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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

"Cultura de compromisso" 2

Ladrões de Bicicletas


Posted: 27 Feb 2018 04:47 PM PST

Da série "Boss", na SIC Radical, que mostra como gerir a comunicação social

Quem leia o Público de hoje, sente a mão de Marcelo por detrás de cada palavra. A peça de David Dinis, director do jornal, entra na cabeça do presidente da República e diz que o jornal "apurou" que ele "voltou mais preocupado do que partira para o segundo encontro numa semana" com Rui Rio.
E nem foi só ao jornal que o pensamento do presidente chegou. Marques Mendes, no espaço concedido na SIC pelo militante nº1 do PSD, afirmou que “o Presidente deve ter vindo [de S.Tomé] com os cabelos em pé”.
O que aflige tanto Marcelo?
Continua o Público em espaço noticioso nobre, nas páginas 2 e 3 do jornal:  "No Palácio de Belém, o estado de espírito confirma os receios com a desunião do maior partido da oposição. E com a forma como Rui Rio parece querer lidar com ela, em confronto com os críticos internos, achando que o que perde em desunião, pode ganhar na imagem que dele terá o país".
Aliás, David Dinis expressou ontem essa mesma preocupação quando partilhou com a editora de Política da Antena 1 Flor Pedroso o espaço de comentário moderado por Ana Lourenço na RTP3:

"Uma guerra dentro de casa, com o PSD dez pontos atrás do PS, à beira de eleições legislativas, diria que, no mínimo, há um sentido de risco... ia dizer mal medido... " (16'30'')

"Estamos a falar de um ano e meio. É muito tempo para comprar uma guerra interna desta dimensão e muito pouco tempo para apresentar propostas que o diferenciem. Neste momento, só tem a guerra. Nem sequer propostas tem para apresentar. Portanto, o país só fala - nós aqui - só podemos estar a falar de duas coisas: da aproximação de Rui Rio a António Costa, com a agenda de António Costa acrescento eu, e da guerra interna no PSD" (26'30'')

"A estratégia confrontacional neste momento do PSD parece um disparate total"(30'30'')

"A carga ideológica do CDS desapareceu (...) é um partido aberto, jovem. No fim, pode contar um bocadinho se o PSD... Não estou à espera de um crescimento exponencial do CDS. Mas se o PSD não se acautela e passa ano e meio em guerra... quer dizer... as pessoas que não quiserem votar na esquerda, que é preciso equilibrar, vão votar em quem? (33'45'')


Mas alguém acredita que o risco seja que os eleitores do PSD votem no CDS? O CDS não sairá muito do seu nicho: basta olhar para as sondagens. O risco é, portanto, outro.

O que quer então Marcelo?
Quer que o PSD negoceie já com o PS  e feche tudo em 2018. Disse Marcelo em on: "Temos pouco meses, muito poucos, para debatermos e decidirmos o que há a decidir" ou "não é daqui a meses, em pleno ano eleitoral de 2019, quando já for tarde". Mas Rui Rio saiu de Belém a dizer que reformas estruturais não são coisas que se façam assim. Demoram e disse mesmo que nem tem soluções para já. Requer muito tempo, ouvir, conversar, negociações... (7'36'')
E Rio tem razão.
Mas por que está então este presidente preocupado com rapidez e a tentar marcar por fora o ritmo ao PSD, quando sabe que reformas de fundo não se fazem assim? O Público continua:

“Só falta um ano e meio para as legislativas. Se o PSD for partido para as eleições, desafiando oito anos da liderança anterior, é dar uma maioria absoluta a António Costa. E maioria absoluta, já se sabe, é cenário de que em Belém se prefere nem ouvir falar, diz uma fonte ouvida pelo PÚBLICO".


Ora aí está a preocupação de Marcelo Rebelo de Sousa. E esse é que deveria ser o título: "Marcelo quer evitar maioria absoluta do PS".
Mas por que não quer Marcelo que o PS tenha maioria absoluta? Por que razão não é estranho aos jornalistas que um Presidente da república embarque, desta forma, numa disputa partidária? Não seria vantajoso para o país ter estabilidade política? Até do ponto de vista de um pensamento de direita, o PS poderia libertar-se dos partidos mais à esquerda...
Tudo indica que Marcelo considera que eventuais consensos nacionais, a fechar entre o PS e o PSD, poderiam representar uma facada nas costas dos partido à esquerda. Pelo menos, Marcelo aposta que eles os sintam como tal, o que colocaria a esquerda sobre os holofotes com um rodapé televisivo a dizer "Crise à esquerda". Seria o primeiro passo para uma vitória à direita.
Eis a vantagem da "cultura de compromisso".

