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quarta-feira, 5 de julho de 2017

Carta de uma tropa-fandanga



por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 05/07/2017)
Autor
                        Daniel Oliveira
Um conjunto de oficiais, ao que parece próximos dos cinco comandantes exonerados, desmarcou o protesto de hoje, em que se preparavam para aparecerem fardados em frente à Presidência da República, num ato de insubordinação pública e num intolerável desafio às instituições democráticas. Ouvi, dos bonzos do costume, o elogio ao patriotismo por a coisa ter sido interrompida. Patriotismo? Só o facto destes oficiais terem tornado pública uma iniciativa que, caso fosse preparada pelos seus inferiores hierárquicos os levaria a usar a sua mão pesada para repor a disciplina, é para mim assombroso.
A exoneração dos cinco comandantes é, do meu ponto de vista, uma fuga para a frente do Chefe de Estado-Maior do Exército. É a ele que cabe a demissão, responsabilizando-se por uma falha operacional inaceitável. Se era contra a decisão de Rovisco Duarte e a sua manutenção no lugar que estes oficiais se queriam manifestar, poderiam ter razão, mas estaríamos perante um levantamento militar contra o superior, o que só poderia ter consequências disciplinares severas. Mas os oficiais esclareceram-nos que não. Numa carta que parece um post de Facebook, as acusações vão, como não podia deixar de ser, para “os políticos”. E se é contra os “políticos” a malta aplaude. Porque se a culpa é de alguém é “dos políticos” e assim temos todos a certeza que podemos ser todos irresponsáveis. Lá estarão aqueles que servem para assumir a “responsabilidade política” para ninguém ter de assumir a responsabilidade real.
Neste preciso momento, os oficiais não têm qualquer legitimidade para protestar. Pelo contrário, o Exército deve um pedido de desculpas ao país por ter falhado na mais básica das mais básicas das suas funções. Primeiro mostrem algum sinal de vergonha perante o que aconteceu, só depois a indignação
Sendo para mim muito desconfortável ler cartas de militares a contestar o poder civil a quem devem obediência – pôr em causa esta obediência é, historicamente, o primeiro passo para pôr em causa a democracia –, sou obviamente sensível à queixa por falta de meios. Dos militares, dos médicos, dos professores, dos enfermeiros. Há muito que defendo que a obsessão com a contenção nas contas públicas e no emagrecimento do Estado, tão elogiada por aqueles que hoje cinicamente se colocam ao lado destes militares, levaria ao colapso dos serviços públicos. Mas poupem-nos, do Bloco ao CDS, passando por oficiais anónimos, à conversa da austeridade para explicar o assalto de Tancos. Não há contenção na despesa que explique tamanha incúria. Não há cortes orçamentais que expliquem uma falha desta magnitude. A austeridade é um crime mas tem, por vezes, as costas largas. E parece ser uma excelente forma de atirar a falha de cada um para as costas do ministro que estiver mais à mão.
Neste preciso momento, os oficiais não têm qualquer legitimidade para protestar. Pelo contrário, o Exército deve um pedido de desculpas ao país por ter falhado na mais básica das mais básicas das suas funções. O que o país precisa destes militares não é de oito páginas de paleio pseudo-patriótico para justificarem o cancelamento do que seria um vergonhoso ato de indisciplina. O país precisa de explicações muito claras sobre o que aconteceu em Tancos e só o Exército as pode dar. Talvez o facto de uma manifestação de militares fardados numa democracia consolidada ter passado pela cabeça destes oficiais ajude a explicar a balda instalada e este assalto tão absurdo que me parece mal contado.
Seguramente os portugueses serão solidários com as queixas dos militares perante os cortes absurdos que se continuam a fazer nos vários sectores do Estado, da saúde à educação, da segurança social à defesa. Desde que isso não sirva para o Exército atirar para longe as suas próprias responsabilidades. Primeiro expliquem-se, depois protestem. Primeiro mostrem algum sinal de vergonha perante o que aconteceu, só depois a indignação.

Vem aí uma nova Europa?

