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quinta-feira, 22 de junho de 2017

Uma culpa com muitos maridos



por estatuadesal
(Daniel Oliveira, Expresso Diário, 21/06/2017)
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Primeiro sem grande convicção, depois animados por alguma companhia (incluído do meu colega de opinião, com o qual concordo grande parte das vezes, Nicolau Santos), têm surgido vozes a exigir a demissão da ministra da Administração Interna. Sempre que tal acontece vou ler, com genuíno interesse, para tentar compreender os argumentos. Não tenho, pela ministra, qualquer simpatia ou antipatia. Não sei quase nada sobre ela. E o assunto tem gravidade mais do que suficiente para se apurarem todas as responsabilidades. Mas para se exigir a demissão de um ministro é preciso alguma coisa concreta: por ação ou omissão, que lhe possa ser atribuída a ela especificamente, teve responsabilidades no sucedido?
O argumento genérico que tem sido apresentado para pedir a demissão de Constança Urbano de Sousa é este: a culpa não pode morrer solteira. Primeiro, é preciso identificar a culpa. Depois, caso ela seja claramente delimitada, é preciso encontrar-lhe cônjuge legítimo. Porque uma coisa é não querer que ela morra solteira outra é casá-la com quem teve o azar de estar de turno no dia do incêndio, que resulta, antes de tudo, da conjugação de vários azares naturais.
Parece haver dois consensos. O primeiro é que, para além das evidentes causas naturais, as razões para esta tragédia se encontram em décadas de erros. O segundo é que a falha é sobretudo na prevenção, mais do que no combate aos fogos, para onde vão quase todos os recursos. O primeiro consenso torna absurdo atribuir a esta ministra erros que têm muitos responsáveis. Espera-se que uma governante que está há dois anos no cargo assuma a responsabilidade do que todos consideram ser resultado de muitos anos de incúria, omissões e escolhas erradas? O segundo consenso torna absurda a escolha da ministra da Administração Interna como alvo, já que a preservação da floresta é dividida por vários ministérios. Aquele que tem maior importância neste assunto até é o da Agricultura. Deveriam, então, pedir a demissão de Capoulas Santos. Acontece que foi há poucos meses que esse ministro apresentou uma grande reforma da floresta que, pelo menos em algumas áreas, corresponde às exigências que hoje se fazem. Em resumo: não podemos concentrar numa ministra culpas que estão distribuídas por vários governos e vários ministérios.
Para pedir a demissão de alguém é preciso, antes de tudo, fazer um balanço para saber o que correu mal. Depois, perceber o que corresponde a erros de sucessivos governos (e por isso do país), o que corresponde a erros cometidos nos últimos dois anos e o que corresponde a erros cometidos nestes dias. Só se concluíssemos que este incêndio ou as suas consequências resultam de ações ou de omissões concretas e distintas deste governo é que lhe poderíamos atribuir a responsabilidade pelo sucedido. E só se assim fosse é que passaríamos para o passo seguinte: saber que membro do Executivo tem responsabilidades específicas.
Há falhas concretas, já se sabe. Não é certo que a Proteção Civil se tenha preparado para aquele terrível fim de semana. Ainda assim, é bom sublinhar que nenhum sistema está preparado para reagir a uma situação que corresponde, nas suas consequências e num só ano, a mais de metade da área ardida em toda a União Europeia. Outras falhas foram assinaladas pelo próprio primeiro-ministro: a interrupção do funcionamento da rede de SIRESP, que é certa, e o não encerramento da estrada nacional 236-I, que a GNR já justificou. De tudo o que foi dito até à hora em que escrevo, só estes temas poderiam levar a uma demissão de alguém. Mas não vejo como é que alguém, com os poucos dados existentes, se sente à vontade para identificar responsáveis políticos e demiti-los.
O facto de quem pede a demissão da ministra ter dificuldades em identificar as suas responsabilidades concretas torna esta posição leviana. Nuns casos, corresponderá à necessidade de tentar encontrar uma resposta rápida ao que depende de um debate difícil sobre a política de florestas, a desertificação do interior do país e o desinvestimento de serviços públicos de prevenção. Mas também há quem queira aproveitar o momento de tristeza nacional para conseguir o que lhe tem escapado nos momentos de normalidade.
Daí a pressa. São os mesmos que se indignaram com o Presidente da República por este ter utilizado o seu cargo para dar ânimo a quem combate os fogos. A estes, recomendo cautela: devem evitar exibir em momentos tão inconvenientes a sua natural impaciência política.