Manifesto Anti-Passos Coelho

por Sérgio Barreto Costa

Oliv._Salazar1

Um espectro ronda a academia portuguesa – é o espectro de Passos Coelho. Desde que os jornais anunciaram que o ex-líder do PSD se vai dedicar a dar umas aulas na área económica em universidades, logo surgiram indignados, da torre de marfim onde costumam passar os dias, os académicos mais puristas.

Concordo com as críticas e com a indignação. Como é que um indivíduo que nos últimos anos não fez nada de relevante a não ser liderar o governo durante um dos períodos mais difíceis da história recente e retirar o país da situação de bancarrota em que se encontrava pode ter a pretensão de transmitir conhecimentos a alguém? É para isto que os nossos jovens estudantes pagam propinas? Para ouvirem falar de economia alguém que foi apenas responsável máximo pela administração de 50% do PIB da pátria?

O ensino superior não deve tratado desta maneira. Está repleto de professores de Gestão de Empresas que nunca trabalharam em nenhuma, professores de Direito Fiscal que não sabem entregar o seu próprio IRS e professores de Liderança a quem nem os caniches que têm em casa obedecem, mas isso não faz mal nenhum desde que sejam Doutores – por extenso, com maiúscula, e de Borla e Capelo coloridos. O que vale o “saber de experiência feito” de que nos falou Luís de Camões quando comparado com a imponência de um belo chapéu de estilo otomano, símbolo incontestável do perfeito domínio das normas de citação e das notas de rodapé? No tempo do Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar, em que havia rigor e respeitinho nas universidades, esta pouca-vergonha certamente não aconteceria.

Os académicos mais puristas devem rejeitar dissimular as suas perspectivas e propósitos, e declarar abertamente que os seus fins só podem ser alcançados pelo derrube violento deste estado de coisas. Pode a classe dos sans-doctorat tremer ante uma revolução académica! Nela os Ph.D. não têm nada a perder a não ser as próprias grilhetas, e têm um mundo a ganhar. Académicos puristas de todas as universidades, uni-vos!

Chove. E é triste

Ricardo Marques

RICARDO MARQUES

JORNALISTA

28 de Fevereiro de 2018

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Há poucas coisas tão simples e tão complicadas como o tempo que faz lá fora numa manhã como esta. É o inverno, e o inverno é assim. É feito de chuva, de neve, de vento forte e de mar bravo, de trovoadas e granizo e frio. Há escolas fechadas, estradas cortadas, acidentes de trânsito e pessoas a quem acontecem coisa más. Muito más. Mas olhamos pela janela como quem olha para o mundo. E aceitamos. Faz parte da vida.

O mais complicado é explicar porquê. Porque é que, de repente, desata a chover e a nevar e há alertas de todas as cores? Tem a ver com o posicionamento do anticiclone dos Açores? Em parte, sim. Está iminente o choque de uma massa de ar quente vinda do Atlântico com uma massa de ar frio vinda da Rússia? Também - e quanto maior a diferença entre as duas massas mais severas são as condições do tempo. Mas há algo mais.

Comece por este artigo e siga para o The Guardian, onde é possível ler este texto que ajuda a complicar a situação. "Apesar de a maioria das notícias nos últimos dias terem tratado o frio na Europa num tom descontraído, existe a preocupação de que estamos a assistir não ao regresso dos invernos normais, mas sim à deslocação de algo que deveria estar a acontecer mais a norte", escreve o jornal. (Guerras de bolas de neve no Vaticano sempre deram melhores imagens do quegente a morrer de frio.)

O estado do tempo que temos, e que aceitamos calmamente sem pensar duas vezes, é na verdade a consequência direta de um fenómeno sério que terá ocorrido no vórtice polar, ao nível da estratosfera. Claro que, a seguir, será preciso explicar o que causou esse fenómeno e, provavelmente, o que causou a causa e por aí fora. E é aqui que, mesmo depois de ler o artigo, nos perdemos. A estratosfera é demasiado longe, o vórtice polar demasiado estranho e, convenhamos, há sempre coisas mais importantes.

