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sábado, 4 de novembro de 2017

A gota de água

Opinião

Miguel Guedes

Miguel Guedes*

01 Novembro 2017 às 00:18




Não há nada nem ninguém que impeça quem é crente de rezar. Para uns, é o deserto interior do homem em tempo de aflição que convida a oração para o remédio dos males. Um caso de desespero. Para outros, é a imensidão da alma que, nesta sua pequenez de teimar ser entre muitas, crava os braços ao céu pedindo pelo bem comum. Um caso de esperança. No fim da história, o dilúvio. O cardeal D. Manuel Clemente assina um comunicado a rogar por chuva aos seus diocesanos, acompanhado de Oração Coleta aos sacerdotes do Patriarcado de Lisboa: "Deus do universo, em que vivemos, nos movemos e existimos, concedei-nos a chuva necessária (...)". Esta co-responsabilização divina pela seca dos homens é, como toda a fé que se imputa ao alto, bipolar pelo confronto entre a criação do mal e a boa resolução. "Ouve as minhas preces", tanto se cantou. No momento em que possam ler esta blasfémia torpe, é provável que caiam as primordiais gotas que anunciam as primeiras chuvas da época. Mas "O boletim meteorológico anunciou calor", escreveu Jorge Palma numa das canções do "Bairro do amor", qual profecia das teses do aquecimento global, arte líquida. E é por isso que já não chega a "chuva necessária" que o divino, magnânimo, nos conceda.

Em matéria oficial, a Protecção Civil foi dizimada pelos fogos mas a assertividade do Boletim Climatológico do Estado não deixa margem para chuvas: segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a 30 de Setembro, 81% de Portugal continental sofria de seca severa. A seca extrema afectava 7,4% do território e a seca moderada elevava-se a 10,7%. 0,8% do solo sobrevivia em seca fraca. Feitas as contas, sobra aquele 0,1%, a gota de água. Os negacionistas das alterações climáticas passam por tempos difíceis. Também aí é preciso ter fé.

Vai para além da crendice. A gestão e poupança individual de água faz parte do manual dos bons costumes, civilização e responsabilidade solidária em comunidade. O planeta enquanto condomínio. A Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, criada em Maio, agrupa responsáveis de diversos ministérios e acorda para o nono verão mais quente desde 1931. Anunciam-se, agora, redobradas campanhas pela poupança e pela utilização racional dos recursos naturais. A tese do pecado original dos consumos privados é, sem dúvida, válida enquanto alerta. Mas as assimetrias da distribuição da água no território não se resolvem num abrir e fechar de torneira. Planificação e ordenamento, dessalinização. Como no caso dos fogos florestais, continuamos a chover no molhado com uma gota de água.

Corram para os supermercados: a democracia portuguesa foi suspensa por despacho ministerial

Aventar

por João Mendes

Quando esta tarde fui ao supermercado, abastecer-me dos essenciais para a próxima semana, notei que algo estava errado. Prateleiras vazias, semblantes fechados e aterrorizados, milicias comunistas paramilitares à porta e eu a pensar com os meus botões: "querem ver que se instaurou uma ditadura, e eu, que hoje dormi até tarde e ainda não consumi a minha dose diária de informação, não sabia?".

Apressei-me com as compras, deixando para trás tudo o que fosse aburguesado demais, não fossem os comunas levar-me para o pequeno-almoço, que eu até aparento ser mais jovem do que na verdade sou, dirigi-me imediatamente para casa, evitando, com alguma sorte, os checkpoints entretanto montados na via pública, e, lá chegado, percebi que a internet ainda não tinha sido cortada e fui à procura de informação que me esclarecesse o que se estaria a passar. Ler mais deste artigo

A grande regressão

Estátua de Sal

por estatuadesal

(António Guerreiro, in Público, 04/11/2017)

