Translate

Mostrar mensagens com a etiqueta esquerda. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta esquerda. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

O CHARME INDISCRETO

Estátua de Sal


por estatuadesal

(Rui Namorado, in Blog O Grande Zoo, 18/10/2017)

discreto

1) Há vozes de direita trauliteiras e há vozes de direita meigas. Há vozes de direita que vociferam sempre e há vozes de direita que são hábeis nas tocaias, só atacando quando acham oportuno. Há vozes de direita que explodem ao vermelho e há vozes de direita que nunca perdem a calma.

Há vozes de direita que atacam sempre e há vozes de direita que só atacam quando nos vêem frágeis. Há vozes de direita que atacam todas as esquerdas e há vozes de direita que atacam a parte das esquerdas que em cada momento lhes convém. Há vozes de direita que não disfarçam a sua acrimónia quanto à esquerda e há vozes de direita que batem nas costas das esquerdas com a subtileza de quem procura o lugar onde um dia cravarão o punhal.

Da direita, seja ela trauliteira ou subtil, não se espere lisura e lealdade no combate político. Da direita, seja ela trovejante ou melíflua, não se espere uma distinção entre as esquerdas, quando as puder ferir seriamente. Para todas as direitas, a esquerda enquanto alvo está sempre unida.

2) Disto as esquerdas nunca se devem esquecer. As suas diferenças, se forem autênticas e não destruírem a casa comum, são uma virtude e uma respiração natural. Repito: se tiverem sempre em conta que são um alvo comum para todas as direitas, sejam elas brutais ou melífluas.

E que nenhuma das esquerdas se esqueça que, por mais mansa que pareça, qualquer direita, pela sua própria natureza, sempre que puder cravará a faca nas costas de qualquer das esquerdas.

3) Muitos de nós podem ainda  lembrar-se de como era, quando a direita autoritária ocupava o poder sem freios, quando havia um poder não democrático em Portugal .

E se nem todas as direitas são iguais, todas cabem numa mesma palavra. Todas têm no seu código genético como desígnios, a conservação da desigualdade, a relativização da liberdade, a subalternização de facto das pessoas às coisas, do trabalho ao capital. Todas vivem com base no pressuposto de que as esquerdas são um empecilho ao paraíso dos privilégios. E só não afastam esse empecilho se não puderem.

4) Em prol do mundo que almejam, o combate político das esquerdas deve ser sempre leal e democrático. Mas isso não significa que possa assentar na ilusão de que a direita adopta uma posição simétrica. A direita política é a formalização dos poderes de facto no tipo de sociedade  em que vivemos. Só encara o futuro para o confiscar, de modo a torná-lo um espelho cada vez mais pobre do presente.

Assim, no mundo em que vivemos a esquerda tem sobre a direita uma superioridade trágica, que está longe de ser evidente, mas que se reforça dia a dia. Na verdade, se a direita através do uso das suas vastas alavancas de poder conseguisse destruir as esquerdas no mundo, reduzindo a nada qualquer resistência ao capitalismo neoliberal, pouco tempo teria para celebrar a sua imaginária vitória. Apenas teria passado a certidão de óbito, não à esquerda, mas à própria civilização humana e no limite à existência da própria espécie humana. No mundo de hoje,  o drama é pungente. E se cada país tem uma história própria, ela  no essencial não difere de todas as outras. Principalmente, não está imune a todas as outras.

Por isso, devemos ter sempre presente, em analogia com a célebre metáfora  do leve bater de asas de uma borboleta na China que inundaria o mundo de imensas tempestades, que em política por vezes uma pequena pulhice, mesmo envernizada, pode causar grandes tempestades. Tem um risco para o seu subtil autor: qualquer tempestade leva sempre tudo à sua frente. Sem distinções.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

A esquerda e a mulher

Estátua de Sal


por estatuadesal

(Carlos Esperança, in Facebook, 18/10/2017)

mulher2

Surpreende como a Humanidade progrediu tanto, renunciando a metade de si própria, ao longo de milénios. Há quanto tempo poderia ter chegado onde se encontra, e como seria se a igualdade de género fosse, desde o início, um axioma?

