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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A democracia catalã está em prisão preventiva

Estátua de Sal

por estatuadesal
(Daniel Oliveira, In Expresso Diário, 06/11/2017)
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Com metade do governo catalão preso, instalou-se um debate semântico que é, como quase todos as disputas sobre palavras em política, um conflito político. Serão os ministros “políticos presos” ou “presos políticos”? A ideia de que são políticos presos nasce de um equívoco: a de que não há, em democracias, comportamentos ditatoriais.
Mais: a de que basta estar respaldado pela lei e pelos tribunais para que uma determinada ação seja aceitável em democracia. Até as ditaduras têm leis e tribunais. Isso não chega. A história das democracias, a começar pelas democracias coloniais (não pretendo fazer um paralelo com a relação de Espanha com a Catalunha), está cheia de abusos políticos utilizando os tribunais e as leis para os levar a cabo.
Os governantes catalães tomaram decisões políticas. São apenas e só decisões políticas. E tomaram-nas respaldados no mandato que receberam e onde se comprometeram a iniciar este processo. Podemos ser contra as suas aspirações. Podemos até considerá-las ilegítimas e inaceitáveis. Ou mesmo ilegais, como são sempre e em todo o lado todos os processos de autodeterminação não consentidos. Mas não podemos retirar aos atos destes governantes a sua natureza política. Um político preso é alguém que é, por exemplo, condenado por corrupção. Suspeita-se que Puigdemont poderia ser e que Rajoy também. Mas não é isso que está em causa aqui.
Não brinquemos com as palavras. Alguém que cumpre o mandato para que foi eleito e é preso por isso, criminalizando assim a vontade de parte do eleitorado, é um preso político. Não quer isto dizer que a decisão que tomou, por ter o apoio de quem nele votou, seja certa. Nem sequer quer dizer que seja legítima. Quer apenas dizer que estamos a falar de política e que estas prisões são políticas. E o facto de serem presos políticos numa democracia torna a situação mais grave - e não menos.
Os tribunais costumam impedir decisões inconstitucionais, usando até ao limite todos os instrumentos que estão ao seu alcance e no total respeito pela separação de poderes, para não confundir a ilegitimidade de um ato político com a criminalização dos eleitos. Não é habitual, como bem sabemos, prenderem os seus autores. É, aliás, uma das razões porque garantimos imunidade parlamentar. Porque isso transformaria as disputas políticas em disputas criminais e os argumentos políticos em perseguições policiais. Mesmo que haja prisões, em casos graves de violação dos direitos humanos ou do Estado de Direito, elas não se fazem de forma expedita, preventivamente e em vésperas de eleições. Neste momento, é a democracia catalã que está em prisão preventiva.
Tentemos não fingir que não percebemos o óbvio. Madrid marcou eleições antecipadas e, poucas semanas depois, a menos de dois meses do escrutínio e a dias do começo da campanha, metade do governo eleito e uma parte significativa dos dirigentes independentistas está presa preventivamente, sem julgamento e sem direito a fiança.
Estas prisões preventivas, mesmo tendo sido tomadas pelos tribunais, têm um objetivo político, não um objetivo judicial. E a manterem-se até ao ato eleitoral transformam as eleições catalãs numa farsa. Nenhum país democrático aceitaria um ato eleitoral onde os representantes de pelo menos metade da população são, a semanas do voto, postos atrás das grades.
O passo seguinte e mais perigoso foi dado ao transportar este conflito para o resto da Europa, envolvendo-a nesta espiral de loucura que um chefe de governo fraco e com pouco apoio popular não se importa de alimentar, até pela pouca relevância do PP na Catalunha. Rajoy encontrou na demonstração de força na Catalunha a sua tábua de salvação. E tudo indica que a Europa vai falhar de novo. Em vez de ser um elemento apaziguador e um possível mediador para que se encontre uma solução do problema, aceitará ser instrumento de repressão, chantagem e judicialização do conflito.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

O programa secreto do capitalismo totalitário


por estatuadesal
(Por George Mobiot, in OutrasPalavras, 25/07/2017)
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Como Charles Koch e outros bilionários financiaram, nas sombras, um projeto político que implica devastar o serviço público e o bem comum, para estabelecer a “liberdade total” dos 1% mais ricos.

