação entre o PSD e o CDS que empobreceu o país para crescer, dizia, que fez o maior aumento de impostos de que há memória e que convidou os jovens a emigrarem. Era uma vez Passos e Cristas num governo que afirmava uma, duas e as vezes que fossem necessárias que não havia alternativa àquela austeridade furiosa em face dos compromissos internacionais, que afinal não foram cumpridos. Era uma vez um governo de direita que fazia orçamentos regulares e retificativos violando a lei fundamental, como se nela não estivesse incluída a proteção dos direitos sociais.

Era uma vez uma alternativa. A alternativa surgiu e a esquerda uniu-se para apoiar o governo do PS. O irrevogável Portas apelidou a democracia de geringonça e a direita cruzou os dedinhos à espera de uma queda do Executivo que, ups, não aconteceu.

Era uma vez uma alternativa real, uma política que conjuga crescimento económico, cumprimento das regras orçamentais e dos compromissos internacionais e devolução de rendimentos e direitos. Era uma vez a devolução ao país de paz institucional, de sinais positivos quanto a crescimento económico, à descida do desemprego e à subida do emprego.

Era uma vez a possibilidade de termos uma oposição que explicasse do seu programa. Mas isso só em ficção, porque o programa da direita era a queda do governo “das esquerdas radicais” (como eu gosto do populismo semântico).

Que fazer, terá pensado a direita?

Ser populista, viver de casos, colando-os uns aos outros, ainda que sem nexo algum ente os mesmos, incutindo no povo (que tem por iletrado) sentimentos de medo e de insegurança quanto ao funcionamento do Estado.

Foi assim com a legionella. Pegar num caso evidentemente grave e fazer dele o espelho da ação do governo, num populismo radical, perigoso e talvez apostado na amnésia do tal povo que tem por iletrado. É ver Cristas e o que resta do PSD a fazerem exigências e a apontarem para um alegado desinvestimento no SNS.

A sério? Era uma vez um governo de direta do qual Cristas fez parte que revogou a legislação que torna as vistorias a sistemas de ventilação, nomeadamente nos hospitais, obrigatória e que continua até hoje a opor-se à repristinação do regime jurídico tido por adequado por todas as entidades do sector. Era uma vez uma oposição de direita convencida de que o “povinho” não se recorda do surto de legionella de 2014 em Vila Franca de Xira.

Era uma vez um governo que apresentou uma alternativa ao país e demonstrou que a mesma era possível. Por isso a história de uma direita que se agarra a casos como uma lapa abusando da paciência de quem sabe o quanto custa repor a qualidade dos serviços púbicos massacrados pela austeridade entusiasmada de PSD e CDS e de quem sabe que aquilo que foi orçamentado e executado no SNS em dois anos é o dobro do que o governo anterior tem para mostrar.

Era uma vez um orçamento de estado para 2018, mais uma vez de esquerda, mais uma vez a prometer uma direita de casos.

Era uma vez.

