por estatuadesal
(Francisco Louçã, in Público, 08/11/2017)
“Lisboa, tantos de tal de 2014 – A crise política portuguesa ganhou novos contornos quando o PSD e CDS emitiram hoje um comunicado conjunto considerando que a prisão sem fiança de Passos Coelho, Assunção Cristas e outros ministros os constituía como ‘presos políticos’. Como é sabido, o tribunal aceitou a diligência do procurador Silva, que acusa os governantes de ‘associação delinquente’, logo depois do seu quarto orçamento retificativo ter sido considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no que respeita ao corte de pensões a pagamento. O magistrado queixou-se de não haver na ordem jurídica a figura de ‘traição à Pátria’ e explicou que só por isso usou a acusação de ‘conspiração’ para ‘defraudar os pensionistas e subtrair-lhes parte da sua pensão’, considerando que, se todos os orçamentos procuraram o mesmo objectivo, ‘conspiração’ é o termo adequado, não havendo a comparável figura da ‘sedição’ da lei espanhola. O pretendente a rei de Portugal condenou no Facebook a forma contumaz de procedimento do governo agora demitido. O governo de Madrid também emitiu um comunicado apoiando a decisão do tribunal português.”
Antes de pensar em manifestar-se contra qualquer coisa, seja a sobreposição da justiça ao resultado eleitoral legítimo, seja a perseguição aos dirigentes da direita por delito de opinião, seja a utilização do processo judicial para resolver questões políticas, atente o leitor que este despacho noticioso nunca poderia existir em Portugal. De facto, os pesos e contrabalanços têm funcionado: enquanto o governo PSD-CDS aplicavam as medidas da troika, parlamentares e mesmo o presidente então em funções enviaram algumas das disposições do Orçamento para apreciação pelo Tribunal Constitucional (e ganharam sempre). Mas as declarações de inconstitucionalidade – mesmo que repetidas, quase sempre para avaliarem medidas com o mesmo objectivo, cortar pensões – só forçaram à correcção dessas medidas do Orçamento. Não houve prisão dos membros do governo, que aliás continuariam nos orçamentos seguintes a buscar o mesmo desígnio. A declaração de inconstitucionalidade pelo respectivo Tribunal é em Portugal uma forma de verificação do exercício dos poderes, não uma forma de instigar a perseguição aos governantes pelos seus actos ou opiniões.
Em Espanha parece haver um entendimento diferente. Membros do governo catalão estão presos e os parlamentares que votaram uma resolução, depois considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, podem também vir a ser presos. Alguns ministros, apesar de se terem apresentado voluntariamente em tribunal, ao contrário de Puigdemont, aguardam julgamento em cárcere. Teremos portanto eleições com alguns dos principais candidatos presos ou ameaçados de prisão.
Há em consequência dois efeitos nefastos desta estratégia repressiva. Um é a instrumentalização e partidarização da justiça, que se condena a si própria. A segunda é a amplificação do risco para Rajoy: se os independentistas ganham a eleição catalã (o PP de Rajoy é cotado em sondagens com menos de um terço do principal partido independentista), a política do tudo ou nada fica sem recuo possível. A haver um dia independência, é a Rajoy e ao rei que a Catalunha deve agradecer.
NB- O Correio da Manhã inclui semanalmente uma página de promoção do CDS, titulado pela sua líder sob a designação carinhosa de “Lisboa Menina e Moça”. A última edição inclui quatro fotografias da própria Assunção Cristas, além da que identifica a rubrica: no parlamento, na Câmara, na doca, no partido. Cinco fotos numa só página. Pergunto-me se o mais curioso é esse jornal patrocinar o CDS, ou se quem disso se aproveita preferir ingenuamente a sua própria imagem, espelho meu. Mas, que querem, caros leitores, é mesmo a vida.