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sábado, 9 de setembro de 2017

A tirania da luz



por estatuadesal

(António Guerreiro, in Público, 08/09/2017)

Guerreiro

António Guerreiro

Um longo e interessante artigo do astrofísico Raul Cerveira Lima, Deixar a Noite Ser Noite, publicado neste jornal no domingo passado, faz-nos perceber, com eloquência analítica, um tipo de poluição que se esconde no seu excesso de visibilidade: a poluição luminosa. É hoje difícil, mesmo em zonas do Alentejo interior, diz Raul Cerveira Lima, encontrar condições para contemplar o esplendor da noite porque a luz artificial das cidades e das vilas propaga-se a todo o lado. Até nos campos, onde quer que exista uma casa, foram disseminados postos públicos de luz. Estamos submetidos a uma tirania da luz, mas essa tirania não começou no nosso tempo nem é explicável apenas como um resultado da urbanização generalizada e da colonização tecnológica: ela tem atrás de si uma longa história filosófica, cultural e política. Goethe, ao morrer, pediu mais luz, “mehr Licht”. E essa exigência, que poderia ser apenas a resistência de um homem de muita idade à extinção, ganhou uma outra dimensão. No pensamento ocidental, um traço fundamental é a relação entre a luz e a razão, e entre a sombras e o irracional. Daí que se tenha considerado a luz, enquanto metáfora da verdade, uma “metáfora absoluta”, instrumento de organização do nosso mundo, como se pode perceber nas palavras e expressões que serviram para designar certas épocas: a Idade Média foi designada durante séculos como Idade das Trevas por se entender que não procurava a claridade racional. E o Iluminismo, ou Idade das Luzes, foi a designação metafórica para uma época que inaugura a razão crítica moderna, com a sua ideia de secularização, de progresso histórico e de emancipação através do saber. Na base da tirania da luz, de que sofremos hoje, está evidentemente o “ocularcentrismo”, um conceito que designa o privilégio epistemológico concedido à visão: ver é o fim — o objectivo — e o critério do pensamento.

Impedir que a noite seja noite tem sido o desígnio alcançado com grande eficiência pelo capitalismo contemporâneo. Dessa conquista, tratou um ensaísta e crítico de arte americano, chamado Jonathan Crary, num livro de 2013 intitulado 24/7. Late Capitalism and the Ends of Sleep. Crary descreve e analisa este mundo que permanece em funcionamento vinte e quatro horas durante os sete dias da semana, para que a produção e o consumo não tenham interrupções. Para conquistar o tempo inútil do sono, para erradicar o shabbath e impor um tempo homogéneo sem feriados nem dias festivos, impôs à noite luzes cada vez mais fortes.

A extinção da noite é um fenómeno das grandes metrópoles, como Nova Iorque, difundido como uma tendência universal. Quem primeiro intuiu o que se estava a passar foi Pasolini, que num célebre texto de Fevereiro de 1975, publicado no Corriere della Sera, atribuiu um significado apocalíptico ao desaparecimento dos pirilampos por causa da poluição química e da poluição luminosa (a claridade dos “ferozes projectores”): tratava-se, nas palavras de Pasolini, da consumação de um “genocídio cultural”. Hoje podemos perceber que a tirania da luz é uma necessidade básica da sociedade da atenção e da mobilização permanentes.

O estado de vigilância (fomentado e garantido por um Estado vigilante e pela governamentalidade que lhe corresponde) e a exigência securitária impuseram-se como imperativos aos indivíduos e às instituições. E isso requer luz, cada vez mais luz. É preciso que todos estejamos acordados e, além disso, não nos ponhamos a olhar para as estrelas, perdendo o pé na superfície acidentada da terra, como aconteceu ao distraído astrónomo e protofilósofo Tales de Mileto.