As alternativas, os Acordos à esquerda e as clientelas


Ladrões de Bicicletas
Posted: 10 Nov 2017 09:04 AM PST
(Vídeo Geringonça)
Mariana Mortágua
A direita, PSD e CDS, chegou a este debate com quatro argumentos, alguns deles contraditórios entre si. O primeiro é o argumento das "clientelas", dos "grupos de interesse" que é suposto a "esquerda radical", como gostam de dizer, favorecer. Vamos ver e na realidade os grupos de interesse são os trabalhadores que pagam IRS e vão passar a pagar menos; os pensionistas que vão ter mais pensão; as crianças que vão ter mais abono e apoios sociais. Cai por terra o argumento dos "grupos de interesse" ou das "clientelas".
Há um segundo argumento, que tem variações. Chamemos-lhe o argumento 2.1): "dá com uma mão e tira com a outra". Podemos ir aos números: devolução de IRS em escalões, 230 milhões; sobretaxa, 260 milhões; carreiras da função pública, 211 milhões; Prestação de Inclusão, 79 milhões; aumento extraordinário de pensões, 154 milhões; reforma das carreiras longas, 48 milhões. No total, quase mil milhões de euros que este orçamento devolve aos portugueses, aos trabalhadores, aos funcionários públicos, aos pensionistas, a quem precisa de uma Prestação de Inclusão. E vamos ver o outro lado, onde é que há os tais "aumentos de impostos": imposto sobre o sal, 30 milhões; alterações aos impostos especiais sobre o consumo, 150 milhões. Somam 180 milhões. Ou seja, tudo aquilo que é dado menos aquilo que supostamente é tirado dá um saldo de 800 milhões, diretamente entregues por este Orçamento de Estado às pessoas.
Vamos ao argumento 2.2): o "aumento da receita fiscal". A direita parece não compreender como é que a receita fiscal aumenta. Acontece que quando mais pessoas têm trabalho, mais pessoas pagam impostos. Quando mais pessoas têm trabalho, mais pessoas pagam contribuições à Segurança Social, quando mais pessoas têm rendimento, mais pessoas consomem. Não é preciso as taxas aumentarem para a receita fiscal aumentar. Esse é o fundo da alteração económica que o PSD e o CDS parecem não querer aceitar nem compreender.
Argumento 2.3), do "corte nos serviços públicos": acontece que não há cortes nos serviços públicos, nem orçamentados nem executados. E, portanto, também esse argumento facilmente cai por terra. Poder-se-á dizer que não aumentam tanto como era necessário. Certamente. Mas não há cortes.
Chegamos ao terceiro argumento: "não há reformas estruturais". E perguntamos quais são as reformas estruturais. A eliminação de feriados é uma reforma estrutural? Os cortes nos salários, que o governo PSD e CDS diziam em Portugal serem temporários, mas que em Bruxelas apresentaram como permanentes (para serem incluídos no défice estrutural), é uma reforma estrutural? A mobilidade na função pública, para despedir funcionários públicos, foi uma reforma estrutural do PSD e CDS? Portanto também não temos o argumento das reformas estruturais, porque as reformas estruturais que os senhores deputados querem certamente não estarão neste Orçamento de Estado. Porque a ideia que nós temos de reformas estruturais está nos antípodas daquilo que os senhores querem fazer ao país e que é empobrecê-lo estruturalmente. E nós queremos o contrário, que é dar mais rendimentos às pessoas.
Chegamos ao quarto argumento. Quando tudo o resto falha, quando não há mais argumentos, o argumento de fim de linha: "o que os senhores estão a fazer é fácil, nós até já tínhamos começado esse caminho. Nós só não estamos a fazer o mesmo que os senhores estão a fazer porque não nos deixaram". E portanto, depois de criticar tudo e de perceber que não é possível criticar nada, chegam ao fundo a dizer que queriam fazer o mesmo mas não podem. Mas também isso é relativamente fácil de refutar, porque o governo PSD e CDS deixou-nos um documento onde felizmente escrevem, para memória, aquilo que pensavam fazer caso estivessem no governo. E o que pensavam fazer era cortar pensões, não era aumentar pensões. O que pensavam fazer era manter cortes nos apoios sociais, não era aumentar o abono, não era aumentar o RSI, não era aumentar o CSI. O que pensavam fazer era aumentar impostos, não era reduzir impostos.
Não há, portanto, argumentos de direita. E não há argumentos de direita porque a única crítica que se pode fazer a este orçamento, e a este governo, é uma crítica que o passado da direita não deixa que a direita faça de uma forma credível: é a crítica de que não vai tão longe quanto era necessário. A crítica que há para fazer a este governo é que devia proteger mais os trabalhadores e reverter as medidas da direita no Código Laboral. É que devia investir mais nos serviços públicos para compensar os cortes da direita. E essa é uma critica que, dê a direita as voltas que der, nunca vai poder fazer a este orçamento.
Mariana Mortágua (intervenção no Debate na generalidade do OE para 2018)


MARCELO: E SE FOSSE CHAMAR MINHA MADRINHA AO CAMÕES?

por estatuadesal

(Joaquim Vassalo Abreu, 10/11/2017)

madrinha

Como já têm reparado eu, de tempos em tempos, transformo-me num relapso das notícias e elas chegam-me quando já estão às vezes fora de prazo. Mas, mesmo assim, não me canso de ficar mais que admirado: estupefacto! É que, como vastas vezes tenho dito, não leio jornais e televisão muito pouco. Sou um desinformado, portanto.

Mas, como frequento o Facebook e dele bebo o que quero, chegou-me ao conhecimento, assim por um acaso dos deuses, uma notícia da TSF que refere que Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente de todos os Portugueses e mais do seu amado PSD, considera que Maria Cavaco silva foi a “madrinha” dos Portugueses durante pelo menos vinte anos!

Como não lhe agradecermos, acrescentou ainda? Diz ele que apoiou inúmeras instituições e eu sei lá que mais. Mas, e causas? Nem uma sequer…Também não dava para mais, não é?

Primeiro comentário: eu francamente nunca notei! Que passava por lá, assim como o seu Aníbal passava pelas tropas, revistando-as de face esfíngica e pose hirta? Sim e eu até algumas vezes a vi na TV. Sempre bem vestida, sempre elegante nos seus dois metros de anca, mas sorridente como que se a Rainha da Inglaterra fosse no seu azul celeste! E o seu costureiro claro que fazia parte da sua corte. Mas, coitado, que conseguia ele? Fez um enorme esforço e conseguiu o reconhecimento do Aníbal com uma condecoração! Tinha ou não tinha poder a Maria?

