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domingo, 14 de maio de 2017

O SUICÍDIO DO PSD (estatuadesal)

 

(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 13/05/2017)
Autor
      Clara Ferreira Alves
Parece que o primeiro-ministro, António Costa, vê sol nos dias de chuva. Vindas do Presidente, um homem que toma banho de mar no inverno e com a água a 12 graus, estas palavras têm graça. É um pouco como aquela deliciosa expressão portuguesa, diz o roto ao nu… Para os eternos pessimistas como eu, que veem a chuva que há de vir quando o sol brilha, um otimista é uma bênção. Por trás deste otimismo escondem-se coisas mais graves que desaguam numa conclusão dura. Esta coligação de esquerda, esta estranhíssima aliança entre europeístas e antieuropeístas, entre radicais e moderados, entre socialistas, bloquistas e comunistas, entre dois partidos que passaram uma boa parte da sua existência a combater o desvio capitalista (uma mania típica do esquerdismo) de um partido do centro do sistema, tem funcionado. E não só tem funcionado como tem dado resultados, embora se saiba que com outro presidente não funcionaria assim. Estou à vontade para escrever isto porque não gostei desta aliança e desconfiei dela. Ou por outra, nunca acreditei que pudesse governar com eficácia e préstimo. Governa. E tenho a certeza que muito do mérito vem da figura do primeiro-ministro, um homem que sabe de política e sabe o valor de negociar em política.
A direita, que não pode ver um António Costa que julga ser o usurpador do que lhe pertencia por direito consuetudinário, está furiosa e desorientada. A direita tem de perceber que parte substancial da responsabilidade do sucesso da esquerda também é sua. Não se consegue imaginar uma oposição mais desastrada, casuística, empírica, magra na retórica e esquelética no pragmatismo, do que a que Passos Coelho e os seus homens têm feito, dentro e fora do Parlamento. Muitas vezes, o discurso da oposição é teorizado por jornalistas e analistas, incluindo o porta-voz Marques Mendes, ou por um discurso vindo das esquerdas à esquerda do PS, enquanto os sociais-democratas se enredam no complexo do mau perdedor. Depois de mim o dilúvio? Sabe-se no que deu.
Em política, saber perder é mais importante do que saber ganhar. Passos Coelho teve um papel ingrato à frente do país numa fase histórica em que tivemos de pedir dinheiro emprestado e tivemos de ser castigados por isso. O erro fatal foi o de não só considerar que o castigo era bom para Portugal como a austeridade era necessária para reformar e purificar os pecados dos portugueses a viverem acima das suas possibilidades. Sabemos agora, por algumas investigações criminais, quem é que andava a viver acima das suas possibilidades, e não eram os pobres portugueses. Na frase imortal do ex-ministro Miguel Macedo, também ele indiciado por crime, o “país das cigarras” não era o dos pequenos funcionários públicos ou dos detentores de benefícios sociais como o rendimento mínimo. O país das cigarras era o dos banqueiros insolventes e falidos e dos altos quadros políticos do Estado sufragados pelo partido ou a nomeação. Passos Coelho pronunciou alguns dos discursos mais desastrados do ponto de vista político que alguém pode pronunciar, enredado na mania da verdade que tem de ser dita. E não levantou um dedo contra o tráfico das suas clientelas, que imediatamente tomaram posse dos grandes negócios do Estado e da venda do Estado. Enquanto Cavaco Silva foi Presidente isto passava, com a ajuda dos prosélitos da austeridade virtuosa, entretanto silenciados (ajudaram à vitória eleitoral não maioritária da coligação de direita). Quando Cavaco saiu, deixou de passar. Cavaco saiu com a popularidade de rastos, e Passos Coelho ficou para a história como o rosto severo dos anos da crise, da miséria e da perda de soberania. A pose de Passos e Maria Luís face à Alemanha era embaraçosa e escondia um desejo pouco patriótico de fazer a vontade ao patrão. Chamava-se a isto, antigamente, ser lambe-botas. Os portugueses não esqueceram. Nem toda a gente morre de amores por Costa e amigos, mas não esqueceram.
O PSD tem de arranjar um novo chefe e como o aparelho está inevitavelmente colado a Passos, e à remota possibilidade de Passos vir a reocupar o poder, não cede. Nenhuma ideologia preside a tais manobras. Trata-se de darwinismo político, luta pela sobrevivência, oportunismo e ganância. Com uns pós de ressentimento e vingança. Ora, a vingança sobre os portugueses tem péssimos resultados. É pior do que granizo depois de um dia de sol. O PSD tem de arranjar um pensamento e uma inteligência ou será comido vivo pela esquerda.
A Europa é uma questão interessante e nem um pio saiu do PSD, nestes últimos tempos, que sirva para um módico de reflexão. O partido está parado, paralisado no ódio a Marcelo e a Costa e entretido com a politiquice. Sem outro PSD, as reformas de que o país necessita jamais serão feitas. E sem outro PSD, António Costa não tem com quem conversar à direita e fica ainda mais refém da esquerda. O facto de Passos não entender isto não é teimosia. É suicídio.
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Ovar, 14 de maio de 2017
Álvaro Teixeira

