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quinta-feira, 31 de agosto de 2017

O regresso do cavaco-vivo

30/08/2017 por António Fernando Nabais



A universidade de Verão de Castelo de Vide está para o Ensino Superior como as notas do Monopólio estão para o dinheiro, o que quer dizer que as aulas que ali decorrem não são, portanto, aulas, concluindo-se, portanto, que os docentes não são professores e que os alunos, portanto, os alunos, dizia eu, não estão ali para aprender. Pronto, confesso: é um rodízio de comícios.
Cavaco Silva foi um dos “professores” convidados e, de modo coerente, confirmou aquilo que de pior tem em si, que é, afinal, o melhor que pode dar ao mundo. O político que fingiu, durante anos, não ser político deu mais uma lição de vacuidade, o que, afinal, faz sentido na universidade de Verão de Castelo de Vide.
Cavaco regozijou-se com a perda de pio do socialismo e criticou, mais uma vez, um alegado anti-europeísmo , o que confirma o primarismo clubístico que está no cerne na sua visão do mundo, feita de ódios e nunca de análises, por muito que ponha um ar professoral.
Interessa-me, apesar de tudo, realçar, no cavacal discurso, a oposição entre realidade e ideologia. Para Cavaco, a ideologia é uma coisa má, insensata, especialmente se socialista (fica-se, até, com a impressão de que a ideologia só existe à esquerda, porque a direita é tão virtuosa que só pode ser realista). A esquerda, intoxicada de ideologia, acaba, segundo Cavaco, por ser contrariada pela realidade e a realidade só pode ser governada à direita, levando a que o socialismo perca, assim, o pio.
No entanto, é a ideologia defendida por Cavaco que dá cabo da realidade, da realidade dos cidadãos, dos trabalhadores, dos desfavorecidos. No fundo, a ideologia de Cavaco resume-se de maneira muito simples: o mundo, os países ou o Estado existem para servir as multinacionais e os grandes grupos financeiros, o que deve levar a que, entre outros aspectos, os direitos laborais ou os salários sejam sacrificados em nome de outros deuses. Cavaco é, naturalmente, um entre muitos, como Luís Montenegro ou Pires de Lima: as pessoas são preocupações menores das ideologias; a realidade dispensa pessoas.
Saúdo e saudarei sempre os reaparecimentos de Cavaco, porque é importante não esquecer quem contribuiu para a ruína dos portugueses, o que, de resto, lhe é indiferente, porque está convencido de que salvou o país. Não deixa de ser ridículo, mesmo que o riso seja amargo.

Fonte: Aventar

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Mark Zuckerberg prepara-se para destruir o que resta da imprensa portuguesa

29/08/2017 por João Mendes

O Facebook prepara-se para reduzir a pó a esmagadora maioria da imprensa portuguesa, senão mesmo toda. Como é sabido, a imprensa nacional atravessa uma fase extremamente delicada, caracterizada pela descredibilização, pelos conteúdos manipulados e pela perda de receitas. E o pior poderá estar ainda para vir.
O recente anúncio do grande irmão Balsemão, que se prepara para vender todas as revistas do grupo, incluindo referências com a Visão e a Exame, a par das situações financeiras ruinosas do grupo Newshold (Sol, i) ou do grupo Cofina, que deve milhões ao Estado, ilustram na perfeição o estado a que a imprensa nacional chegou.
Desesperados, os órgãos de comunicação social portugueses encontraram nas redes sociais uma nova forma de financiamento, através de um novo segmento de publicidade que depende directamente do número de acessos dos leitores, ou cliques. Porém, na ânsia do lucro fácil, generalizaram-se o clickbait e as fake news, termos que entraram de rompante no nosso glossário, tal é o uso e abuso dos mesmos. Perante o desinteresse crescente por uma imprensa que deita fora a experiência e a excelência, para a substituir por precariedade a preço de saldo, o resultado não surpreende.
Porém, nesta era de vigilância multidireccional, não são apenas os governantes e as empresas privadas a monitorizar os cidadãos. Também os cidadãos, com acesso quase ilimitado à informação, vão monitorizando umas coisas, e a imprensa tem estado debaixo de fogo. E bem, porque mente e manipula que se farta. Recordam-se do caso do avião que (não) se despenhou em Pedrógão Grande? E das garantias que o semanário Sol dava da saída de Mário Centeno do executivo Costa? São dois exemplos, poderiam ser mil, e devem ser punidos. E se a ERC não serve para nada, valha-nos o big brother Zuckerberg. Corte-se a publicidade aos aldrabões!
Sim, isto coloca um sério problema a todos nós: se a imprensa se desmoronar, a gestão da informação corre o risco de ficar nas mãos de quem tem recursos ou seguidores nas redes sociais. Imperará o amadorismo populista, parcial e manipulador. A ausência de rigor. Mas, não está já a maioria da imprensa ao serviço de interesses privados e, pior, político-partidários? Não estarão o populismo, a demagogia e a falta de rigor instalados na maioria das redacções deste país? Então talvez esteja na altura da nossa imprensa olhar para dentro e decidir se quer que o jornalismo continue a ser a excepção ou que volte a ser a regra.

