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sábado, 28 de outubro de 2017

O heteropatriarcado opressor até é confortavelmente burguês

Blasfémias

28 Outubro, 2017

by vitorcunha

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Mencionar as escutas a Sócrates e Câncio é algo que os meus cinco leitores regulares (já inclui a Câncio via um dos Minions) esperam que faça. Contudo, tirando a novidade da linguagem fofa usada por pessoa habituada a tratar todos os outros por estúpidos e a destreza com que se fala de quantias de milhões a partir de um salário de primeiro-ministro, não há ali qualquer conteúdo relevante. Quem ler as escutas publicadas pela Sábado deverá sentir, tal como eu senti, uma enorme tristeza pela forma como as mulheres tratam José Sócrates. O homem foi constantemente esmifrado, sugado, espremido por mulheres — incluindo a mãe — sempre à coca de mais um pacotinho de dinheiro. É casacos, é prestações de hipotecas, é pedidos de compra de apartamentos, é propinas… enfim, li aquilo e fiquei genuinamente com pena do homem.

All You Need is Love, mas um casaco novo também dá jeito. Pessoalmente, considero que a publicação das escutas telefónicas de Sócrates com as mulheres só causa tristeza. Quanto às senhoras, só mostra que quem mais denuncia a opressão do heteropatriarcado é quem mais espera dele beneficiar. Se alguma coisa se pode tirar das escutas é que Câncio, para lá da fachada do moderno feminismo grotesco — o que recauchuta o pior do machismo para usar como sendo fresco —, estava mais que preparada para o papel de fada do lar na casinha que o “marido” pagasse.

tarde demais

Blasfémias

27 Outubro, 2017

by rui a.

Mariano-Rajoy-and-Charles-Puigdemont-807933Em política, quando certos factos ocorrem, é quase impossível reverte-los. É o que me parece estar a suceder com o processo de secessão da Catalunha, em que o estado e o governo de Espanha têm vindo a reboque dos acontecimentos ditados pelos independentistas. Ainda ontem, Rajoy terá ficado à espera que Puigdemont resolvesse marcar eleições para Dezembro (o que provavelmente lhe terá sido prometido) e foi mais uma vez toureado pelos independentistas catalães, que não só não marcaram eleições, como declararam hoje a independência. Rajoy perdeu, assim, mais uma vez, a iniciativa política, que entregou de mão beijada a Puigdemont. Qualquer coisa que faça, a partir do momento em que a «independência» foi declarada, será sempre avaliada em razão desse facto. As eleições de 21 de Dezembro, que marcou tarde e a más horas, serão um referendo à declaração de independência de hoje e não uma votação para eleger um governo autonómico que reponha a legalidade constitucional espanhola. Com um rei frágil e sem a autoridade que tinha o seu pai, com um primeiro-ministro desautorizado e um líder socialista radical, de quem se pode esperar sempre o pior, o processo de secessão caminha, a passos largos, para uma inevitabilidade.

É nisto que confiamos?