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Sociopatas e assassinos com o mundo nas mãos

José Goulão

José Goulão
Dirigentes sociopatas e assassinos com o destino do mundo nas mãos estão livres e à solta, protegidos, acarinhados até como salvadores dentro da bolha mediática. Se não forem os cidadãos livres, inconformados e informados a dar o alerta quem o fará por eles?
 
Donald Trump e Wilbur Ross

Donald Trump e Wilbur Ross / Agência Lusa
O frequentador, ainda que ocasional, da bolha mediática que envolve o mundo de hoje vive sob anestesia daqueles que serão, com elevado grau de probabilidade, os derradeiros tempos da situação planetária tal como a temos conhecido. Entretido com as peripécias engendradas para instaurar a censura férrea na internet a pretexto das fake news (notícias falsas) nas redes sociais – uma campanha conduzida pelos grandes operadores mediáticos, que assim pretendem reservar para si o monopólio das fake news – o desprevenido cidadão passa ao largo da multiplicação de manobras letais conduzidas por mentes assassinas que ascenderam ao governo mundial.
É verdade que conhecemos ao pormenor as intenções do agora benquisto presidente dos Estados Unidos para castigar o atrevimento do seu congénere da Coreia do Norte, que pretende ter bombas atómicas tal como Israel, por exemplo, com a diferença de que não esconde as suas intenções.
No entanto, quem se der por informado através do conteúdo dos telejornais, das publicações sensacionalistas ou de referência, tanto faz, fica a ignorar as duas outras facetas do mesmo problema: que a ameaça de Donald Trump e dos senhores da guerra que agora ocupam por completo a sua corte se dirige verdadeiramente contra a China; e que, como um espelho de feira da sua metade Norte, ampliando e distorcendo os defeitos, a Coreia do Sul é uma colónia norte-americana infestada de armas nucleares e funcionando em ditadura maquilhada de modo a parecer uma democracia neoliberal.
A versão incompleta, logo distorcida, transformou-se em regra na abordagem dos temas de envergadura mundial que se vão sucedendo nas manchetes e gritaria mediática, através das quais se repetem as mensagens primárias e maniqueístas para cada um decorar e multiplicar. O essencial fica por explicar, para não maçar as pessoas com coisas complicadas, para não sobrecarregar a sua limitada capacidade de atenção, ou porque não há tempo e os anunciantes reclamam o seu espaço, principescamente recompensado em numerário.
Através desta estratégia censória esconde-se da generalidade dos cidadãos o abismo para o qual o mundo caminha agora apressadamente, iluminado pela tese cada vez mais ganhadora de que os avanços tecnológicos e científicos no domínio militar permitem a utilização circunscrita de bombas atómicas, sem que haja risco de uma hecatombe nuclear generalizada.
E na bolha mediática não irrompe qualquer abcesso de inquietação, ao menos para gritar uma advertência do género salve-se quem puder. Pelo contrário, se acaso o assunto é aflorado por ilustres comentadores, uma tal tese é considerada verídica, podemos então dormir descansados, a desgraça será longínqua e limitada.
O Centro de Informação Nuclear das Forças Armadas dos Estados Unidos anunciou que foram testados há pouco, com êxito absoluto, os componentes inertes da nova bomba atómica B61-12, na verdade um novo engenho com capacidade para furar bunkers de silos nucleares e dispondo de quatro opções de potências selecionáveis entre 0,3 e 50 quilotoneladas, o que permite «dimensionar» os danos pretendidos.
«Wilbur Ross, secretário do Comércio de Trump, disse esta semana, durante uma conferência na Califórnia, que o bombardeamento contra a base de Cheirat na Síria, provocando a morte de vários civis, foi "uma sobremesa", um "divertimento" (...)»