A meteorologia ainda é uma ciência avessa aos extremos. Os meteorologistas são capazes de descrever o nascimento do elefante que está a chegar, podemprever o percurso que o paquiderme vai fazer e até se o dito vai ficar cansado pelo caminho. Avisam-nos que não é recomendável estar à frente do bicho e que, provavelmente, vai haver estragos. Mas há duas coisas que não conseguem garantir: quantos elefantes vão nascer e onde é que as suas enormes patas vão cair com mais força.

Essa incerteza – que nos leva a discutir se existe aquecimento global e a ficar em pânico com a seca e também com o excesso de chuva - é a derradeira certeza de que o ser humano ainda não sabe tudo. Mesmo que pense que sim.

Os homens conseguem meter um míssil numa janela do terceiro andar de um prédio numa rua na Síria, mas não conseguem adivinhar o local exato que vai ser arrasado por um tornado. São capazes de apontar uma arma carregada à cabeça de outro ser humano e de apertar o gatilho, com a certeza de que vão tirar uma vida, mas nada sabem sobre a próxima grande cheia. Sabem exatamente a quantidade de químicos que devem meter numa ogiva para desaparecer toda a vida num bairro, mas não lhes peçam para indicar qual árvore que vai ser destruída por um raio.

E depois olham incrédulos para o que resta de uma aldeia destruída por um deslizamento de terras, mas não perdem um minuto a olhar para uma cidade arrasada por bombas. A natureza é imprevisível, implacável e capaz de estragos que nos deixam desesperados com a nossa ignorância.

Estranho mundo este em que um dia de chuva nos preocupa como se fosse uma guerra e uma guerra nos parece tão banal como um dia de chuva. É ténue a linha que separa o inverno do inferno.

Olhamos pela janela, ainda chove. E nunca vai deixar de chover, porque estaremos sempre demasiado ocupados atentar compreender absolutamente a natureza e sem tempo para nos confrontarmos, a sério, com a irracionalidade dos nossos próprios atos.

Negrão contra Costa: prevê-se namoro, mas “não se pode apaixonar”

DEBATE QUINZENAL

27/2/2018, 22:35

Costa vai ser "condescendente", vai namorar, mas deputados do PSD avisam: atenção às paixões. Tem de vincar diferenças. Bancada cada vez mais irritada com Rio por não dar a cara pelo escolhido.

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Autor
  • Rita Dinis
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  • Céu encoberto com forte possibilidade de precipitação e alguns raios de sol. Talvez apareça um arco-íris. A previsão da meteorologia para esta quarta-feira pelas 15h não difere muito da previsão que vários deputados arriscam fazer da estreia de Fernando Negrão no confronto quinzenal com o primeiro-ministro — marcado para esta quarta-feira às 15h, no Parlamento. Um confronto que deverá ter tanto de chuva como de sol: se, por um lado, com Costa e Rio em clima de paz e entendimentos, se espera “condescendência” da parte de António Costa, por outro, espera-se que o líder parlamentar do PSD aproveite o palco mediático para vincar as diferenças entre os dois partidos. “No meio de tanto namorico, o PSD não se pode apaixonar”, alerta um deputado ao Observador. “O debate quinzenal é a ocasião por excelência para vincar as diferenças em relação ao PS”, diz outro, referindo-se sobretudo aos temas da saúde, educação e falta de investimento em serviços públicos. Fernando Negrão não levanta a ponta do véu, mas, ao Observador, admite que a estratégia que vai adoptar será “sempre articulada” com a direção nacional do partido.

Numa coisa todos concordam: se o debate correr bem a Negrão, que é como quem diz, se Negrão não se render a Costa e for bem sucedido a “fazer oposição” ao Governo, é meio caminho andado para serenar as divergências entre a bancada — já que a outra metade do caminho ainda tem de ser percorrida pelo próprio Rui Rio, que, segundo aponta um deputado sob anonimato, não tem agido bem em todo o processo. “Rui Rio já devia ter vindo a público defender Fernando Negrão, em vez de o deixar a queimar em lume brando e de se esconder atrás dele“, diz, lembrando que desde que Negrão anunciou a sua candidatura até que foi eleito por margem humilhante, Rio “nunca pronunciou o nome dele” em público.