As greves “más” e as greves “boas”



por estatuadesal
(Por Estátua de Sal, 09/09/2017)
A cavaca
O país anda confrontado com greves, as que se fazem ou já se fizeram, mais aquelas que estão anunciadas, e parece que há, para a comunicação social dominada pela direita, umas que são "boas" ou neutras e outras que são "más". Passo a explicar.
No caso da Auto Europa a greve era muito "má". Era o PCP, através da CGTP, que andaria a manipular os trabalhadores para ter ganhos de causa na discussão do orçamento (o espírito conspirador dos comentadores da direita chega a ser ridículo). E era uma greve "má" porque os alemães ainda fazem as malas e vão-se embora, as exportações caem, o PIB desmaia, o Estado fica sem dinheiro e lá vem a troika outra vez. Enfim, uma desgraça. Como se os trabalhadores fossem todos uma cambada de anormais que não conseguissem ver o que é melhor para eles, podendo votar livremente as deliberações colectivas, como o fizeram, e viesse o PCP obrigá-los a votar mal e, pior ainda, a votar contra os seus próprios interesses. E quando as greves são das "más", os comentadores de serviço começam sempre por dizer que "a greve é um direito legítimo dos trabalhadores e está inscrito na constituição", mas acrescentam logo que não pode ser usado de qualquer maneira, bla, bla, bla. Quer dizer, existe o direito à greve mas não se deve usar o direito à greve, porque é mau para o país e para os próprios trabalhadores exercerem esse direito. Ora, se o exercício de tal direito traz resultados perniciosos para todos, a que título é constitucional, pergunto eu? A resposta é simples, a direita aceita o direito à greve, em termos do texto constitucional, desde que tal direito não seja exercido nunca, na prática. Quando é exercido, no caso das greves "más", é um coro de assobios que se ouvem das bancadas dos opinantes comentadores. Isto no caso das greves "más", porque no caso das  "boas", é o malandro do empregador (leia-se o Estado) que se porta mal.
Uma greve "boa" é a greve dos enfermeiros que está anunciada. Curiosamente, neste caso, como a greve nada tem a ver com a CGTP, antes pelo contrário, ela já é "boa" ou neutra. E a comunicação social não diz que os enfermeiros estão a ser manipulados pela bastonária, Ana Rita Cavaco, dilecta prosélita de Passos Coelho e pertencente à Comissão Nacional do PSD, o que é estranho. E mesmo se estiverem a ser manipulados pela bastonária, com o objectivo de causar dificuldades ao governo na gestão do déficit e da dívida pública, e de criar ao mesmo tempo um clima de intranquilidade social no sector da saúde que ensombre os bons resultados que estão a acontecer na frente económica, tudo isso não é suficiente para que seja considerada uma greve "má". Se acrescentarmos a tudo isso que, contrariamente ao ocorrido na Auto Europa em que a greve foi causada pelo facto de o empregador se propor reduzir direitos dos trabalhadores, esta greve dos enfermeiros resultar de reivindicações irrealistas dos próprios enfermeiros que pretendem aumentos na casa dos 100% que qualquer mortal - a começar pelos próprios enfermeiros -, sabe que não podem ser atendidos, mesmo assim ainda não é tida como uma greve "má".
Ora, como diz o blog 77 Colinas onde obtive a ilustração deste texto, e passo a citar: "Ana Rita Cavaco, Bastonária da Ordem dos enfermeiros e dirigente do PSD, durante o reinado pafioso, não apareceu a contestar quando os enfermeiros tinham que emigrar para ganhar mais que os 3 ou 4 euros/hora que lhes eram oferecidos. Agora, como convém à sua cor política, aparece a reivindicar aumentos de 800 euros. Ao Cavaco, sucedeu uma Cavaca. "
Mas estas greves "boas" promovidas pelo Coelho e seus sequazes tem ainda um outro objectivo: tentar provar que a austeridade não acabou com o governo da Geringonça, contrariamente ao que António Costa afirma, pelo que a direita tenta passar a ideia que aquilo que a fez tombar - o excesso de austeridade -, não deve ser um critério para o eleitorado decidir as suas escolhas porque, no fim da linha, todos tem que fazer austeridade.
O que a direita ainda não interiorizou é que os portugueses já conseguem distinguir entre aqueles que praticam a austeridade com todo o gosto e um sorriso sádico nos lábios e aqueles que, praticando-a, o fazem contrariados e tentando reduzir ao mínimo a carga que cai sobre os que menos podem. E é esse pequeno detalhe que os irá afastar do poder, felizmente, por muitos anos.
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“Jornalismo” militante na imprensa empenhada

