05 Junho 2018
Ana Pimentel
Ross Bailey foi rejeitado por centenas de investidores até ser ele a escolher quem queria na Appear Here, um Airbnb para lojas pop-up. "Dissemos 'não', porque não gostávamos das pessoas", conta.
- “Deixei a escola aos 16 anos, sempre andei por aí a fazer coisas”
- “Tenho tentado que o medo não tome muitas decisões por mim”
- “Preferia nem sequer fazer isto a ter de fazê-lo com as pessoas erradas”
- “Estou a chegar a um ponto em que não tenho tempo suficiente”
Em 2012, Ross Bailey escolheu algumas fotografias da rainha Isabel II, editou-as com o icónico raio do starman David Bowie, imprimiu-as em t-shirts e pô-las à venda. A Rock & Rule, marca que lançou apenas para as comemorações do 60º aniversário de Sua Majestade, teve tanto sucesso que foi banida rapidamente pelo Palácio de Buckingham. A “Lizzy Stardust”, como lhe chamou, podia ter sido apenas uma diversão do britânico de 20 anos, mas quis a persistência e a vontade que sempre teve de “fazer coisas” que se transformasse num novo conceito de negócio: uma plataforma que permitisse às pessoas arrendar uma loja vazia como quem arrenda um quarto no Airbnb.
O mote para o lançamento da Appear Here esteve na dificuldade que Ross Bailey sentiu quando quis arrendar uma loja no centro de Londres, durante uma semana, e percebeu que não era possível. Valeu-lhe o dono de um estabelecimento em Soho que acabou por lhe emprestar o espaço. Centenas de investidores depois, conseguiu que alguém lhe emprestasse dinheiro para pôr a plataforma de arrendamento de curta duração para lojas pop-up a funcionar. A seguir, não faltou quem quisesse investir na ideia de Ross, mas o jovem de 21 anos sabia bem o que queria: “Preferia nem sequer fazer isto a ter de fazê-lo com as pessoas erradas” e, desta vez, foi ele que disse “não” a investidores.
Hoje, dez anos depois de Ross Bailey ter deixado a escola, a Appear Here soma cerca de 18 milhões de euros (21 milhões de dólares) em investimento, emprega 80 pessoas e contabiliza 150 marcas que recorreram à plataforma para arrendar espaços, incluindo a Nike, a Apple, a Marc Jacobs, a Google e a Converse. O modelo de negócio da startup passa pela fatia de 15% que é cobrada ao senhorio em cada reserva e sobre a faturação, não foram adiantados valores. Desde que foi lançada, a Appear Here ajudou a concretizar cinco mil contratos de arrendamento e expandiu-se para Nova Iorque e Paris. Lisboa ainda é só uma ideia, mas na conversa que teve com o Observador na Second Home, deixou claro, pelo menos, uma coisa: não há-de ser o medo que o vai impedir de fazer o que quer que seja.
“Deixei a escola aos 16 anos, sempre andei por aí a fazer coisas”
Como é que a Appear Here começou?
Foi no dia do Queen’s Diamond Jubilee, uma coisa antiquada que temos que serve para celebrar o reinado da rainha. Mas estava muito entusiasmado com este momento nacional. Estávamos no verão de 2012, Londres estava a ferver, com os Jogos Olímpicos quase a acontecer. Londres era o sítio onde se devia estar e achei que podia arrendar uma pequena loja, em Soho, só para esta semana, enquanto aconteciam as celebrações. Queria ter uma loja, não para vender as típicas recordações dos turistas, mas coisas mesmo fixes. Por isso, agarrei em imagens da rainha e pus-lhes alusões a David Bowie, o que fez com que ficassem mesmo fixes. E criei a marca Rock and Rule. Primeiro, achei que era possível arrendar a loja só por uma semana, mas descobri que era um pesadelo, que não era possível, que as lojas pop-up, na verdade, não existiam. Era um rapaz de 19, 20 anos na altura, não fazia sequer ideia que as licenças de longo prazo existiam. Achei que era possível reservar uma loja como se reserva um quarto de hotel. Era ingénuo a este ponto. Mas lá consegui convencer um homem a emprestar-me a sua loja por uma semana. Abri a loja, criei a marca e foi um sucesso tremendo. Alguns dias depois, foi banida pelo Buckingham Palace, o que significou que as pessoas ficaram ainda mais curiosas com a marca. Quando a loja fechou, de repente pensei: “Espera lá, criei estas t-shirts, vendi uma grande quantidade…”
Vendeu alguma online?