Celso  Filipe
Celso Filipe | cfilipe@negocios.pt 05 de julho de 2017 às 00:01

França arquitectada por Emmanuel Macron é um dado novo que promete desviar ainda mais o eixo do poder da União Europeia para a latitude alemã. Por razões ideológicas ou de conveniência, a França vinha sendo, até à eleição de Macron, um contra-poder à Alemanha. Macron pretende mudar este posicionamento e para mostrar a Angela Merkel que está empenhado em concretizar a sua visão promete uma reforma do trabalho em França, destinada a tornar o país mais competitivo.


Macron-Presidente
Emmanuel Macron
França arquitectada por Emmanuel Macron é um dado novo que promete desviar ainda mais o eixo do poder da União Europeia para a latitude alemã. Por razões ideológicas ou de conveniência, a França vinha sendo, até à eleição de Macron, um contra-poder à Alemanha. Macron pretende mudar este posicionamento e para mostrar a Angela Merkel que está empenhado em concretizar a sua visão promete uma reforma do trabalho em França, destinada a tornar o país mais competitivo.
Philippe Aghion, economista e conselheiro de Emmanuel Macron na elaboração do programa eleitoral, é claro nesta matéria. "A prioridade [do Presidente francês] é o mercado de trabalho e ganhar a confiança da Alemanha", disse Aghion numa entrevista ao Negócios publicada esta terça-feira.
A estratégia de Macron foi legitimada pelos franceses, sobretudo nas eleições legislativas, onde o partido do Presidente francês, "En Marche" obteve uma vitória esmagadora. Mais, numa atitude de inequívoca confiança, anunciou a possibilidade de recorrer a referendos para pôr em marcha a reforma das instituições que propõe, entre as quais a redução do número de parlamentares nas duas câmaras e o fim do Tribunal de Justiça da República.
"Ele virou do avesso o sistema político francês, juntando todos os reformistas da direita e da esquerda. Por isso tem uma grande representatividade eleitoral para reformar", sublinhou Philippe Aghion na referida entrevista.
A França de Macron é, neste quadro, uma novidade absoluta e um desafio para países como Portugal, Espanha, Itália e Grécia, que têm vindo a apostar naquele país como uma força de bloqueio a uma linha dura de férreo controlo das contas públicas sempre defendida pela Alemanha.
Para Macron, o alinhamento com Berlim é fundamental para a França recuperar o seu peso político e o estatuto de potência. Paris não quer ser o rosto dos países do Sul, mas co-líder da União Europeia, estatuto que perdeu há muito.
É claro que Angela Merkel só comprará esta aliança depois do Presidente francês passar das palavras aos actos, mas o que aí vem, caso Emmanuel Macron atinja os seus objectivos, é uma União Europeia reforçadamente ortodoxa em matérias económicas e mais flexível ao nível do mercado de trabalho, sendo que a incógnita é o casamento dos interesses da França e da Alemanha na questão da política externa. Macron quer ser líder do mundo livre, por oposição a Donald Trump. À Alemanha basta-lhe ser líder da Europa.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Entre Pedrógão e Tancos, a enxurrada oportunista



por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 04/07/2017)

