(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 13/05/2017)
Clara Ferreira Alves
Parece que o primeiro-ministro, António Costa, vê sol nos dias de chuva. Vindas do Presidente, um homem que toma banho de mar no inverno e com a água a 12 graus, estas palavras têm graça. É um pouco como aquela deliciosa expressão portuguesa, diz o roto ao nu… Para os eternos pessimistas como eu, que veem a chuva que há de vir quando o sol brilha, um otimista é uma bênção. Por trás deste otimismo escondem-se coisas mais graves que desaguam numa conclusão dura. Esta coligação de esquerda, esta estranhíssima aliança entre europeístas e antieuropeístas, entre radicais e moderados, entre socialistas, bloquistas e comunistas, entre dois partidos que passaram uma boa parte da sua existência a combater o desvio capitalista (uma mania típica do esquerdismo) de um partido do centro do sistema, tem funcionado. E não só tem funcionado como tem dado resultados, embora se saiba que com outro presidente não funcionaria assim. Estou à vontade para escrever isto porque não gostei desta aliança e desconfiei dela. Ou por outra, nunca acreditei que pudesse governar com eficácia e préstimo. Governa. E tenho a certeza que muito do mérito vem da figura do primeiro-ministro, um homem que sabe de política e sabe o valor de negociar em política.
A direita, que não pode ver um António Costa que julga ser o usurpador do que lhe pertencia por direito consuetudinário, está furiosa e desorientada. A direita tem de perceber que parte substancial da responsabilidade do sucesso da esquerda também é sua. Não se consegue imaginar uma oposição mais desastrada, casuística, empírica, magra na retórica e esquelética no pragmatismo, do que a que Passos Coelho e os seus homens têm feito, dentro e fora do Parlamento. Muitas vezes, o discurso da oposição é teorizado por jornalistas e analistas, incluindo o porta-voz Marques Mendes, ou por um discurso vindo das esquerdas à esquerda do PS, enquanto os sociais-democratas se enredam no complexo do mau perdedor. Depois de mim o dilúvio? Sabe-se no que deu.
Em política, saber perder é mais importante do que saber ganhar. Passos Coelho teve um papel ingrato à frente do país numa fase histórica em que tivemos de pedir dinheiro emprestado e tivemos de ser castigados por isso. O erro fatal foi o de não só considerar que o castigo era bom para Portugal como a austeridade era necessária para reformar e purificar os pecados dos portugueses a viverem acima das suas possibilidades. Sabemos agora, por algumas investigações criminais, quem é que andava a viver acima das suas possibilidades, e não eram os pobres portugueses. Na frase imortal do ex-ministro Miguel Macedo, também ele indiciado por crime, o “país das cigarras” não era o dos pequenos funcionários públicos ou dos detentores de benefícios sociais como o rendimento mínimo. O país das cigarras era o dos banqueiros insolventes e falidos e dos altos quadros políticos do Estado sufragados pelo partido ou a nomeação. Passos Coelho pronunciou alguns dos discursos mais desastrados do ponto de vista político que alguém pode pronunciar, enredado na mania da verdade que tem de ser dita. E não levantou um dedo contra o tráfico das suas clientelas, que imediatamente tomaram posse dos grandes negócios do Estado e da venda do Estado. Enquanto Cavaco Silva foi Presidente isto passava, com a ajuda dos prosélitos da austeridade virtuosa, entretanto silenciados (ajudaram à vitória eleitoral não maioritária da coligação de direita). Quando Cavaco saiu, deixou de passar. Cavaco saiu com a popularidade de rastos, e Passos Coelho ficou para a história como o rosto severo dos anos da crise, da miséria e da perda de soberania. A pose de Passos e Maria Luís face à Alemanha era embaraçosa e escondia um desejo pouco patriótico de fazer a vontade ao patrão. Chamava-se a isto, antigamente, ser lambe-botas. Os portugueses não esqueceram. Nem toda a gente morre de amores por Costa e amigos, mas não esqueceram.
O PSD tem de arranjar um novo chefe e como o aparelho está inevitavelmente colado a Passos, e à remota possibilidade de Passos vir a reocupar o poder, não cede. Nenhuma ideologia preside a tais manobras. Trata-se de darwinismo político, luta pela sobrevivência, oportunismo e ganância. Com uns pós de ressentimento e vingança. Ora, a vingança sobre os portugueses tem péssimos resultados. É pior do que granizo depois de um dia de sol. O PSD tem de arranjar um pensamento e uma inteligência ou será comido vivo pela esquerda.
A Europa é uma questão interessante e nem um pio saiu do PSD, nestes últimos tempos, que sirva para um módico de reflexão. O partido está parado, paralisado no ódio a Marcelo e a Costa e entretido com a politiquice. Sem outro PSD, as reformas de que o país necessita jamais serão feitas. E sem outro PSD, António Costa não tem com quem conversar à direita e fica ainda mais refém da esquerda. O facto de Passos não entender isto não é teimosia. É suicídio.
´
Ovar, 14 de maio de 2017
Álvaro Teixeira