Não. Nós tentámos, mas não vendemos nada, vendemos todas na loja. E então pensei: “Espera lá um bocado, se não tivesse arrendado esta loja, não teria conseguido vender nada. Então, porque é que toda a gente está a dizer que as ruas estão a morrer e que há lojas vazias, se afinal ninguém consegue arrendá-las por um curto período?”. Isso foi a faísca da ideia, a ingenuidade começou a desaparecer para fazer alguma coisa por mim próprio.
"Não acho que haja um caminho certo e outro errado, não é isso. Só queria sair e fazer as coisas por mim próprio. Tive sorte, porque entrei num concurso televisivo."
Estava a trabalhar ou a estudar?
Deixei a escola aos 16 anos, sempre andei por aí a fazer coisas. Queria começar a trabalhar, tinha uma empresa de eventos e sentia que podia aprender mais… Não sei, acho que sentia apenas que precisava de sair e de fazer coisas, que não queria passar os próximos anos na universidade. Não acho que haja um caminho certo e outro errado, não é isso. Só queria sair e fazer as coisas por mim próprio. Tive sorte, porque entrei num concurso televisivo, o Dragons’ Den, e um dos tipos principais criou uma escola de negócios e escolheu 20 estudantes, entre milhares de candidaturas, para aprender sobre negócios, durante seis meses. Fiz isso durante seis meses e aprendi mais. Não tínhamos professores, éramos ensinados por pessoas do mundo dos negócios. E acho que decidi que queria fazer o mesmo. Uns anos mais tarde, estava a trabalhar em Londres e fui para uma escola de publicidade, que não era tradicional, também era com pessoas da indústria. E foi aí que decidi que ia abrir esta loja. No final, tive a ideia da Appear Here.
Fiz isto por mim próprio. Pensei: “Porque é que as outras pessoas não podem fazer isto?”. E percebi que não havia forma, quanto mais percebia sobre imobiliário, mais percebia que todo o sistema era antiquado, tinha passado de moda. No ano em que nasci, em 1992, a média dos contratos de arrendamento durava 20 anos, agora dura menos de cinco anos. A forma como arrendamos lojas não mudou, mas, ao mesmo tempo, o Airbnb e todos estes negócios começaram a aparecer. Então, e se pegássemos em toda a ideia do Airbnb e alugássemos uma loja vazia em vez de um quarto vazio? Acreditava que a Internet, tão maravilhosa como é e com o maravilhoso que era para nós estarmos a construir uma empresa tecnológica, nunca substituiria o que é andarmos pelas ruas, a beber cafés, olhar para pessoas bonitas e a ir a lojas bonitas. A razão para as lojas estarem vazias não se devia à falta de procura, mas ao modelo de imobiliário que tinha mudado. Passei cerca de um ano a tentar entender isto. E isso transformou-se na Appear Here.
É um negócio offline e é interessante ver como conseguiu transformar um negócio que se julgava morto num sucesso. Por que diz que era ingénuo?
Não fazia ideia que os contratos de arrendamento eram de cinco anos, de 10 anos. Procurava por lojas no Google e não aparecia nada. Andava pelas ruas e assumia que qualquer um podia arrendar as lojas, não sabia que era preciso comprometeres-te durante tanto tempo, ter tanto dinheiro no banco para o senhorio ter confiança em ti. Era esta a minha ingenuidade. Não conhecia ninguém no mercado imobiliário.
"Conheci centenas de investidores e tive centenas de 'não'. Mas depois houve alguém que disse: 'Ok, vou dar-te uma hipótese."
“Tenho tentado que o medo não tome muitas decisões por mim”
Como conseguiu o “sim” dos investidores?
Conheci centenas de investidores e tive centenas de “não”. Mas depois houve alguém que disse: “Ok, vou dar-te uma hipótese”. Seis meses depois, assinámos esse investimento e logo depois houve uma série de investidores que quiseram envolver-se.
Qual foi o primeiro investimento?
Foi uma quantia muito pequena de um empreendedor em Londres. Agora, já captámos mais de 21 milhões e temos cerca de 150 mil marcas na plataforma. Arrendamos mais lojas do que qualquer outra agência em Londres e estamos em segundo em Paris e em Nova Iorque.