É o capítulo que faltava, uma chave para entender a política dos últimos cinquenta anos. Ler o novo livro de Nancy MacLean, Democracy in Chains: the deep history of the radical right’s stealth plan for America [“Democracia Aprisionada: a história profunda do plano oculto da direita para a América] é enxergar o que antes permanecia invisível.
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O trabalho da professora de História começou por acidente. Em 2013, ela deparou-se com uma casa de madeira abandonada no campus da Universidade George Mason, em Virgínia (EUA). O lugar estava repleto com os arquivos desorganizados de um homem que havia morrido naquele ano, e cujo nome é provavelmente pouco familiar a você: James McGill Buchanan. Ela conta que a primeira coisa que despertou sua atenção foi uma pilha de cartas confidenciais relativas a milhões de dólares transferidos para a universidade pelo bilionário Charles Koch1.
Suas descobertas naquela casa de horrores revelam como Buchanan desenvolveu, em colaboração com magnatas e os institutos fundados por eles, um programa oculto para suprimir a democracia em favor dos muito ricos. Tal programa está agora redefinindo a política, e não apenas nos Estados Unidos.


quarta-feira, 12 de julho de 2017

Sobre o Estado da Nação



por estatuadesal
(Por Estátua de Sal, 12/07/2017)
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Depois de assistir, atentamente ao debate do Estado da Nação, fiquei com a ideia que não houve debate e que o Estado da Nação não foi discutido, e esta é a pergunta que urge fazer: para que servem os deputados da Nação? Eu explico.
1. Discutiu-se o que fazer no emprego, na produção, no investimento, na economia e a forma de tudo isso melhorar? Não.
2. Discutiu-se como aumentar a qualidade dos serviços públicos e a necessidade das pessoas a eles acederem e terem uma resposta à altura? Não.
3. Discutiram-se as dificuldades da vida das pessoas que todos os dias lutam com afã para sobreviver? Não.
4. Discutiu-se a angústia dos velhos e o desencanto dos mais novos que perdem todos os dias a esperança por não terem presente e não vislumbrarem futuro? Não.
Então, mas afinal o que é que se discutiu, e o que é que o Governo e a oposição trouxeram para o palco do debate? Comecemos pelo governo.
António Costa começou a sua intervenção pelo incêndio de Pedrogão. Assumiu o compromisso de restaurar a região na sua capacidade produtiva, de investigar até ao fim o apuramento de responsabilidades, e de promover a reformulação da legislação de forma a permitir a o desenvolvimento do interior e o reordenamento da floresta. Depois listou os sucessos económicos da actual conjuntura, no emprego, no investimento, nas exportações, na confiança, e no deficit público. E apontou como causa de tais sucessos a mudança na política económica que este governo levou a cabo, em oposição ao governo anterior, concluindo, numa síntese feliz, dizendo que "não, não é necessário empobrecer".