Além disso, a Boeing forneceu um novo sistema de orientação que permite ao engenho procurar o alvo, dispensando-se o lançamento na vertical, considerado menos preciso. Enfim, tudo mais controlável, com a vantagem de a nova bomba ser utilizável pelos já existentes F-16 e Tornado, evitando a espera pelos míticos F-35, já vendidos a uma série de países da NATO sem existir um único protótipo.
A recepção da nova bomba atómica começou, aliás, a ser preparada no interior da NATO através do treino de pilotos de várias nacionalidades, designadamente italianos, belgas, alemães, holandeses e, para que conste, também turcos e polacos – oriundos, portanto, de uma ditadura fundamentalista islâmica e de um regime fascizante.
Em simultâneo, decorreu em Nova Iorque uma simulação de operações de socorro no caso de um ataque nuclear. Os comentários advertindo que um exercício deste tipo só faz sentido para precaver a defesa contra uma resposta nuclear a um eventual ataque norte-americano foram qualificados, obviamente, como fruto de teorias da conspiração, talvez de fake news das não toleráveis. Sim porque existe aquele incontestável soundbite garantindo que todas as armas norte-americanas são defensivas, Washington jamais atacará primeiro.
Por isso se condena a ousadia da China ao exigir a retirada do sistema THAAD de «defesa» antimíssil que os norte-americanos instalaram na Coreia do Sul; a exemplo dos escudos «defensivos» operacionais na Polónia, na Roménia e outros países da Europa de Leste, que eram contra o «perigo iraniano» e acabaram convertidos em prevenção contra a «ameaça russa»; tal como os SCUD oferecidos a Israel enquanto a NATO destruía o Iraque, a Líbia, a Síria, o Iémen, a Somália, o Afeganistão, o que mais adiante se verá.
Do mesmo modo que no caso da China, devem condenar-se igualmente os injustificados protestos russos e de países árabes contra os engenhos «defensivos» plantados nos territórios vizinhos. Portem-se bem e nada terão que temer.
Porém, em boa verdade o melhor ataque é a defesa. Os sistemas antimísseis multiplicados pelas Forças Armadas norte-americanas em zonas de conflito e frente às potências rivais pretendem assegurar a impunidade depois de um primeiro golpe; isto é, têm como principal objectivo garantir que a resposta de um país atingido pelo primeiro ataque será sempre menos eficaz do que este. E como agora já podem dosear-se os efeitos de uma agressão atómica, eis uma situação comprovando a tese da guerra nuclear limitada.
Wilbur Ross, secretário do Comércio de Trump, disse esta semana, durante uma conferência na Califórnia, que o bombardeamento contra a base de Cheirat na Síria, provocando a morte de vários civis, foi «uma sobremesa», um «divertimento» no final do jantar que o presidente norte-americano oferecia na ocasião ao homólogo chinês. Uma mensagem servida com um drink, em jeito de brinde. Em Roma, o circo para sacrificar seres humanos era limitado ao Coliseu; agora tem dimensões planetárias.
Sabe-se, entretanto, que os últimos lugares vagos na corte de Trump deixados por nomeados que se opunham à política de confrontação militar foram ocupados por Kurt Volker e Tom Goffus, duas figuras republicanas da máxima confiança do falcão John McCain, por sinal o elo de ligação entre o establishment norte-americano e os principais grupos terroristas ditos islâmicos, entre eles o Daesh ou Estado Islâmico.
Enquanto isso, as Forças Armadas dos Estados Unidos fizeram dois testes com mísseis balísticos intercontinentais «para validar e verificar a eficácia, prontidão e precisão do sistema de armas nucleares».
Dirigentes sociopatas e assassinos com o destino do mundo nas mãos estão livres e à solta, protegidos, acarinhados até como salvadores dentro da bolha mediática. Se não forem os cidadãos livres, inconformados e informados a dar o alerta quem o fará por eles?