Emprega mais de 60 pessoas.
Mais. Globalmente somos cerca de oitenta.
Como foi este processo?
Durante uns dois anos, éramos só umas cinco ou seis pessoas. Depois, éramos 30 e agora… Quando passámos de cinco para 20 foi um grande salto. De 20 para 40, foi outro salto, mas tens de esquecer as coisas que aprendeste com essa equipa e começar de novo. É uma curva de constante aprendizagem, estamos constantemente a aprender sobre as coisas em que não somos tão bons e aquelas em que podemos trabalhar. E, ao mesmo tempo, mantém-se interessante porque estás sempre a aprender e a recomeçar.
De que é que tem tido medo?
Tenho tentado que o medo não tome muitas decisões por mim. Não tenho um medo muito grande de as coisas correrem mal, mas acho que tenho um medo fundamental de falhar, como qualquer outra pessoa. Mas não dos pequenos falhanços, porque acho que é preciso falhar para ter sucesso. O que te faz levantar de manhã e te permite continuar é quereres construir a visão que tens. Os meus maiores medos são provavelmente… Será que enquanto cresces, as pessoas vão preocupar-se como as primeiras se preocuparam? E há este medo também de as pessoas saírem e continuarem. À medida que cresces, percebes que toda a gente… Se constróis uma cultura, constróis uma marca dentro de uma missão e valores. As pessoas podem mudar e ser transeuntes e a marca continua na mesma.
Que valores escolheu para a Appear Here?
Nós somos obcecados com a qualidade e design. Achamos que sermos bons não é suficiente, queremos criar coisas que façam as pessoas dizer “uau”. Enquanto negócio, também acreditamos muito na ideia, as ideias que temos internamente e as ideia que tornamos realidade. Somos obcecados com a jornada que qualquer indivíduo tem de fazer, quer trabalhes numa grande marca, quer sejas uma pessoa pequena que está a criar o seu negócio. Queremos fazer tudo o que podemos internamente para ajudar as pessoas a realizarem as suas ideias. Um dos nossos grandes valores também é é “não estarmos com tretas”. O que queremos dizer com isto é que gostamos de pessoas que são honestas, francas, que não tentam sobrecomplicar as coisas. Acreditamos que, se fores bom no que fazes, podes fazê-lo de forma simples. E, normalmente, quando é complexo para ti, é porque vai ser complexo para as outras pessoas. Gostamos de pessoas que são francas e honestas.
O que é que gostava de ter feito diferente?
Acho que cometi vários erros na contratação de pessoas. A equipa é a coisa mais importante. Sempre acreditei em construir uma cultura incrível, mas acho que houve algumas decisões em relação a pessoas na equipa que não correram bem. Demorei muito tempo a tentar que elas funcionassem, mas a verdade é que o instinto está sempre certo e as pessoas que não resultaram, soube desde a primeira semana que elas não iam resultar e gostava de ter tomado essas decisões mais cedo. Para mim, e para o indivíduo, porque só temos uma vida para viver, certo? Acho que, às vezes, muitas vezes, está lá a ideia, está lá o plano de execução, mas temos as pessoas erradas nos lugares errados.
Como lidou com o medo de falhar?
É engraçado, sou uma daquelas pessoas… Não sei se isto é uma coisa natural ou algo que desenvolvi, mas sou muito mau a olhar para trás e a pensar no falhanço. Acontece assim: alguém pergunta-me “lembras-te quando isto aconteceu?” e eu vou estar do tipo… Não digo isto, porque acho que seja a coisa certa a fazer, digo isto porque é o que me acontece a nível pessoal e profissional. No momento, as coisas podem estar na mó de baixo ou de cima, mas quando olho para trás, sou daquelas pessoas que se lembra das coisas com vividos detalhes, mas que nem sempre se lembra das coisas más. E acho que isso nos permite continuar. O que não podes fazer é deixar o falhanço, deves abraçá-lo sem medo. Se precisas de ser emocional em relação a isso, tudo bem. Mas depois segue em frente. Acho que muitas pessoas passam muito tempo a olhar para trás. Se alguém estiver numa reunião comigo ou numa situação em que falham e ficam tristes ou chateados, não as julgo muito naquele momento. Acho que deves deixar sentir o que estás a sentir. Se falhares, segue em frente. Aprende, segue em frente, porque todos nós passamos por situações que são más. O medo acontece quando olhas para trás. O que precisas de lembrar é que, se foste capaz de olhar para trás, então percebes que passaste por aquilo e que seguiste em frente.