Mas ela ia lá, passava por lá (tinha que ocupar o tempo e satisfazer a agenda), mas, e que apoios? Sim, aquilo que conta, aquilo que fica, aquilo que realmente traduz uma uma visita como deve ser? Nada? Pois é, eu até que compreendo. O orçamento da presidência da República do Aníbal cheguei a ler que era de uns 16 milhões de aéreos! Mas como para o antigo e tido por austero presidente orçamento dado é orçamento gasto, as actividades da Maria, qual figura decorativa, não cabia nesse tal robusto orçamento! É que não cabia na lei orçamental, percebem?

Do seu bolso também seria impossível sair pois a sua reforma, uma reforma de uns míseros 800 aéreos, uma reforma de uma professora que raramente trabalhou, apenas dava para os seus perfumes quanto mais paras os produtos de higiene íntima ( Aníbal dixit) e a do Aníbal, uns míseros dez mil aéreos ridículos para a sua superlativa importância, não dava para as prestações das casas, dos empréstimos e do Meo Arena! Nada sobrava, portanto, para solidariedade. Coisa que quem precisava era ela!

Eu sei que o nosso inefável Presidente da República, o Sr. Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, anda um tanto ou quanto acelerado, o que eu até compreendo pois, para quem tantos livros lia, quem tantas aulas dava (uma por semana?), quem tantos pareceres produzia e quem tanto comentava…enfim, tantas adições tinha, para não falar nos mergulhos na praia de Cascais, é mesmo natural que as tenha que substituir por algo… o corpo obriga, assim dito em Português, a nossa língua…

Mas, meu querido Prof. Marcelo, Presidente de todos os afectos, de todos os Portugueses e do seu querido PSD, não abuse porque, de outro modo, vai ter que reforçar a sua farmática dependência e depois não mais poderá apelar à sua já célebre, endeusada e até histórica resistência, se lhe der assim como que um fanico! Ao Aníbal também deu, lembra-se?

Eu sei que durante anos e anos foi comentador e um comentador em toda a sua abrangência.E como Professor tem que continuar a comentar. Comentar tudo e todos, como se ainda estivesse na TVI. E, por acaso, até que por lá vai continuando, tal como antes, comentando tudo e todos.

Mas como diz o Povo, e se não diz então digo eu que também sou Povo, ” quem muito comenta muito asneirenta”!

E foi aqui, no caso da “Madrinha” Maria, de quem não conheço o restante nome que não o do apêndice, que V. Exª Sr. Presidente da República de todos e em particular do seu querido PSD, que V. Exª resolveu, num golpe de ilusionismo e magia, transformá-la em “minha Madrinha”! Mas, meu querido Presidente, e já disse o resto, que é isso? Minha?

Aqui no Norte diria isso de uma maneira mais objectiva e descomplexada mas, não estando nós em guerra, porquê ressuscitar a Supico Pinto? Será que, assim de repente, lhe deu assim como que umas saudades desses gloriosos tempos em que o Sr. Presidente, ainda jovem, ia visitar os seus pais a Moçambique e, em indo, se transformava, pela sua bonomia e traquinice, no padrinho daqueles “muceques” todos? Velhos tempos…ai…

Sr. Professor, Presidente de todos os Portugueses e em especial do seu querido PSD, acorde homem! É que já passaram mais de quarenta anos, caramba! É que já não há guerra, nem províncias ultramarinas,  nem “madrinhas” de guerra, homem! E sabe, eu nunca peguei numa “canhota” nem fui à guerra. Portanto, mesmo que me quisessem impingir uma “madrinha” eu nunca a  aceitaria…quanto mais agora! E essa?

Sr. Presidente da República Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, senhor Sousa para os mais íntimos, Presidente de todos os Portugueses mas mais ainda do seu querido PSD, eleito por muita gente que não por mim, vai condecorar a “Madrinha”, não vai? Claro que vai e vai fazê-lo em nome do reconhecimento de todos os Portugueses (e aqui eu me excluo) pelos seus feitos enquanto primeira dama do Aníbal, a quem nem ensinou sequer a comer com a boca fechada! Mas condecore-a, homem! Fica-lhe bem, muito bem mesmo!

Condecore-a e condecore também o Aníbal que, sendo ela “Madrinha”, terá que ser o “Padrinho”! É que eles, no seu austero refúgio (que é feito da solidária Maria?), vão, à falta de melhor, brincar com as condecorações e vão convencer-se que, apesar de terem ocupado Belém e S. Bento durante esses fatídicos anos, são queridos pelo seu Povo! Ledo engano…Mas o Sr. Presidente assim não acha. O seu querido PSD…acima de tudo, ora!