Coimbra, 11 de Maio de 2017
Álvaro Teixeira

A Mercedes no Cais do Sodré

Tiago Freire
Tiago Freire | tiagofreire@negocios.pt 10 de maio de 2017 às 00:01

A Mercedes no Cais do Sodré

O slogan da Mercedes afirma que quer "The best or nothing". Portugal não será, no cômputo geral, o "best", mas tem características que estão a ser valorizadas pelas grandes multinacionais.
Basta correr o fluxo noticioso desta terça-feira para, sem grande esforço, encontrarmos vários exemplos positivos para Portugal e para o seu mercado de trabalho. Começando pela Mota-Engil, que lança nova edição do seu programa de "trainees", procurando integrar 100 jovens talentos nas várias regiões em que se encontra presente. A tecnológica CGI inaugurou em Portugal um "Cloud Innovation Center", que pretende servir outros países europeus e que prevê a criação de 80 postos de trabalho qualificados. E a Mercedes, com direito a toda a pompa e circunstância políticas, anunciou a instalação em Lisboa (para já no Cais do Sodré) do seu novo centro de competências digital, que a partir da capital portuguesa irá servir vários mercados. Com a criação de mais de uma centena de empregos. Outro bom exemplo, entre vários, foi o centro da Euronext no Porto.
Tal como acontece com a enxurrada do turismo, também as empresas estão a descobrir Portugal, e aquilo que os portugueses já sabiam: temos bom clima, um povo amistoso e aberto às outras nacionalidades, jovens profissionais com uma qualificação crescente e bons em línguas, temos segurança, boas infraestruturas tecnológicas e um custo de vida bastante aceitável.
E há, claro, aquilo que os investidores não gostam de salientar, mas que continua a ser muito importante: temos salários baixos e, como tal, competitivos. Não há que ter vergonha disto, ainda que António Costa insista, e bem, que não queremos apostar num modelo de salários baixos. As coisas são o que são, e esta é uma vantagem competitiva. Costa tem razão, porque como é evidente há muitos lugares no mundo com custos laborais mais baixos e uma legislação muito mais desregulada do que a nossa. Mas que ajuda, é indesmentível. O truque está no rácio dos vários factores, e aí somos, de facto, muito competitivos.
Este Portugal moderno e digital, que vai vivendo de ilhas cada vez maiores que se vão ligando e estendendo a sua influência, é um oxigénio importante para o nosso futuro. Para mitigar a emigração forçada dos nossos jovens, pelo fluxo de criatividade que se estabelece, pelos efeitos de arrasto sobre o resto da economia.
Não se conhecem os incentivos dados à Mercedes, a nível fiscal ou outro. Mas terão sido, certamente, generosos e bem dados. A captação de investimento estrangeiro é essencial num país sedento de capital. Falta agora que esta atitude pró-negócios se estenda também às empresas portuguesas, que criam riqueza e postos de trabalho. Sem preconceitos.