Estátua de Sal

por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 27/10/2017)
Daniel Oliveira
Daniel Oliveira
O juiz Joaquim Neto de Moura não está num tribunal de primeira instância. Está no Tribunal da Relação do Porto. Não está na base do sistema judicial português. Participou na escolha de futuros juízes e teve a seu cargo julgamentos mediáticos. Não teve um momento infeliz. É reincidente na desculpabilização de agressores de mulheres. Não preciso de repetir o que já todos disseram: a sentença que o país, atónito, ficou a conhecer este mês, em que marido e amante recebem pena suspensa depois de agredirem uma mulher de forma bárbara (usando uma moca com pregos) porque ela era adúltera, é um convite a mais agressões a mulheres, um dos crimes mais comuns e mortais em Portugal. Isto é apenas o óbvio.
A sentença de Neto Moura, que sendo juiz perdeu o direito ao tratamento de excelentíssimo, de meritíssimo ou até de “senhor”, merece uma leitura mais severa. Ela viola os direitos humanos, o Estado de Direito democrático e a Constituição da República. Falta a este cidadão autoridade moral e cívica para continuar a julgar seja quem for.
Mas Neto de Moura não está sozinho. O Sindicato dos Juízes, sempre tão lesto a falar de processos e julgamentos, calou-se desta vez. O Conselho Superior da Magistratura avançou com um processo, mas todos ficámos com a desagradável sensação que só o ruído mediático o levou a dar esse passo. E é do Supremo Tribunal de Justiça a sentença que considerou como atenuante para um violador o facto de duas turistas terem ido “para a estrada pedir boleia a quem passava, em plena coutada do chamado 'macho ibérico'”. O exemplo vem de cima e as coisas não mudaram muito nos últimos 28 anos.
A democracia e a integração na Europa mudou radicalmente o país nos últimos 40 anos. Mudou profundamente as escolas, as universidades, o Estado e as empresas. Mas a justiça mudou muito menos. A carreira de juiz continua a ser, em muitos casos, ambicionada por quem sonha com o prestígio do pequeno poder provinciano. A cultura da arbitrariedade e do autoritarismo domina os nossos tribunais. Basta entrar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa para sentir o cheiro a mofo. A Justiça é o grande falhanço da nossa democracia.
Claro que há muitas exceções de excelência e inteligência. A média nem será diferente de qualquer outra atividade, onde o ótimo e o péssimo são sempre a minoria. O problema é o que o sistema promove e valoriza. É isso, e não a qualidade média dos profissionais, que determina a cultura de uma classe.
Por isso, não é tão cedo que me ouvirão dizer que confio na nossa justiça. Não, não confio. Confio mais nas nossas escolas e na nossa academia, no nosso sistema de saúde e nas nossas empresas, na nossa política e na nossa imprensa do que na nossa justiça. A Justiça não pode, e bem, ser limitada por qualquer outro poder. Os seus mecanismos de autorregulação não são mais do que mecanismos de autopreservação, bastante laxistas e corporativos, como se vê pelo percurso deste juiz. Por isso ela manteve-se protegida das enormes mudanças a que assistimos no país.
O que me assusta é ver tantos portugueses a acreditarem que a regeneração da nossa democracia pode vir do poder judicial. É o oposto: é preciso que este país que tanto mudou consiga mudar as salas dos tribunais. Até lá, a selvajaria paleolítica do juiz Neto de Moura será apenas uma caricatura grotesca do atraso cultural da nossa justiça. Ou, pelo menos, de tudo o que ela tolera.