"Acho que o sucesso depende de muitos fatores. Mas acho que o falhanço depende, sem dúvida, das pessoas, porque o sucesso precisa de uma grande ideia, de um grande plano, de dinheiro, tudo isso. Mas podes ter dinheiro e uma grande ideia, que, se tiveres a equipa errada, não vai acontecer."
“Preferia nem sequer fazer isto a ter de fazê-lo com as pessoas erradas”
Começou com pouco dinheiro, mas depois chegou a grandes nomes do investimento. Como conseguiu convencê-los?
Conseguir dinheiro de alguém não é difícil, mas consegui-lo de pessoas que partilham dos teus valores, da tua visão, de alguém que respeitas, é diferente. Fomos seletivos nas pessoas com quem decidimos fazer isto. Houve vezes em que dissemos “não”, porque não gostávamos das pessoas. E as pessoas ficaram do tipo “o que estás a fazer?”. Houve uma vez em que tivemos uma pessoa que queria investir em nós, mas quando estávamos a tratar do contrato, percebi que não era muito boa pessoa. Aí, disse que já não íamos avançar. Com o decorrer do tempo, as pessoas diziam-nos: “Vocês são uma startup com cinco pessoas e têm quatro meses de dinheiro. O que é que vão fazer? Porque é que disseram que não?” e eu lembro-me que preferia nem sequer fazer isto a ter de fazê-lo com as pessoas erradas.
O que são “pessoas erradas”?
Pessoalmente, acredito que todas as coisas positivas têm um lado negativo. Se tiver pessoas ambiciosas, que avançam depressa e são criativas, há coisas que vou adorar nelas. O lado negativo é que, provavelmente, vão ser exigentes e que não conseguem manter-se quietos. Todo o lado positivo tem um lado negativo. Aquilo que não gosto é mesmo de pessoas desonestas e desleais, acho que são a minha obsessão. Aquilo que mais respeito nas pessoas é a transparência. Prefiro alguém que não seja simpático comigo ou que discorde comigo do que pessoas que concordam comigo, mas que não são completamente honestas.
A chave para o sucesso está nas pessoas, então?
Acho que o sucesso depende de muitos fatores. Mas acho que o falhanço depende, sem dúvida, das pessoas, porque o sucesso precisa de uma grande ideia, de um grande plano, de dinheiro, tudo isso. Mas podes ter dinheiro e uma grande ideia, que, se tiveres a equipa errada, não vai acontecer, vais precisar destas coisas para colidir. Mas se não tiveres dinheiro, uma grande ideia ou execução, mas tiveres pessoas fantásticas que podem trabalhar juntas, então vais conseguir algo com sucesso. O problema são as pessoas. Se nos maus momentos tiveres uma equipa em que podes confiar, então vais ter sucesso. Isto acontece com a equipa e com os investidores.
Quem é que o inspira? Quem é que é um exemplo a seguir?
Tenho pessoas que me inspiram para coisas diferentes… Parece incrivelmente arrogante dizer isto em voz alta, mas muitas vezes, quando penso no futuro, penso em quem quero ser. E acho que quando pensas nesse teu eu, quando tomas uma má decisão, te perguntas se é essa a pessoa que eu queres ser quando fores mais velho. Acho que os exemplos das pessoas deviam ser as pessoas que elas querem ser daqui a 20 ou a 30 anos.
Em termos de pessoas hoje, sou obcecado com o Tom Ford. Acho que ele é incrível. Recusa-se a não estar no controlo das coisas, tudo aquilo em que ele toca é tão bonito. Vendeu as suas empresas por mil milhões e depois criou a sua própria marca, conseguiu outra vez. Respeito mesmo muito uma pessoa como ele. Por outro lado, também adoro o Richard Curtis, o realizador britânico, porque ele é um tremendo sucesso e conseguiu gerar quase dois mil milhões de libras para a caridade. Consegues ver que essa é uma das coisas que ele mais se orgulha e ele fez isso através de uma campanha maravilhosa, que tocou às pessoas, e não de doações.
Acho que alguém como o Obama é um grande exemplo, porque quando olhamos para a maioria dos políticos, muitas vezes vemos que eles tomam más decisões e sei que Obama também as tomou, mas foi um fantástico orador que, mesmo nas más decisões, conseguiu explicar o que genuinamente achava e tinha valores que não comprometia.