Coimbra, 11 de maio de 2017
Álvaro Teixeira

O rei, o bobo e o Porto

 

(Mariana Mortágua, in Jornal de Notícias, 09/05/2017)

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Já conhecemos a fórmula de Rui Moreira: a cidade espetáculo da “marca Porto.”, a repetição de anúncios por concretizar, a guerra aos partidos. Assim se investiu vice-rei do Norte, ocupando o centrão nas impotentes barbas de PSD e PS.

Há quatro anos, Rui Moreira era o anti-Menezes: contra o político dinossauro e esbanjador, a aposta no independente antipartidos que bate o pé a Lisboa. Por conveniência, o PS submeteu-se à narrativa e, até ao fim de semana passado, ajudou a fazer de Moreira o produto final da decomposição política no Porto. Moreira é um caudilho que não hesita em devorar quem lhe abriu caminho, roubando-lhes o palco e os velhos métodos.

Hoje conhecemos melhor o presidente da Câmara do Porto. A política-espetáculo evita a mobilização democrática, para que nada faça sombra ao projeto pessoalizado e aventureiro. Politiquice primária e ausência de pensamento coletivo de um rumo para a cidade que não vem no postal, a que perde população, onde a pobreza persiste e é quase impossível arrendar casa.

Rui Moreira mandou no Porto, incluindo em Pizarro. Enquanto na Assembleia da República os dirigentes socialistas portuenses ajudavam a aprovar avanços importantes (como a lei das rendas apoiadas ou o imposto sobre património de luxo), na cidade calavam-se perante as críticas de Moreira a essas mesmas medidas. Isto para não falar do apoio, tão entusiasmado quanto acrítico, ao mandato do presidente. A subserviência foi inequívoca, de tal forma que o apoio do PS à candidatura de Rui Moreira foi decidido por unanimidade. Tal votação “não é comum com um candidato do PS, quanto mais neste cenário, o que reforça o caminho que os socialistas estão a fazer no Porto”, dizia há seis meses o deputado e líder da Concelhia do PS, Tiago Barbosa Ribeiro.

Manuel Pizarro foi mestre e executante deste processo de anulação política do PS. Enfrentou tudo e todos defendendo a continuação do apoio a Moreira. Foi preciso António Costa obrigá-lo a avançar, mesmo se a consequência é o vazio da política: como pode quem, até sexta-feira, tanto elogiava o mandato de Rui Moreira apresentar-se no sábado como uma alternativa política?

A candidatura de Manuel Pizarro à Câmara do Porto é uma impossibilidade programática. Quem durante quatro anos apoiou Rui Moreira, queimando as pontes à Esquerda, não pode ter um projeto credível.

Nesta história de cortesãos, cabe pouco Porto. Moreira e Pizarro esqueceram-se dele. Está fora das jogadas e do palácio, a ver a triste dança dos barões. E não tem de ser assim.

 

Coimbra, 11 de Maio de 2017

Álvaro Teixeira

Salvar o capitalismo para quê? (estátuadesal)

 