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No início, a oposição manteve algum pudor perante a tragédia de Pedrógão. Sabia-se, e era legitimo que isso sucedesse, que as coisas acabariam por aquecer. Perante tantas mortes e tantas perdas, teriam de ser exigidas responsabilidades. E a ministra da Administração Interna estaria sob escrutínio rigoroso. Do meu lado, espero por factos. Para perceber se se confirma a única coisa pela qual esta ministra pode ser diretamente responsabilizada – a descoordenação no terreno de organismos e serviços que tutela. Se se confirmar isso levará à sua demissão.
Só que a impaciência com o diabo que nunca mais vem é grande. E o caso de Tancos fez PSD e CDS perderem a cabeça. A bebedeira demagógica está ao rubro. Assunção Cristas exigiu que António Costa regressasse de férias – até o facto do primeiro-ministro ir de férias está a ser usado como sinal de desnorte no governo – para demitir dois ministros. Carlos Abreu Amorim, que tem a característica de nunca saber muito bem onde fica a fronteira do ridículo, acrescentou à lista a ministra da Justiça. Ao que parece, não chegar a acordo com organizações sindicais é razão para demissão.
A ver se o debate ganha algum tino. Para demitir um ministro é preciso haver responsabilidades políticas num qualquer acontecimento. No caso da ministra da Administração Interna poderá haver, caso se prove a descoordenação no terreno, razões para a sua demissão. Constança Urbano de Sousa tem, como ministra, funções operacionais, já que o seu ministério é a cúpula de vários serviços. A coordenação no combate aos incêndios é, por isso, antes de tudo, responsabilidade sua. Já os problemas mais profundos, relacionados com a política florestal, não se devem nem a ela nem especialmente a este governo.
O ministro da Defesa não tem funções operacionais. Não é à sua guarda que estão os quartéis ou as armas. Ou há alguma prova de que ele falhou perante exigências das Forças Armadas e isso resultou neste assalto, ou a responsabilidade é de quem tem essa função: do chefe do Estado Maior do Exército, que não é um diretor geral do ministro. No dia em que decidirmos que os ministros da Defesa são responsabilizados por questões operacionais como esta teremos de lhes dar o poder para alterarem decisões operacionais da hierarquia militar. E isso seria, como qualquer pessoa percebe, um absurdo.
Claro que podemos decidir, como alguns já decidiram, que Pedrógão Grande e Tancos correspondem a um mesmo problema, construído em torno desta ideia uma narrativa sobre os cortes no Estado. É uma ideia interessante que tem duas consequências. A primeira é que ou se prova que este governo cortou naquilo que o anterior não cortava ou a oposição não tem grande coisa a dizer. Um exemplo: se a videovigilância não funciona há dois anos com que legitimidade Cristas, uma ministra do governo anterior, que estava em exercício quando essa falha começou, pede a demissão de seja quem for? A segunda é que se a questão for essa são o primeiro-ministro e o ministro das Finanças que ficam debaixo de fogo, não os ministros que foram vítimas dos cortes.
Se não for esta a razão dos pedidos de demissão, não há como tratar Pedrógão Grande e Tancos assuntos semelhantes e Constança Urbano de Sousa e Azeredo Lopes como ministros em situações comparáveis.
É natural que, perante os bons números da economia, a oposição tente criar uma narrativa unificadora de cada caso. Mas uma coisa é assumir que, com a soma de vários factos negativos para o governo, terminou o seu estado de graça, outra, bem diferente, é criar uma amálgama política que pretende levar na enxurrada do ambiente que se vive tudo o que apareça pela frente. Se exigimos rigor, temos de ser rigorosos na forma como o exigimos.

Portugal pede à Coreia do Norte que abandone programas balístico e nuclear

Portugal pede à Coreia do Norte que abandone programas balístico e nuclear
© KCNA KCNA Portugal pede à Coreia do Norte que abandone programas balístico e nuclear

O Governo português condenou esta terça-feira o lançamento de um míssil balístico pela Coreia do Norte e exortou Pyongyang a "retomar um diálogo sério com a comunidade internacional" e a abandonar os seus programas balístico e nuclear.
A Coreia do Norte anunciou hoje o lançamento do seu primeiro míssil balístico intercontinental, que lhe permitiria atacar os Estados Unidos.
"O Governo português condena o lançamento, em 4 de julho, de um míssil balístico pela República Popular Democrática da Coreia, que constitui mais uma violação flagrante das obrigações decorrentes de várias resoluções do Conselho de Segurança da ONU e compromete a segurança regional e internacional", lê-se num comunicado divulgado pelo ministério dos Negócios Estrangeiros.
Portugal exorta Pyongyang "a retomar um diálogo sério com a comunidade internacional e a abandonar os seus programas balístico e nuclear de forma completa, verificável e irreversível", acrescenta o ministério liderado por Augusto Santos Silva.
Na mesma nota, o executivo reitera o seu "empenho no rigoroso cumprimento das sanções unanimemente impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, assim como das medidas autónomas da União Europeia".
O "ensaio histórico" de um míssil Hwasong-14 foi supervisionado pelo dirigente norte-coreano Kim Jong-Un, anunciou uma apresentadora na televisão pública norte-coreana num noticiário especial.
Um analista de armas considerou que este tipo de míssil pode ser suficientemente poderoso para chegar ao Alasca, nos Estados Unidos.