O que pensa sobre todas estas notícias que têm denunciado a broculture [cultura predominante masculina] de Silicon Valley e a agressividade de alguns líderes de empresas tecnológicas?
Há duas coisas aqui. Sobre estes líderes agressivos, acho que temos de ter cuidado. Quer estejamos a falar de Steve Jobs, Walt Disney ou de Tom Ford. Todas estas pessoas têm reputação de, às vezes, perderem a calma ou de ficarem frustrados. E a verdade é que voltamos àquela crença fundamental de que todo o positivo tem um negativo. Se és alguém incrivelmente focado, respeitas as pessoas e queres ver as pessoas a terem sucesso então se vês pessoas e vês essas pessoas a não desempenharem as suas funções tão bem quanto poderiam estar, então vais ficar frustrado. E, aí, podes dizer que algumas pessoas conseguem fazer isto sem se sentirem frustrados, o que é bom para elas, mas as outras pessoas chateiam-se.
Quero trabalhar com pessoas que têm paixão e se há alguém que está numa sala de reuniões, a gritar comigo por causa daquilo em que acredita, desde que esteja pronto para ter alguém a discordar dela, não vou querer trocar isso por alguém que se senta lá e se comporta perfeitamente. A vida seria chata e gosto de sentir e testemunhar emoções reais, em vez de reações passivas de como as pessoas se devem comportar. Por outro lado, há agressões que não têm lugar em lado nenhum. Quando ouves notícias como as que causaram o movimento #metoo, essas coisas não podem acontecer a ninguém e ficam numa caixa completamente diferente.
"Se és agressivo porque acreditas na tua visão, como acontecia com Steve Jobs... Agora, se ele podia ter sido uma pessoa melhor? Claro que podia, mas o não o julgo como quando ouço histórias de pessoas que fizeram escolhas puramente baseadas na ganância."
Quero trabalhar com criativos e as pessoas criativas têm estas tendências. Não vamos tentar mudar isso, mas vamos assegurar-nos que toda a gente trata toda a gente como se trata a si próprio. Não gosto da agressividade de quem faz alguma coisa apenas por si. Dessa agressividade, não gosto. Mas se és agressivo porque acreditas na tua visão, como acontecia com Steve Jobs… Agora, se ele podia ter sido uma pessoa melhor? Claro que podia, mas o não o julgo como quando ouço histórias de pessoas que fizeram escolhas puramente baseadas na ganância.
Em termos da broculture, é preciso ter cuidado, sobretudo em Silicon Valley. A maioria das empresas não tem diversidade suficiente, não vemos mulheres suficientes e raramente vemos alguém de cor ou com uma etnia diferente. Acho que todos nós precisamos de nos perguntar a nós próprios que tipo de mundo é este em que vivemos. Como presidente de uma empresa tens capacidade de influenciar isto ao decidires que empresa queres construir. Quando olhamos para a sala, dizemos que estas pessoas têm todas backgrounds diferentes, raças, todos acreditam numa coisa partilhada. E acho que há muitas pessoas no vale da tecnologia que falam muito liberalmente de como estas coisas que estão a fazer mudam o mundo. E, ainda assim, entram no escritório deles e vê-se uma série de posters brancos. Seria bom ver isso misturado um bocadinho.
“Estou a chegar a um ponto em que não tenho tempo suficiente”
Onde é que gostava de estar daqui a cinco anos?
Passei tanto tempo em tantas empresas tecnológicas. Tive a sorte de ir aos escritórios do Airbnb e de conhecer o Brian [nte do Airbnb], ele é mesmo muito focado na sua missão e acredita verdadeiramente que o Airbnb pode tornar o mundo melhor. Há uma energia tão amorosa no escritório que, se fosse capaz de entrar no nosso escritório e ele fosse diferente, mas tivesse estas pessoas todas a acreditar na missão com uma energia tão incrível, isso seria um futuro excitante.
"Não gosto de estar em situações em que as pessoas falam sobre pessoas, sempre gostei de pessoas que falavam sobre ideias e sempre quis encontrar uma forma de estar rodeado de pessoas."
Qual seria a exit (saída da esfera dos acionistas) perfeita para a Appear Here?