Indignem-se: ao contrário do adultério, a violência doméstica é crime


Indignem-se: ao contrário do adultério, a violência doméstica é crime

Estátua de Sal
por estatuadesal
(Paula Cosme Pinto, in Expresso Diário, 27/10/2017)
Paula Cosme Pinto
Hoje, em várias cidades do país, há protestos sob o mote “Machismo não é justiça, é crime”. Depois de anos a acharmos que a violência doméstica era um tema tão batido que já nem era notícia, o povo sai à rua por iniciativa própria para gritar contra isto. Pela mulher que foi perseguida, ameaçada, raptada e agredida com uma moca com pregos, mas que os nossos juízes consideraram não ser assim tão vítima porque “o adultério da mulher é um atentado à honra do homem”. E por todas as vítimas das cerca de 27 mil ocorrências de violência doméstica registadas pelo MAI, só em 2016. Homens e mulheres, embora elas representem 80% dos casos. Quantas pessoas realmente viram justiça ser feita? É que ao contrário do adultério, a violência doméstica é crime.
Quando falamos de violência doméstica, há algo que devemos de perceber: o medo das vítimas é como um cebola, tem várias camadas. O medo do agressor, parece-me óbvio. Mas é preciso pararmos para pensar também no medo do que os outros vão dizer, no medo de não ser credibilizada e apoiada pelos demais, o medo das consequências desestruturantes na sua vida, o medo da injustiça, o medo do tempo demasiado longo que um processo pode demorar a ser resolvido em tribunal, o medo do confronto com o agressor durante todo esse processo, o medo do que pode acontecer se, depois de recorrer às autoridades, o agressor acabar por permanecer em liberdade.
Em casos como o que envolve o Tribunal da Relação do Porto – e eles acontecem demasiadas vezes, isto não é caso único em Portugal - todos estes medos são legitimados. E a pessoa mais penalizada no meio de tudo isto é precisamente quem já passou por todo um processo traumático e que merecia ser protegida pelo Estado de Direito em que vive. O mesmo Estado que é representado pelos juízes que acabaram por a tornar vítima de mais uma agressão: a injustiça. Antes de fazerem a pergunta cliché do “mas porque é que ela calou em vez de ir logo à polícia?” quando se fala destes temas, pensem um pouco nisto.
O MACHISMO NÃO É UM PROBLEMA DE HOMENS, É UM PROBLEMA DE PESSOAS
O que me tem agrado particularmente na discussão gerada em torno deste caso inenarrável é o movimento conjunto de cidadãos e sociedade civil que poem de lado a habitual apatia. Que finalmente finalmente param para pensar precisamente em tudo o que está aqui implícito, e que se manifestam ruidosamente para além das redes sociais. Que discutem o tema, e mesmo que nem sempre as opiniões que são postas em cima da mesa sejam as mais construtivas, é bom sinal haver discussão. É que quem discute reflete, nem que seja por um segundo. É bom ver tanta gente a indignar-se e a pedir as explicações que nos são devidas a todos enquanto cidadãos. Uma indignação que surge, parece-me, porque finalmente percebemos coletivamente que a Justiça que falhou no caso desta mulher - e que pôs a sua vida em risco ao tomar decisões com base em juízos de valor misóginos e moralismos pessoais, com se fossem mais válidos do que a Constituição e Convenções Internacionais - é a mesma Justiça que nos pode falhar a qualquer um de nós.
Juntem-se aos protestos (em Lisboa na Praça da Figueira e no Porto na Praça Amor de Perdição, por exemplo), peçam explicações, indignem-se. Mas façamo-lo juntos, homens e mulheres, contrariando a ideia de que as mulheres deveriam ser mais sensíveis e empáticas nestas temáticas, uma vez que são elas as suas maiores vítimas. Neste caso concreto, estou farta de ouvir dizer que a juíza envolvida até tem mais culpa, lá está, porque é mulher. Ao dizermos isto esquecemo-nos que esta é só outra uma forma de punirmos mais severamente o sexo feminino que, como todos deveríamos saber, não é imune à mentalidade machista. O preconceito é generalizado, tal como a forma estereotipada como olhamos para a nossa sociedade.
A raiz do problema vai ter sempre ao mesmo: a uma mentalidade misógina que nos tem sido passada a todos nós, de geração em geração. À qual nos adaptámos (homens e mulheres), e a qual vamos aceitando de formas distintas dentro dos papéis que foram criados para cada um dos géneros dentro da sociedade.
Exemplo simples dessa mentalidade é considerarmos que o adultério feminino é altamente condenável, mas o masculino é algo relativamente normal – até porque também ainda se acredita que o homem é mais ativo e libertino sexualmente do que a mulher. Hoje, estamos não só a questionar esta mentalidade cheia de moralismos e estereótipos, como a indignarmo-nos contra eles. É o que fazem as sociedades que não perdem a lucidez, verdade seja dita, e isso é tão bom. O machismo não é um problema de homens, é um problema de pessoas. A luta contra ele também deve ser assim.





Ideias que fazem o seu caminho numa Europa anti-social...

ladroes de bicicletas

Posted: 27 Oct 2017 04:22 PM PDT

Há duas ideias que tenho aqui divulgado de forma insistente, de alguma forma ligadas pela questão da soberania, e que procurei sistematizar no capítulo que escrevi para o livro do blogue, Economia com Todos (síntese do argumento nesta crónica do Público): (1) o neoliberalismo é uma forma de mobilização selectiva e pós-democrática do poder estatal para construir novos mercados, para reforçar o poder capitalista, em múltiplas áreas e escalas, mas que procura mascarar ideologicamente tal facto (na verdade, se se ler muitos autores desta tradição plural e que vem de longe, as coisas até estão lá expostas de forma relativamente transparente); (2) uma das razões intelectuais para a fraqueza das oposições políticas a esta razão ainda desgraçadamente dominante radica na impotente natureza globalista da maioria do pensamento sobre as supostas alternativas, que também desta forma nunca vêem a luz do dia.
Apesar de ainda minoritários, creio que são cada vez mais os que nas ciências sociais e humanas, incluindo a economia política crítica, têm vindo a elaborar e a popularizar ideias destas. Até numa das publicações da principal vítima ideológica do neoliberalismo, a social-democracia europeia, chamada Social Europe, estas ideias fazem o seu caminho, por exemplo pelas mãos de William Mitchell e de Thomas Fazi, num artigo excelente e que merece tradução e ampla divulgação por cá: “A guerra à soberania foi na essência uma guerra à democracia. Este processo foi levado às suas conclusões mais extremas na Europa ocidental, onde o Tratado de Maastricht incrustou o neoliberalismo no centro da mecânica da UE, proibindo as políticas ditas keynesianas que tinham sido comuns nas décadas anteriores”.