09/09/2017 por j. manuel cordeiro

O Jornal Económico pegou num artigo do Financial Times com um ano (de Setembro de 2016), traduziu-o, publicou o seu próprio resumo, partilhou-o no Facebook e depois apagou-o.
«“Portugal está no centro de uma tempestade perfeita”, realça o Financial Times» (Google cache), assim titulou Leonor Mateus Ferreira a peça em causa. Nela se encontra o descrédito que os sábios estrangeiros sentenciam sobre Portugal e que os indígenas, ignorantes e manipulados por uma comunicação social comprada, não reconhecem. É o que se poderia pensar sobre o assunto, não estivéssemos nós perante uma variante de fake news.
Foi precipitação de quem não reparou na data, tal era o entusiasmo com a oportunidade de citar um cronista estrangeiro qualquer? Não sabemos, o jornal optou por apagar silenciosamente o artigo, sem se dignar a dar uma palavra aos leitores. Como se o que vai para a net alguma vez desaparecesse. Pega-se num artigo de opinião, dá-se-lhe um título assassino, eleva-se-o ao estatuto de ser um jornal a dizê-lo, estrangeiro, ainda para mais, e assim temos spin nacional para encher caixas de ressonância (teve 1.6 mil partilhas no Facebook).

Verdadeira filhadaputíce

09/09/2017 por j. manuel cordeiro

Há dias, a direita lançou a sua campanha de boatos , mais uma, dizendo que o Estado (ler o Governo) açambarcou os milhões  doados pelos portugueses e que não se sabe onde os está a gastar (insinua-se que será para fins eleitorais). Veja-se a perfída dos usurpadores (sim, continua existir quem defenda a tese), ficarem com a lavagem de consciência dos portugueses (ler donativos). Milhões e milhões de euros. Uns porcos.
Como a mentira tem a perna curta, logo se soube que esses milhões foram, quase todos, para os beatos ligados ao PSD e CDS. Afinal, são as instituições privadas do negócio da “economia social” (ler caridade), que tão empolgadas e beneficiadas foram pelo anterior governo, que têm o grosso das contas a prestar. Constatado o tiro no próprio pé, alguém precisava de dar a cambalhota gelatinosa para justificar o injustificável. Coube a vez ao douto Duarte Marques proceder à reescrita da verdade.

Um abraço, Zé Carlos!

09/09/2017 por Autor Convidado

jose_carlos_lima
Miguel Teixeira
Dizia Victor Hugo, escritor , dramaturgo e político, que “a imprensa é a sagrada e imensa locomotiva do progresso”. Esta semana, um dos grandes jornalistas deste país, que ajudou a desenvolver o espaço geográfico do Minho nas últimas duas décadas, partiu para aquele lugar onde repousam os homens bons.
Conheci o José Carlos Lima num dia que não consigo precisar, no ano de 1998, no ano em que julgo que ele era um estagiário do curso de comunicação social da Universidade do Minho.
Telefonou-me do seu local de trabalho, o Jornal Diário do Minho, para me questionar sobre a estratégia da minha direção política para a Federação Distrital de Braga da JS. Eu tinha acabado de ser reeleito Presidente da Federação Distrital de Braga da JS, num Congresso realizado em Fafe e vivia um momento particularmente feliz da minha passagem pela política ativa.
No mesmo telefonema e depois de se apresentar como jornalista daquele jornal que eu sempre vi como o de maior audiência e com maior alcance social no Distrito de Braga, (julgo que nessa época eu já conhecia o José Ferreira e o Abel Coentrão, dois outros nomes incontornáveis deste mítico jornal), o Zé Carlos depois de me ouvir sobre as grandes linhas de intervenção política da estrutura distrital da JS , disponibilizou-se para ajudar a divulgar as nossas iniciativas, deixando-me o seu número direto.
Seguiram-se inúmeros telefonemas, à medida que os nossos comunicados iam caindo na redação do Diário do Minho. Mais tarde, na Assembleia da República, e quase sempre que eu endereçava requerimentos a vários ministérios solicitando ao governo informações sobre obras e empreendimentos previstos para o Distrito ou sub-região de Basto, ou fazendo intervenções de caráter regional no plenário da Assembleia da República , o José Carlos veiculava para o Distrito de Braga o essencial das reivindicações que eu ia produzindo.
Respeitou-me sempre, mesmo depois de eu ter abandonado a política e ter assumido a Direção da ADBasto e a função de editor do Jornal O Basto solicitando-me sempre informações sobre factos que iam sucedendo em Cabeceiras, o que demonstra o seu enorme profissionalismo e independência face a poderes instituídos.
Foi para mim uma enorme tristeza saber da partida do José Carlos, num trágico acidente de viação. O Distrito de Braga perdeu um dos mais dignos representantes da imprensa regional. Recordo-o como um homem que fazia jornalismo a sério.
Que a sua alma descanse em paz.
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