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terça-feira, 20 de dezembro de 2016

TRUMP é o sistema sem luvas

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 19/12/2016)
Autor
                               Daniel Oliveira
As nomeações feitas por Donald Trump para a Administração norte-americana têm provocado natural consternação. Diz-se que confirmam o pior que se esperava e que desmentem a ideia de que Trump se iria acomodar ao establishment. Concordo com a primeira afirmação e discordo da segunda. Concordo que é o pior de tudo o que se podia esperar. Não sei se é o pior do que alguns esperavam mas é o pior do que eu esperava. E não concordo com a segunda, exatamente por esta resistir à tendência para forçar um consenso anti-Trump que duvido que exista. Quase ninguém gosta de Trump fora dos EUA. Mas não me parece que as razões sejam todas as mesmas. Porque eu acho que estas nomeações provam que, tal como sempre pensei, não só Trump se iria acomodar ao establishment como Trump é o establishment na sua forma mais pura.
Tirando a relação com a Rússia, em que concedo haver um desacerto entre Donald Trump e o mainstream no poder norte-americano, Trump representa os poderes fácticos que dominam a política norte-americana há muito tempo. E as suas nomeações confirmam-no. Claro que há quem ache que o establishment são os políticos e a máquina do Estado. São os mesmos que conseguem dar um colorido revolucionário à defesa dos interesses da elite económica e financeira. Mas Trump representa, de forma radical, desabrida e já sem concessões o verdadeiro establishment. Esta é a hora da verdade e Trump é o homem que não hesitará em impor a nova ordem económica e social.
Olhemos então para as nomeações mais polémicas.
Para secretário do Trabalho, Donald Trump escolheu Andrew Puzder, um empresário de fast food acusado de violar as leis laborais e que se opõe ao aumento do salário mínimo e ao reforço dos direitos dos trabalhadores. Puzder, CEO da CKE Restaurants, dona da cadeia Carl’s Jr., defende que o aumento do salário mínimo se traduzirá numa diminuição dos empregos menos qualificados. Estão chocados com o quê? Não é esta a tese que lemos nos jornais económicos, que os delegados de Bruxelas vendem aos países em crise e que se ensina nos centros de doutrinação ideológica e formação política em que se transformaram as faculdades de economia? Choca o homem que defende os interesses de um pequeno grupo venha diretamente desse grupo em vez de se escolher um político tarefeiro para fazer o trabalho sujo? Choca a clareza?
Para secretária da Educação foi escolhida Betsy DeVos, nora do fundador da Amway, uma multinacional de vendas diretas, e oriunda do pequeno círculo de milionários que há muito financiam o Partido Republicano. É uma feroz defensora das “charter schools” (aproximadas dos nossos colégios com contratos de associação) e é para elas que os fundos públicos passarão a ser dirigidos, com a previsível continuação da degradação da Escola Pública. É novo e contra o establishment a ideia de que os colégios privados devem substituir o público com vantagem para todos? Não representa esta posição o interesse assumido das empresas deste sector e a posição da corrente ideológica cada vez mais dominante nos media?
Para dirigir a Agência de Proteção Ambiental, Trump nomeou Scott Pruitt, o procurador do Oklahoma que interpôs várias ações judiciais contra a regulamentação ambiental da administração Obama para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e que não acredita no papel humano nas alterações climáticas. Isto é novo entre os republicanos? O crime de Trump é escolher para o Ambiente alguém que vai estar alinhado com o resto da sua Administração ou devia escolher uma figura que branqueasse o seu criminoso recuo nesta área? Não é acompanhado, neste como noutros assuntos, pelo poder das petrolíferas? Não são elas o establishment?
Apesar da aproximação à Rússia não corresponder ao mainstream de Washington, a nomeação do CEO da Exxon, Rex Tillerson, para secretário de Estado pode seriamente ser considerada uma escolha contra o establishment? É por fazer companhia a Scott Pruitt na oposição à regulação para diminuir as emissões que se pensa isto? É por ser amigo de várias ditaduras onde a Exxon faz negócios com os quais estamos chocados? Julgavam que o establishment era composto por burocratas e políticos de Washington? Se sim, podiam, se fossem norte-americanos, ter votado em Trump. Foi essa a aldrabice que vendeu aos seus eleitores.
O establishment defende a selva laboral e por isso quer menos regulação e opõe-se ao salário mínimo. E é representado na perfeição por Andrew Puzder. Defende que a educação deve ser um negócio e que os privados oferecem uma escola melhor e mais exigente do que o Estado, como Betsy DeVos. Recusa alterações políticas que, para salvar o planeta, ponham em causa os interesses das petrolíferas, como Scott Pruitt. E determina a sua política externa pelos interesses de algumas corporações, tão bem representadas por Rex Tillerson.
Talvez choque alguns neoliberais perceber que Trump, pintado como um espelho de Bernie Sanders, afinal é, no que realmente interessa, um deles. Tal como eles, tenta fazer passar a ideia que o establishment é o Estado e os políticos que elegemos. Sem luvas, está a mostrar como o poder económico já dispensa intermediários.
 