Não penso nisso muitas vezes, porque o que me deixa mais entusiasmado é o dia em que conseguir sair de um avião, chegar aqui a Lisboa, descer as ruas que desci hoje, ver boutiques pequenas completamente maravilhosas e saber que elas estão aqui por causa da Appear Here. Ou ver um parisiense que tem um café aqui na cidade, porque adorou fazer isso acontecer em Paris e decidiu fazer o mesmo em Lisboa. E adoraria aterrar em Paris e ver o mesmo. E em Marrocos. Nessa altura, essa seria a minha saída perfeita.
Podemos ver a Appear Here em Portugal, em breve?
Adoraria. Hoje, andei na rua e vi que havia tanto potencial. Vocês têm uma arquitetura linda, com pessoas muito criativas. Acho que há sítios maravilhosos para serem visitados, mas que podem existir tantos mais. Adoraria ver isto.
Quais vão ser os próximos passos?
Acho que o retalho está muito aborrecido, de momento e que está a caminhar para um sítio muito estranho. Acho que gostaria que a Appear Here fosse pivô nessa mudança. Quero que façamos parte de alguns dos destinos mais incríveis do mundo e agora é nosso trabalho descobrir como vamos consegui-lo.
Foi sempre isto que quis fazer?
Nunca tive um trabalho por conta de outrem. Sempre trabalhei e sempre pensei em ideias, desde que era miúdo… Fui DJ, trabalhei a passear cães ou tinha amigos que passeavam cães. E acho que sempre soube que queria construir coisas, que me aborrecia muito facilmente e que queria ter os meus amigos envolvidos. Sou um bocado competitivo, por isso, sempre quis ser maior e melhor no dia a seguir e foi sempre essa a única razão que me levou a fazer isto. A minha mãe é da Jamaica, o meu pai é de Londres e eles têm um pequeno cabeleireiro, são de uma classe muito trabalhadora e eu só queria ser capaz de viajar e trabalhar com pessoas maravilhosas. Não gosto de estar em situações em que as pessoas falam sobre pessoas, sempre gostei de pessoas que falavam sobre ideias e sempre quis encontrar uma forma de estar rodeado de pessoas.
"Há muitas pessoas a esperar muito tempo para terem o plano perfeito, mas a verdade é que não interessa qual é o plano. Percebes que as melhores lições são aquelas que aprendes enquanto as fazes."
Quando disse em casa que queria desistir da escola, como é que os seus pais reagiram?
Tive muita sorte. O meu pai e a minha mãe são duas das pessoas que mais me apoiaram, não interessava o que fazia, desde que estivesse feliz e o fizesse bem. Se eu fizesse o meu trabalho, desde que o fizesse bem, trabalhasse muito e o apreciasse, acho que eles ficavam felizes.
Tem 26 anos, lidera 80 pessoas. O que é que é mais difícil?
Como testemunhaste, ter tempo suficiente para toda a gente. Preciso de ser melhor… estou a chegar a um ponto em que não tenho tempo suficiente. Acho que tudo se trata de tempo.
Que conselhos dá aos empreendedores portugueses?
Ainda estou no início do meu caminho, mas a melhor lição que posso dar é a de que nunca façam uma coisa apenas para receber uma palmada nas costas. Porque quando lideras uma empresa, nos dias em que ganhas uma coisa, nos teus melhores dias e nos teus piores dias, não podes esperar que alguém te diga que fizeste um bom trabalho, porque quando o fazes, fazes por causa da equipa e quando não o fazes, recai em ti de qualquer forma. Não faças as coisas para receberes uma palmada nas costas. Depois, há muitas pessoas a esperar muito tempo para terem o plano perfeito, mas a verdade é que não interessa qual é o plano. Percebes que as melhores lições são aquelas que aprendes enquanto as fazes. A terceira coisa é que não vale a pena complicar as coisas. Há muitas pessoas para quem tudo é complexo, todos os negócios são complexos. As pessoas que mais respeito e admiro construíram negócios incríveis e têm esta capacidade de fazer as coisas de uma forma tão simples. Às vezes, é uma coisa estupidamente simples. E depois há esta obsessão com o cliente e acho que se há esta obsessão, então tens de fazer as coisas de uma forma muito simples. Não o faças para receber uma palmada nas costas, faz porque acreditas nelas e mantém-nas simples.
Texto de Ana Pimentel, fotografia de André Carrilho.