E que trouxe a oposição? A oposição tentou resumir o Estado da Nação aos acontecimentos da agenda mediática dos últimos dias. Os incêndios, Tancos, a fuga do enunciado do exame de português, os bilhetes para a bola e a demissão dos secretários de Estado, o inquérito à CGD. Neste particular ouvi a intervenção mais oportunista que alguma vez me foi dado ver produzida pelo deputado Montenegro. Acusou Costa e o governo de tudo e mais alguma coisa: de fraqueza, de falta de norte, de falta de legitimidade. E não podendo deixar de reconhecer os sucessos do governo na área económica veio dizer - veja-se lá o ridículo -, que tais sucessos são devidos à herança deixada pelo governo da direita e pela favorável conjuntura internacional, concluindo que se a PAF fosse governo os sucessos seriam ainda maiores.  Passos Coelho deve ter entregue este papel de avançado-centro no ataque ao governo a Montenegro porque, tendo sido a intervenção tão virulenta, se fosse Passos a fazê-la, a ser coerente só lhe restaria apresentar uma moção de censura ao governo que seria seguramente rejeitada pelos votos da esquerda e só reforçaria a actual solução governativa.
Passos guardou-se para o fim e quis fazer um discurso de estadista. Extraordinário. Baseou-se em vários tópicos: que o sucesso do governo na frente económica se deve às reformas do governo da direita; que se ele, Passos, ainda fosse governo os sucessos seriam ainda maiores; que afinal só há sucesso porque o Governo mudou de programa e faz agora tanta austeridade quanto ele teria feito.
O ridículo é que Passos, agora, quer reverter a austeridade e acusa o governo de a fazer!! Quer mais dinheiro para a saúde, mais dinheiro para as escolas, mais dinheiro para a tropa. O que ele não diz é que quer menos dinheiro para os salários dos trabalhadores, e para as pensões dos pensionistas. Se a falta de vergonha queimasse Passos teria também ardido no fogo do Pedrogão.
Depois veio a D. Cristas. Também montou o cavalo do fogo e surfou pelos paióis de Tancos. E continua a querer as cabeças da ministra da Administração Interna e do ministro da Defesa, ameaçando que, caso não sejam demitidos e errem de novo, a responsabilidade será então de António Costa a quem pedirá contas. Costa foi rápido na resposta. Não há demissões de ministros, ponto.
PCP e BE vinham preparados para não criarem grandes problemas a António Costa. Foram até úteis ao governo e sovaram a direita em vários momentos do debate. Reafirmaram as suas posições quanto à Europa e ao deficit e devem estar a guardar os cartuchos para fazerem valer as suas posições por ocasião das negociações próximas do orçamento de Estado para 2018. Nesse aspecto, o discurso final de Catarina Martins foi uma listagem das áreas em que se exige uma intervenção imediata do Estado, mesmo que seja necessário bater o pé a Bruxelas no que toca aos objectivos do deficit, e no que concerne a uma imperativa revisão da legislação laboral herdada do governo da direita e ainda não revertida.
Em suma, a direita fala de um país que não existe. Insegurança, dizem eles. Mas alguém se sente menos seguro hoje do que há um mês, por terem desaparecido 34000€ de armamento, ainda por cima, e ao que parece, obsoleto?  A direita fala de desagregação do Estado e da fragilidade do governo. Mas será que o Estado está desagregado por 3 generais se terem demitido num universo de 250? Por 3 secretários de estado se terem demitido devido a um processo mais que inócuo e ridículo que a Justiça retirou da gaveta, um ano depois de terem ocorrido os supostos ilícitos que pretende punir?
E a prova de que tal país não existe é o clima de confiança que demonstram os últimos indicadores relativos aos consumidores e aos investidores quer nacionais quer internacionais. Bem como as últimas sondagens em que o discurso desta oposição derrotista e tremendista se acha cada vez mais arredado das escolhas dos portugueses.