Ovar, 20 de Dezembro de 2016
Álvaro Teixeira





quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Guerra e Paz

(Por Estátua de Sal, 13/12/2016)
guerra-e-paz
                                                                                                                                                                                           Imagem in Blog 77 Colinas, 12/12/2016
 
Estão-se a acabar as reservas de caixa. Que chatice, tinham os cofres cheios para mais ou menos dois anos, mas a porra da Geringonça nunca mais cai e parece estar de pedra e cal. O diabo meteu férias e tem mais que fazer. Costa sorri. Marcelo vinga-se. A vingança serve-se fria, como se fosse um prato de vichyssoise.
As catacumbas pafiosas agitam-se. O Coelho está sem plano, até porque nunca teve nenhum. O Rangel levanta o dedo. O Montenegro leva ansiolíticos ao Passos para ele dormir melhor. A Maria Luís empina o nariz de vez em quando e o marido faz ginásio todos os dias para partir a cara a quem a ofender. O Santana faz-lhes um manguito e diz-lhes que se querem fiado joguem no Euromilhões e pode ser que saia. O Mendes ao domingo dá conselhos e bufa as intriguices em que é perito.  O Marco António diz para o Coelho meter férias, e ir passar o Natal à Manta Rota, porque no inverno o Algarve é muito mais barato e os cofres do partido estão a dar o berro: a massa das privatizações já se foi quase toda. O Rio faz que vai mas não vai. Pergunta ele: - Quantos são? Quantos são? Agarrem-me senão eu mato-o! Mas ninguém o agarra. Contudo o homem só dá tiros de pólvora seca.
Enquanto isso, o Coelho continua em roda livre, não toma os remédios para a hipomania e continua de baboseira em baboseira, à espera do dia do apocalipse.
O PSD parece um folhetim de teatro trágico. Como o poder parece uma miragem no deserto, ninguém se chega à frente. Parecem abelhas à volta do Coelho, dão umas ferroadazitas, mas ninguém tem membro que se veja para se impor.
Não é surpresa. O PSD há muito que deixou de ser um partido com sentido patriótico, não passando de uma agência de negócios e de distribuição de feudos e mordomias. É isso que os faz mexer. Como tais guloseimas não se perfilam no horizonte próximo percebe-se que ninguém se mexa a sério. Esperam melhores dias. Parecem os corredores de fórmula 1. A  corrida a sério é só amanhã. Hoje, as voltas à pista são só para treino e para ganhar posição na grelha de partida.
 
Ovar, 15 de dezembro de 2016
Álvaro Teixeira





terça-feira, 13 de dezembro de 2016

António Guterres–Secretário Geral da ONU

O dia em que ele chegou ao topo do mundo

por estatuadesal

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 12/12/2016)

nicolau

António Guterres tomou hoje posse como secretário-geral das Nações Unidas. O mundo que tem pela frente é complexo, imprevisível e perigoso, muito perigoso. Competência tem-na de sobra. Esperemos que tenha sorte.

Os portugueses tem uma enorme tendência para se apoucarem e para menosprezar o que de muito bom se vai fazendo por cá. E não vou falar de coisas materiais, mas sim de pessoas, da sua preparação, da sua competência, da sua qualidade, aquilo que na verdade faz mover um país. António Guterres é obviamente uma pessoa excepcional. Mas é português e licenciou-se no Instituto Superior Técnico, tendo sido o melhor aluno de sempre de uma das mais prestigiadas faculdades do país. Aprendeu com professores portugueses, numa universidade portuguesa, com colegas portugueses. Por outras palavras, Guterres é um produto português.