(Maria de Lurdes Rodrigues, in Diário de Notícias, 10/05/2017)
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Robert Reich profere amanhã, quinta-feira 11, no ISCTE, uma conferência intitulada "Como a desigualdade nos Estados Unidos criou Trump: um aviso à Europa". Vale a pena assistir, como vale a pena conhecer as ideias e propostas deste economista norte-americano, professor de políticas públicas na Universidade de Berkeley, com uma intervenção cívica intensa na vida do seu país.
A originalidade de Robert Reich está em defender, simultaneamente, o capitalismo e mais justiça social. Afasta-se dos que, à esquerda, defendem um estado de grande dimensão e com forte presença na economia e é mais radical do que os defensores do Estado social europeu por defender mais distribuição da riqueza criada e não apenas mais redistribuição.
Reich combina nos seus trabalhos a análise rigorosa de dados históricos e séries longas de indicadores estatísticos sobre a evolução da economia norte-americana, com a formulação de propostas concretas de intervenção política, visando uma mudança das regras de constituição, funcionamento, regulação e controlo dos mercados, em quatro planos principais: propriedade, monopólios, contratos e falências.
No plano da propriedade, discute a necessidade de se imporem limites à apropriação e privatização de bens públicos, bem como à vigência e abrangência da propriedade intelectual e das patentes. Entre outros exemplos de práticas discutíveis, aponta o facto de a Google e a Apple terem, nos últimos anos, investido mais dinheiro a adquirir e a litigar sobre patentes do que a financiar investigação e desenvolvimento.
No plano dos monopólios, lembra que as leis antimonopolistas, quando foram inventadas, não se destinavam apenas, nem sobretudo, a defender os princípios da livre concorrência e a proteger os consumidores. Desde o início que, nos EUA, os "pais fundadores" tiveram a intenção de impedir a concentração do poder económico e a consequente emergência de agentes económicos com excessivo poder de influência sobre o poder político. E não se está a falar aqui de corrupção, mas apenas no poder de influência sobre a adoção de regras e escolhas que põem em causa o interesse coletivo e o bem comum. São numerosos os casos conhecidos, não apenas nos EUA, da incapacidade de os governos regularem e controlarem o funcionamento de certos mercados em consequência do excessivo poder de agentes económicos e da sua influência sobre as escolhas políticas e as suas condições de exercício.
No plano dos contratos, analisa a evolução das regras de regulação das relações de trabalho, observando a perda de capacidade negocial dos sindicatos e o impacto desta perda na degradação das condições de trabalho, sobretudo salariais, e no aumento das desigualdades. Conclui ser necessário reforçar todas as formas de negociação e de poder da parte mais fraca nas relações contratuais, sejam os trabalhadores ou os consumidores.
No plano das falências, analisa a evolução das regras da sua regulação, concluindo que, atualmente, a distribuição dos riscos resultantes das falências pesam muito mais sobre os trabalhadores e os contribuintes do que sobre os acionistas e os investidores. No caso da recente crise do sistema financeiro e das dívidas soberanas, pudemos observar como parte dos prejuízos privados foram transformados em prejuízos públicos, pesando sobretudo sobre os contribuintes.
Robert Reich defende a necessidade, antes de tudo, de políticas distributivas, como o salário mínimo, a negociação e a contratação coletiva e políticas fiscais fortemente progressivas. Defende-o muitas vezes de modo bem mais radical do que os sociais-democratas europeus. Mas é bastante distante da esquerda anticapitalista, porque defende a economia de mercado como essencial à democracia. De facto, se o capitalismo tem sobrevivido em todo o tipo de regimes políticos, a democracia tem florescido sobretudo em economias de mercado. Por isso o capitalismo deve ser salvo, mas, simultaneamente, profundamente reformado para que o seu desenvolvimento beneficie a maioria e não apenas uns poucos mais poderosos.
Ideias feitas
Os partidos são dispensáveis?
Não, os partidos políticos são indispensáveis à democracia.
Existe hoje quem manifeste, de muitas formas, uma fobia aos partidos políticos e uma adesão entusiasta às lideranças personificadas, apoiadas ou não em movimentos de apoio conjunturais e de fraca organização. Macron com o seu "En Marche", Rui Moreira com o seu "O Meu Partido é o Porto" são os exemplos desta semana.
Os partidos, enquanto instituições democráticas, existem por duas razões muito importantes: enquadrar e viabilizar a participação política dos cidadãos em torno de ideias políticas claras e coerentes e evitar o excesso de poder dos líderes políticos. Para atingir estes objetivos, ainda não inventámos melhores soluções.
Pode acontecer que os partidos políticos não estejam hoje a dar voz a todos, que não se esgotem neles os motivos de mobilização, ou que precisem de ser profundamente renovados. Mas não se retire daí que podem ser substituídos por nada ou por movimentos mais ou menos inorgânicos sem riscos maiores do que aqueles que se queria corrigir.

Coimbra, 11 de maio de 2017
Álvaro Teixeira