Que raio de preconceito, que as várias religiões assimilaram, terá convencido uns brutos da pré-história de que a sua força física lhes permitia a prepotência sobre o sexo que os complementava e lhes assegurou a perpetuação da espécie?

Como é possível, ainda hoje, haver quem, nascido de pai e mãe, e tendo procriado filhos e filhas, reclame superioridade e admita discriminar progenitores ou descendentes, em função do sexo?

Sendo as coisas o que são e a evolução o que é, a mulher tem de ser muito melhor para poder competir com o homem. Foi talvez o estigma ancestral que a fez triunfar, pelo sacrifício e obstinação, em campos que o macho julgava privilégio seu. Foi assim que, da filosofia à ciência, da literatura à matemática, da política às artes, surgiu uma plêiade de mulheres que participam no avanço da Humanidade.

Longe de estar atingida ou consolidada a igualdade de género, parece irreversível, mas é útil a vigilância porque nada é eterno, e é mais fácil o retrocesso do que a progressão.

E por que raio havia de referir a mulher e a sua condição quando a intenção era falar da esquerda?

Bem, a esquerda é, na política, a mulher. Precisa de ser muito melhor do que a direita se pretender impor-se. Deve-se à esquerda o Renascimento, o Liberalismo, o Iluminismo, a República, a Laicidade e a Democracia, e é a direita que regressa sempre ao poder.A direita é o macho tosco, que alicia trânsfugas, compra corruptos, avassala os meios de produção, submete os órgãos de comunicação e exerce a força. Tal como os camaleões, adapta-se ao ambiente e regressa ao poder depois de cada Revolução que a derruba.

Foram os progressistas que lutaram pelos Direitos Humanos, aboliram o esclavagismo e impuseram o ensino público para homens e mulheres, moldando a civilização europeia, mas são os herdeiros do fascismo, reciclados ou não, que ressurgem na Europa.

Em Portugal, são os herdeiros dos colonialistas, os ressentidos de Abril e os nostálgicos do salazarismo que, a cada tropeção da esquerda, real ou imaginário, reclamam o poder que julgam seu por um qualquer direito divino.

A esquerda tem de ser, na eficácia, generosidade e abnegação, a mulher que se impõe. pela superioridade ética e eficiência política, na vitória da inteligência contra a força. São delas a sabedoria, a força e a beleza de que o progresso e a justiça social carecem.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

O regresso do cavaco-vivo

30/08/2017 por António Fernando Nabais



A universidade de Verão de Castelo de Vide está para o Ensino Superior como as notas do Monopólio estão para o dinheiro, o que quer dizer que as aulas que ali decorrem não são, portanto, aulas, concluindo-se, portanto, que os docentes não são professores e que os alunos, portanto, os alunos, dizia eu, não estão ali para aprender. Pronto, confesso: é um rodízio de comícios.
Cavaco Silva foi um dos “professores” convidados e, de modo coerente, confirmou aquilo que de pior tem em si, que é, afinal, o melhor que pode dar ao mundo. O político que fingiu, durante anos, não ser político deu mais uma lição de vacuidade, o que, afinal, faz sentido na universidade de Verão de Castelo de Vide.
Cavaco regozijou-se com a perda de pio do socialismo e criticou, mais uma vez, um alegado anti-europeísmo , o que confirma o primarismo clubístico que está no cerne na sua visão do mundo, feita de ódios e nunca de análises, por muito que ponha um ar professoral.
Interessa-me, apesar de tudo, realçar, no cavacal discurso, a oposição entre realidade e ideologia. Para Cavaco, a ideologia é uma coisa má, insensata, especialmente se socialista (fica-se, até, com a impressão de que a ideologia só existe à esquerda, porque a direita é tão virtuosa que só pode ser realista). A esquerda, intoxicada de ideologia, acaba, segundo Cavaco, por ser contrariada pela realidade e a realidade só pode ser governada à direita, levando a que o socialismo perca, assim, o pio.
No entanto, é a ideologia defendida por Cavaco que dá cabo da realidade, da realidade dos cidadãos, dos trabalhadores, dos desfavorecidos. No fundo, a ideologia de Cavaco resume-se de maneira muito simples: o mundo, os países ou o Estado existem para servir as multinacionais e os grandes grupos financeiros, o que deve levar a que, entre outros aspectos, os direitos laborais ou os salários sejam sacrificados em nome de outros deuses. Cavaco é, naturalmente, um entre muitos, como Luís Montenegro ou Pires de Lima: as pessoas são preocupações menores das ideologias; a realidade dispensa pessoas.
Saúdo e saudarei sempre os reaparecimentos de Cavaco, porque é importante não esquecer quem contribuiu para a ruína dos portugueses, o que, de resto, lhe é indiferente, porque está convencido de que salvou o país. Não deixa de ser ridículo, mesmo que o riso seja amargo.