Tanatose política



por estatuadesal
(In Blog O Jumento, 21/06/2017)
crocodilo

A vida política portuguesa é dominada pelo empirismo, alguns dos nossos especialistas nessa nova ciência política fazem constatações, que rapidamente se transformam em regras inquestionáveis do funcionamento do sistema político. Um exemplo disso era a regra segundo a qual, nas eleições, os portugueses não metiam todos os ovos no mesmo cesto: quando um partido ganhava as legislativas o outro ganhava as presidências. A grande vítima desta verdade absoluta foi Fernando Nogueira, Cavaco Silva que ambicionava ser presidente acreditou na tese e fez tudo para o seu sucessor perdesse as legislativas. Afinal, estava errado, Nogueira perdeu as legislativas e ele teve de esperar mais dez anos para ganhar as presidenciais.
Outro principio inquestionável desta ciência política saloia é a de que não são os partidos da oposição que ganham as eleições, são os partidos que estão no governo que as perdam. É por isso que alguns “líderes da oposição” chegam a dizer que um sabem que vão ser primeiro-ministro, só não sabem quando. A oposição acaba por ser um par de anos de jantares de lombo assado; a não ser que o diabo esteja para vir, como sucedeu com a troika, ser líder da oposição é não fazer asneiras e esperar que quem governa as faça ou seja vítima de uma qualquer circunstância imprevisível.
A estas regras inquestionáveis junta-se ainda uma terceira que que terá sido estabelecida pelo Salazar. Conta-se que certo dia Salazar deu um conselho a um jovem político ambicioso, disse-lhe se queria ir longe na carreira política que se fizesse de morto.
É a versão salazarista de um dito popular que nos diz que “quando se abre a boca ou entra mosca, ou sai asneira”. Passos Coelho, que nos tempos de primeiro-ministro chegou a ser fotografado sentado sobre uma biografia de Salazar, parece seguir este princípio e desde o maldito relâmpago de Pedrogão Grande que anda a fazer de morto, ainda por cima tem a vantagem de, no meio da confusão, ninguém dar por ele, até ao momento não se sentiu a sua falta, ninguém lhe pediu para ajudar com a sua experiência e saber..
Passos cumpriu a sua obrigação, apareceu na Proteção Civil de Lisboa, longe da fumarada, só para marcar presença e para dizer que espera que tudo passe para se vir armar em madeireiro e ver se faz negócio com a madeira queimada. Até lá não fala, não telefona, não tuge nem muge, não corre o risco de dizer o que pensa, não vá sair-lhe alguma asneira, resguarda-se fazendo de morto. Até dá jeito suspender alguns compromissos autárquicos em solidariedade com os que sofrem, esta é a pior ocasião para falar, até porque não convém falar em autarquias não vá algum jornalista mais distraído questioná-lo sobre o que se terá passado lá para os lados de Oliveira de Azeméis.
A estratégia é manhosa e aparentemente inteligente, mas uma coisa é fazer de morto perante uma questão de lana caprina, outra é fazê-lo perante uma crise de dimensões nacionais. O mesmo que chamava piegas aos portugueses pode estar a passar a imagem de um político cobardolas e oportunista. Alguns animais têm a capacidade de se fazerem de mortos para escaparem de predadores; os animais que têm esta capacidade costumam virar-se de ventre para cima, alterar a sua coloração e por vezes até exalam o cheiro a cadáver, esta capacidade designa-se por tanatose. O comportamento de Passos Coelho é um caso típico de tanatose política.



quarta-feira, 21 de junho de 2017

Ovar – O caso dos convites (parte 2)

O caso dos convites endereçados às Coletividades do concelho de Ovar para se fazerem representar na apresentação da recandidatura de Salvador Malheiro (PSD) à presidência da Câmara Municipal de Ovar, no passado dia 17/06, deu muito que falar nas redes sociais.
Refiro aqui um “opinion maker” do Facebook, muito ativo e que se diz muito bem informado, porque tem fácil acesso ao presidente da Câmara desmentir um amigo, militante de outro partido, dizendo que as coletividades não tinham sido convidadas.
As coletividades foram convidadas para se fazerem representar pelos seus presidentes e membros da respetivas direções.
E foram-no pelo PSD-Ovar e aqui está a prova de um convite dirigido a uma coletividade da qual omito o nome, para que a mesma não venha a sofrer represálias, nomeadamente, no que diz respeito aos subsídios a que tem direito:




Provas para quê? É de um verdadeiro artista português.
Agora pergunto:
- Como se sentirão os associados dessas coletividades que militam ou são simpatizantes de outros partidos e apoiam outros candidatos?
- Não se sentirão traídos pelos órgãos sociais das coletividades que se fizeram representar?
- Não seria melhor convocarem uma Assembleia Geral da Coletividade e apresentarem a sua demissão?
- Terão sido essas coletividades beneficiadas pelos “Ajustes Diretos” e a sua representação foi uma forma de agradecimento?
Em política não vale tudo, mas no PSD-Ovar parece que vale tudo, menos tirar olhos.
Meus senhores tenham um mínimo de decoro, já que a vossa vergonha é coisa que não têm.
Isto é um verdadeiro pântano onde chafurda muita gente tanto a nível local como nacional.
Não me alongo mais, tamanha é a minha indignação perante isto tudo.