terça-feira, 6 de junho de 2017

BULE BRITÂNIA…


por estatuadesal

(Por José Gabriel, in Facebook, 06/06/2017)

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Só faltava esta: comentadores a defender que a queda eleitoral de Theresa May e correspondente subida de Jeremy Corbyn se deve aos atentados terroristas - alguns dos mesmos comentadores que os classificava, há poucos dias, como uma vantagem para os Conservadores. Parece que não conseguem interiorizar o simples facto de que os eleitores preferirem as mensagens e projectos de Corbyn por razões políticas. Independentemente do valor que se possa atribuir ao programa Trabalhista e aos comportamentos do seu líder e não havendo, em alguns tópicos, tanta distância como alguns de nós - e deles...- gostaríamos, há diferenças fundamentais e, o que mata os neurónios de muitos comentadores, Corbyn é um candidato muito mais à esquerda que a tralha blairista. Quer dizer, valha o que valer o seu programa, um bom resultado dos Trabalhistas com tal candidato tem um significado que ultrapassa em muito a conjuntura britânica. Theresa May, pelo seu lado, tem representado tudo o que há de repulsivo num político: catavento político e moral, capaz de defender tudo e o seu contrário desde que obtenha uma vantagem conjuntural, socialmente insensível e isolacionista em modo Trump.
Parece ser insuportável para muitos dos nossos opinantes esta situação. Assim, recorrem, como os jornalistas do Público e outras folhas de couve, à velha treta do modelo teórico da moda. As coisas são boas ou más consoante estão "a dar" ou não. É assim que pensa a nossa direita coelhista que, quanto mais reaccionária é, mais insiste em proclamar a sua "modernidade"."Foram buscar Corbyn ao frigorífico", "está fora do tempo", e outras apreciações que tais. Não é novo este recurso argumentativo. É que uma análise procedente dá um trabalho dos diabos e o seu resultado pode não ser do agrado dos patrões. Assim, rasteja-se no senso comum.
Parece, para muitos, insuportável a visão da coerência e do carácter. Mas aqueles que de nós que têm memória, lembram-se que o "velho" Corbyn foi um dos 13 - entre 650! - que levantou a voz - e o voto! - e se opôs às aventuras criminosas na Líbia e à invasão do Iraque, fontes de muitos dos problemas que agora enfrentamos, entre os quais releva o da escalada terrorista. A maioria dos terroristólogos que por aí anda raramente lembra estes factos. As raízes do terrorismo são tão desconfortáveis...
Não se trata aqui de subscrever tudo o que Corbyn propõe e afirma, cujo conteúdo deve ser julgado pelos seus méritos, mas de saudar esta aragem de decência política. Renovadora, venha de onde vier no espaço e no tempo, porque, ao contrário do que pensam os tolos, não se trata de saber se as ideias são velhas ou novas, mas se são justas. Nos sentidos de justeza e de justiça.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Tomar as rédeas do nosso destino