Fonte: Lusa

Lágrimas de crocodilo



por estatuadesal
(Manuel Carvalho da Silva, in Jornal de Notícias, 02/07/2017)

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Mario Draghi esteve em Sintra no dia 27 de junho no Fórum da Banca Central e abriu os trabalhos com um discurso revelador. Disse-nos que desde há três anos está preocupado com a estagnação dos preços, ou mesmo deflação, na Zona Euro.

Mario Draghi tem razões para estar preocupado. Falta perceber se essas razões decorrem da sua constatação de que os povos têm sido sacrificados em vão, ou se, sendo evidente essa injustiça e ineficácia, ele se preocupa porque ainda não inventou novos processos para assegurar futuro a este capitalismo neoliberal predador. Draghi e seus pares têm construído estratégias monetárias e financeiras que vão encanando a perna à rã e no imediato deixam os povos respirar um pouco melhor, mas as suas políticas contribuem para "o programa de sociedade" neoliberal continuar a ser consentido, quer pela passividade associada à subjugação, quer pela abstenção que atrofia a democracia.
Num contexto em que o geral das empresas vende os seus produtos a preços quase estagnados e muitos trabalhadores veem o valor do seu trabalho (salários) diminuir, uns e outros são cada vez mais exauridos pelo peso da dívida no seu rendimento.
Para combater a deflação o BCE adotou uma política monetária, dita não convencional, que passa pela fixação de taxas de juros a níveis muito baixos - até negativos - e pela compra de títulos públicos e privados. Esta política tem, por um lado, impedido que o peso dos juros no rendimento dos endividados (incluído o Estado português) se tornem insuportáveis, e por outro, tem beneficiado os detentores de propriedade imobiliária e mobiliária, ao reforçar o valor dos seus ativos (ações, obrigações, edifícios e terrenos). Entretanto, a inflação continua abaixo da meta do BCE e isso preocupa Draghi.
O governador do BCE mostra-se particularmente perplexo com o facto de os preços não aumentarem num contexto em que, em toda a Zona Euro, o PIB vai crescendo acima da tendência e o desemprego diminui. Procura explicações para o que designa de "situação inabitual" e adianta as seguintes: a primeira remete para a descida dos preços da energia e de outras matérias-primas nos mercados mundiais; a segunda aponta uma maior disponibilidade das pessoas para trabalharem mais barato, em consequência dos processos migratórios e do retorno dos inativos ao mercado de trabalho; a terceira está associada à existência de um desemprego muito superior ao que é medido pelas estatísticas convencionais (segundo Draghi, uma medida mais larga de desemprego que inclua o subemprego e alguns inativos atiraria a taxa de desemprego na Zona Euro para 18%); a quarta - a mais surpreendente - aponta para os efeitos das "reformas estruturais" no mercado de trabalho. Disse Draghi, "o comportamento de fixação dos preços e dos salários na Zona Euro pode ter mudado durante a crise, de forma a abrandar a resposta da inflação (...) por exemplo, as reformas estruturais que aumentaram a negociação salarial ao nível das empresas podem ter tornado os salários mais flexíveis à descida, mas não necessariamente à subida". É caso para perguntar: os Draghi desta Europa são tão impreparados que não saberiam que isto inevitavelmente aconteceria?
É evidente que as "reformas estruturais" do mercado de trabalho impostas pelo BCE, até como condição dos seus resgates, reduziram a capacidade negocial dos trabalhadores e dos sindicatos, avançaram num conceito de negociação assente na unilateralidade do poder patronal, obrigaram trabalhadores idosos a procurar emprego, generalizaram o trabalho barato dos jovens e forçaram a sua emigração. Entretanto, a inflação pode mesmo surgir. Resta saber se não será sob forma de uma bolha especulativa no imobiliário das grandes cidades, incluindo em Portugal.
Deixem-se de hipocrisia. Os diagnósticos há muito estão feitos, existem propostas alternativas bem fundamentadas por amplos setores técnicos e científicos passíveis de forte apoio social. Em Portugal, não se devem adiar por mais tempo a revisão cirúrgica da legislação laboral, o incremento da negociação coletiva, o combate à precariedade laboral e a promoção do emprego digno.