Por isso, Sr. Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, agora Presidente de todos os Portugueses e em particular do seu querido PSD, faça-me um especial favor: Vá chamar minha Madrinha ao Camões, tá?

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

O que querem os homens?

Estátua de Sal

por estatuadesal

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 10/11/2017)

assédio

Num ano sem eleições presidenciais na fabulosa e hoolywoodesca América, a October surprise foi protagonizada pelas mulheres que denunciaram a conduta sexual de Harvey Weinstein. O próprio reconheceu a veracidade desses testemunhos, iniciando-se com a queda desse gigante da indústria cinematográfica uma avalanche de casos similares com outras figuras do mundo do espectáculo. Corrente que não se sabe quando nem onde irá parar. Aliás, a dimensão do fenómeno é tal que a perspectiva de se descobrirem “oficialmente” os “podres” da maioria das estrelas consagradas seja qual for a sua área de actividade profissional, obrigando ao seu ostracismo e ao apagamento da sua memória, já não surge como um cenário de desvairada ficção à luz do que se está a fazer com Weinstein e Kevin Spacey.

Estamos a assistir a um momento de mudança de paradigma? Foda-se, claro que sim. Basta analisar o caso inicial, o qual era do conhecimento generalizado do meio durante décadas e que só foi denunciado nesta altura – apesar de tantas mulheres, e tão poderosas no seu estatuto e recursos financeiros, terem sido vítimas ou saberem dos abusos. Apenas uma coerção social tácita, nascida de um calculismo dominante, explica o prolongamento e extensão dos actos de alguém tão exposto pela sua notoriedade e descontrolo. Portanto, independentemente do imprevisível desfecho judicial e das voláteis convulsões morais, a dimensão social parece suficientemente alterada para levar a uma mudança cultural.

Seguir-se-á uma nova era, sendo que por agora a sexualidade masculina é o novíssimo continente desconhecido. Como se pode constatar neste artigo – Why men use masturbation to harass women – os especialistas consultados não fazem sequer a mínima ideia do que poderá estar a gerar comportamentos como os atribuídos ao hilariante LOUIS C. K. Porém, a resposta encontra-se à vista dos curiosos, basta assistir aos seus números em palco para tropeçar em conteúdos retintamente pessoais. E pode-se logo agarrar numa primeira questão: será possível separar a qualidade do seu humor, a eficácia dos seus quadros teatrais, do drama em gente onde o material criativo é arrancada da sua privacidade? Teremos de inverter a vexata questio freudiana, “O que querem as mulheres?”, e darmos atenção a estoutra, potencialmente ainda mais enigmática, “O que querem, afinal, os homens famosos e poderosos que batem pívias à frente do mulherio?”

Todos os homens são sexualmente predadores. Se não o forem, algo de errado se estará a passar. Não há moral nesta realidade, apenas biologia. Uma mulher não poderá jamais saber em que consiste esse estado – ou seja, a mulher não sabe o que é ter “tesão” – tal como um homem não poderá jamais saber o que seja ter o período ou estar grávido. Assim, as mulheres não compreendem o desejo masculino, embora se adaptem com maior ou menor facilidade a ele. Igualmente, os homens não entendem o desejo feminino, e, acima e antes de tudo, não concebem que a mulher possa ter uma radicalmente diferente motivação e dinâmica sexual. Era aqui que o tio Freud patinava, projectando na fêmea o seu masculino e, portanto, redutor e erróneo entendimento do que seja a experiência feminina. Este estado predatório nos homens não é uma escolha, antes uma condição que a biologia e a cultura têm ambas reforçado. O falocentrismo que origina nasce tanto da exterioridade anatómica do pénis como da procura das recompensas químicas geradas nos cérebros masculinos com a fácil ejaculação e, por fim, cristaliza-se numa celebração simbólica inserida numa “luta de géneros” muito parecida com uma luta de classes.

Há uma história imensa por contar. É a história do homem como sexo fraco. E ridículo. Por isso, violento. Por isso, violentador por exigência mecânica. E tão periclitante e efémero na sua erecção sempre triunfal. Que seria deste mundo se as mulheres contassem tudo o que sabem desses seres a quem suportam a fragilidade logo na família, tantas vezes, e ao longo de toda a vida, quase sempre?

Elas ainda não estão capazes de contar o que testemunham directa e indirectamente. Na família, nos amigos, nas festas, no emprego, nas férias, nos consultórios, nas saídas, nas conversas, nos quartos. Mas tinha de se começar por algum lado. Começou-se por um celebérrimo ogre. Só que esse, paradoxalmente, era um alvo fácil. Venham os mais difíceis, os ogres que as mulheres amam. Os ogres que as mulheres perdoam. Os ogres que as mulheres protegem.