por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 01/06/2017)
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Em Malta, Donald Trump fez por deixar uma impressão bem vincada. No seu estilo infantil e rufia, passou raspanetes aos aliados e teve um comportamento agressivo. Na Sicília, na cimeira do G7, voltou à carga e confirmou a posição dos EUA em relação ao acordo de Paris. E tudo indica que o mundo perdeu os EUA para o mais importante combate da história da humanidade: a luta pela sobrevivência da nossa espécie. Este tema merece um texto autónomo, que guardarei para quando a decisão for tomada.
Sem nunca referir o nome do Presidente norte-americano, Angela Merkel tirou as devidas conclusões das duas cimeiras com Trump: “O tempo em que podíamos contar completamente uns com os outros acabou em certa medida. Percebi isso nos últimos dias. E é por isso que só me resta dizer que nós, europeus, temos de tomar as rédeas do nosso destino, mantendo, claro, a amizade com os Estados Unidos e com o Reino Unido, e, como bons vizinhos, onde for possível, com outros países e até mesmo com a Rússia. Mas temos de saber que temos de ser nós próprios a lutar pelo nosso destino enquanto europeus, e é isso que quero fazer em conjunto com vocês.”
A concordância com esta afirmação parece ter sido quase geral, na Europa. Pelo menos nas motivações que levam a esta afirmação não posso discordar de Merkel. Mas quero, neste texto, falar da declaração propriamente dita. Ninguém pensa, ao ouvir Angela Merkel, que ela quer isolar a Europa do mundo, que nega a globalização, que é protecionista, que é eurocêntrica. O que ela diz parece óbvio: tendo descoberto que há um importante aliado com que afinal não se pode contar, avisa que somos “nós”, os “europeus”, a exercer a nossa soberania.
Entre 2009 e 2011 vários Estados europeus descobriram, pela sua experiência ou ao observar a experiência de terceiros, o mesmo em relação à Alemanha e a outros países aliados da União Europeu. A Grécia ainda o está a sentir agora, com a aplicação quase sádica de sucessivas medidas de humilhação e destruição social e económica do país. Nesses e noutros países muitas pessoas concluíram, naquele momento, que não podiam contar com os seus aliados. Que esse tempo tinha acabado. E passaram a defender que, mal fosse possível, teriam de tomar as rédeas do seu destino para deixarem de estar dependentes da vontade de quem não sente o dever da solidariedade. Pode-se contestar a justeza desta constatação, mas ela não tem uma natureza diferente da que Merkel anunciou em relação a Donald Trump e aos EUA.
A ideia de um povo querer tomar as rédeas do seu destino passou, recentemente, a ser vista como sinónimo de xenofobia e nacionalismo. “Let’s take back control”, o lema de campanha do Leave, no Reino Unido, é isso mesmo: tomar as rédeas do poder. Claro que, tendo a direita dos conservadores e o UKIP tomado conta do discurso eurocético (que tinha boa tradição no Labour), isso ficou muito associado às fronteiras e à imigração. Mas, na sua forma e sem mais contexto, a expressão resume o espírito da democracia. Ela não é outra coisa que um povo, seja ele britânico, europeu ou português, tomar as rédeas do seu destino. Chama-se soberania e, quando associada à democracia, não há razões para envergonhar ninguém.
No caso de Merkel, quando ela fala dos europeus tomarem as rédeas do seu destino não está a falar propriamente dos europeus. Bem sei que a comparação com Trump a está a transformar num exemplo, mas quem não surfa na espuma dos dias sabe o papel que Merkel tem tido na destruição do projeto europeu. E como transformou esta ideia numa outra: a dos alemães (talvez com os franceses) tomarem as rédeas do nosso destino. Como não acredito em imperialismos benignos, passo.
Imagine-se que alguém dizia isto: “O tempo em que podíamos contar completamente uns com os outros acabou em certa medida. E é por isso que só me resta dizer que nós, portugueses (ou gregos, ou franceses, ou espanhóis, ou britânicos), temos de tomar as rédeas do nosso destino, mantendo claro a amizade com a Alemanha e com todos os Estados da União Europeia. Mas temos de saber que temos de ser nós próprios a lutar pelo nosso destino enquanto portugueses.” Seria imediatamente acusado de isolacionismo e xenofobia. No entanto, o sentido seria o mesmo da declaração de Merkel, só que em vez da Europa, teríamos a Nação. Em qualquer dos casos, não se ignora a existência do resto do mundo, estamos apenas a debater em que espaço devemos exercer a nossa soberania. Isto, claro está, os democratas. Os que não o são até podem acreditar que, com a globalização, a soberania não se exerce.
Parece ter-se instalado no discurso político a ideia que a Nação contém em si mesma a semente do pecado. Nação é guerra, é racismo, é ódio. Devo recordar que foi nos Estados Nação, e não na Europa enquanto entidade política unificada, que nasceu e se solidificou a democracia liberal e parlamentar. Que foi através do exercício da soberania nacional que se construíram os Estados Sociais. Que continua a ser no espaço nacional que se vive a experiência do Estado de Direito, sendo uma das maiores fragilidades da União alguma discricionariedade das decisões públicas e políticas. Foi até no âmbito dos Estados Nação que o projeto europeu nasceu e se formou. O exercício democrático da soberania nacional não tem uma natureza diferente do exercício democrático da soberania de uma federação. Na realidade, a única diferença entre os democratas que defendem que os povos do seu país devem “tomar as rédeas” do seu destino e a chanceler alemã, que defende que essas rédeas devem estar nas mãos dos europeus, hoje sozinhos no mundo, é que os poderes nacionais dependem de instituições democráticas – algumas com mais de um século de história – e a União Europeia não. É esta fragilidade, aliás, que permite aos cidadãos alemães terem muito mais poder sobre o destino da Europa do que os restantes cidadãos europeus. E é por isso que o “nós, europeus” é, na boca da senhora Merkel, um eufemismo.
Claro que é possível ser europeísta e democrata. A maioria dos europeístas são-no.
O que quero sublinhar é que quem defende que a soberania se exerce de forma mais democrática no espaço nacional não é obrigatoriamente nacionalista - e muito menos xenófobo.
Tem exatamente a mesma vontade que Angela Merkel manifestou: a de ter nas suas mãos as rédeas do seu próprio destino. E não acredita que isso seja possível nesta União, onde as rédeas estão nas mãos de muito poucos. Poderão discordar desta posição. Não a podem é associar, como têm feito, a qualquer sentimento antidemocrático. Porque, pelo contrário, ele nasce, em demasiadas pessoas, de uma rigorosa exigência democrática.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Avaliar a política económica de Passos Coelho