Antonio Gurreiro

António Guerreiro

Se alguém fizesse uma história semântica da ideia de progresso, encontraria a razão pela qual o qualificativo “progressista”, que teve outrora um uso político imoderado e de grande utilidade, já só emerge quando se fazem escavações lexicais. Parece que já ninguém acredita no progresso nem encontra nele uma razão capaz de fundar uma visão do mundo. Em contrapartida, a palavra “regressão” está em alta e revela-se mesmo capaz de dar sentido a um conjunto de sintomas patentes nos processos sociais e políticos que marcam o nosso tempo. Uma prova eloquente desta nova fortuna concedida à ideia de regressão é um livro colectivo que foi publicado na Alemanha, este ano, e logo traduzido nas principais línguas europeias. O título original é Die große Regression – Eine international Debatte über die geistige Situation der Zeit, um título que cita um outro, famoso, de Karl Polanyi, The Great Transformation (1944). Mas o subtítulo, que fala da “situação espiritual [geistige] da época”, só aparece no original por razões óbvias: ele dialoga de maneira explícita com a filosofia e a literatura alemãs (retoma, ipsis verbis, o título de um famoso ensaio de Karl Jaspers, de 1931). A regressão como categoria analítica da governamentalidade e das tendências de ordem política já tinha sido introduzida, há alguns anos, por um importante sociólogo e teórico da cultura, Stuart Hall (1932-2014), que configurou a política de Margaret Thatcher como uma “modernização regressiva”. O thatcherismo teria inaugurado o projecto de uma modernização reaccionária. Quais são então esses sintomas que justificam o uso da regressão como categoria psico-política? Antes de mais, a “fadiga da democracia”, fazendo emergir por todo o lado não apenas formas de autoritarismo, mas também um conjunto de práticas políticas e gestionárias que dão razão a um conceito que foi entrando no léxico da teoria política: pós-democracia. Num plano mais englobante, a regressão adquire a figura de uma “des-civilização”, como se pode ler no ensaio de Oliver Nachtwey, incluído neste livro. Remetendo para o “processo civilizacional” de Norbet Elias, enquanto resultado de uma mutação das estruturas sociais e da personalidade e manifestando-se no controle dos afectos e no alargamento do espaço mental (cujo resultado foi a constituição progressiva de um poder centralizado que detém o monopólio da violência), a des-civlização que Nachtwey vê como uma dinâmica fundamental das sociedades ocidentais a partir da última década do século passado seria um processo de erosão e declínio.

A ideia de que o progresso traz consigo uma regressão pode então ser deduzida destes sintomas: a sujeição ao mercado e a ausência de alternativa económica;  a interrupção do processo colectivo de mobilidade social ascendente; o triunfo da “modernidade regressiva” que se traduz por uma igualdade horizontal de grupos com traços característicos diferentes (a pertença sexual ou étnica, por exemplo), mas simultaneamente por novas desigualdades e discriminações verticais. Estes e outros factores instalaram um mal-estar que é simultaneamente social, político e cultural.

O processo da civilização de Norbert Elias já comportava esta ideia de uma des-civilização. Como muitos outros espíritos lúcidos, Elias não acreditou no progresso como uma caminhada irreversível nem viu a “civilização” como uma conquista definitiva. Essa foi a ilusão da utopia iluminista e, mais perto de nós, a dos arautos do “fim da história”. Como é que em tão pouco tempo se passou de uma feliz escatologia para uma grande regressão?

Rio Santana

Estátua de Sal

por estatuadesal

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 03/11/2017)

João Quadros

João Quadros

Rio é o filho que enforca periquitos, Santana é o que toca à campainha das vizinhas. Se Santana acaba por dar mais sarilhos porque todos sabem o que faz, Rio não faz barulho, mas faz mais mal.

Hoje vou tentar expor aos esbeltos leitores o meu ponto de vista sobre as eleições no PSD. Eu não gosto muito de me meter na política porque construí a minha carreira à base de subsídios para a agro-pecuária, mas começou a batalha pela liderança do PSD e eu adoro filmes de terror.

O tiro de partida já foi dado, e Rui Rio e Santana Lopes já começaram a contar espingardas, esperemos que sem a ajuda do ministro da Defesa.

Este combate Rio X Santana tem qualquer coisa de canal RTP Memória. Soa a anos 90. Ambos andam nisto há tantos anos como o Preço Certo. Estamos fartos de os ver a andar por aí. Santana Lopes tem uma desvantagem em relação a Rui Rio. É que, de Rui Rio, apenas suspeitamos de que não dá um bom primeiro-ministro.