Mesmo não tendo o perfil “agressivo” de Hugo Soares ou Luís Montenegro, Fernando Negrão tem vários trunfos, dizem os vários deputados ouvidos pelo Observador, mesmo os que foram contra a sua eleição. Depois de ter sido presidente de uma das mais bem conseguidas comissões parlamentares de inquérito (a do BES), que lhe granjeou a fama de “grande rigor”, de “imparcialidade” e de alguém “respeitado por todos”, há deputados que lembram que também “sabe ser combativo”. “É preciso é que o deixem ser”, comenta um deputado social-democrata ao Observador, referindo-se à incógnita do debate: saber quais vão ser as instruções superiores.

Ao Observador, na segunda-feira à tarde, Fernando Negrão desvalorizava o peso da estreia no debate quinzenal com o primeiro-ministro. “Não é uma estreia, já fiz muitos debates no Parlamento”, dizia, recusando-se a revelar que temas vai levar na manga, e sublinhando apenas que o processo de preparação do debate será feito, como habitual, entre o líder, alguns vices da bancada e o presidente do partido. Preparado, diz que está há muito. “Sou deputado há nove anos, se eu não estivesse preparado para ser líder parlamentar com nove anos de deputado, tenho a certeza que me passariam um atestado de imbecilidade”, chegou a dizer dias antes de anunciar a sua candidatura.

[Veja no vídeo as diferenças entre o que Fernando Negrão disse antes e depois de ser eleito]

Pergunta-resposta-réplica. A “estaleca” do BES e o “raspanete” a Teresa Leal Coelho

A poucas horas de ser eleito, com apenas 35 votos a favor (de um total de 89), Fernando Negrão dizia numa entrevista à RTP que não queria fazer dos debates quinzenais uma “guerra” com o primeiro-ministro. “Tenciono ter sessões de trabalho com António Costa nos debates quinzenais”, afirmou, acrescentando que se tratava sobretudo de uma questão de estilo. “Nunca poderemos dissociar-nos do estilo. Será com certeza o meu estilo: transformar os debates não em guerras, na procura de frases que tenham efeito mediático ou de outra natureza, mas sim em sessões de trabalho”, insistiria na mesma entrevista. A mensagem que passou foi “infeliz”, admitiu ao Observador um deputado social-democrata, afirmando que “nos debates tem sempre de haver um elemento confrontacional de fiscalização do Governo”. Além de que o clima de consensos que reina entre o novo PSD e o velho PS não esvazia o discurso de oposição dos sociais-democratas.

Fazer consensos faz sentido, mas não pode nunca ser confundido com a não criação de uma alternativa política”, diz o mesmo deputado. “Isso não esgota o vasto leque de matérias onde as posições do PS e do PSD têm sido inconciliáveis”, acrescenta, destacando matérias relacionadas com o modelo económico, a saúde, a demografia e a segurança social.

A verdade é que o perfil dos consensos assenta que nem uma luva a Fernando Negrão, que é uma figura nada hostil aos deputados da esquerda mais à esquerda, nomeadamente aos que fizeram parte da comissão de inquérito ao BES, que presidiu em 2014 — como Pedro Nuno Santos, João Galamba, Mariana Mortágua ou Miguel Tiago. Ainda hoje a sua postura de mediador rigoroso e imparcial é lembrada da direita à esquerda. Na altura da apresentação das conclusões da comissão, Pedro Nuno Santos, que coordenava os trabalhos do PS, assinalou mesmo o papel “determinante” de Negrão, enquanto a bloquista Mariana Mortágua elogiou a sua “inteligência discreta”.

Numa entrevista à Frontline, em novembro de 2014, Negrão justificava esse perfil de “isenção e imparcialidade” com o facto de ser magistrado de formação e “ter sido juiz durante quase 20 anos”. Até admitia que isso lhe trazia alguns problemas enquanto membro de um partido, ou mesmo enquanto advogado: “Muitas vezes a solução que eu acho mais adequada não é propriamente a do partido a que eu pertenço, ou a do cliente que defendo”. Foi, por exemplo, o que aconteceu em maio de 2015, numa reunião da comissão de Assuntos Constitucionais, onde o presidente Fernando Negrão deu um enorme sermão público a uma deputada do PSD, Teresa Leal Coelho, por ter desrespeitado uma diligência sua.