Ovar, 21 de junho de 2017
Álvaro Teixeira

Mira Amaral: "Catroga e Mexia convenceram Governo de Passos Coelho a manter as rendas da EDP"

O antigo ministro voltou a criticar as rendas excessivas na energia e tem esperança que o actual Governo consiga negociar com sucesso nos contratos CMEC.

Mira Amaral: "Catroga e Mexia convenceram Governo de Passos Coelho a manter as rendas da EDP"

André Cabrita-Mendes
André Cabrita-Mendes andremendes@negocios.pt
21 de junho de 2017 às 18:35
O antigo ministro da Indústria e Energia voltou a criticar as rendas excessivas na energia em Portugal. E considera que o Governo de António Costa vai conseguir ter algum sucesso na renegociação dos contratos CMEC da EDP.
"Eu acho que o Governo vai conseguir fazer alguma coisa, mas há uma privatização que foi feita com rendas excessivas", disse Mira Amaral ao Negócios esta quarta-feira, 21 de Junho, à margem de uma conferência na Ordem dos Engenheiros.
"Os chineses compraram a EDP com estas regalias todas. A dupla Catroga Mexia convenceu o Governo de Passos Coelho que as rendas se deviam manter para venderem mais caro", afirmou o antigo ministro de Cavaco Silva.
"A gestão de topo da EDP convenceu o Governo de Passos Coelho a embelezar a noiva. O engenheiro Henrique Gomes queria atacar essas rendas excessivas, mas foi entalado", disse Mira Amaral, referindo-se ao secretário de Estado da Energia do Governo anterior, que acabou por pedir a demissão.
Sobre a investigação que o Ministério Público abriu aos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) assinados pela EDP e governos anteriores, rejeitou fazer comentários. "Não comento processos judiciais, nem aceito que haja processos em praça pública ou justiça mediática". A partir desta investigação já foram constituídos sete arguidos, incluindo o presidente executivo da EDP, António Mexia.
Mira Amaral deixou ainda elogios para o actual secretário de Estado da Energia. "Tenho um grande apreço pelo comportamento do secretário de Estado da Energia, que tem uma clara vontade" de combater as "rendas excessivas" na energia, disse, referindo-se a Jorge Seguro Sanches.
Recorde-se que o Parlamento aprovou recentemente uma recomendação ao Governo para cortar nos contratos CMEC, que custaram 2.500 milhões de euros na última década aos consumidores portugueses. Este ano vai ter lugar o processo de revisibilidade, onde o Governo vai definir, a partir de um estudo do regulador ERSE, os valores a cobrar no âmbito dos CMEC até 2027, ano em que termina o último destes contratos.

Síndrome do sobrevivente – A culpa de continuar a existir


por estatuadesal

(Por José Gabriel, in Facebook, 21/06/2017)
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Alguns amigos discordam do tom cáustico que muitos de nós têm usado na crítica à cobertura televisiva da tragédia de Pedrogão Grande. Por mim, admito que algumas das abordagens que aqui tenho feito têm sido algo duras, já que considero esta questão fundamental, e de um alcance que está longe de se limitar a estes eventos.
Nesse sentido, julgo, até, ter sido contido. Para além de a maioria dos repórteres fazer um trabalho de manipulação das consciências na mais grosseira linha tablóide - enquanto nos estúdios se trata das tarefas de manipulação mais tecnicamente política - quase todos jogam um jogo muito perigoso ao insistir em remexer nas emoções e feridas emocionais das vítimas com, por vezes, o entusiasmo de um torturador.
Os sinais de dificuldade em assumir a própria sobrevivência e o sentimento de culpa que se vai instalando no espírito de muitas destas pessoas pode ter consequências a longo prazo gravíssimas. O chamado "síndroma do sobrevivente", amplamente estudado, sobretudo no pós-guerra e a propósito dos sintomas psíquicos apresentados por muitos dos sobreviventes - o caso das vítimas do Holocausto é o mais notório -, pode gerar nos que sobrevivem a uma calamidade, uma guerra ou, até, um despedimento colectivo a que se escapa, um quadro que leva à auto-culpabilização, com sintomas físicos, psíquicos, comportamentais cujas consequências podem ser funestas.
Não aceito nem acredito que os repórteres não saibam disso. Por isso, não há perdão para muitas das técnicas de interrogatório - meço as palavras - que utilizam quando cercam as vítimas, de microfone em riste. O título que chegou a figurar na capa do Público a propósito de uma tragédia familiar de um homem que perdeu a mulher e duas filhas mas salvou-se e salvou outros familiares num outro carro - "Mário mandou mulher e filhas para a morte" - penso dar a medida do que estou a tentar transmitir e explica porque, apesar de tudo, considero, como muitos dos meus amigos, ter sido contido e sóbrio nos termos usados.
É que a desorientação, a inconsciência, a boçalidade que têm perpassado por muitos dos trabalhos de reportagem - designadamente a repetição até à náusea de entrevistas às vítimas mais desesperadas - , não são só tendenciosos e profissionalmente indigentes. São perigosos. Muito perigosos.