Não vou votar porque estou longe de ser simpatizante do PSD, tenho até alguma embirração, mas se tivesse uma pistola apontada à cabeça, e me obrigassem a optar, escolhia Santana. Eu explico. Ambos me causam um certo receio, mas é um receio diferente. É como ter dois filhos, e um faz maldades e outro partidas. Rio é o filho que enforca periquitos, Santana é o que toca à campainha das vizinhas. Se Santana acaba por dar mais sarilhos porque todos sabem o que faz, Rio não faz barulho, mas faz mais mal.

Esta semana, Rui Rio disse que Maria Luís "esteve muito bem e que ele faria o mesmo". Hum... Não acredito, aposto que Rio não casava com aquele marido que ameaça jornalistas, mas pelo menos já sabemos quem é que Rio vai convidar para ministra das Finanças. A 30 de Julho de 2013, dizia Rio numa entrevista que: "A ministra das Finanças é 'pedra no sapato' e 'elo mais fraco' do Governo." Ou seja, Rui Rio gosta de automóveis antigos, mas tem uma memória curta.

Santana Lopes é muito diferente de Rio, tirando o penteado, e acredito que, com Santana, os debates com Costa fossem renhidos. Costa vencia o debate sobre os indicadores do sistema de Segurança Social, o debate da despesa pública e a discussão sobre o investimento público e Santana Lopes vencia a prova de dança de salão, o concurso de "shots" e o debate sobre preliminares.

Seja como for, eles que se entendam, que façam muitos debates, mas que Santana não seja interrompido por uma notícia sobre José Mourinho, ou ainda é capaz de abandonar a candidatura a meio.

TOP-5

Vou andar por aí

1. House of Cards cancelada depois das denúncias de assédio de Kevin Spacey - House of Cards acaba e começa House of Lego.

2. Nuno Carvalho, sócio-gerente da Padaria Portuguesa, diz que todos os meses fazem "um piquenique no Jardim da Estrela com os funcionários, onde ouvimos 'inputs' sobre o negócio" - Fazer piqueniques no Jardim da Estrela é quase tão deprimente como ir dar pão a ratazanas no convento de Mafra.

3. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa terá ligado ao rei de Espanha a garantir que Portugal não reconhece a independência da Catalunha - Mas não aproveitou para meter uma cunha para nos devolverem Olivença.

4. O material roubado em Tancos foi devolvido com uma caixa de petardos a mais- E ainda há gente chateada. Imagina se fosse assim com o BES. Assaltantes de caixa multibanco devolvem caixa com mais cem euros.

5. Kevin Spacey pede desculpa pelas acusações - Esta semana, a FNAC vai pôr em destaque os filmes onde entrou o Kevin Spacey.

A “GERINGONÇA” TEM FUTURO? TEM QUE TER!

Estátua de Sal

por estatuadesal

(Joaquim Vassalo Abreu, 04/11/2017)

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O Daniel Oliveira publicou por estes dias um texto, que quase na íntegra corroboro, que se intitula: “O Orçamento é de Esquerda. Mas deixa Esquerda para o futuro?”.

Enumera, embora não exaustivamente, o que de bom já se fez mas, recordando o ainda não realizado, preocupa-o que deixando tudo isso para o futuro, tal fique como uma “marca” negativa desta governação. O que quer dizer, para o Daniel, não ter este Governo feito tudo o que os Partidos à sua esquerda reclamaram e reclamam, como a Contratação Colectiva e a sua caducidade, por exemplo.

É inquestionável ser substancialmente correcto e factual que ainda há muito por fazer, mas como comentador e analista político que é, o Daniel esbarra na dúvida sistemática que o assalta, a ele e a outros, que se manifesta na tendência para o politicamente correcto (deixar sempre pontas soltas na sua abrangente linguagem) e no receio de assumir o papel de antecipador, utilizando para isso a dúbia interrogação.

Mas eu, como não sou analista nem comentador de serviço, não convivo com essa tal dúvida sistemática e procuro sempre simplificar. E não concordo que essas importantes medidas ainda não tomadas ou mesmo adiadas, fiquem como uma “marca” negativa para as Esquerdas. Não penso mesmo isso!

Penso, antes pelo contrário, que o que já foi feito e conseguido é que fica como uma “marca”! E fica por várias razões. A saber:

· Porque nem o mais iluminado optimista imaginaria ser possível que, em pouco mais de dois anos, esta solução governativa tivesse tanto sucesso.

