por estatuadesal
(Por Jean-Luc Gasnier, in MediaPart, 04/11/2017, tradução Estátua de Sal)
Ninguém escapa à sua verdadeira natureza. O regime espanhol provavelmente teve interesse em fazer de Carles Puigdemont um exilado de opereta, um general Boulanger catalão, mas não pôde resistir aos seus velhos demónios; preferiu prender oito líderes catalães, ex-membros do governo demitido e assim dar toda a justificação, em consequência, à fuga do ex-presidente da Generalitat para o exterior. Esta reação muito dura da justiça espanhola exacerba novamente as paixões e reabre as feridas da história que não podem realmente cicatrizar enquanto o Partido Popular de Mariano Rajoy se recusar a romper com a ideologia franquista (a apologia do franquismo não é considerada um crime em Espanha), contando entre os seus membros com muitos nostálgicos dos métodos do Caudillo (Ver aqui). Como analisaram Sylvie Crossman e Jean-Pierre Barou num artigo publicado no Mediapart (aqui), os fantasmas da Guerra Civil Espanhola ainda assombram o inconsciente colectivo catalão, profundamente imbuído dessa dimensão histórica e cultural.
Mas as raízes da crise catalã também se alimentam das políticas neoliberais que, em toda a Europa, actuam como catalisadores de movimentos independentistas e assomos identitários de todos os tipos.
Muitas regiões da UE estão, de facto, confrontadas com um problema idêntico que pode ser resumido desta forma: qual a legitimidade de um poder central quando as medidas fiscais e as políticas de austeridade não servem o interesse geral, mas apenas uma pequena classe de cidadãos possidentes, contribuindo para ampliar o fosso entre os ricos e os pobres?
Quando a lei é escandalosamente seletiva e só serve para impor a barbárie econômica, que destrói gradualmente todos os laços sociais; quando a violência policial é contra a democracia, então o conceito de “Estado de Direito” não é mais do que um sloganprovocador.
A Catalunha é uma região rica: representa só por si 20% do PIB da Espanha (com um PIB per capita bem acima da média nacional). Mas também é, como muitas outras regiões espanholas, um território com dificuldades, fortemente atingido pela crise industrial e económica, e marcado por grandes desigualdades. As medidas de austeridade impostas por Madrid sob a liderança e o controle exigente de Bruxelas atiraram uma grande parte da população para um cenário de dificuldades: por exemplo, nos últimos anos, 30% das penhoras de casas e subsequentes despejos têm ocorrido na Catalunha (Ver aqui).
A Catalunha é uma região rica, mas empobreceu, sofreu um declínio significativo no seu poder de compra em 2016 (-5,8%, a maior queda de Espanha) e as classes médias catalãs - que provavelmente concordariam em fazer esforços para ajudar os camponeses pobres de Extremadura -, não aceitam continuar a pagar tantos impostos para engordar o sistema financeiro e os financistas.
Com os salários em queda, a falta de serviços públicos, uma indústria ainda em crise ao mesmo tempo que o sector dos serviços em Madrid começa a recuperar, com a controvertida gestão das águas do Ebro, etc., o Estado central surge como o responsável por todos os males. O primeiro-ministro Mariano Rajoy é um líder conservador liberal, mas também é visto - nomeadamente pelos liberais catalães -, como o líder de uma conspiração organizada, em benefício de outras regiões espanholas, e em detrimento do desenvolvimento da Catalunha; o Estado de Direito de que ele se reclama é desleal e, por consequência, ilegítimo.
As crises sociais e ecológicas amplificaram assim a crise da identidade. No relançamento das raízes da independência catalã, as políticas neoliberais desempenharam um papel catalisador e acentuaram o ressentimento em relação a um poder distante e desumano. Sem as políticas de austeridade da União Europeia e de Madrid, os separatistas não poderiam ter assumido o poder na Generalitat da Catalunha porque a coesão e a solidariedade nacional teriam um significado diferente para o eleitorado catalão.