 

(In Blog O Jumento, 23/05/2017)
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O PS cometeu o erro de nunca ter promovido a avaliação da política económica de Passos Coelho e Vítor Gaspar, apadrinhada pelo defunto António Borges, tendo permitido que nos momentos de falhanço a direita se escondesse atrás do memorando com a Troika. A política económica de Passos Coelho foi muito além do previsto no memorando, Portugal foi um banco de testes para experiências de política económica.
Essa ausência de avaliação permite a Marcelo Rebelo de Sousa branquear muito do que se passou, passando a mensagem falsa de que há uma complementaridade ou continuidade no domínio da política económica. Marcelo tenta passar a ideia de que a política económica e a medicina são coisas parecidas, isto é, a economia portuguesa está doente e não há grande diferença entre Gaspar, Maria Luís Albuquerque e Mário Centeno, como se fossem médicos que aplicam ao doente a receita adequada a cada fase do tratamento.
Marcelo está tentando enganar o país, como se essa mentira fosse benigna por ser em nome do bem da Nação, do crescimento e do emprego. Se a abordagem da política económica por parte de Marcelo é muito honesta, esta forma de ver a democracia, em que chama a si o papel de eliminar diferenças é muito duvidosa.
A democracia é feita de confrontos o que justifica que Marcelo sempre tenha assumido os confrontos políticos, desde António Guterres, um dos seus melhores amigos, a Passos Coelho, seu sucessor na liderança do PSD. Agora que é Presidente Marcelo tenta fazer passar a ideia de que a democracia é paz e amor de mistura com muitas selfies.
A democracia é confronto de ideias e de projetos e é por isso que Passos caiu e Costa adota políticas contrárias e antagónicas às do seu sucessor. Como é possível que alguém tente dar a entender que não há diferenças no mérito de políticas diferentes, quando um dos trabalhos deste governo foi corrigir as asneiras e abusos do governo anterior?
Se, como Marcelo parece defender, as políticas não devem ser avaliadas e não passam de políticas idênticas e sem qualquer conflitualidade, para que servem as eleições e o debate político? Mas, ao mesmo tempo que Marcelo defende que o debate deve ser feito em águas mornas, chama a si o papel de meter o primeiro-ministro e o líder da oposição na linha. Umas vezes dá uma porradinha num, outras dá a porradinha no outro. Umas vezes passa a ideia de que um é muito otimista, nas outras deixa que os jornais sugiram que Marcelo está a ajudar a derrubar o outro.
Aos poucos o debate político está entrando num pântano onde só Marcelo consegue andar. É preciso contrariar esta estratégia de Marcelo e começar por lançar o debate em torno das políticas económicas. Já há dados mais do que suficientes para que se avalie a política económica conduzida durante o governo de Passos Coelho.
 
Ovar, 23 de maio de 2017
Álvaro Teixeira

quarta-feira, 26 de abril de 2017

O que falta para cumprir Abril

Tiago Freire
Tiago Freire | tiagofreire@negocios.pt 26 de abril de 2017 às 00:01

 

O 25 de Abril e o 10 de Junho são ocasiões propícias para colocar o país no divã.
Se o dia de Portugal nos atira necessariamente para a memória histórica mais longínqua, com tempos de expansão, riqueza e influência mundial, o dia da revolução dos cravos acaba por ter uma carga mais emotiva, por um lado, e por restringir a análise no tempo, por outro, o que é útil para uma prestação de contas que deve ser feita.
Passados 43 anos, o que falta então para cumprir Abril? Falta muito, naturalmente. E sempre assim seria, diga-se, quando um país atrasado, com um império a desmoronar-se e uma economia protegida e rígida colocou bem alta a fasquia da utopia que tudo permite, tudo promete, e nada pode garantir a não ser o indispensável direito ao sonho.
Em praticamente todos os indicadores relevantes estamos, naturalmente, bem melhor. Mal seria se assim não fosse. O mundo mudou e Portugal mudou com ele, correndo a partir dos anos 80 para apanhar um comboio confortável e apetitoso, mas que já vinha muito embalado para a nossa entorpecida capacidade.
As promessas de liberdade - acima de tudo - de fim da guerra, de melhoria das condições de vida das populações e dos serviços públicos, tudo isso os portugueses conseguiram na sequência do 25 de Abril. Mesmo com os excessos revolucionários que, em muitos casos, paralisaram parte da economia que existia, valeu a pena. Terá sempre valido a pena.
Das promessas de Abril - mais do que das conquistas de Abril, que nunca poderão ser vistas como eternas num mundo que cada vez acelera mais a sua transformação- a democracia é a principal, porque é a base de tudo o resto. E esta, apesar dos elogios de Marcelo na Assembleia da República, anda doente, fruto sobretudo do fechamento dos partidos sobre si mesmos. Os mesmos partidos que reclamam para si a data que é do povo, esse povo esquecido entre debates parlamentares, tricas partidárias, golpes palacianos e retórica vazia. Os mesmos partidos que ficam surpreendidos por não serem recebidos pelo Papa na sua visita a Portugal, como se fossem donos do país ou tivessem alguma coisa a ver com isso.
É este distanciamento - emocional, altivo e bacoco -, juntamente com o aumento das desigualdades, aquilo que, em termos realistas, falta cumprir de Abril.
Por último, é preciso reconquistar outro tipo de liberdade, que não passa pelo derrube de um regime mas pela recuperação da nossa soberania financeira. Que não se faz com slogans ou propostas de soluções milagrosas, mas com disciplina, consenso e políticas credíveis de médio e longo prazo. Valeu a pena. Vale a pena.

Ovar, 26 de abril de 2017
Álvaro Teixeira