· Porque nem o mais empedernido optimista a sonharia há pouco mais de dois anos.

· Porque o que também fica como uma indelével “marca” é o fim do mito de que as Esquerdas não sabem governar. As Esquerdas mostraram e têm mostrado que são competentes e que sabem conjugar uma certa austeridade (cativações, por exemplo) com reposição de direitos e rendimentos, com crescimento económico e controlo das Finanças Públicas. Coisas que as Direitas nunca saberão.

· Porque com tudo isto as Esquerdas ganharam crédito e respeito insuspeitáveis. Até lá fora!

· Pelo que esta “marca” tem que ser ainda mais fortemente sedimentada. Porque se ajusta às vontades da grande maioria da sua base de apoio e, ia apostar, da grande fatia da população e desperdiçá-la, para além de um grosseiro erro, seria um crime de lesa pátria.

E isso mesmo ficou bem visível ainda hoje na discussão e aprovação do Orçamento de Estado para 2018 e em que à irritação de toda uma quezilenta Direita, perdida e incapaz de apresentar alguma alternativa, correspondia um acerto cada vez maior e mais pacífico das Esquerdas.

Por tudo o exposto e também porque entendo que não pode ser tudo feito de uma vez só, há coisas mesmo que requerem o seu tempo, é imprescindível que o que ainda não foi realizado e é forçoso que se realize, continue a constar da agenda como um essencial objectivo conducente ao combate efectivo à precariedade, à estabilização das leis do trabalho e à segurança no emprego.

Mas, ainda assim, é minha convicção que tem aumentado paulatinamente o número daqueles que já compreendem que, tal como Roma e Pavia não se fizeram num dia, quer queiramos quer não, só poderemos todos esses desideratos alcançar se tivermos as contas públicas controladas, o défice a descer, o saldo primário excedentário e a dívida pública a diminuir.

E isso não só é importante para que o financiamento do Estado e da economia estejam assegurados e a taxas cada vez mais baixas, mas também para que a nossa credibilidade e afirmação fiquem, elas igualmente, como uma “marca”! Mas essa “marca” cada vez mais vincada, necessita de cada vez maior sustentabilidade, que só pode ser alcançada através do cumprimento dos pressupostos acima enunciados.

A Esquerda, toda a Esquerda, ou Esquerdas, tem que estar bem ciente disso e quando digo que a grande maioria do Povo das Esquerdas está cada vez mais elucidado a esse respeito, é para dizer claramente que quem isto subestimar será fortemente penalizado por todo esse eleitorado.

Esticar a corda, seja de um lado, ou seja do outro, mais à esquerda ou menos à esquerda, será sempre contraproducente, tanto mais que o que se notam são substantivos avanços e não recuos. Do mesmo modo que o precipitado aproveitamento de algum sinal que as sondagens possam fornecer o será inevitavelmente. A “marca”, a tal “marca” é já indissociável dos Partidos que sustentam este Governo e, estou convencido, esse mesmo Povo não perdoaria ao PS nem a arrogância nem o distanciamento.

O que esta solução governativa teve e tem de grande mérito é mesmo isso: é, na sua diversidade, os Partidos que a compõem terem conseguido estar juntos e coesos no essencial. No possível, ou no imediatamente possível melhor dito, em detrimento precisamente daquilo que ainda está fora do seu tempo e se mostra, neste momento, mais separador que agregador.

Devemos a este Governo os louros pelos resultados alcançados, mas devemos aos restantes Partidos da “coligação” (a que agora o PSD resolveu chamar de “Social Comunista”!) a justeza, firmeza e resiliência na exigência de medidas que pareciam impossíveis, mas que, como disse, se mostraram salutares e, igualmente de suprema importância, no desabar de um vetusto “tabu”: o de que os tais Partidos, a que as Direitas chamam de “Radicais”, estavam impossibilitados de pertencerem ao arco da governação.

E a quebra deste “tabu”, ao mesmo tempo que abriu importantes janelas para o futuro, abriu também a porta a cada vez maiores responsabilidades.

E hoje virei “analista”! Como diz um Irmão meu: dizes que não és, mas afinal…