Fonte: Aventar

O sexismo da Porto Editora já vem de longe

29/08/2017 por Eva Garcia

Dicionário da Língua Portuguesa, editado em 1986, Porto Editora
O João Mendes trouxe o texto do Ricardo Araújo Pereira (RAP) no qual se demonstra que, afinal, os cadernos não eram assim tão sexistas como se apregoou. E que o trabalho jornalístico à volta da questão deixou muito a desejar. Na verdade, os meios de comunicação social pegaram numa montagem de duas páginas para, a partir delas, tecerem ilações. E, por fim, a Comissão para a Igualdade de Género (CIG) laureou-se de poderes censórios e, “por orientação do Ministro Adjunto”, Eduardo Cabrita, recomendou à Porto Editora, que “retire[retirasse] estas duas publicações dos pontos de venda”.
RAP desmontou a questão, no programa Governo Sombra, implacavelmente e com graça, conforme se pode visualizar no vídeo seguinte.
Nota: O vídeo trunca parte do tema; pode ser visto na totalidade na TVIou ouvido aqui.
Foi a própria Porto Editora que publicou este vídeo no seu canal do YouTube, acrescentando o seguinte comentário:


Hay gobierno, há rentrée

Raul Vaz
Raul Vaz | raulvaz@negocios.pt28 de agosto de 2017 às 23:06

E quando é que António Costa pensa e quer abrir um novo ciclo? "Passadas as eleições autárquicas", que previsivelmente vai ganhar e que o parceiro do grande consenso vai perder. Eis o quadro ideal para o político produzir
Reli, com lupa. O Expresso voltou à carga (bem sei que o online tem os seus truques) com a entrevista de António Costa "originalmente publicada a 20 de Agosto", o momento que "marcou a rentrée". Isto com um título de suporte: "A actual solução governativa não depende de haver ou não maioria absoluta." Et voilà, Costa deu uma entrevista. Mais uma.
Se formos benevolentes depois de uma nova leitura, encontramos uma razão para a coisa, dita pelo protagonista: "Não deve haver ninguém em Portugal que há mais anos exerça consecutivamente funções executivas do que eu." Se António Costa fez contas, tem razão. Facto que pode, como este mundo mostra, ter interpretações diferentes. Mas Costa é, em betão, um democrata.
O pouco que fica da entrevista não marca nada. Muito menos uma rentrée. Claro que o politicão estende a pergunta convencional: "O que será prioritário na rentrée?" A deixa para um recomeço de Costa: "(…) Vamos abrir a grande negociação para um grande consenso sobre o que deve ser a estratégia nacional para o pós-2020." Consenso com quem? Seguindo o plano do primeiro-ministro, com quem "permita que o programa de grandes investimentos em obras públicas seja aprovado por dois terços na Assembleia da República".
E quando é que António Costa pensa e quer abrir um novo ciclo? "Passadas as eleições autárquicas", que previsivelmente vai ganhar e que o parceiro do grande consenso vai perder. Eis o quadro ideal para o político produzir política. Costa sabe que a seguir às autárquicas o PSD entra num processo de convulsão interna, com cabeça para tudo menos para um acordo suicidário com quem fez reversões em áreas do universo em que agora pede um consenso nacional alargado. O novo ciclo de Costa pretende apenas apagar, ou amaciar, o ciclo terrível do estio.
Há um outro pormenor que desmonta o circo. No seu número menos conseguido - desde que "há 20 anos tem funções executivas" -, António Costa despe-se e desilude nas vestes do pragmatismo: "Relativamente ao Brasil, como Angola, Moçambique, Guiné ou qualquer país lusófono, temos a regra contrária à do anarquista: hay gobierno, somos amigos."
A entrevista do primeiro-ministro ao Expresso é um acto falhado. Outras se seguirão para corrigir o tiro. O problema de Costa é que, neste Verão, perdeu o controlo da agenda. Claro que vai recuperar nas eleições de Outubro. Será suficiente? Pedrógão foi um murro com espessura e fractura social. Também é verdade que ontem começaram a cair uns pingos de chuva...
política.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Bombaças do sultão do Bósforo

28/08/2017 por Ana Moreno 4 comentários


Digo a todos os meus compatriotas na Alemanha: Não apoiem o CDU, nem o SPD, nem os Verdes! São todos inimigos da Turquia”, declarou a semana passada o presidente turco, instando a comunidade turca na Alemanha – com os seus 1,25 milhões de eleitores inscritos – a não votar em nenhum dos três maiores partidos nas eleições legislativas de 24 de Setembro. E como é de esperar nesta cepa de homens cuja virilidade se enfoca numa sensibilidade exacerbada àquilo que entende por sua honra e numa desmedida ambição de poder,  acrescentou: “Trata-se de uma luta pela honra de todos os nossos cidadãos que vivem na Alemanha”.
Esta foi mais uma conta no longo rosário da subida de tensão entre os dois governos.
Em reposta, Angela Merkel (CDU) afirmou ser “totalmente inaceitável” que o governo turco se intrometa nas eleições alemãs e Sigmar Gabriel, ministro dos negócios estrangeiros (SPD), considerou “um acto excepcional de ingerência na soberania do nosso país”. Cem Özdemir (líder dos Verdes), ele próprio de origem turca e que vem exigindo uma resposta mais veemente aos desmandos do déspota, afirmou que “teria sido uma ofensa o seu partido não estar incluído na lista negra de Erdogan”; Erdogan que está a transformar o seu país numa prisão a céu aberto.
Erdogan precisa urgentemente de atiçar o conflito para assegurar internamente o seu poder. À reacção de Sigmar Gabriel, de que não tolerava a ingerência de Erdogan, este respondeu como um fedelho no recreio: “Quem pensa você que é para se dirigir assim ao presidente da Turquia? Meta-se no seu lugar!” “Há quanto tempo é político? Que idade tem você?”