Depois, num país ainda muito avesso à cultura da avaliação, Guterres bateu-se não com um, dois ou três candidatos mas com nove candidatos, oriundos de vários países, em várias rondas de análise. Venceu todas e foi consolidando a sua vantagem ao longo dos exames. Finalmente, quando de repente, saída do nada mas apoiada pela Comissão Europeia, numa manobra muito pouco dignificante, surgiu uma nova candidata, Guterres voltou a vencer sem margem para dúvidas e de forma ainda mais clara. Ou seja, quando foi dada a oportunidade, num processo altamente transparente e democrático, de vários candidatos se apresentarem e disputarem o cargo de secretário-geral das Nações Unidas, foi um português que venceu. E isso diz muito sobre a pessoa mas diz seguramente também alguma coisa do meio onde cresceu, da sua família, do seu percurso académico, do seu país.

Quer isto dizer que o mandato de Guterres vai ser um indiscutível sucesso? Não se pode dizer. O mundo está mais crispado do que há uns anos. Os Estados Unidos de Donald Trump começam a irritar a China, com as suas pretensões de reconhecer Taiwan ou de acusar Pequim de ser um especulador cambial ou de ameaçar os produtos chineses que entram no mercado norte-americano com uma sobretaxa de 45%. Convém lembrar que a China é o maior detentor de obrigações do Tesouro norte-americano e que continua a ser um forte comprador. Convém lembrar que se Trump quer mesmo lançar um fortíssimo programa de investimento em infraestruturas públicas vai necessitar de obter financiamentos internacionais. Talvez não seja grande ideia irritar o maior financiador dos Estados Unidos…

Na Europa, o maior problema é a ascensão de líderes populistas e de extrema-direita, que podem chegar ao poder na Holanda e em França, e que já marcam posição em países do Leste. Mas as tensões xenófobas vão alastrando um pouco por todo o Velho Continente, com eventual exceção até agora da Península Ibérica. Por outro lado, as relações entre a União Europeia e a Rússia já conheceram melhores dias. Moscovo dá como adquirido a anexação da Crimeia. As sanções económicas europeias à Rússia mantém-se. Mas é da Rússia que vem a maior parte da energia de que a União necessita.

No Médio Oriente, o conflito israelo-palestianiano arrasta-se há tantos anos que já ninguém tem esperanças que um dia se venha a resolver. Mas há ainda os casos da Síria, da Líbia ou do Iraque, que estão muito longe de estar estabilizados. O norte de África está, quase todo, a contas com o terrorismo e o Daesh é uma ameaça muito longe de ter sido erradicada. Por isso, o drama dos refugiados que acorrem à Europa vai continuar a manter-se, um drama que Guterres conhece bem, mas que não será resolvido sem que toda a comunidade internacional se envolva no tema. E o que se tem visto na Europa é a emergência dos egoísmos nacionais e a hostilização dos migrantes, com a construção de muros nas fronteiras e a indiferença perante a morte por afogamento de milhares de pessoas no Mediterrâneo.

No plano das alterações climáticas, Guterres também enfrenta a nova posição de Washington, que coloca em causa não só as teses do aquecimento global como se prepara para rasgar alguns dos acordos que assinou e para libertar regiões protegidas do seu território para a exploração de recursos petrolíferos. E o novo secretário-geral das Nações Unidas vai ainda enfrentar dois outros problemas com a administração Trump: a desvalorização que faz dos organismos internacionais e, como resultado, a redução dos montantes em que as financia; e o pouco apreço que Trump mostra pelo diálogo, a não ser que no final todos concordem com ele.

