Nicolau Santos |
As carpideiras estão inconsoláveis. Perante as surpreendentes subida do PIB e descida do défice arrepelam-se, rasgam as vestes, batem com os punhos no peito e clamam: só há crescimento porque o Governo mudou de estratégia; o défice só se reduz porque o Governo cortou fortemente na despesa; as projeções para 2017 são realistas e podem vir a concretizar-se — mas a partir de 2018 tudo voltará a ser pior. Enfim, as carpideiras sentem-se enganadas. Se o Governo tivesse feito tudo o que elas achavam que iria fazer — aumentar impostos e apostar no consumo privado — o país estaria à beira de pedir um novo resgate e o cheiro a enxofre já se sentiria por toda a parte.
Mas Mário Centeno não fez o que esperavam. Alterou a composição das políticas mas manteve o rumo no sentido de cumprir os compromissos europeus. Resistiu quando era evidente o preconceito ideológico e a má vontade do Eurogrupo, do seu presidente Jeroen Dijsselbloem, do ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, e do vice-presidente da Comissão Europeia com as pastas do euro e da estabilidade financeira, Valdis Dombrovskis. Teve também de arcar com as sucessivas análises da Comissão Europeia, do FMI, do Banco Mundial e do Conselho das Finanças Públicas bem mais pessimistas que as do Governo.
As carpideiras sentem-se enganadas. Se o Governo tivesse feito o que esperavam, o país estaria à beira de pedir um novo resgate e o cheiro a enxofre seria insuportável
Esta semana, contudo, FMI e Conselho das Finanças Públicas (CFP) vieram dar a mão à palmatória, corrigindo as suas estimativas de crescimento para este ano para 1,7%, apenas uma décima a menos do que a previsão do Governo (1,8%) — com o CFP a considerar mesmo que o cenário macroeconómico do Programa de Estabilidade para 2017-2021 “apresenta uma composição do crescimento assente no dinamismo do investimento e das exportações que (...) se afigura como a mais adequada para a sustentabilidade do crescimento da economia portuguesa”. Por seu turno, a agência de notação financeira Standard & Poor’s veio admitir na semana passada que pode vir a melhorar a nota de Portugal (atualmente em BB+, nível de não investimento ou ‘lixo’) caso venha a “baixar o volume do crédito malparado” dos bancos e se “o crescimento económico for melhor do que o esperado”. E o o banco alemão Commerzbank, que tem sido muito crítico em relação a Portugal, veio admitir que a agência canadiana DBRS pode mudar para “positivo” o rating da República com base nas notícias “encorajadoras” sobre a descida do défice acima do esperado, o crescimento económico e os avanços na reestruturação do sector bancário.
Junte-se a isso o facto de o Tesouro português ter emitido na quarta-feira dívida às taxas mais baixas do ano; e de a dívida portuguesa a 10 anos que há um mês estava nos 4,2% estar agora nos 3,76% — e ficamos com a certeza que Mário Centeno tem cada vez mais motivos para sorrir e as carpideiras cada vez mais motivos para chorar.
Ovar, 24 de abril de 2017
Álvaro Teixeira