“É corajoso e não tem medo de afrontar. Tenho a certeza de que não vamos ver um Fernando Negrão com medo de António Costa”, diz ao Observador um deputado, que lembra que Negrão pode, e deve, fazer uso das competências que adquiriu nos tribunais e na comissão de inquérito para ter “repentismo” na resposta. É que o estilo do debate quinzenal assemelha-se em muito ao estilo de uma comissão de inquérito: pergunta, resposta e réplica. “Num debate quinzenal é preciso ter capacidade de reação rápida, era uma coisa que o Hugo Soares tinha, até mais do que o Luís Montenegro. Vamos ver se ele tem”, afirma o mesmo deputado, acrescentando que a maior ou menor eficácia do debate não se mede apenas na agressividade do tom: o truque é fazer perguntas diretas. E é aí que entra a experiência em comissões de inquérito.

Com ou sem agressividade no tom, o que os deputados da bancada exigem a Fernando Negrão é que faça oposição: mesmo que Rui Rio, fora do Parlamento, tenha uma atitude mais diplomática, não perdoam se, dentro do Parlamento, Fernando Negrão se cingir a replicar a cordialidade do presidente do partido. “Se não o fizer no debate quinzenal, faz onde? Não é certamente nas reuniões à porta fechada com o primeiro-ministro”, ironiza um deputado, exigindo que Negrão use o palco quinzenal para mostrar ao PS que os dois partidos não são farinha do mesmo saco. Há mesmo quem lembre que é essa distribuição tácita que costuma reinar no partido: Passos Coelho também assumia uma postura mais institucional, enquanto Luís Montenegro era o braço armado do partido.

O PSD não pode ser o BE, ceder ao PS só porque quer ser poder”, diz um deputado social-democrata.

E onde anda Rio? “Escondido”, dizem

O mal-estar na bancada do PSD, que se instalou desde a eleição pífia de Fernando Negrão, está longe de serenar. Rui Rio manteve-se em silêncio sobre o processo e já fez saber que não vai estar presente na primeira reunião da bancada parlamentar presidida por Negrão, esta quinta-feira. O argumento que usou, na primeira e única declaração que fez sobre o assunto à saída de uma reunião em Belém, foi de que a direção da bancada ainda nem estava toda eleita — faltava eleger os coordenadores –, mas nem isso colhe junto dos deputados.

“Os coordenadores até já estão a trabalhar nas suas novas funções, e nem sequer fazem parte da direção, por isso não é justificação”, disseram ao Observador. A eleição dos 24 coordenadores e vice-coordenadores está marcada para a próxima sexta-feira, mas a lista de nomes ficou fechada mesmo antes da eleição da nova direção. É certo que Rui Rio diz que quer “trabalhar com todos os 89 deputados”, e, como reiterou esta terça-feira ao DN, tenciona manter uma “estreita articulação” com o grupo parlamentar, mas a demora em falar aos deputados está a “causar mal-estar”. Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo, quando era presidente do PSD e não estava no Parlamento, fazia questão de estar presente todas as semanas nas reuniões do grupo parlamentar.

A ideia que a ausência e o silêncio de Rio passam é a de que está a deixar Fernando Negrão entregue aos lobos. “Se repararem, Rui Rio não disse uma única vez o nome de Fernando Negrão em todo este processo. Foi pelo Fernando Negrão que soubemos que era o candidato escolhido por Rio, foi pelo Fernando Negrão que soubemos que ia aceitar tomar posse com aquela votação depois de ter estado ao telefone com Rui Rio”, comentava um deputado. Tudo para dizer que Rui Rio já devia ter “vindo a público defender” Fernando Negrão, mas ao invés, está-se a “esconder” atrás dele para o caso de correr mal.

Em teoria, Rui Rio não vê o que se passa na bancada parlamentar como um problema que afete a sua imagem junto dos portugueses, e é por isso que não se quer envolver. Certo é que, não tendo representação no Parlamento, o debate quinzenal desta quarta-feira vai ser o momento-chave para o novo PSD de Rui Rio, pela cara e voz de Fernando Negrão, mostrar onde e com que tom se posiciona no espectro político. Não podendo invocar o argumento da ilegitimidade do Governo das esquerdas, há quem diga que só lhe sobra manter o discurso do velho PSD: o ataque à falta de investimento nos serviços públicos, à estratégia da cativação de despesa, ao estado dos serviços de saúde e aos problemas na educação. Tudo o que o PSD de Passos Coelho já dizia.