Digamos, pois, que todas as melhores capacidades de Guterres – a sua competência, a sua preparação, a sua memória, a sua cultura, a sua fabulosa capacidade de diálogo – serão postas à prova nos próximos anos. O seu sucesso será o sucesso do mundo. Mas se acontecer, será sobretudo o sucesso de um português que hoje chegou ao topo do mundo por indiscutível mérito próprio.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Esta é a União Europeia que eu não quero

França fez “acordo secreto” com Comissão da UE para não cumprir metas do défice

 

EUROPA. Hollande e Durão, em 2014, quanto o português ainda liderava a Comissão Europeia

REUTERS / CHRISTIAN HARTMAN

A revelação deste “contrato secreto” é confirmada pelo próprio François Hollande, no livro “Um Presidente não deveria dizer isso” e não foi desmentida. Desde que Hollande foi eleito, em 2012, as autoridades francesas apresentaram sempre previsões de défices intencionalmente falsas, com a aprovação das Comisões presididas por Durão Barroso e Jean Claude Juncker. Desse modo, o país escapou sempre a sanções por défice excessivo. Um livro explosivo

Daniel Ribeiro, correspondente em Paris

Daniel Ribeiro, correspondente em Paris

Jornalista

A poucos meses das eleições presidenciais, o livro, com o título original “Un président ne devrait pas dire ça…”, da autoria de dois jornalistas de investigação do vespertino le Monde, Gérard Davet e Fabrice Lhomme, é já considerado “um suicídio político” por muitos analistas e por diversos dirigentes dos socialistas franceses, incluindo o próprio primeiro-ministro, Manuel Valls.

O chefe de Estado não desmentiu as revelações, nem sequer as mais incómodas no domínio da política interna – revela dados e críticas inacreditáveis sobre ministros, camaradas socialistas ou sobre o funcionamento da Justiça e outros assuntos – ao ponto de o seu próprio primeiro-ministro, Manuel Valls, falar em “vergonha e cólera” dos militantes socialistas. A publicação do livro – fruto de cinco anos de investigação e 61 entrevistas e mais de 100 horas de gravações de conversas com Hollande – provocou alvoroço nos socialistas franceses, ameaçados de uma derrocada histórica nas presidenciais da próxima primavera e nas eleições legislativas que se seguirão.

 

Fonte: Expresso

 

Ovar, 3 de Novembro de 2016

Álvaro Teixeira

domingo, 30 de outubro de 2016

Os quatro criminosos

O meu Post de hoje iria ter, como assunto, o “monstro” Shäuble, ministro das Finanças do governo alemão da senhora Merkel.
Na dúvida, optei por escrever sobre os criminosos de guerra e de crimes contra a humanidade que se uniram para, baseados em falsidades, invadirem o Iraque.
Lembro-me daquela exposição patética do Colin Powel, secretário de estado do George W. Bush, na Assembleia Geral da ONU sobre a existência da armas de destruição massiva no Iraque e que até eram escondidas em camiões, que andavam pelo deserto, para que não fossem detetadas.


Colin Powell na sua vergonhosa e mentirosa intervenção perante o Conselho de Segurança da ONU

Nenhuma pessoa de bom senso poderia acreditar numa exposição, que não passou de uma caricatura tão mal conseguida.
Quero dizer que fiquei feliz, quando o Colin Powell foi nomeado Secretário de Estado, por, pela primeira vez, um afro-americano assumir tal cargo.
Mas foi um desencanto.
A situação mundial não era fácil, tinha havido o ataque às Torres Gémeas e a consequente guerra no Afeganistão contra os Talibans e a Al-Qaeda.
Como esta era uma guerra sem fim à vista, havia necessidade de encontrar de encontrar outros alvos. O melhor que foi encontrado foi o Iraque, acusado de apoiar a Al-Queda e de possuir armas de destruição massiva.
Depois da trágica comédia apresentada na ONU pelo Colin Powell, segue-se a cimeira das Lages que teve, como anfitrião e mestre de cerimónias, o primeiro ministro de Portugal, Durão Barroso. Aí foi decidido avançar para uma guerra, sem o aval de qualquer organização internacional.


Os quatro criminosos fundadores do Estado Islâmico (DAESH)

Os resultados estão à vista de todos: desmantelamento de um estado soberano, surgimento de grupos extremistas e criminosos, cujo expoente máximo é o DAESH (Estado Islâmico), a destruição da Síria e a deriva ditatorial da Turquia, cujos alicerces, como estado, estão a ser minados.
Será que quem provocou tudo isto vai passar sem que seja responsabilizado?
Será que o TPI só serve para julgar um qualquer ditador africano, depois de perder o poder, ou alguns indivíduos que cometeram mais ou menos atrocidades na guerra da antiga Jugoslávia?

Termino com “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.



Ovar, 30 de outubro de 2016
Álvaro Teixeira