Fonte: Aventar

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Autopsicografia de um homem de esquerda

João Valentim André
A pergunta ressoa no mais fundo do corpo ético do homem de esquerda: “como posso eu aceitar, sem forçar todo o meu ser à dissolução, que a sociedade de que participo condene mil homens à pobreza para que possa criar um que seja rico?”
A pergunta é labiríntica. A resposta reside no seu centro mental, um ponto cósmico, guardada por um temível animal mítico. Mas uma vez chegado a esse centro, não tem, o homem de esquerda, como evitar o confronto. E ele dá-se precisamente no lugar do eixo, no axis mundi, na base da árvore da vida pela qual se ascende à resposta.
Para que o mistério não viesse a ser simplesmente um maneirismo literário, o demiurgo achou por bem fazer depender a vitória sobre a besta mítica da resposta a uma outra pergunta: desses mil homens condenados à pobreza, quantos não sacrificariam outros cem mil ao mesmo mísero destino para que a fortuna lhes sorrisse a eles?
Se o homem de esquerda responder “Nenhum”, restar-lhe-á a esperança na doce Ariadne. Fugirá do Minotauro pelo fio e uma vez livre da encruzilhada reformulará a primeira pergunta, a tal que ressoa no mais fundo do seu corpo ético. Descobrirá, talvez, que é ele próprio o obstáculo à sua iluminação, pois que fantasia na humanidade a condição dos deuses e não compreende que essa ética que reclama como sua matriz e que sonha estender a toda a humanidade, não é mais do que uma grosseira arrogância perante a sua própria natureza, que claramente desconhece. Mais ainda, é uma incompreensão pueril da verdade, da justiça e da misericórdia actuantes nos três mundos: o humano, o natural e o divino.
O homem de esquerda sente, por exemplo, uma infinita compaixão pelos cães. Ama-os por vezes mais do que aos seus próprios semelhantes, mas nada o preocupa a miríade de bactérias que sacrifica em cada respiração. Nem atenta sequer que essa mesma respiração representa, com todo o esplendor, a tal matriz ética divina: a vida pertence à morte e a morte pertence à vida. Para lá disto, toda a filosofia é basicamente inútil.
Opõe-se, na titânica luta travada na consciência, que esse é o caminho da barbárie. Que assim sendo, nenhum sentido mais se encontra na civilização que quis ajudar a construir. Mas só compreendendo que essa mesma civilização com que sonha e a barbárie que o aterra são o respirar do mundo humano, pode regressar ao centro do labirinto, derrotar a besta e ascender, pelo eixo do mundo, à plenitude.
Nesse dia não será mais de esquerda nem de direita. E não pertencerá também ao centro que lhe serviu, uma vez conquistado, a salvação. Será um Homem Novo, renascido das próprias cinzas existenciais, liberto, finalmente, de si próprio.
Reformulou a pergunta: “Como posso eu compreender que a sociedade que ajudo a construir crie mil homens pobres para que possa condenar um à riqueza?” Assim a resposta é bem mais singela e vive na própria pergunta, o círculo fecha-se e o Universo respira na eternidade.

Fonte: Aventar