Sopa de nabos no PSD

Opinião

Manuel Serrão

Hoje às 00:07

  • Um dos acontecimentos mais hilariantes dos últimos tempos no mundo da política portuguesa foi a eleição para o grupo parlamentar do PSD. Não digo que tenham atingido o grau equivalente ao célebre episódio da caneta de tinta invisível numas antigas eleições do grupo parlamentar do CDS, mas ter uma eleição no grupo parlamentar de um único partido, em que só se apresenta um único candidato a líder, com uma vasta lista de 37 deputados e averbar um resultado dois votos inferior ao número de candidatos propostos, é mesmo de ir às lágrimas. Claro que se os partidos tivessem bom senso nunca deixariam que se organizassem umas eleições para um grupo parlamentar de 89 deputados em que só um deles se disponibiliza para liderar a bancada. Mandaria a regra da mais elementar inteligência que nos casos em que não houvesse disputa, a formalidade do ato eleitoral fosse dispensada. Devo dizer contudo que pior do que esta fragilidade organizativa é a pobreza de espírito dos deputados do PSD que protagonizaram esta rábula. Para que não existam quaisquer dúvidas, esclareço desde já que nada me move a favor do dr. Fernando Negrão, que aliás nem sequer conheço, mas tudo me anima contra pessoas que aderem livremente a uma organização e depois não são capazes de assumir todos os contornos e obrigações inerentes a essa decisão.
  • Se nunca fui filiado em nenhum partido político (descontando uma militância na Juventude Centrista entre os 14 e os 17 anos, logo a seguir ao 25 de Abril) é porque não tenho vocação para fretes, formalismos, negociações, consensos, apoios, militâncias e outras atividades do género, que a militância de um partido requer e muito bem. É por isso que eu não tenho nenhuma dificuldade em perceber que no grupo parlamentar do PSD tenha existido uma maioria de deputados que não votaram a favor da lista proposta por discordarem do líder proposto, dos restantes membros da lista ou até da fórmula encontrada para a resolução do problema nascido com a mudança de líder do PSD. Tenho facilidade em perceber, mas tenho muita dificuldade em aceitar, porque é a mesma dificuldade que tenho, há anos, em perceber o que é que leva o dr. Pacheco Pereira a manter a sua inscrição como militante do PPD, sendo público que há muitos anos e há vários líderes que o dr. Pacheco Pereira não só não concorda e não gosta, como ataca amiúde nas suas tribunas públicas.

    Sendo a militância partidária uma manifestação de vontade e uma decisão completamente livres e aparentemente até independentes de qualquer vantagem, não se percebe o que vão fazer para os partidos políticos aquelas pessoas que continuam a querer fazer e dizer tudo o que lhes apetece, incluindo as opiniões e as ações que atentam objetivamente contra os interesses do seu partido. Voltando ao grupo parlamentar do PSD, ainda sou capaz de tolerar uma atitude como a que tomou o seu ex-líder Luís Montenegro, que por se considerar menos empenhado no atual contexto partidário, vai abdicar do seu lugar de deputado, dando lugar a outro, que se espera poder ter outro ânimo para um combate coordenado com a nova liderança. Convém não confundir o direito à liberdade de opinião com os naturais deveres de militância partidária. Se ainda os deputados da nação fossem eleitos, como eu gostaria, em círculos uninominais, outro galo cantaria, porque aí poderia defender-se que a principal legitimidade e principal obediência de cada deputado seria com os eleitores do seu círculo e não com os dirigentes do seu partido. Sendo a lei eleitoral como é, um grupo parlamentar é uma extensão natural da política partidária e não vale a pena que quem pontualmente discorda do seu líder venha agora apelar ao putativo respeito pela vontade dos seus eleitores. Que neste caso de mera organização interna partidária nem sequer podem ou devem ser chamados à colação.

    Um grupo parlamentar não é um grupo excursionista em que qualquer pessoa pode de repente ter uma dor de barriga e queixar-se de que não gosta de sopa de nabos. Lembrando que pagou um seguro de acidentes pessoais ou um pacote que anunciava uma sopa de grelos. Se o dr. Rui Rio sonha em se impor ao PS e à "geringonça", tem de começar por esse trabalho de casa que é pôr com dono o seu grupo parlamentar. Não lhe invejo a tarefa.

    * EMPRESÁRIO